Elementos essenciais e principiologia das relações obrigacionais

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RESUMO

O Direito Civil, em especial o Direito das Obrigações, surgiu com o intuito primordial de regulamentar as relações privadas entre os indivíduos, disciplinando, precipuamente, o exercício da vontade particular no que se refere às questões patrimoniais. Nesta senda, no que tange às relações obrigacionais, a tradição sempre ditou que apenas o credor era titular de direitos, sendo o devedor, portanto, um subordinado, titular de todos os deveres oriundos desta relação, sob o qual recaia, unicamente, a função de contribuir para a satisfação da pretensão creditícia. A partir de uma nova concepção, que busca evoluir na análise das nuances desta relação jurídica, a relação obrigacional passa a ser encarada sob um aspecto dinâmico. Desta feita, o negócio jurídico passa a ser considerado enquanto processo, o que, neste sentido, justifica a exigência de que os agentes exerçam suas posições pautados numa série de condutas voltadas, muito mais que ao adimplemento da pretensão creditícia, à satisfação dos interesses harmonizados pelo instrumento contratual. Essa virada conceitual ocorre, essencialmente, a partir da implementação de uma ordem pública pautada pelo princípio da boa fé objetiva e da função social do contrato, superando a clássica visão liberal-individualista do ordenamento jurídico civil, a partir da instituição de uma ordem jurídica fundada na harmonização dos mais diversos interesses individuais e coletivos, principalmente o respeito e proteção à dignidade da pessoa humana, de um lado, e a garantia da livre iniciativa e do trabalho, de outro. A este fenômeno a boa doutrina dá a denominação de Constitucionalização do Direito Privado. Nesta perspectiva, os princípios constitucionais superam a senda pública e passam a nortear, também, as normas instituídas a fim de regular as relações até então encaradas como estritamente privadas, pois que, a partir deste novo paradigma, a boa execução e o respeito às obrigações voluntariamente contraídas ultrapassam o interesse dos contratantes para atingir, ainda que por via reflexa, o interesse coletivo. Este trabalho pretende, a partir desta constatação, debater a chamada teoria da onerosidade excessiva, construída com base nos fundamentos até aqui apresentados e a partir da constatação de que essa relação particular, pela ocorrência de eventos externos não considerados no momento da celebração, pode sofrer alterações tais em seu status que dificulte ou impossibilite seu adimplemento por qualquer das partes. No ordenamento jurídico pátrio, tal teorização recebeu guarida pelo disposto nos artigos 317 e 478 do Código Civil. Segundo interpretação literal dos dispositivos supracitados, a resolução ou revisão contratual é possível sempre que houver uma desproporção manifesta da prestação, advinda de eventos imprevisíveis e extraordinários que possam surgir no decorrer da execução do contrato. Porém, a partir de uma hermenêutica sistemática do mesmo texto legal, faz-se necessário uma releitura conceitual a fim de minorar um possível descompasso entre a necessidade de harmonização da relação contratual e o comando do próprio art. 317, CC, uma vez que o requisito da imprevisibilidade pode, na prática, demonstrar-se de difícil análise e comprovação, perpetrando verdadeiro obstáculo à proteção do equilíbrio contratual pretendido. Se advogarmos por sua supressão, bastando, para a convocação da teoria, apenas a demonstração de que na relação houve desequilíbrio nas obrigações recíprocas pela ocorrência de evento extraordinário, a aplicação da teoria demonstrar-se-á mais eficaz. Apoiaremos nossa argumentação na constatação de que preceitos gerais do próprio Código Civil, como os comando de ordem pública da função social do contrato (art. 421) e boa-fé objetiva (art. 422), permitem, por si só, a revisão e resolução de contratos que se demonstrem desajustados, sem, contudo, ser necessário verificar, absolutamente, a presença do requisito da imprevisibilidade. A partir do que foi apresentado, constatar-se-á que o principio da igualdade, juntamente com as cláusulas gerais do Código Civil, objetiva, fundamentalmente, promover o equilíbrio contratual, sendo suficiente para tanto. O presente trabalho, por meio de uma revisão literária, tem por objetivo promover uma abordagem axiológica sobre as relações obrigacionais, principalmente com relação à aplicação da teoria da imprevisão, perquirindo seu exato teor e os requisitos realmente essenciais à sua aplicação.

Palavras chaves: Teoria da Onerosidade Excessiva. Teoria da Imprevisão. Boa-fé Objetiva. Nova hermenêutica art. 317 e 478. Isonomia contratual. Imprevisibilidade. Requisitos da revisão contratual.

