Excertos da História da Ética em Bittar

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O princípio desta construção histórica é marcada pela filosofia Socrática, no que diz respeito à especulação ética desenvolvida por Sócrates (469-399 a.C), visto que muitos autores a chamam de “testemunho ético”, com fundamento naquele que foi o divisor de águas, pois inaugura o pensamento filosófico desligado da filosofia antiga, baseando seus estudos numa linha de pensamento autônoma e originária que maiêuticamente voltava-se contra o despotismo das palavras que se havia instaurado nesse período da história grega.

Em seu testemunho Sócrates, envolvido na influência religiosa de seu tempo, baseia seu estudo sobre a ética no viés teológico, o que teleologicamente faz com que está contribuição vislumbre a felicidade, como sendo o marco a ser alcançado por aquele que eticamente agir.

“Sei que nada sei”, é também testemunho deste filósofo e que

Essa ética tem por fito a preparação do homem para conhecer-se, uma vez que o conhecimento é a base do agir ético; só erra quem desconhece, de modo que a ignorância é o maior dos males. Mas, conhecer não é fiar-se nas aparências e nos enganos e desenganos humanos, e sim fiar-se no que há de verdadeiro e certo. Erradicar a ignorância, portanto, por meio da educação (paidéia) é tarefa do filósofo, que, na certeza desses princípios, abdica até mesmo de sua vida para re-afirmar sua lição e seu compromisso com a divindade. (apud. BITTAR, 2006).

Sócrates primava pela ética do coletivo sobre a ética individual, elevando o ser virtuoso, aquele que tem como objetivo a felicidade, pois ambas ocupavam para este filósofo o mesmo lugar. Desta forma, a virtude atingiria a felicidade.

Já Platão, envolto ao seu idealismo, atem-se a virtude e transcendência ética. A ética platônica,

[…] destina-se a elucidar que a ética não se esgota na simples localização da ação virtuosa e de seu discernimento com relação à ação viciosa. De suas principais figuras textuais, de seus principais mitos, podem-se inferir lições que fazem a alma se orientar de acordo com padrões de conduta ditados a partir da noção de Bem. Se sua natureza é metafísica, também a natureza da verdadeira e definitiva ética será metafísica. Ao se moldar a conduta de acordo com estes reclamos, estará definitivamente, a alma, a se orientar de acordo com o Bem; ao desviar-se destes, estará, literalmente, deixando o barco ser guiado pela correnteza e não pelo timoneiro. No controle das almas pela alma racional reside a harmonia da virtude; no descontrole, o vício. (BITTAR, 2006).

Assim, orientar-se tinha como pressuposto ético a alma e foi neste ponto o testemunho socrático diferencia-se da escola platônica, pois aqueles vinculados a estrutura política (polis), e este intrínseco a academia, não ensinava nas ruas como Sócrates, pois direcionava seus ensinamentos cada vez mais distantes dos anseios da cidade.

Platão ainda pautava pela dicotomia virtude e vício, ordem e desordem, onde o vício figurava como o lado oposto da virtude, pois esta conduziria o homem à harmonia, desenvolvendo suas capacidades, sejam racionais, no controle de suas ações e instintos vistos no âmbito sentimental.

O que do contrário ficaria a postura do vício onde a harmonia era desprezada e o caos reinaria entre as partes da alma. Os deuses foram influentes nesta escola platônica, onde ordem e desordem, vinham de encontro, posto que uma apregoava a manutenção e a outra os torrentes sem controle.

Aristóteles, em sua Ethiké, vislumbrou a felicidade como sendo o bem supremo, sim a ética aristotélica

É uma ética teleológica, uma vez erige como fim do agir humano a felicidade (eudemonismo, de eudaimonía, felicidade em grego). A ética aristotélica se detém, sobretudo, no conceito de mediedade para explicar que a virtude é um meio-termo entre excessos. È esse meio-termo alcançável pelo discernimento dos opostos (excessos e carência), que favorece o cultivo da virtude e que fortalece o bem viver coletivo em sociedade. (BITTAR, 2006)

Em sua ética da finalidade Aristóteles, em seus escritos, teve por base de estudo as ações humanas, onde comparava estas com outras manifestações de natureza humana, pretendendo a compreensão da ação moral, como conseqüência lógica de tais qualificações.

Demonstrando clara preocupação com a justiça, Aristóteles ainda desenvolveu vários estudos sobre este tema, e sobre o problema da justiça é, dentro da filosofia aristotélica, uma questão acentuadamente de caráter ético. Tal premissa requer que preliminarmente se proceda a um exame do que se pode entender pelos termos éticos, eticidade e natureza ética, parafraseando aquele autor.

