A possibilidade de aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada à luz do código civil de 2002

Scarica PDF Stampa

Sociedade limitada – possibilidade – aquisição cotas

O artigo trata da possibilidade de aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada à luz legislação em vigor. Entende que o novel Código Civil não revogou expressamente o Decreto que regulamentava a constituição das sociedades por cotas de responsabilidade limitada, à luz do seu art. 2.037. Por fim, sustenta que atendidas as condições estabelecidas, a aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada continua válida e legal ante a vigência do Código Civil de 2002.

 

Introdução

O presente artigo versa sobre a aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada à luz do Código Civil de 2002.

É um estudo que permeia por caminhos tortuosos e obscuros, pois a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, entrou em vigor 1 (um) ano após sua publicação; logo, nota-se a jovialidade do tema.

Justamente pelo pouco tempo de vigência não há, ainda, uma posição da doutrina majoritária e tampouco jurisprudência pacífica.

Essa discussão é de suma importância, haja vista que a sociedade limitada é a forma societária mais utilizada no Brasil para a constituição de empresa.

Ademais, este trabalho não tem a pretensão de exaurir a questão, e sim trazer as diversas opiniões, doutrinárias e jurisprudenciais, referentes ao tema escolhido, que vão aos extremos, onde de um lado há a corrente doutrinária que entende vedado a aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada por falta de amparo legal, pois se o diploma civil não regulamentou, seria por uma ausência intencional de norma.

Já na outra ponta, tem a posição que vê como plenamente possível esta auto-aquisição, em virtude da não revogação do Decreto 3.708/19 e de alguns subsídios dentro do Código Civil que amparam tal entendimento.

 

Legislação aplicada

Com o Novo Código Civil instituído pela Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor 1 (um) ano após sua publicação, vieram consideráveis alterações ao Direito Comercial, notadamente, estabelecendo a teoria da empresa e abolindo a teoria dos atos de comércio.

O Direito de Empresa vem disciplinado no Livro II da Parte Especial do Código Civil.

Ressalte-se que, o antigo Código Comercial não foi ab-rogado, à luz do artigo 2.045 do Código Civil de 2002, mas tão somente a sua Primeira Parte, permanecendo válida as regras aplicáveis ao comércio marítimo.

Dessa forma, salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei que não conflitarem com as do novel Código Civil, referentes a comerciantes, ou sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis, com fulcro no art. 2.037 do CC/02; tais como, a Lei n° 8.934/94, Lei n° 9.279/96, Lei n° 6.404/76.

No tocante ao Decreto n° 3.708/19, que regula a constituição de sociedades por cotas de responsabilidade limitada, não está expressamente revogado pelo Novo Código Civil, apesar de ser disciplinado no Capítulo IV, do Subtítulo II, do Título II, do Livro II, com uma denominação mais simplificada: sociedade limitada.

Conceito de sociedade

As sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, como são também as fundações e associações.

Se distingue da fundação pela destinação especial, por meio de ato volitivo do instituidor, de bens livres afetado ao fim a que se destinam.

No que toca a sociedade e a associação, cabe esclarecer que possuem traços comuns, qual seja, a união de pessoas, esforços e recursos para o mesmo fim. Terá a combinação de seus integrantes para lograrem o mesmo ideal.

A diferença reside no fim almejado em cada uma delas. Na associação, a união de pessoas é para fins não econômicos, mas sim culturais, desportivos, filantrópicos. Enquanto que a sociedade tem como escopo o exercício da atividade econômica, visando a obtenção e divisão dos resultados, ou melhor, buscam partilhar os lucros. Tanto são diferentes que estão dispostos no CC/02 em livros separados: associação, nos art. 53 a 61; e sociedades, nos art. 981 e seguintes.

Para bem conceituar a sociedade é oportuna a definição do respeitável professor Sérgio Campinho 5:

Podemos definir a sociedade como o resultado da união de duas ou mais pessoas, naturais ou jurídicas, que, voluntariamente, se obrigam a contribuir, de forma recíproca, com bens ou serviços, para o exercício proficiente de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados auferidos nessa exploração.

Ou de uma forma mais sintética, como ensina o douto professor José Edwaldo Tavares Borba6:

“sociedade é uma entidade dotada de personalidade jurídica, com patrimônio próprio, atividade negocial e fim lucrativo”.