 

ABSTRACT

The Civil Law, in special the Law of Obligations, emerged with the main purpose of regulate the private relations between individuals, especially disciplining the exercise of private will in patrimonial issues. In this matter, regarding the obligational relationships, tradition always dictated that the creditor was the only rightholder, the debtor being, therefore, a subordinated, bearer of all the duties originated by this same relationship, on whom lies, solely, the function of helping to meet the credit claim. From a new concept, which seeks to evolve in the analysis of the nuances of this legal relationship, the obligational relationship becomes to be seen from a dynamic aspect. This time, the legal transaction is regarded as a process, which, in this sense, justifies the requirement that agents exert their positions in a number of behaviors focused, much more than to meet the credit claim, on satisfing the interests harmonized by the contractual instrument. This conceptual turn is essentially based on the implementation of a public order guided by the principles of good faith and social function of contracts, overcoming the classic liberal-individualistic view of the civilian law, from the establishment of a legal system founded on the harmonization of the multiple individual and collective interests, especially the respect and protection of human dignity on the one hand, and the guarantee of free enterprise and work, of another. To this phenomenon the good doctrine gives the name of Constitucionalization of Private Law. By this perspective, the constitutional principles overcome the public field and begin to also orient the norms established to regulate the relationship until then viewed as strictly private, since, by this new paradigm, the good execution and the respect to the obligations voluntarily acquired surpass the contractors interest to reach, though by a reflex via, the collective interest. This paper intends, from this statement, to discuss the so-called theory of excess burden, built on the foundations presented so far and on the fact that this particular relationship, by the occurrence of external events not considered by the time of the contract conclusion, can suffer such alterations in its status that hinders or precludes its satisfaction by either of the parties. In the domestic legal system, such theorization received shelter by the provisions of articles 317 and 478 of the Brazilian Civil Code. According to the literal interpretation of the above devices, the contract resolution or review is possible whenever there is a manifest disproportion of the installment, originated from unforeseen and extraordinary events that may arise during its implementation. However, from a systematic hermeneutic of the same legal text, it is necessary a conceptual rereading in order to mitigate a possible mismatch between the need for harmonization of the contractual relationship and the command of the art. 317 of the Brazilian Civil Code, since the requirement of unpredictability may, in practice, demonstrate itself as difficult to prove and analyze, perpetrating real obstacle to the protection of the desired contractual balance. If we advocate for its abolition, being sufficient, for the convening of the theory, just to demonstrate that there was imbalance in the relationship reciprocal obligations by the occurrence of an extraordinary event, the application of the theory will prove to be more effective. We shall support our argumentation on the fact that general principles of Civil Code itself, as the public order dispositives of social function of contracts (art. 421) and good faith (art. 422), allow, by themselves, the revision or resolution of contracts that prove to be misfits, without, however, having to verify, absolutely, the presence of the requisite of unpredictability. From what was presented, it will be seen that the equality principle, together with the general clauses of the Brazilian Civil Code, objectify, fundamentally, to promote the contractual balance, been sufficient for that. This work, through a literary review, aims to promote an axiological approach on obligational relationships, particularly with respect to the application of the theory of unpredictability, inquiring its exact content and the requirements actually essential to its application.

Keywords: Theory of excessive burden. Theory of unpredictability. Objective good faith. New hermeneutic of articles 317 and 478 of the Brazillian Civil Code.OuvirLer foneticament Dicionário – Ver dicionário detalhado

 

1. Considerações Iniciais

O Direito Civil, em especial o Direito das Obrigações, surgiu com o intuito primordial de regulamentar as relações privadas entre os indivíduos, disciplinando, precipuamente, o exercício da vontade particular no que se refere às questões patrimoniais.

Para atingir as finalidades desejadas, o contrato surge como instituto jurídico válido e eficaz para este fim, materializando a obrigação avençada entre duas ou mais partes, com fito de regular a exigibilidade da prestação nele contida. Formaliza (e não cria, pois este momento é anterior ao contrato1) a chamada relação obrigacional, vinculando as partes ao estabelecer prestações recíprocas que, quando cumpridas, denotarão o adimplemento da obrigação.

Uma das mais importantes conclusões a que o estudioso pode chegar, nesta análise, é que o contrato é um mecanismo de harmonização de interesses diametralmente opostos2. O escopo último do adimplemento obrigacional é, de um lado, a maior satisfação dos interesses do credor (pólo ativo), e, de outro, a menor onerosidade para o devedor (pólo passivo). É, pois, verdadeiro instrumento de cooperação, através do qual as partes de comprometem, por meio da assunção de obrigações recíprocas, a comportarem-se com fulcro no atingimento do seu fim maior.

O verbete adimplere, em latim, significa cumprir, executar. Caso as prestações assumidas não sejam devidamente cumpridas, portanto, ocorre o que a doutrina denomina de inadimplemento. Segundo o dicionário Houaiss, a palavra inadimplente entrou na língua portuguesa em 1958 e significa “aquele que falta ao cumprimento de suas obrigações jurídicas no prazo estipulado”(HOUAISS:2001). Nesta ocorrência, o intuito do negócio jurídico não foi alcançado, e o Direito Civil dá tratamento especial para essas situações.

O indivíduo, garantido em sua liberdade de manifestação, é livre para contratar sobre o que quiser e com quem quiser, quando e sob a forma que bem entender (obviamente que nos exatos limites da legalidade). Em decorrência desta autonomia, aquele que adere a um pacto, manifestando a sua vontade livre e conscientemente, cria, entre si e o outro aderente, um vínculo tal que dele não se pode afastar. É daí portanto que se conclui: pacta sunt servanda3.