Portanto, a justiça ou a injustiça, no que concerne ao juízo feito sobre uma dada ação, só poderá ser medido ou sentenciado, quando visto em acordo com os critérios sociais e éticos de uma dada situação. Vislumbrado-se assim, os limites éticos que envolvem está conduta.

Desta forma, além da necessidade de uma vinculação temporal e espacial – social – para juízo valorativo que objetivará a felicidade, deverá partir do homem virtuoso, visto está felicidade, ou a sua felicidade, está diretamente vinculada a esta forma de vida dita gregária e social, pois é neste espaço que se encontra a conduta humana (legal), envolta a seus valores e ações.

Nas palavras de Bittar “o legislador deve estar atento às virtudes e vícios com vistas a realizar na sociedade a implantação de uma legislação que favoreça e estimule as virtudes e a cidadania. Nesse sentido, o estudo ético está intrinsecamente comprometido com o estudo político.”

Pelo trabalho do legislador, vem lecionar Aristóteles, que buscar-se-á promover a construção do homem virtuoso, baseado na construção das leis, estas postas a serviço da organização das cidades. Pautando também pela realização da cidadania, na participação destes mesmos virtuosos homens com o desenvolvimento político de seu tempo.

Seguindo está caminhada histórica conceitual tem-se no epicurismo1, ou doutrina epicúrea, conhecida também com a escola epicurista2 de pensamento,

[…] que organizava um determinado conjunto de idéias, e à qual se liga uma tendência doutrinal que elege no prazer a finalidade do agir humano, deve seu nome ao pensador grego Epicuro de Samos (341/270 a.C). Epicuro foi iniciador de uma corrente de pensamento que gerou muita polêmica pelos preceitos que produziu; sua obra está recolhida na forma de algumas cartas, um testamento, algumas sentenças vaticanas e máximas epicúreas. Porém, Epicuro não militou suas idéias sozinho, uma vez que deixou discípulos que disseminaram suas idéias, quais Menequeu, Heródoto, Pitocles, Metrodoro, Hermarco e Colotes. (BITTAR, 2006).

Voltava-se ao mesmo ponto comum do discussão das doutrinas anteriormente estudadas, a política, sendo agora não mais desenvolvidas nas ruas das cidades antigas, mas nos jardins e nas escolas, onde se pregavam os ensinamentos e realizavam-se os estudos envolto a discussão filosófica epicurista.

Neste diapasão, a ética epicúrea anunciava o viver humano com base em suas experiências construídas através de seus sentidos. Desta maneira, compreender o mundo para esta escola era fazer com que o homem abri-se seus canais sensitivos, para que as percepções se concretizassem. E leciona que a partir das coisas visíveis, como pelas invisíveis, da comparação, analogia e reflexão o homem teria condições mais que suficientes para a formação estrutural do conhecimento, num momento de interação homem, tempo e espaço.

O pensamento epícurista relacionava ainda prazer e justiça, onde a ausência do prazer estava diretamente relacionada com a ausência da felicidade. Com base na prudência e distante destes prazeres que tanto foram menosprezados pelo cristianismo da época, direcionando o viver feliz, velado pelo ser sábio, correto e justo.

Na filosofia de Lucio Aneu Sêneca3, precursor do estoicismo

[…] consagra para a história da filosofia e da ética a preocupação com a serenidade humana ao enfrentar as tribulações da vida, as injustiças do mundo, sabendo dividir-se em atitudes éticas mesmo estando consciente de que se está a viver em um covil de lobos. Seja a política desonesta, seja a inconstância das paixões humanas, seja a tentação das ofertas mundanas […] nada dever ser capaz de perturbar a serenidade e a certeza ética que moram no coração do homem sábio. Nesse sentido, saber-se diferenciar pela ética dos demais é próprio do sábio, é próprio do homo ethicus. (BITTAR, 2006).

Percebe-se que os estóicos como as outras escolas de pensamento filosóficas que de certa forma ganharam respaldo e respeito no campo da ética, fixaram sua teleologia na busca da felicidade, seja com base na mediania, vista a partir da conduta humana, seja através do espírito (alma) deste mesmo ser que agirá para o Bem.

Os ensinamentos estóicos vislumbravam a ética da ação atrelada a virtude, construindo assim o ser virtuoso, como sendo a principal das riquezas humanas, renegando a fortuna material.

