Dosimetria da pena: análise individualizada de cada uma das fases do sistema trifásico de aplicação da pena

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Resumo: O presente trabalho tem como objeto de estudo o fenômeno conhecido como dosimetria da pena, abrangendo, deste modo, todas as fases do sistema trifásico de aplicação da pena, quais sejam: pena base, pena provisória e pena definitiva. A dosimetria da pena, na realidade é uma ocasião muito importante para o aplicador do direito penal e processual penal, talvez o momento mais relevante. É neste momento que o magistrado, com a responsabilidade de atuar em nome do Estado, embutido na tarefa de julgar, colecionado com o poder-dever de decisão estatal, impõe ao indivíduo a sanção que reflete a reprovação estatal do crime cometido através da pena imposta, objetivando com isso, a prevenção do crime e sua correção (finalidade preventiva e retributiva). E é através desta punição determinada pelo juiz, que o Estado, legítimo detentor do jus puniendi, exterioriza e concretiza a reprovação do ato praticado.

Abstract: This paper aims to study the phenomenon known as dosimetry pen, covering thus all phases of the three-phase implementation of sentences, which are: basic pen, feather pen and interim final. The dosimetry of the penalty actually is a very important time for the applicator of criminal law and criminal procedure, perhaps the most important moment. This is when the magistrate, with responsibility to act on behalf of the state, embedded in the task of judging, collected with the power and duty to state decision, the sanction imposed on the individual that reflects the failure of the state crime through the punishment imposed aiming with it, crime prevention and correction (preventive and retributive purpose). And through this punishment is determined by the judge that the State, the legitimate holder entitled puniendi, externalized and embodies the failure of the act committed.

Palavras chave: dosimetria da pena, sistema trifásico de aplicação da pena.

INTRODUÇÃO

A aplicação da pena, fundamentalmente em um Estado Democrático de Direito deve estar condizente com os princípios do processo penal, e também com os princípios constitucionais, tais como dignidade da pessoa humana, isonomia, motivação e principalmente com o princípio da individualização da pena.

O instituto conhecido como dosimetria da pena, pode ser conceituado como a função judicial, que possui como objetivo individualizar e impor um quantum de pena aos denunciados. Do plano abstrato, presente no tipo penal, a pena ganha concretude com o seu cálculo e sua imposição por meio da sentença penal condenatória.

O nosso Código Penal trabalha com a pena estabelecida em mínimo e máximo, sendo papel do juiz, estabelecer o seu quantum ideal. Isso quer dizer que o magistrado não é totalmente livre para estipular a pena, mas trabalha com uma grande margem de discricionariedade. Para concretizar a dosimetria da pena, deve o magistrado, observar, necessariamente, o princípio da individualização da pena, que significa, basicamente, que o sujeito do delito deve ser diferenciado dos demais. Isto é, o aplicador da lei penal, no momento de fixar a pena deve levar em consideração as circunstâncias pessoais, sociais e materiais que cercaram o delito.

Guilherme Nucci, ao tratar sobre a dosimetria da pena, dispõe que “trata-se de um processo de discricionariedade juridicamente vinculada, através do qual o juiz, visando à suficiência para reprovação do delito praticado e prevenção de novas infrações penais, estabelece a pena cabível, dentro dos patamares determinados previamente pela lei” (NUCCI, 2007, p. 146).

O modelo trifásico de dosimetria da pena conferiu ao magistrado um contato mais próximo e pormenorizado sobre as circunstâncias que envolvem o crime, em todas as suas modalidades, resultando assim na oportunidade de proceder à individualização da pena, de forma justa, equânime, proporcional, em conformidade com preceito constitucional que prevê o princípio da individualização da pena.

Imperioso citar a lição de Rogério Greco que preleciona que a sentença é, por si, a individualização concreta do comando emergente da norma legal. Necessário é, por isso, que esse trabalho de aplicação da lei se efetue com sabedoria e justiça, o que só se consegue armando o juiz de poderes discricionários na graduação e na escolha das sanções penais. Trata-se de um arbitrium regulatum, como diz Bellavista, consistente na faculdade a ele expressamente concedida, sob a observância de determinados critérios, de estabelecer a quantidade concreta da pena a ser imposta, entre o mínimo e o máximo legal para individualizar as sanções cabíveis (GRECO, 2008, p. 243).