No entanto, para que se possa exigir do devedor o adimplemento de suas específicas obrigações, necessário é a averiguação da possibilidade do cumprimento da prestação assumida. Isto porque, em se tratando de negócio de trato sucessivo e de prestação continuada, certo que a dilação da relação obrigacional no tempo faz com que a mesma esteja a mercê de influências externas não presentes ou não consideradas no momento da celebração.

Desta maneira, é conveniente destacar que para a ocorrência do perfeito e exato adimplemento esperado, é importante que as circunstâncias presentes durante a celebração do contrato permaneçam as mesmas do momento de sua execução, sob pena de se tornar juridicamente impossível ou, ao menos, difícil a sua efetivação. Isto porque, em virtude da alteração das circunstâncias que gravitam a relação contratual, pode a avença sofrer, ainda que indiretamente, uma afetação tal que a necessária paridade presente nas justas convenções se perca.

Esta constatação não é recente, muito menos inovadora. Os canonistas, glossadores de textos do Direito Romano, já na Idade Média, afirmavam que contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur4. É, de toda a sorte, um abrandamento do comando exarado pela máxima pacta sunt servanda; um condicionamento da sua força imperativa, pois que a efetivação da obrigação contratual só pode se dar se o status quo das “coisas” permaneça o mesmo.

Passa-se a pressupor, portanto, que em toda convenção, seja qual for seu objeto ou sua forma de celebração, está presente uma cláusula, ainda que tácita, que reproduz o comando retrocitado. Daí, portanto, falar-se em cláusula rebus sic stantibus.

Contudo, a pretensão de uma das partes em reavaliar as condições contratuais raramente é voluntariamente aceita pela outra. A fim de que esta condição se implemente, ou seja, afim de que os contratos sejam interpretados sempre considerando-se as condições sob as quais foram implementados, o convenentes necessitam de instrumento jurídico capaz propiciar esta hermenêutica, quando esta pretensão demonstrar-se resistida. Surge, outrossim, a chamada teoria da imprevisão.

É exatamente neste ponto, com vênia a todo o respeito que mereçam, que renomados doutrinadores se equivocam, ao tratarem como sinônimos institutos que são distintos. Não é verdade, pois, que teoria da imprevisão e a cláusula rebus sic stantibus sejam conceitos ou institutos sinônimos. É, muito antes, uma relação de meio e fim, um instrumento voltado a um objetivo. É através da aplicação da teoria da imprevisão que se persegue uma inteligência proporcional das relações contratuais.

Feita a breve consideração acima, passemos a análise do referido instrumento. Com a intenção de garantir que prestação e contraprestação estejam em justa proporção, e, mais, que credor e devedor relacionem se sobre um mesmo patamar, o Código Civil Brasileiro abarcou a possibilidade de revisão ou resolução contratual, quando o desequilíbrio for visível em virtude de situações específicas.

O novo diploma, em seus artigos 3175 e 4786, disciplinam, respectivamente, as possibilidades de revisão e resolução contratual quando circunstâncias supervenientes à vontade das partes incidam sobre as prestações de forma a torná-las excessivamente onerosas. Trazem, portanto, em seu bojo, o teor da teoria da imprevisão ou teoria da onerosidade excessiva7 no Direito Brasileiro, dependendo, a nomenclatura, do caso em que o instituto for aplicado.

Entretanto, convém salientar que a possibilidade de intervenção judicial nos contratos, para que seu equilíbrio seja restabelecido, funda-se na constatação, pelo próprio ordenamento, que a relação obrigacional é uma relação dinâmica, encarada como um processo8, regida por uma série de princípios e cláusulas gerais que formam verdadeiro supedâneo à sua validade e eficácia.

Aliado à mudança paradigmática sobre a natureza da relação obrigacional, ocorre também uma alteração do método hermenêutico do próprio Direito Civil. Antes encarado como seara distinta e dissociada dos regramentos publicistas, com regras e princípios próprios que com estes não se confundiam, os intérpretes passam a fundar suas leituras do diploma civilista numa interpretação conforme o texto da Carta Política. Num processo que ficou conhecido como Constitucionalização do Direito Civil, a hermenêutica civil realiza-se, agora, harmonizada com os preceitos garantistas do próprio texto constitucional, devendo extrair-se a axiologia de suas normas a partir dos valores fundamentais difundidos pela própria Magna Carta.

Através desta nova proposta, as regras privadas, para sua verdadeira validade, devem pautar-se nos pressupostos jurídicos ditados pela própria Constituição. Nossa Carta Política, logo de pronto e adrede, no seu mais completo, técnico e importante comando, estabelece como fundamento de nosso próprio Estado e, por derradeiro, de todos os atos e fatos jurídicos que neste se perpetrem, o respeito a dignidade da pessoa humana, de um lado, e, também, e sob a mesma égide, a valorização do trabalho e da livre iniciativa; valores estes que, no cotidiano das relações humanas, por vezes se demonstram contraditórios.