Ultima Sêneca nas lições do autor demonstrar que,

a temperança e a superioridade da virtude, portanto, não se adquirem com manjares doces, não se tornam realidade efetiva se não são conquistadas, não moram no coração do homem sem esforços. Assim como se deve fugir daquilo que é pura aparência de bem, se deve fugir das frivolidades humanas, que é o que faz do homem um ser débil de coragem para afrontar as inconstâncias do destino e da vida. (BITTAR, 2006).

A virtude tão levantada em todas as escolas filosóficas, adjetivo que marca o estudo da ética em seus mais variados campos de atuação e pensamento. Os ensinamentos de Sêneca marcam por suas passagens voltadas a vida e a formação da coragem daquele que enfrentará os obstáculos desta, superando-os da melhor forma, superando-os com virtuosidade.

Santo Agostinho e Tomás de Aquino preceituam e estruturam a ética cristã4, reorientando o futuro da ética no mundo ocidental. Esta reorientação alicerça-se mais na noção de

livre-arbítrio que da noção de liberdade, se apóia mais na noção de vontade interior do que na noção de conjugação de interesses, de modo que suas posturas induzem à formação de uma orientação diferenciada em meio às já existentes éticas socráticas, platônica, aristotélica, estóica…Por vezes conflitante como o pensamento filosófico pagão, por vezes coincidente com algumas de suas premissas e conclusões, a ética cristã vive a tensão de ser uma medida nova para a conduta humana. Medida nova e de orientação na base da fé na divindade; o Cristo estava consciente de que trazia uma nova medida para os valores humanos, e declara que não havia vindo ao mundo para trazer paz, mas sim para trazer a divisão, dizendo que tinha pressa em que o fogo se ascendesse. (BITTAR, 2006).

Nos ensinamentos da ética agostiniana elevava-se a alma à divindade, na troca de valores e comportamentos, perfazendo diretrizes que conduziriam o homem, seja na família, no trabalho, na caridade, no pecado e no convívio com seus semelhantes, e a vontade humana a uma ética divina, guião da vida e da sociedade.

O que era propagado pela palavra dita sagrada, era uma ética orientadora, onde importantes dualismos foram motivados por conflitos e dicotomias, visto que inconciliáveis, sendo carregados por séculos, tornando nebulosa boa parte de suas soluções, entre a alma e o corpo, a justiça e a injustiça, a virtude e o pecado dentre outros.

Das mais famosas destas dicotomias tem-se em seus escritos a Cidade de Deus, onde figurava a cidade das virtudes e em seu oposto a Cidade dos Homens, como sendo a cidade dos pecados, onde

A vida humana, no lugar de se voltar para o crescente envolvimento com Deus, representava um desfile de atitudes que provam concretamente a ignorância das leis eternas (anarquias, guerras, roubos, assassínios, latrocínios, desmandos, autoritarismos, pilhagem, banditismo…). Agostinho vê nesse estado de transitoriedade, nesse conjunto disperso de eventos irracionais, um desprezo de Deus. Este é interpretado como constitutivo de um estado de coisas, chamado humano, terreno, que recebe em sua teoria a designação de Cidade dos Homens (civitas terrena). A Cidade dos Homens é, em síntese, reunião dos ímpios (societas ipiorum). (BITTAR, 2006).

A cidade terrena não corresponderia respectivamente a figura do Estado, posto que de muitos reinos eram feitas as formações sociais e políticas desta época. Mas a problemática delituosa e corrupta regava as instituições, invadia as estruturas do Império Romano e viciava uma sociedade pelo paganismo. E desta posição terrena, a ética cristã posicionaria a Cidade de Deus em seu lado oposto, deste modo ensina Bittar (2006),

É exatamente levando-se em conta essas diferenças que ao estado de coisas divino Agostinho atribui um nome, qual seja Cidade de Deus (Civitas Dei). A Cidade de Deus é a comunidade dos fiéis em Jesus Cristo, aqueles que serão beatos por conhecerem a Deus. Jesus Cristo é o fundador da Cidade Divina, e lutar contra os inimigos desta é função sacrossanta. Num mundo de iniqüidades, aproximar o homem de Deus é uma tarefa gigantesca a que se tem de lançar o fiel, reforçando a aliança inscrita no coração humano, a fim de fazer reinar também na Terra a Cidade de Deus.