EVOLUÇÃO LEGISLATIVA: DO SISTEMA BIFÁSICO AO TRIFÁSICO

Os elementos do Direito Penal são mutáveis, ou seja, devem se adequar à condição da sociedade na atualidade e, em razão disso, o ordenamento jurídico brasileiro continuamente sofre algumas modificações, usualmente originadas das célebres jurisprudências dos tribunais, onde os grandes aplicadores do direito, detentores de enorme sabedoria jurídica objetivam consolidar a justiça como bem maior.

Os legisladores ordinários, mentores do Código Penal Brasileiro, datado de 1940, procuraram estabelecer no mesmo critério, métodos, sistemas para a correta aplicação da pena.

Originalmente o Código Penal adotou o sistema de duas fases na aplicação da pena, conhecido como sistema bifásico, idealizado por Roberto Lyra. De acordo com este critério, o juiz, ao aplicar à pena, primeiramente deveria realizar a análise das circunstâncias judiciais, e das atenuantes e agravantes, de forma conjunta, determinando então, a pena base.

Já em uma segunda etapa, e última, de acordo com entendimento do legislador, na época, o magistrado deveria proceder a análise das causas de aumento e diminuição de pena, fixando, de modo definitivo o quantum da pena-base.

De acordo com a redação original do Código Penal de 1940, que consagrou o sistema bifásico de aplicação da pena:

Artigo 42: Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou grau da culpa, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime:

I – determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente;

II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável.

No entanto, o sistema bifásico não é mais utilizado nos dias de hoje, tendo sido substituído pelo sistema trifásico, idealizado pelo grande mestre Nelson Húngria. Em 1984 houve uma extensa e relevante reforma do Código Penal Brasileiro, com a edição da Lei n.º 7.209/84, que, dentre inúmeras mudanças, achou mais adequado a adoção do sistema trifásico para realização da dosimetria da pena.

Considerando a constante mudança na realidade brasileira, e seguindo a tendência de adequação social, a Exposição de Motivos do citado Código justifica e esclarece a mudança: “decorridos quarenta anos da entrada em vigor do Código Penal remanescem as divergências suscitadas sobre claramente pelo critério das três fases, predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se inicialmente, a pena-base, obedecido o disposto no artigo 59; consideram-se, em seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes; incorporam-se ao cálculo, finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados a dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira instância, o quantum da majoração decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão esta parte da sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no processo mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude de garantia constitucional da ampla defesa”.

De acordo com o art. 68 do CP, modificado pela Lei nº 7.20984, a pena base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último as causas de diminuição e de aumento. De acordo com o parágrafo único, no caso de concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Percebe-se que o Código passa a adotar não mais apenas duas fases para aplicação da pena, e sim três.

Tem-se que, na primeira fase, fixa-se a pena base. Para determiná-la, deve-se proceder a análise das circunstâncias judiciais presentes no art. 59 do CP.

Já a segunda fase, se refere à pena provisória, na qual será realizado o estudo sobre as agravantes e atenuantes, conhecidas como circunstâncias legais, dispostas nos artigos 61, 62, 65 e 66 do CP.

Por fim, a terceira fase, é denominada fase definitiva, pois será feita a verificação da existência de causas gerais e especiais de diminuição e aumento de pena.

Deve-se ressaltar que durante todo sistema trifásico de aplicação da pena, na realização de cada uma de suas etapas, é imperioso a observância dos princípios constitucionais, tais como, da legalidade, individualização da pena, isonomia, contraditório, dentre outros.

PRIMEIRA FASE: PENA BASE

O juiz, no momento em que elabora a sentença, e começa a realizar a aplicação da pena, deve inicialmente, fixar a pena-base, para posteriormente fazer a análise das circunstâncias atenuantes e agravantes, para somente ao final realizar a análise das causas gerais e especiais de aumento e diminuição da pena.