Nosso próprio Texto Maior reconhece essa relação antagônica, e, por inúmeras vezes9, repisa a necessidade de harmonização. Nesta vereda, o ordenamento civil recebe os raios inspiradores destes preceitos, e passa a realizar que, ao lado da liberdade de contratar e de administrar o próprio patrimônio, deve estar, sempre, para sua própria validade, o resguardo da dignidade da pessoa humana. Desta amálgama é que exsurge, como corolário, a constatação da função social de toda relação contratual.

Tendo em vista o que foi até então discutido, o presente trabalho objetiva realizar uma análise crítica acerca dos mecanismos de revisão e resolução do negócio jurídico, sempre que circunstâncias supervenientes influenciarem a normal execução da avença, de modo a onerar excessivamente a prestação de uma das partes. Nesta proposta, o exame será feito a partir da constatação da eficácia horizontal10 das normas constitucionais, a fim de que as mesmas possam indicar o conteúdo axiológico das cláusulas gerais exaradas no Código Civil de 2002. Como resultado, almeja-se propor uma nova leitura dos institutos ora tratados, sob uma perspectiva consoante com os preceitos fundamentais do Estado brasileiro.

Para a concretização de tal estudo, primeiramente, analisar-se-á a relação obrigacional em sua totalidade, desde sua perspectiva clássica até sua perspectiva moderna da obrigação como processo. Posteriormente, discorreremos sobre a constitucionalização do Direito Civil, através dos princípios do chamado Direito Civil-Constitucional. Em seguida, tratar-se-á no núcleo do estudo, abordando-se, especificamente, a revisão e a resolução como mecanismos de intervenção jurisdicional voltados ao restabelecimento da paridade contratual. Por fim, apresentaremos a proposta de releitura dos respectivos institutos para que eles ordenem-se de acordo com os ditames de ordem constitucional democrática.

 

2. Relação Obrigacional

 

Sabendo-se que a obrigação advém de um vínculo existente entre pessoas11, torna-se importante fazer um estudo acerca da relação obrigacional, já que é esta que estabelecerá os vínculos jurídicos “entre duas diferentes partes (denominadas credor e devedor, respectivamente), cujo objeto é uma prestação pessoal, positiva ou negativa, garantindo o cumprimento, sob pena de coerção judicial” (FARIAS e ROSENVALD, 2009, p. 11).

 

2.1. Relação Obrigacional Simples

De um modo geral, a relação obrigacional simples possui três elementos constitutivos essenciais: subjetivo (pessoal), material (objetivo) e ideal (vínculo jurídico).

 

2.1.1 Elemento Subjetivo

O elemento subjetivo versa sobre a necessidade de existir dois sujeitos12 determináveis na relação obrigacional. Essa individuação ocorre para que se saiba a quem o devedor (sujeito passivo) deve entregar a prestação imposta ou de quem que o credor (sujeito ativo) deverá recebê-la.

A princípio, os sujeitos da relação devem ser determinados, mas admite-se, em certas ocasiões, como no título ao portador e na promessa de recompensa, que o credor seja, a priori, indeterminado13. Nesta situação, o sujeito ativo será aquele que detiver o título ou o que realizar a conduta que motivou a promessa de recompensa. Outrossim, admite-se a indeterminação no pólo passivo, que apesar de mais rara, poderá ocorrer “na hipótese de um adquirente de um imóvel hipotecado responder com o devedor pela solução da dívida garantida (…)”. (CALIXTO, 2005, p. 8)

 

2.1.1.1 Sujeito Ativo

O sujeito ativo é o credor, assim denominado por ser o titular do proveito que se pretende auferir quando da execução da prestação pelo devedor.

Pode o credor ser singular ou coletivo14, não havendo exigência de ser sempre determinado, bastando que seja, ao menos, determinável, identificado-se no momento do adimplemento.

Assim, como o sujeito ativo é o titular de um direito subjetivo, poderá ele exigir a execução da obrigação (arts. 566 e 580 do Código de Processo Civil) ou o cumprimento da prestação (art. 331 do Código Civil); além de ter, por exemplo, a permissão para ceder seu crédito (art. 286, CC) e para aceitar coisa diferente da devida (dação em pagamento: arts. 356 e s., CC). 

 

2.1.1.2. Sujeito Passivo

O sujeito passivo é aquele que deverá realizar a prestação assumida na relação obrigacional, contribuindo para o adimplemento da obrigação avençada.

Sua liberdade limita-se no exato teor da convenção, uma vez que este deverá dar, fazer ou não fazer algo em proveito do credor. Este último, se não tem sua pretensão satisfeita, poderá buscar, por constrição judicial do patrimônio do devedor, recursos para concretizar seu direito de crédito (arts. 568 e 591; CPC).

Assim como o sujeito ativo, o passivo também poderá ser único ou plural e deverá ser, pelo menos, determinável. 

 

2.1.2. Elemento Material ou Objetivo

O elemento material é o objeto da obrigação15, ou seja, a prestação a ser realizada através da prática de ato pelo devedor em proveito do credor, podendo esta, por sua vez, ser positiva ou negativa.