Tal tarefa de elevar e aproximar o homem a Deus, de outro modo, interiorizar a vontade divina no homem, criando-se um caráter divino presente em tudo – onipresente – onde nada e ninguém poderiam fugir ou malograr a estas vontades. Nesta linha seguiu-se os ensinamentos da ética, livre-arbítrio e justiça, seguiu-se a ética aquiniana, voltando-se a uma ética da finalidade na construção do Bem.

Conduzir o homem as virtudes, redirecionar este ser a busca divina, pela fé, baseadas no culto da palavra que o salvaria de seus estados de sofrimento e medo afastando-se de seus erros. Logo,

As éticas tomistas e agostiniana procuram em fundamentos racionais e filosóficos motivos para concluir com sentenças muito semelhantes, porém não idênticas, suas apreciações acerca do mesmo fenômeno. São Tomás procura detectar na razão prática e na sinderese a fonte de determinação de certo e do errado, do bem e do mal, do justo e do injusto. Santo Agostinho destaca o livre-arbítrio como chave para a redenção dos erros, e encaminhamento das ações humanas de acordo com a vontade divina. (BITTAR, 2006).

Em sumo, se ao Ser Humano é dado a capacidade de desenvolver a virtude e também o vício, então é unicamente deste mesmo ser esta vontade de deliberar sobre o bem e o mal, para si ou para seu meio e, deste modo optar entre um e outro na efetivação de seu agir volitivo.

Já Espinosa5, nas especulações filosóficas espinosanas apresenta

A proposta da ética espinosana é realçar o potencial interno e racional que possui o homem para o controle das paixões, que desgovernam, e para o encaminhamento humano em direção à beatitude, à virtude suprema. Essa proposta consiste em discutir, more geométrico6, as condições pelas quais opera a razão pra bem construir a virtude humana. Isto porque o homem no desgoverno das paixões é homem servil; o homem no governo de si pela razão é um homem capaz de domínio de si. (BITTAR, 2006).

Deixar-se governar pela razão, em contrário a se desgovernar pelas paixões, pois é no guião da racionalidade que ao homem é dado o poder e a oportunidade de desenvolver-se virtuoso. Teleologicamente a razão o conduzirá a virtude, ao que é visto como bom, ao que é tido como sendo melhor.

Sinteticamente,

Deve-se extrair das proposições acima tratadas que Espinosa, em sua teoria ética, propôs na razão a chave para a construção do caminho ético humano. É o império da razão que retira o homem do lodo da paixão e o faz galgar em direção à luz da virtude; é o império da razão que retira o homem do estado de natureza, submisso que estava ao egoísmo e à desordem das paixões, para construir a sociedade, forma racional de vida e de direcionamento dos comportamentos individuais para a beatitude do conhecimento de Deus. (BITTAR, 2006).

O valor axiológico desta filosofia baseava-se na razão, inaugurando a razão de Deus, pois nada há fora desta construção, partindo-se da criação divina como verdade. A valorização pela razão aproximava as concepções espinosanas das formulações matemáticas, com bases em raciocínios operacionais para demonstrar toda a argumentação envolta a ética e o volitivo humano.

Com David Hume7, a ética aproximasse do empirismo8 indo

direto ao jusnaturalismo imperante. Reconhecendo pouco de universal à moral e ao direito, protegeu suas convicções das invasivas tendências ao imanentismo natural; para Hume, moral é expressão de empirismo ético. Nesses exatos termos é que Hume ter-se construído sua teoria.

A ética humeana não possui qualquer vínculo metafísico. Pelo contrário, procura construir-se a partir de recursos empíricos, recorrendo à explicação de que é de experiência sensorial que se extraem o caráter e as convicções morais. Nesse sentido é que vício será dito o que causa incômodo, e virtude será dito aquilo que causa satisfação. Não é a razão que informa o que seja o certo e o errado, o justo ou o injusto, mas a própria experiência humana. (BITTAR, 2006).

Pela experiência constrói-se o saber humano, pelo saber estruturado nesta vivência chega-se a determinação clara e razoável do que é ético para dado momento e dado espaço social. Assim, materializa-se este melhor agir, que gradativamente será adquirido com estas práticas. E destas práticas e conceitos úteis a iluminar os caminhos deste homem, pelo exercício das virtudes, sociais, vistos que construídas a partir desta, que permitirão o controle e a manutenção da vontade geral, sendo de todas as formas criadoras e úteis a esta.

Claro foi para Hume que o valor tinha por base construtiva o empirismo a experiência humana no que é bom ou mal, justo ou injusto. Sendo ainda propósito desta escola a preocupação com a finalidade útil de determinado valor.