Nesta primeira fase o magistrado tem como função a fixação da pena-base, ou seja, a determinação do quantum de pena irá imputar ao agente. Mas o juiz não age de forma livre, possui limites previstos em lei, para atuar legitimamente. Tal critério está presente no tipo penal incriminador, que traz expressamente a pena mínima e a pena máxima para o agente que cometeu o delito.

Resta evidente que, nesta etapa da fixação da pena, o magistrado já deve possuir recursos, por meio de provas e documentações trazidas no processo, para auferir qual tipo irá enquadrar o agente, isto é, já deve possuir meios para imputar a ele um fato descrito na lei como crime.

Pena-base pode ser conceituada como “a primeira escolha do juiz no processo de fixação da pena, sobre a qual incidirão as agravantes e atenuantes e, em seguida, as causas de aumento e diminuição. A eleição do quantum inicial, a ser extraído da faixa variável entre o mínimo e o máximo abstratamente previstos no tipo penal incriminador, precisamente no preceito secundário, faz-se em respeito às circunstâncias judiciais, previstas no art. 59. Não se trata de uma opção arbitrária e caprichosa do julgador, ao contrário, deve calcar-se nos elementos expressamente indicados em lei” (NUCCI, 2007, p. 163).

Alguns doutrinadores, ao tratar desta matéria, nem sequer mencionam qual seria o critério ao ser adotado pelo juiz no momento da fixação da pena-base. Dizem que este deveria usar de sua prudência e conhecimento jurídico para estabelecer a correta punição ao infrator. Segundo Juarez Cirino “a simples delimitação da moldura penal e a indicação do método legal de preenchimento da moldura penal não podem determinar a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime, segundo a ideologia penal – nem existem fórmulas matemáticas para determinar a pena criminal. Somente os processos intelectuais e do juiz criminal podem empregar o método legal para definir o conteúdo criminal da moldura penal do tipo de injusto, determinando a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime” (SANTOS, 2005, p. 557).

Pode-se perceber que tal posicionamento fere todos os princípios que nos remetemos ao longo deste estudo, pois o réu possui garantias previstas não apenas no Código Penal, mas também pela própria Constituição Federal, diploma superior, soberano, e que jamais deve ser desrespeitado.

Toda pessoa tem direito a um julgamento justo, a imputação de uma pena que seja condizente ao delito cometido e a medida de sua culpabilidade, ressaltando que a sentença, conforme mandamento processual penal deve ser sempre motivada. Isso ocorre para que o réu tenha ciência dos fundamentos e motivos que resultaram na sua condenação ou absolvição.

Sendo ainda mais especifica, com relação à delimitação da pena-base, os entendimentos doutrinários se divergem no momento da fixação de seu quantum. Sabe-se que a definição da pena base é o ponto de partida dosimetria da pena. Essa questão é controvertida.

Nelson Hungria, por exemplo, esclarece que a pena base pode ser obtida ao se realizar a média entre o mínimo e o máximo da pena prevista no tipo penal incriminador. Já Gilberto Ferreira é defensor do posicionamento de que deve-se sempre adotar a pena mínima para beneficiar o réu, com fundamento em razões humanitárias (FERREIRA, 1995, p. 64).

Para correta aplicação do sistema trifásico, inicialmente, o julgador deve proceder, quando possível, à análise das circunstâncias albergadas no art. 59, do Código Penal, também denominadas judiciais. Tais circunstâncias, na atual sistemática do Código, são, por exemplo, a culpabilidade, a personalidade, os antecedentes e a conduta social do agente, além dos motivos, circunstâncias e conseqüências do crime, como também o comportamento da vítima.

A proposta do presente trabalho seria a da análise de cada circunstância judicial de forma isolada, individualizada e que a cada uma delas compreendesse um quantum fixo de pena, variável conforme o crime cometido pelo agente.

Em razão de toda esta polêmica, sugerimos a utilização de critérios objetivos para a fixação da pena base, isto é, será demonstrada como a fundamentação de cada circunstância judicial, no estudo da primeira fase de fixação da pena, pode ser realizada de maneira mais prática com o auxílio da matemática. “A eleição do quantum inicial, a ser extraído da faixa variável entre o mínimo e o máximo abstratamente previstos no tipo penal incriminador, precisamente no preceito secundário, faz-se em respeito às circunstâncias judiciais, previstas no art. 59. Não se trata de uma opção arbitrária e caprichosa do julgador, ao contrário, deve calcar-se nos elementos expressamente indicados em lei” ( NUCCI, 2007, p. 163).