Em outras palavras, o objeto da relação obrigacional é a prestação de dar, fazer ou não fazer, devida pelo sujeito passivo.

Para a validade da relação obrigacional, a prestação estabelecida na avença deve ser: a) lícita (conforme o direito, a ordem pública, a moral e os bons costumes); b) possível física e juridicamente (quando a natureza permitir e quando excluída pela lei); c) determinada (desde a constituição da relação creditória, a prestação já está indicada), ou, ao menos, determinável (sua individuação é realizada no momento do cumprimento da obrigação, por meio de critérios estabelecidos no contrato ou na lei, e baseado em caracteres comuns a outros bens como a indicação da quantidade e gênero); e, ainda, d) patrimonial16 (deve ter economicidade, existindo possibilidade, no caso de seu não implemento, de sua conversão em indenização por perdas e danos).

 

2.1.3. Elemento Ideal ou Imaterial

O elemento ideal, também chamado de elemento imaterial, é o vínculo jurídico existente entre os sujeitos da relação obrigacional. Doutra forma, é o liame presente entre credor e devedor que possibilita ao primeiro exigir o objeto da prestação do último, sob pena de buscá-lo pela via judicial.

Desse modo, o vínculo jurídico garantirá a coercibilidade da relação creditícia, pois que se não cumprida voluntariamente, existirá a pena de excussão patrimonial através da convocação da jurisdição.

Este vínculo jurídico, quando analisado pela doutrina tradicional17, representa basicamente a subordinação do devedor perante o credor. Neste giro, a relação obrigacional é vista de um modo simplório, pois que constata somente uma das partes adstrita a cumprir uma prestação perante a outra. Apenas o devedor – subordinado – tem a responsabilidade de adimplir o contrato, garantindo este com seu próprio patrimônio18. Destarte, a obrigação, em regra, atua no interesse do credor, tendo ele o direito, e não a obrigação, de cooperar para o adimplemento19.

A partir da já citada alteração deste paradigma, mormente pela implementação da eficácia horizontal das normas constitucionais, que leva a constitucionalização do próprio direito civil, ditando o teor axiológico das regras deste último, a exposição da corrente clássica acerca da relação obrigacional se tornou insuficiente.

Dessarte, a nova concepção da relação obrigacional, denominada como relação obrigacional complexa, enxerga o contrato sob um critério dinâmico. Neste contexto, a chamada obrigação como processo, perpetrada segundo os ditames de um sistema civil constitucional, transforma esta relação mononuclear numa relação cíclica, recíproca e aberta. Desta sorte, o contrato traz em seu bojo a ideia de pluralidade de movimento, valorizando a dinamização da relação creditícia e reprimindo a singularidade na imposição dos deveres.

 

2.2 Relação Obrigacional Complexa

A obrigação como processo estabelece uma série de direitos e deveres recíprocos às partes, de modo que o execução da convenção ocorra de maneira mais satisfatória para o credor sob o modo menos oneroso para o devedor. Ao contrário de frisar a ideia de direito estático para o credor e de responsabilidade isolada para o devedor, a obrigação se torna mais dinâmica e funcional.

Desse modo, haverá, para ambas as partes, diversas obrigações recíprocas e correlatas, em diferentes momentos e sob distintos modos, fazendo com que a obrigação se torne um verdadeiro processo obrigacional20.

Segundo a explanação de Karl Larenz (1958, p. 21) os deveres impostos para os dois sujeitos do processo:

[…]excedem do próprio e estrito dever de prestação – cujo cumprimento constitui normalmente objeto de demanda – e que resultam para ambas as partes bem do expressamente pactuado, do sentido e fim da obrigação, do princípio de boa-fé de acordo com as circunstâncias ou, finalmente, das exigências do tráfico, os denominados “deveres de conduta”, já que podem afetar o conjunto da conduta que de qualquer modo esteja em relação com a execução da obrigação.

O desenvolvimento da relação obrigacional complexa está condicionada por certos princípios21 que podem ter normatividade endógena (equilíbrio e boa fé objetiva) ou exógena (autonomia privada e função social).

 

2.2.1. Equilíbrio

O dogma da vontade, herdado do Iluminismo, estava diretamente relacionado ao regime de invalidades do Código de 1916, não existindo espaço a outros mecanismos, como a cláusula rebus sic standibus, para manter o equilíbrio do contrato e das prestações.

Diferentemente do Código Bevilácqua, o novo Código Civil adotou um conjunto de institutos baseados na legitimidade material do equilíbrio. Com isso, o Estado e as próprias partes têm mecanismos para evitar que a injustiça comutativa paire sobre a relação obrigacional.

A adoção de cláusulas gerais como a própria boa-fé objetiva e a função social do contrato, demonstram a suplantação do dogma da vontade. Em consequência, a permissão da revisão de uma relação contratual desequilibrada, através de mecanismos de intervenção jurisdicional (conforme art. 317, CC), denota a nítida convocação pelo ordenamento jurídico civil do princípio do equilíbrio como norteador das convenções privadas. 