Enriquecedor em sua obra é saber que para este filosofo, não há imanência das regras de justiça, não há nada que seja inerente, não há permanência nem está intrínseco, para ele há experiências, e deste modo experiências de justiça, as quais vão moldando-se e configurando-se nesta útil realidade empírica.

O utilitarismo apareceu em Hume, mas também está presente no pensamento de Bentham9, seguidor de Cesare Beccaria e de Adam Smith, envolto as influências de John Stuart Mill, escrevendo a ética utilitarista que na,

Filosofia utilitarista, cujo preceptor foi Jeremy Bentham, enuncia para o campo da ética que a felicidade humana depende da redução das dores e do aumento de prazeres (hedonismo), dentro de um cálculo geral de administração de interesses conciliáveis. O pensamento da ética utilitarista torna-se, em parte, responsável por justificar, filosoficamente, a transformação do fim em meio, na medida em que o que é bom é chamado de útil, e útil na medida em que é capaz de gerar prazer. (BITTAR, 2006).

A ética como instrumento útil para a materialização da felicidade humana, afastando-se assim a dor. E está é a verdadeira utilidade da ética para Bentham, onde fiar-se-á em função da busca de uma harmonia e bem-estar, aplicando de certa forma de um cálculo social, onde felicidade deve ser o denominador de maior valor.

O autor ainda assevera que

A filosofia utilitarista lançou suas conclusões sobre o campo da ética, trazendo, pelo pensamento de seu propugnador, Jeremy Bentham, os fundamentos do bem-estar como princípio geral de organização da sociedade. Isso quer dizer que o ser humano está jungido a movimentar-se de acordo com a apreciação da dor e do prazer, que são base de todo agir ético humano. Nesse sentido, ser feliz é estar participando abundantemente do que é causa de prazer e estar distante do que é causa de dor. (BITTAR, 2006).

Bem-estar e estar bem, entre a dor e o prazer, a justiça e injustiça, o bom e o mal, são variáveis quase que matemáticas para a filosofia de Bentham, pois é o somatório destas ditas variáveis que determinarão o cálculo aproximado e bem medido do que é benefício e o que esta para o malefício social. Benéfico, porque útil para a sociedade, o direcionador das condutas humanas principiologicamente embasadas na moral e na construção ética.

Kant10, em sua ética racionalista e deontológica, propõe-se a rever o dogmatismo de (Wolff) e o ceticismo (Hume). De fato, entre estes dois extremos, Kant

procura-se posicionar a filosofia Kantiana, conciliando inclusive empirismo e idealismo, redundando num racionalismo que acaba por re-orientar os rumos das filosofias moderna e contemporânea. Dados bibliográficos confirmam na prática o que foi seu pensamento em teoria: rigor, perseverança e imanência racional. (BITTAR, 2006).

Kant vem retificar muitas das idéias éticas construídas anteriormente ao seu tempo, redirecionando-os para a razão, peça esta organizadora do conhecimento captado a partir da experiência, mas não integralmente desta.

O racionalismo kantiano é marco, engrandecedor deste campo das idéias éticas. Kant ainda re-orienta o pensar epistemológico, pois redireciona o potencial construtor deste conhecimento antes ocupado pelo objeto a ser fruto da experiência e re-aloca, no sujeito que irá estruturar tal conhecimento.

A ética revolucionária kantiana,

[…] em suas discussões, de um lado, vai relatar a insuficiência do sistema racional para a resolução do conflito ético humano, bem como, de outro lado, relatar que não é na experiência sensível que se encontrará o elemento que garanta a felicidade e a realização ética humana. Está, portanto, consciente de que a especulação, a ciência e a elevada consciência racional não conduzem à felicidade. (BITTAR, 2006).

Neste colacionar, ater-se-á na felicidade, que seria, ou que poderia ser o objetivo da consciência racional, visto no campo da ética. Mas percebe-se também que Kant não abandona integralmente o que vem ser a finalidade da conduta humana, que fora anteriormente meta de muitas escolas filosóficas mais antigas, fala-se aqui da felicidade. Não houve o abandono desta, mas vê-se que a teleologia da felicidade permanece em atual discussão.

Pensar em Kant ou na filosofia kantiana é encontrar-se em meio a reflexão do imperativo categórico; onde só agirá segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal, deste modo, o seu leitor se encontra envolto a reflexões de uma lei racional universal, de um respeito universal, ou melhor de uma moral universal.