Depois de realizada esta primeira etapa, deve-se dividir o valor do lapso de pena encontrado (máximo menos o mínimo), pelas oito circunstâncias judiciais presentes no art. 59, dessa forma, para cada circunstancia corresponderá um quantum específico e determinado de pena.

“É nula a sentença que, não observando a estrita individualização das penas, analisa conjuntamente as etapas da dosimetria da pena, mesmo havendo pluralidade de réus, impedindo-os que bem saibam as razões que motivaram a fixação do quantum da reprimenda estatal”. (TJMG, 2.0000.00.440979-0 00(1), Rel. Antônio Armando dos Anjos, pub. 16102004).

A única forma de o magistrado motivar corretamente sua sentença, fixando a pena justa e ideal para o agente condenado, na medida de sua culpabilidade, é recorrendo a dosimetria da pena, passando por todas as fases de aplicação da pena, em respeito ao sistema trifásico adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

 

SEGUNDA FASE: ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES

Após o juiz fixar a pena base, deve continuar o processo de dosimetria da pena, passando agora, para a segunda fase de fixação da pena, onde deve analisar as circunstâncias atenuantes e agravantes, que são conhecidas como circunstâncias legais, e estão previstas nos arts. 61, 62, 65 e 66 do Código Penal.

As circunstâncias legais, segundo Gilberto Ferreira, “são genéricas, porque se aplicam a todos os crimes e obrigatórias, porque uma vez constatadas o juiz deve considerá-las na mensuração da pena. Note-se que em relação a elas o legislador usou o verbo no imperativo: nos arts. 61 e 65 dizem que são circunstâncias que sempre agravam ou diminuem a pena e no art. 62, afirma que a pena será ainda agravada. E se classificam em objetivas e subjetivas. Objetivas, quando dizem respeito à forma de execução, ao tempo, ao lugar, às condições ou qualidades especiais da vítima, ao objeto material do delito, à gravidade do dano ou do perigo. Subjetivas, quando se referem diretamente à culpabilidade, aos motivos determinantes, à qualidade ou condição pessoal do agente, bem como às suas relações com a vítima e com os co-autores e partícipes.” (FERREIRA. 1995, p. 74).

Deve-se ressaltar que as circunstâncias agravantes somente poderão agravar a pena, quando não constituírem elementares ou qualificadoras do crime, pois se ambas pudessem ser utilizadas com o objetivo de aumentar o quantum de pena, estaria configurado o “bis in idem”, instituto que não é admitido no ordenamento jurídico brasileiro.

O disposto no art. 61, do Código Penal, enumera de forma clara e taxativa as circunstâncias que agravam a pena, no entanto, não existem artigos neste dispositivo legal que trazem o quantum de pena caberá a cada circunstância que agrava o crime. O julgador deve sempre levar em conta e considerar a agravante quando verificar a sua incidência. Caso contrário, pode ser anulada a sua sentença.

Por fim, resta salientar que diferentemente das causas de aumento de pena, as circunstâncias agravantes não podem elevar a pena acima do máximo previsto em lei para o crime. As agravantes constituem um rol taxativo, com previsão no art. 61 do CP, não se admitindo a sua ampliação. Apenas o inciso I (a reincidência) deste dispositivo legal pode ser aplicado tanto aos crimes dolosos, como culposos. As demais agravantes, previstas no inciso II somente poderão ser aplicadas pelo juiz aos crimes dolosos, em virtude da incompatibilidade que apresentam com a culpa, pois não seria lógico se admitir, por exemplo, a agravante do motivo fútil no cometimento de um homicídio culposo.

As circunstâncias agravantes, previstas no art. 61 do CP, obrigatoriamente conduzem ao aumento da pena a ser aplicada ao autor do fato punível, pois a agravação da reprimenda depende da análise do caso concreto, e se justifica com base na maior reprovabilidade social da conduta delituosa.