2.2.2. Boa-fé Objetiva

Até o Código de 200222, a doutrina civilista estava habituada em analisar, basicamente, nas relações contratuais, a presença da boa-fé subjetiva, também chamada de boa fé crença, referindo-se a um estado anímico de ciência da antijuricidade de seu proceder ou de ignorância.

Já a boa fé objetiva, difundida pelo Código Civil alemão (BGB) de 190023, refere-se, verdadeiramente, a uma regra de conduta, um padrão de comportamento, visando a eticização das relações jurídicas e a não frustração das legítimas expectativas criadas pelo desempenhar das partes. Desse modo, é possível dizer que nem sempre quem age de boa fé subjetiva estará agindo conforme os ditames da boa fé objetiva, pois a pessoa pode ignorar o indevido de sua conduta (boa fé subjetiva) e ainda assim, não atentar ao standard de comportamento leal (boa fé objetiva).

Através desse modelo jurídico, presenciamos uma nova era contratual que preza por contratações mais justas, leais e éticas, devendo os contratantes expressar claramente as condições do contrato e esclarecer fatos relevantes. Outrossim, as partes devem cumprir, em todas as fases do processo, suas obrigações previstas ou oriundas da relação contratual, observando, portanto, todos aqueles deveres primários e secundários que da própria natureza da relação possam exsurgir.

Por meio disso, nota-se que o princípio da boa fé objetiva implementa as seguintes funções:

  1. Interpretativa: significa que não mais se interpreta o negócio jurídico apenas com a intenção de quem declarou a vontade, pois a boa-fé24 também será um instrumento de interpretação.

  2. Supletiva: tem a função de suprir o vínculo entre as pessoas com deveres de conduta que o tornam mais solidário, cooperativo, que garantem enfim que ele se desenvolva de maneira fundamentalmente leal. São deveres comportamentais ditos anexos25, laterais ou acessórios”. (GODOY, 2006. p.61)

  3. Corretiva: esse dever visa concretizar o equilíbrio contratual, por meio de um controle de cláusulas abusivas, de disposições puramente potestativas e de desproporção de riscos e vantagens.

  4. De limitação de direitos subjetivos: essa objetiva obstar condutas que contrariem o mandamento de agir com lealdade, ou seja, é a boa-fé enquanto fonte de restrição de direitos.

 

2.2.3. Autonomia Privada

Esse princípio, reflexo do livre desenvolvimento da personalidade e da atividade econômica, pode ser conceituado como a faculdade da pessoa dispor de sua vontade livremente, estabelecendo avenças e acordos a fim de governarem seus destinos, dando aos mesmos força e, portanto, exigibilidade jurídica. Ou seja, é a possibilidade do indivíduo validar suas decisões com força normativa.

No direito das obrigações, sobre o qual o citado princípio tem forte incidência, a autonomia privada é referida como autonomia da vontade, sendo que a mesma, normalmente conectada com a fonte contratual, se relaciona com os destinos econômicos das partes. Apesar dessa autonomia representar uma liberdade aos sujeitos, esta possui certas limitações26 impostas por outros princípios como a função social27.

 

2.2.4. Função Social

A função social é uma das diversas inovações28 presentes no Código de 2002. Nele, o legislador combinou os interesses individuais com os sociais de maneira complementar, por meio de regras e cláusulas abertas favoráveis a soluções equitativas, tentando fundar as bases de uma justiça de natureza mais distributiva. Assim, deve haver uma primazia do proveito coletivo em detrimento do proveito meramente individual.

Doravante, esse princípio é imposto em diversas situações, principalmente no campo dos contratos e no direito das obrigações. Nesse giro:

O novo Código Civil não ficou à margem dessa indispensável necessidade de integrar o contrato na sociedade, como meio de realizar os fins sociais, pois determinou que a liberdade contratual (embora se refira equivocadamente a liberdade de contratar) deve ser ‘exercida em razão e nos limites da função social do contrato’. Esse dispositivo (art. 421) alarga, ainda mais, a capacidade do juiz para proteger o mais fraco, na contratação, que, por exemplo, possa estar sofrendo pressão econômica ou os efeitos maléficos de cláusulas abusivas ou de publicidade enganosa. (AZEVEDO, 2004. p. 16)

Assim sendo, a função social do contrato tem o intuito de compatibilizar o princípio da liberdade com o da igualdade, objetivando vedar negócios jurídicos que prejudiquem29 a parte contrária ou terceiros não membros da relação. Impede, assim, que o contrato se transforme em um instrumento de atividades abusivas, exigindo que o acordo de vontades seja um meio coletivo de afirmação e desenvolvimento social.

 

3. Conclusão

A partir do que foi até então apresentado, percebe-se uma mudança interpretativa acerca dos institutos de Direito Civil. No âmbito obrigacional há um afastamento do arraigado princípio pacta sunt servanda, em detrimento da solidariedade contratual, cuja origem remonta a Constituição Federal de 1988. Aliado a isso, incidem também no Direito das Obrigações princípios como a boa-fé objetiva, equidade contratual e função social dos contratos. Todos esses fatores reunidos foram de suma importância para a promoção da personalização do Direito Privado, com sua consequente despatrimonialização.