Desta forma,

O imperativo categórico é único, é absoluto, e não deriva da experiência. Não temem vista a felicidade, mas de sua observância decorre a felicidade. O imperativo hipotético guiaria, nas sendas práticas, o homem no sentido de alcançar objetivos práticos, como o da felicidade. Mas, não o imperativo categórico, que subsiste por si e em si, independentemente de qualquer vontade ou finalidade. (BITTAR, 2006).

O imperativo pesa em seu propósito, pois declara objetivamente a ação que deverá ser realizada, e ao autor desta ação estará envolto a um somatório de escolhas que poderão preceituar e guiar seus objetivos. Sendo estas determinações, os caminhos a serem seguidos, como bem vistos pelo filósofo, serão os geradores de suas conseqüências.

A construção kantiana inaugura um novo modelo ético. Desatrelando-a dos mecanismos teóricos e práticos utilizados por épocas, trazendo ao encontro da ética a liberdade, pois está é a base para o desenvolvimento do imperativo categórico. A preocupação ética de Kant é magistral e suas construções com base na razão, na apriorística e na universalidade do agir da conduta humana, avultam a sua importância nos mais variados campos do conhecimento científico.

Em Nietzsche11tem-se

Uma obra com forte ruptura com a moral tradicional, abalando, em pleno século XIX, crenças fortemente arraigadas ao homem de sua época. É exatamente essa a norma peculiar de sua atitude diante do mundo. Apesar das fortes reações dos círculos mais tradicionais às suas posturas filosóficas, a filosofia moral nietzschiana repercute a ponto de determinar forte influxo de idéias para o século XX. (BITTAR, 2006).

Pensar em Nietzsche, é pensar a ruptura, é pensar o radicalismo, puro e distanciado de seu olhar pejorativo, construtor de magníficas idéias morais, que influenciaram as teorias contemporâneas e influenciam a esta construção teórica em momento de pós-modernidade.

Em sua genealogia Nietzsche, questiona a origem dos valores morais, alocando-os em local determinante para a caminhada construtiva da humanidade.

A filosofia Nietzsche, baseada na crítica e na problematização do modo impositivo ocidental de ser no mundo, escavando seus valores, compreendendo tais complexidades, objetivando muitas rupturas.

Nietzsche, em Além do bem e do mal, destaca em seus estudos sobre a moral, que não há fenômenos morais, mas há apenas uma interpretação moral dos fenômenos. Este que irá discutir e redefinir com base nas descobertas e nas quebras cristalizadas das estruturas construídas no passado e nas questões éticas lá postas.

Assim leciona Eduardo C. B. Almeida (2006)

[…] desloca-se o eixo de preocupações morais do valor para o valor do valor (que valor se atribui a cada valor como bom e mal), na postura de transvaloração dos valores. E, após a constatação dos erros da moral do passado, não basta simplesmente aceitar ou conhecer esse fato, pois se torna imperativo desmistificar diversos dos ídolos construídos como norteadores da conduta moral, ou, ainda, carece desconstruir o passado, para revesti-lo de novo simbolismo que propulsione os indivíduos para o futuro. Eis a necessidade do martelo, nietzschiano para efetivar esse projeto. Esse martelo funciona, sobretudo, contra a inocência do moralista, quando se trata de inscrever o método genealógico como o único instrumento de reavalização da história morta.

O obrar das idéias de Nietzsche, foi para o seu momento e está para o momento futuro, o traçar dos parâmetros e as diretivas da compreensão e os fundamentos de sua filosofia. Pedir a quebra e o desmantelamento de uma cultura ou de uma idéia religiosa ou a ruptura de uma construção simbólica que determinantemente reconhecida e posta em choque, deverá ser socialmente aceita e também socialmente implementada, por mais que a verdade possivelmente seja descoberta por um único ser, a real efetivação desta verdade dependerá deste todo ser sobrevivente nas mazelas da ilusão.

Moore12 em sua ética analítica e intuicionista consolidou excelentes formas de análise da figura ética e da autonomia da ciência, ademais

[…] sua obra discute o tema ético, e ao deixar de se referir expressamente aos seus grandes expoentes, a saber, Stuart Mill, Jeremy Bentham, Emmanuel Kant, Bérgson, Spinoza, Hegel, Henry Sidgwick, entre outros. Mas, sua obra não perseguirá quaisquer objetivos anteriores ventilados na história do pensamento, de modo direito: a ética e a virtude; ética e a transcendência; a ética e a natureza humana […] .Suas preocupações estarão direcionadas para: a linguagem ordinária, a analítica do discurso moral, a metodologia, a conceitologia, o hermetismo da verdade e da linguagem, a expressão da filosofia e seu papel – os grandes temas de suas discussões.