É a sua redação:

Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

I – a reincidência;

II – ter o agente cometido o crime:

a) por motivo fútil ou torpe;

b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;

d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade;

g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;

h) contra criança, velho ou enfermo;

i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;

j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;

l) em estado de embriaguez preordenada.

Atenuantes são as circunstâncias que levam ao agente a atenuação da pena a ele imposta. São aquelas circunstâncias fáticas, de caráter objetivo ou subjetivo, que envolveram o crime, e que servem para expressar uma menor culpabilidade e consequentemente atenuar a pena, sem interferir no tipo.

O art. 65 do CP traz o rol das atenuantes genéricas. No entanto, é preciso ressaltar que diferentemente do rol das agravantes, este não é taxativo sendo, portanto, meramente exemplificativo, pois o art. 66 do CP dispõe que a pena poderá ainda ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. As últimas são chamadas de atenuantes inominadas. Reza o art. 65 do CP:

Art. 65 São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

I – ser o agente menor de vinte e um, na data do fato, ou maior de setenta anos, na data da sentença;

II – o desconhecimento da lei;

III – ter o agente:

a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;

b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;

c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Da mesma forma que não existe um quantum relacionado a cada agravante, também não existe com relação às atenuantes. A doutrina, como representante mencionamos José Antonio Paganella Boschi e Guilherme de Souza Nucci, entende que se deve aplicar também a fração de 16 referente a pena-base, fixada no primeira fase da dosimetria da pena, para cada atenuante que milite a favor do acusado.

 

TERCEIRA FASE: PENA DEFINITIVA

Após ter o juiz fixado a pena base, analisando as circunstâncias agravantes e atenuantes, e ao final determinado a pena provisória, passa a realizar a terceira e última fase da dosimetria, que é a do cálculo da pena definitiva conforme prevê o artigo 68 do Código Penal Brasileiro:

Art. 68 – A pena base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Parágrafo único – No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

É nesta terceira etapa da fixação da pena que são consideradas todas as causas de aumento ou de diminuição da pena previstos na parte geral ou especial do código.

As causa especiais de aumento, conhecidas como majorantes e as de diminuição, conhecidas como minorantes, “são circunstâncias obrigatórias ou facultativas de aumento ou de diminuição da pena, previstas na Parte Geral ou na Parte Especial do Código Penal, e também na legislação especial, em quantidade fixa ou variável. Incidem sobre o montante resultante da segunda-fase de aplicação da pena (agravantes e atenuantes genéricas), e não sobre a pena-base” (MASSON, P. 719).

Na parte geral, são de quantias variáveis, alguns exemplos: artigo 14, parágrafo único (que se refere a pena de tentativa); artigo 16 (arrependimento posterior); artigo 21 (erro sobre a ilicitude do fato), entre outros. Na parte especial são de quantidade fixa, artigo 121, § 4º (aumento de pena no homicídio); 122, parágrafo único (aumento de pena no crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio), artigo 127 (forma qualificada no aborto provocado por terceiro); artigo 129, § 7º (aumento de pena no caso de lesão corporal), entre outros.

Também na parte especial podem-se verificar causas de diminuição de pena em quantidades variáveis: artigo 121 § 1º; artigo 129, § 4º; artigo 155, § 2º; artigo 157, § 2º; artigo 158, § 1º; artigo 170; artigo 171, § 1º; artigo 175, § 2º; artigo 180, § 3º; artigo 265, parágrafo único; artigo 281, § 4º, 6º e 7º (de acordo com os artigos 18 e 19, parágrafo único da Lei nº 6.368/76).

Para que as majorantes (causas de aumento) e as minorantes (causas de diminuição) possam ser verificadas de forma prática, pode-se recorrer a ideia que informa que sempre que o Código Penal sem se referir a meses e/ou anos determinar que a pena deva ser aumentada ou diminuída em quantidade fixa, utilizando-se da fração (um sexto, um terço, metade, dobro) ou dentro de limites variáveis (um sexto até metade, um a dois terços), será uma causa especial de aumento ou diminuição da pena.