Sobre a interferência de eventos supervenientes na economia contratual, o Código Civil de 2002 adotou a Teoria da Imprevisão como norte hermenêutico. Dessa forma, essa doutrina materializou-se nos artigos 317 e 478 do diploma civil. Segundo tais dispositivos, é permitida revisão e resolução do contrato apenas quando os eventos causadores do desequilíbrio forem comprovadamente caracterizados como imprevisíveis. Nesse sentido, a imprevisibilidade é requisito sine qua non para a intervenção judicial na relação privada.

Recentemente, surgiu uma nova teoria, adotada no Brasil por doutrinadores como Gustavo Tepedino e Renan Lotufo, que promove uma releitura dos institutos ora tratados. Segundo eles, o requisito da imprevisibilidade pode ser descartado, uma vez que comprovado o desequilíbrio das prestações. Dessa maneira, basta provar que a obrigação de uma das partes tornou-se excessivamente onerosa para que o Estado, através da figura do magistrado, atue na relação particular, readquirindo o equilíbrio do sinalagma.

Visivelmente, a adoção dessa nova exegese garante uma maior concretização do princípio da igualdade, além de reforçar o real significado do contrato, qual seja efetivar os verdadeiros interesses das partes contratantes, bem como da sociedade. A negação da imprevisibilidade realça o princípio da boa-fé objetiva e efetiva os preceitos de ordem pública, garantindo, pois, a justiça contratual.

Ademais, considerar os critérios subjetivos das partes para os casos de intervenção judicial amplia a possibilidade do exercício dos direitos pelas pessoas. É incontestavelmente retrógrado e incoerente utilizar-se de interpretações que impeçam os indivíduos de concretizarem seus direitos constitucional e legalmente tutelados. Portanto, se defende aqui uma geral e irrestrita extinção da palavra “imprevisibilidade” do texto legal, no tocante aos artigos 317 e 478 do Código Civil de 2002.

 

4. Referências

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria da imprevisão e revisão judicial dos contratos. In: Revista dos Tribunais. Ed. Revista dos Tribunais. Ano 85, vol. 733, novembro de 1996.

O novo Código Civil brasileiro: tramitação; função social do contrato; boa-fé objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis). In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (Coord.). Questões controvertidas no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2004.

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1 De acordo com a contundente lição de Karl Larenz, “Um contrato, como qualquer jurista sabe, aperfeiçoa-se quando duas pessoas declaram uma à outra sua vontade direcionada à ocorrência de efeitos jurídicos. A declaração, logicamente, não precisa ser “expressa”, ela pode acontecer por meio do dito “comportamento concludente”. Ou seja, um comportamento que, segundo o entendimento geral ou do “destinatário da declaração”, permite concluir a respectiva vontade do agente com relação aos efeitos jurídicos ou a sua vontade negocial.” (LARENZ, 1956, p. 1897-1900)

2 Nas sábias palavras de Orlando Gomes: “Nos contratos há sempre interesses opostos das partes contratantes, mas sua harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. Assim, há uma imposição ética que domina toda matéria contratual, vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé e lealdade, tanto na manifestação de vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato.” (GOMES, 1999, p.42.)

3Numa tradução livre “os pactos devem ser cumpridos

4Numa tradução livre “nos contratos em que há trato sucessivo e que dependam do futuro, a inteligência deve se dar mantido o mesmo estado das coisas”.

5 O artigo 317, do Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) possui a seguinte redação: “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que se assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

6 O artigo 478 do Código Civil é redigido da seguinte forma: O artigo 478 do Código Civil é redigido da seguinte forma: “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

7 Segundo o pensamento clássico, será denominada teoria da imprevisão (que possui origem francesa) sempre que no caso concreto estiver envolvida a possibilidade de revisão contratual. Da mesma forma, será doutrina da onerosidade excessiva (cuja procedência é italiana) quando se estiver diante da hipótese de resolução do contrato.

8 Ver: COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

9Neste sentido, percebamos a localização topográfica nos incisos II e III do art. 3º, bem como dos incisos XXII e XXIII do art. 5º e, ainda, dos incisos II e III ou IV e V do art. 170, todos da Constituição da República de 1988. Além disso, anote-se a redação do caput do art. 170 que pondera que a valorização do trabalho e a livre iniciativa só podem efetivar-se quando tenham por fim assegurar a todos existência digna.

10Usa-se aqui a referida expressão nos exatos ditames das lições de Ingo Wolfgang Sarlet em sua obra A Eficácia dos Direitos Fundamentais, mormente no que nos ensina sobre o aspecto axiológico da dimensão objetiva das normas definidoras de direitos fundamentais.

11 Os envolvidos nesta relação são pessoas determinadas, motivo pelo qual diz-se os direitos oriundos de uma relação obrigação têm eficácia relativa, pois que dizem respeito aos, primordialmente, aos convenentes.