Em solo ético, Moore é fundamentalmente, no sentido de reflexões metaéticas, ao modo de uma epistemologia para as ciências, ou seja, versará acerca das possibilidades de ensino e conhecimento das regras éticas e das proposições éticas. A palavra bom pode ser definida, é passível de ser identificado para esses significante um único e absoluto significado?. (BITTAR, 2006).

Para Moore a ética estava atrelada a liberdade, re-alocando a ética para o campo da especulação, dos métodos de compreensão. Desloca o foco primeiro da atenção que colocava as coisas como centro de formação e experiência ética, relativizador do fundamento de outras escolas filosóficas, com a chamada falácia naturalista, portanto, iria questionar as relações feitas no passado pelos autores já estudados e outros, objetivando perfazer a ética não só no natural, mas também no mundo suprafísico.

Nesta linha, friza-se a necessidade de que se o Ser humano venha a buscar determinadas respostas para suas atuações terrenas, tendo ele a possibilidade de compreendê-las a partir de novos pontos e campos de análise, poderá desde então buscar estas respostas em si e no seu interior. Mas especificadamente em suas intenções.

Moore criou seu fundamento nas intuições humanas, das quais serão também base para as ações no campo da ética, interagindo entre a natureza das coisas e o empirismo, o testar.

A ética e a ciência do bom para Moore,

[…] não é a teoria da conduta humana. Com essa polêmica assertiva pode-se vislumbrar a fissura que produz o pensamento de Moore no terreno ético. Para esse pensador, a ética versa sobre o bom e também sobre o adjetivo que lhe é contrário, o mau. A palavra ética, no sentido que Moore quer empregar, de modo mais apropriado, significa a indagação geral acerca do que é bom, para qual não existe similar ou substituta. (BITTAR, 2006).

Percebia o filósofo que o bom seria fruto de uma interpretação fundamentalmente empírica. Utilizando-se assim de uma analogia, onde figuram cores, e tais cores poderão ser percebidas de forma e nomes diferentes, a par da situação, pois a cada um é dado o poder da percepção, mas que empiricamente estas cores poderão ganhar diferentes características. Deste modo o pensador desdobra sua explicação, e torna compreensivo seus estudos sobre ética e a percepção do bom, em seus vários viés analítico, teóricos e históricos.

 

Referências bibliográficas

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. SP: Saraiva, 2006.

Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

1Doutrina filosófica que identifica o bem como o prazer, encontrando na prática da virtude e na cultura espiritual.

2A doutrina epicurista resume-se, em linhas gerais, a discutir e a traçar em torno de temas, quais o da matéria, o átomo e o das sensações. Fundamentalmente empírica, essa doutrina anuncia uma explicação do mundo a partir dos elementos que o integram. O cosmos existe, para o epicurismo, e faz parte de suas preocupações. Porem, o cosmos, infinito que é, funciona como um conjunto concatenado de elementos mínimos, os átomos, que interagindo causam as condições de formação da vida. Nesse sentido, a dissolução da vida é somente a desagregação dos átomos que a ela deram origem, o que causa a privação de toda sensação; a morte nada significa na medida em que deixa de existir a causa de todo conhecimento, de toda dor e de todo prazer,a saber, a sensação. (BITTAR, 2006).

3 De origem espanhola, Lucio A. Sêneca, Lucius Annaeus Sêneca, (4 a.C 65 d.C) foi um homem político que marcou seu tempo. De grande influência política, participativo e ativo nos negócios públicos (advogado, senador, questor, conselheiro…), teve reconhecimento nas cortes e circulou entre os homens e as decisões mais céleres de sua época. Tendo-se tornado personalidade de nomeada, passou a sofrer também as vicissitudes de sua eminência (acusação de adultério, que lhe leva ao exílio; acusação de traição), até que, por fim, se suicida em 65. d.C., como renúncia política, filosófica e ética, por ter sido envolvido em uma conspiração da qual consta não ter feito parte.

4Não somente a base cristã é comum a Santo Agostinho (350-430 d.C.), cognominado Pater Ecclesiae, e a São Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.), cognominado Doctor Angelicus, mas sobre tudo a projeção teórica que alia duas facetas, um mística e outra racional, do ser humano.