As causas especiais serão consideradas na terceira fase de dosimetria da pena, tomando como referência a pena encontrada no resultado da fase anterior, onde o juiz analisou as agravantes e atenuantes do crime.“Ao contrário das circunstâncias judiciais e das agravantes e atenuantes genéricas, podem levar a pena acima do máximo legal, ou trazê-lo abaixo do mínimo abstratamente cominado, uma vez que o legislador aponta os limites de aumento eou diminuição. Exemplificativamente, o preceito secundário do crime de furto simples prevê, no tocante à pena privativa de liberdade, reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Se o magistrado aplicar a pena-base no mínimo legal, mantendo-se essa reprimenda na segunda fase, e presente a figura da tentativa, causa geral e obrigatória de diminuição de pena, deverá reduzi-la no patamar máximo (CP, art. 14 parágrafo único = 23), sendo que a pena final será de 4 (quatro) meses, muito abaixo do piso legalmente previsto”. (MASSON, 2008, p. 720).

São consideradas como principais causas de aumento da pena presentes na parte geral do CP: o concurso formal (artigo 70 código penal) e a continuidade delitiva (artigo 71 código penal) a fração do aumento da pena deverá ser calculada com base no número de crimes praticados.

Por sua vez, são consideradas como principais causas de diminuição, presentes no CP: a tentativa (artigo 14, II código penal), o arrependimento posterior (artigo 16 código penal), o erro inevitável sobre a ilicitude do fato (artigo 21 código penal) e a participação de menor importância (artigo 29 § 1º código penal).

 

SISTEMA TRIFÁSICO DE APLICAÇÃO DA PENA

O modelo trifásico de dosimetria da pena conferiu ao magistrado um contato mais próximo e pormenorizado sobre as circunstâncias que envolvem o crime, em todas as suas modalidades, resultando assim na oportunidade de proceder à individualização da pena, de forma justa, equânime, proporcional, em conformidade com preceito constitucional que prevê o princípio da individualização da pena.

Com a previsão no Código Penal do sistema trifásico na aplicação da pena, o juiz tem a obrigatoriedade de segui-lo, sob pena de nulidade da sentença penal condenatória. Desse modo, segundo Rogério Greco, “é nula a sentença que, não observando a estrita individualização das penas, analisa conjuntamente as etapas da dosimetria da pena, mesmo havendo pluralidade de réus, impedindo-os que bem saibam as razões que motivaram a fixação do quantum da reprimenda estatal” (GRECO, 2008, p. 244).

Existem jurisprudências de inúmeros tribunais pátrios que firmaram entendimento neste sentido. Para melhor compreensão do tema, colacionam-se algumas decisões atuais do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

CRIMINAL. RHC. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL CONSIDERADAS NEGATIVAMENTE. AUSÊNCIA DE ANÁLISE CONCRETA. RECURSO PROVIDO.

I. Reputa-se ilegal a sentença na parte em que fixa o quantum da pena-base sem apreciação detida das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. II. Não obstante reconhecer-se que há certa discricionariedade na dosimetria da pena, relativamente à exasperação da pena-base, tem-se como indispensável a sua fundamentação, com base em dados concretos e em eventuais circunstâncias desfavoráveis do art. 59 do Código Penal.

III. Deve ser cassado o acórdão atacado, bem como a sentença proferida pela Juíza monocrática, apenas na parte relativa à dosimetria da pena, a fim de que outra seja proferida, com nova e adequada fundamentação no que diz respeito à pena-base e ao regime de cumprimento.

IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.”

(RHC 18098/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 17/10/2005).

Reafirmando o que foi dito anteriormente, sobre a necessidade de fundamentação e individualização da pena, temos:

PROCESSUAL PENAL. PENAL. HABEAS CORPUS. PENA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DOSIMETRIA. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA. PRISÃO PARA APELAR. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVOS CONCRETOS. INEXISTÊNCIA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

Carece de fundamentação o acréscimo imposto à pena-base quando não efetuado o necessário detalhamento das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.

A exigência judicial de ser a ré recolhida à prisão para manejar recurso de apelação deve, necessariamente, ser calcada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5.º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado deve apontar os elementos concretos ensejadores da medida.

A manutenção da paciente no cárcere durante todo o trâmite processual não lhe retira o direito de recorrer em liberdade, porquanto tal situação fática não tem o condão de convolar-se em motivo cautelar.