12 Não se exige a permanência dos sujeitos originários na relação obrigacional. Permite-se a transmissão da obrigação ou a sua sucessão (salvo na hipótese de obrigação personalíssima), disposto, por exemplo, nos artigos 286 e s., 346 e s., 1.997, § e § 2º do Código Civil e nos artigos 1.017 e 1.021 do Código de Processo Civil.

13 Nota-se o abandono do excessivo personalismo adotado no direito romano primitivo. Naquela época o “vinculum iuris prendia as pessoas do devedor e do credor, de modo que o objeto da prestação era secundário. O direito germânico foi que concorreu para essa deslocação dos pontos de ligação, caracterizando a pessoalidade do direito e das pretensões como relação entre sujeito ativo e passivo, porém sem a inserção da pessoa em si.” (PONTES DE MIRANDA, 1958. p. 12)

14 É exatamente essa possibilidade de pluralidade de pessoas em ambos os pólos da relação que permite classificar as obrigações em solidárias e divisíveis (arts. 257 à 285).

15 Cabe ressaltar que o objeto da relação jurídica é a própria prestação e não o objeto da prestação.

16 A característica patrimonialidade está mais próxima da sanção (haftung) do que da prestação (schuld). Nesse sentido, cabe ressaltar que a possibilidade de execução forçada é uma das principais diferenças entre o direito das obrigações e o direito da personalidade.

17 O Direito Romano exerce forte influência no direito obrigacional, sendo ela a mais pronunciada. Assim, a relação obrigacional, nesta ótica, é vista sob um sentido restrito e técnico; influência, pois, do direito romano anterior à Lex poetelia papiria (submissa corpórea do devedor).

18 Em conseqüência disso, surge um conceito dualista de obrigação, originado do no pensamento de Brinz, o qual vislumbra dois fatores: débito (debitum ou schuld) e responsabilidade (obligatio ou haftung). Sendo aquele um dever jurídico originário que se não for cumprido dará ensejo a responsabilidade (dever secundário). Isso quer dizer que a obrigação dá gênese a uma prestação para o devedor, e uma vez não cumprida, permite a agressão ao seu patrimônio (responsabilização patrimonial) para satisfazer o crédito do devedor.

19 Ver: J.M de Carvalho Santos. Código Civil Interpretado, vol. XI, 5ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1953, p.6

 

20 As partes deverão contribuir mutuamente para concretizar os fins desejados no processo. Para isso, estabelecem-se deveres principais e deveres anexos, sendo que estes últimos deverão estar em todas as fases do processo: fase pré-contratual, fase do contrato e fase pós-contratual. Nesse sentido, Clóvis Couto Silva (2006, p. 20) bem leciona que: “mesmo adimplido o dever principal, ainda assim pode a relação jurídica perdurar como fundamento da aquisição (dever de garantia), ou em razão de outro dever secundário independente. Com a expressão “obrigação como processo, tenciona-se sublinhar o ser dinâmico da obrigação, as várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si se ligam com interdependência.”

21 “A compreensão do direito obrigacional a partir do novo Código parte, portanto, da análise desses princípios gerais, capazes que são de não só regular as relações como também propiciar aberturas e conexões a outros domínios normativos, tanto internos ao Código quanto externos a ele, do que se destaca as pontes com a Constituição. (…)Os princípios aqui chamados ‘de normatividade exógena’ são lineamentos advindos do ordenamento e dirigidos às partes ao se relacionarem obrigacionalmente. São assim, os nortes abstratamente considerados pelo ordenamento geral e, por assim serem, sofrem o influxo da visão geral acerca do sistema. (…) Todo contato social, toda relação de proximidade fática, é passível de gerar conseqüências obrigacionais, no mínimo ante a ocorrência de danos. Além deles, a conduta das partes pode também gerar vínculos, nascidos não de uma atividade formal [a firma aposta a um documento, por exemplo], mas sim material concretamente verificado (…) o correto adimplemento, caso a economia interna da relação esteja, mais do que dotada de estrutura formal, de um conteúdo material que contemple os princípios da boa-fé e do equilíbrio. ” (SILVA, 2006, p. 121, 122 – 135)

22 A boa fé ganha voga e relevância acadêmica a partir da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a doutrina já argumentava sobre sua previsão no ordenamento jurídico civil inaugurado pelo Código Bevilácqua desde 1916, ao afirmar que seu espírito podia ser percebido no artigo 1.443 do citado diploma: O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.

23 Parágrafo 242 do BGB: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé

24 Art. 113: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”

25 Esses deveres secundários seriam o de: informação, sigilo, colaboração e cuidado.

26 A função social do contrato não extermina a autonomia da vontade, mas faz com que esta seja empregada nos termos dos interesses coletivos. Esse entendimento foi adotado na “Jornada de Direito Civil”, cuja ementa fica adiante transcrita ( STJ 23): “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.

27 Art. 421: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”

28 De acordo com Miguel Reale: “Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade.” Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 28 nov. 2010.

29 No mesmo sentido, o artigo 187 do Código Civil traz expresso que: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Jorge Luiz Morales Albernaz

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