5 O imenso acervo filosófico espinosano é uma polêmica forma de se conceber o mundo e as coisas. Na linha de raciocínio de seu tempo, Baruch Spinoza (1634-1677), ou Bento de Espinosa, já representava um pensador de caráter provocativo, o que diretamente se verifica na proposta de sua obra, cujos próprias interpretações históricas reconheceram, de modo que se inaugurou uma série de desencontros, desacertos e interpretações preconceituosas que acabaram por criar uma imagem, por vezes inclusive, negativa do autor. Por ter-se imiscuído em solo metafísico, sobretudo em uma concepção própria da divindade, gerou sérias reações por parte de judeus e católicos ortodoxos. Espinosa movimentou as opiniões do século XVII e XVIII, ora sendo categorizado como ateu, ora sendo nominado como panteísta. Em parte, a polêmica da obra se deve a uma postura espinosana de dividir os procedimentos teológicos e os filosóficos, de modo a que os primeiros, baseados a fé, não pudessem se racionalizar, e os segundos, baseados na razão, não pudessem se teologizar.

6Pensar more geométrico a realidade ética é matematizar o âmbito dos conhecimentos valorativos. Esse tipo de proposta teórica-metodológica acaba por retesar as dimensões de um fenômeno que, por natureza, é um fenômeno flexível e plural: o fenômeno ético.

7David Hume (1711-1776) destaca-se em seu tempo por provocar uma revolução filosófica nos conceitos éticos, jurídicos e políticos reinantes. Ao contrário de afirmar a supremacia da razão e dos métodos racionais de alcançar a certeza e a verdade, ao estilo cartesiano, conduz sua reflexão para o caminho da re-construção do conhecimento humano a partir de bases sensoriais. A filosofia humeana tem seus alicerces baseados na experiência, que figura como a grande matriz do conhecimento humano. Em um primeiro sentido, seu pensamento se enquadra nas demais pretensões das filosofias empiristas inglesa e escocesa. Em um segundo sentido, sua filosofia destoa do racionalismo jusnaturalista imperante.

8Foi uma reação direta ao racionalismo do século XVIII. Ao contrário de destacar a importância do juízos lógicos e decretar impecáveis as sutilezas racionais. Hume se afirmou como cético e empirista, levando às últimas conseqüências sua explicação da origem do conhecimento dos sentidos.

9Filósofo inglês, influenciado pelo iluminismo francês, Jeremy Bentham (1748-1832), nasce esse movimento teórico que haveria de revolucionar os cânones até então estabelecidos. O filósofo cresceu em um meio de efervescência teórica, ideológica e civil, uma vez que nasce em Londres, quando na França se está publicado O espírito das leis, de Montesquieu (1748), vivendo e, em parte, compactuando com as turbulências do revolucionismo de 1789.

10 Em Manuel (Immanuel) , toda a contribuição de maturidade de Emmanuel Kant (1724/1804), representou um esforço de superação de suas próprias concepções anteriores e de outros paradigmas filosóficos, com vista à formação de um sistema que explicasse as regras da razão prática e da razão teórica. Suas principais obras giram em torno desse tema e são: A crítica da razão pura (1781), A Crítica da razão prática (1787), Crítica do Juízo (1790), Fundamentos da metafísica dos costumes (1785), A metafísica dos costumes (1797), Sobre a paz perpétua, dentre outras.

11 Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844/1900), filósofo de origem alemã, é identificado como teórico do voluntarismo e do niilismo filosófico. Seu pensamento se debruça sobre temas das mais diversas latitudes, mas destacam-se suas preocupações sobre a religião e a moral como pontos-chave de seus textos. De fato, suas elocubrações possuem incursões sobre muitas temáticas (histórica, música, filologia, religião…) e, inclusive, sobre a temática moral. Ao deitar-se sobre os valores e ao discutir sobre as crenças é que causa profundos abalos na consciência coletiva ocidental, com as propostas que caracterizam sua filosofia niilista. Antes de se tornar autor de reconhecida nomeada em sua época, chegou a se destacar em filologia, tornando-se professor dessa ciência na Universidade de Basiléia.

12 O pensamento do inglês George Eward Moore (1873-1958) deve ser estudado como importante referência do século XX na temática ética, uma vez que sua marcante obra, Principia ethica, teve sua publicação no mês de outubro de 1903, e se celebrizou por encaminhar a ética para as mesmas preocupações filosóficas que já avassalavam seus contemporâneos, e que se tornaria a principal ocupação dos pensadores do século: o problema analítico da linguagem.

Paulo Jose Libardoni

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