Se a paciente ostenta primariedade e bons antecedentes, e, por outro lado, não havendo indicação judicial a demonstrar o periculum libertatis, apontando a sentença primeva e o acórdão, tão-somente, textos legais impeditivos e a gravidade in abstrato do delito, não há como subsistir o decisum prisional.

Ordem concedida para, conservando-se as condenações nos seus exatos termos, anular a dosagem da pena aplicada ao crime tipificado no artigo 16 da Lei 10.826/03 e revogar a prisão provisória decretada na sentença.”

(HC 40978/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 03/10/2005).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. FIXAÇÃO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. NULIDADE CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE DADOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O juiz deve observar a necessidade e adequação da pena para a reprovação do crime, examinando minuciosamente os elementos constantes dos autos para fixá-la de forma justa e fundamentada.

2. A fixação do quantum da pena a partir de uma fundamentação vaga e deficiente nulifica a sentença no tocante à dosimetria da pena.

3. Malgrado a anulação parcial da sentença não afete a validade do édito condenatório, não tornando inócua a interrupção do lapso prescricional, os autos não trazem dados suficientes sobre o início do cumprimento da pena, cabendo, portanto, ao juiz de primeiro grau, observado o novo quantum da reprimenda, examinar eventual ocorrência da prescrição.

4. Ordem parcialmente concedida.”

(HC 39321/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 1/7/2005).

Conclui-se, analisando tudo o que foi disposto acima que o juiz deve obrigatoriamente aplicar à dosimetria da pena, respeitando o art. 59 do CP, bem como o art. 68, caput, do mesmo dispositivo legal.

Segundo Mirabete, o sistema trifásico possibilita ao julgador a faculdade controlada de escolher a sanção mais adequada ao delinqüente sem esquecer a gravidade objetiva do crime ou suas conseqüências particulares. Esse critério tem por base o estabelecimento de determinadas circunstâncias que tornam o fato, mais ou menos, grave.

 

CONCLUSÃO

O juiz, no momento da sentença, ao concretizar a dosimetria da pena, realiza um ato de suma importância. Está equivocado quem pensa que a aplicação da pena é um simples ato mecânico, computadorizado, que envolve meros cálculos aritméticos. Não é tão simples o que acontece na prática. O juiz, nesta ocasião está lidando com a liberdade do réu, e deste modo, deve agir da forma mais justa possível, respeitando e considerando sempre os limites impostos pela lei.

Para correta aplicação do sistema trifásico, inicialmente, o julgador deve proceder, quando possível, à análise das circunstâncias albergadas no art. 59, do Código Penal, também denominadas judiciais. Tais circunstâncias, na atual sistemática do Código, são, por exemplo, a culpabilidade, a personalidade, os antecedentes e a conduta social do agente, além dos motivos, circunstâncias e conseqüências do crime, como também o comportamento da vítima.

Após a verificação dessas circunstâncias, passará o juiz ao reconhecimento das atenuantes e/ou agravantes, que deverão estar regularmente comprovadas nos autos, caso o juiz verifique a presença de uma atenuante que não está tipificada no CP, pode utilizar da fórmula consagrada no art. 66 do mesmo dispositivo legal, que se refere as atenuantes genéricas.

Na última etapa do processo, a terceira fase, deve o juiz verificar a existência de causas de aumento e de diminuição da pena, e fixará então o regime inicial de cumprimento de pena (art. 59, III, do CP), analisando, em seguida, a possibilidade de substituir a pena privativa de liberdade por outra espécie de sanção (art. 59, IV).

A maior parte dos doutrinadores brasileiros reconhece como correta e adequada esta forma de calcular a pena (divisão em três fases), pois propicia aos aplicadores do direito uma maneira claramente mais cautelosa de aplicar da pena, dando-lhes maiores possibilidades para uma melhor elucidação dos fatos envolvidos no crime.

Por fim, cumpre ressaltar que o ordenamento jurídico constitucional-penal inseriu o infrator da lei penal, submetido a uma acusação criminal, como destinatário de inúmeras garantias, que são verdadeiros dogmas, de observância obrigatória, em um Estado Democrático de Direito que considera o princípio da dignidade da pessoa humana como valor supremo e fundamental.

 

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Mariana Lemos de Campos

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