São esses os elementos que caracterizam a sociedade. A personalidade jurídica demonstra que ela é um ente capaz de adquirir direitos e assumir obrigações, não se confundindo com a pessoa dos sócios. O patrimônio ressalta a sua autonomia. A atividade negocial corrobora o seu fim, qual seja, o exercício de uma atividade econômica. E derradeiramente, o fim lucrativo é a essência dela, que é a partilha dos resultados.

É oportuno destacar que, embora algumas confusões, sociedade não é sinônimo de empresa. A primeira já fora devidamente qualificada, portanto, desnecessária a digressão ao seu conceito. Por seu turno, a empresa não foi conceituada pelo Código Civil de 2002, apenas o empresário. Como define Francesco Ferrara7, empresa é uma atividade econômica organizada. Isto é, a empresa nasce após o início da atividade economicamente organizada, sob a direção do empresário, que é o agente dessa atividade, seja pessoa física ou jurídica.

Logo, empresa não é detentora de personalidade jurídica, sendo apenas objeto de direito; onde o empresário é o sujeito de direito.

Por outro lado, a sociedade pode ser de duas espécies, quanto à natureza da atividade: sociedade empresária ou sociedade simples, à luz do novo Código Civil, revogando as antigas sociedade comercial e a sociedade civil, respectivamente.

No Código Civil de 1916, o critério distintivo era baseado no objeto social para verificar qual atividade era desenvolvida, se civil ou comercial, haja vista que a teoria adotada era dos atos de comércio.

E com o advento do Código Civil de 2002, aquela teoria foi substituída pela teoria da empresa, onde as sociedades são classificadas em simples ou empresárias, em virtude da natureza da atividade, tendo como distinção a existência de uma estrutura empresarial (profissionalismo), o grau de organização, salvo as sociedades que têm previsões específicas na lei, como é o caso da cooperativa que será sempre sociedade simples e a sociedade por ações que será sociedade empresária, com fulcro no art. 982, parágrafo único do diploma civil.

Isto porque a caracterização do empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, com base no art. 966 do CC/02.

Nota-se que o divisor de águas da atividade empresarial é a organização e o profissionalismo, pois a atividade econômica e a partilha dos resultados é inerente a qualquer sociedade, logo, incapaz de diferenciá-las.

É mister salientar que essa distinção, quanto à natureza da atividade, não se confunde com outra classificação das sociedades, quanto a espécie ou tipo societário, que então será: sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada, sociedade anônima e sociedade em comandita por ações.

Destarte, há dois significados diversos para a sociedade simples: uma referindo-se a natureza da atividade societária; e outra no tocante ao tipo societário (forma ou espécie).

Contudo, há posicionamentos contrários8 a maneira de distinguir as sociedades quanto à natureza da atividade, tendo como parâmetro o objeto ou a forma societária adotada pelas sociedades. Nesta a distinção residiria na modalidade da atividade econômica desenvolvida pela pessoa jurídica, pois, para estes, a exploração da atividade econômica e a partilha de lucros são a essência do conceito de sociedade. Mas a atividade econômica seria um gênero que comporta várias espécies, as quais são a fonte de diferenciação do objeto das sociedades empresárias e simples.

Assim, para eles, a diferenciação primordial entre elas é que será sociedade simples aquelas que empreendem atividade econômica específica, ou melhor, as que o ordenamento jurídico positivo assim lhe reservar o objeto.

Com a máxima vênia, não nos parece a melhor opção por causa da superação da teoria dos atos de comércio, contrariando a evolução do ordenamento jurídico, além de estar claramente contrário as novas acepções da nova lei civil.

Evolução histórica da sociedade limitada

A sociedade limitada teve sua origem ligada ao modelo de sociedade anônima. Foi o Direito Inglês que iniciou o processo de um novo tipo de sociedade, conhecida como limited by guarantee, sociedade esta em que, no caso de liquidação, os sócios respondiam apenas até o valor determinado no contrato. Semelhante ao chamado limited by shares em que a responsabilidade do acionista não ultrapassa o valor da ação; ressalte-se, porém, que esse tipo de sociedade configurava-se como uma das espécies de sociedade anônima.

Contudo foi o direito alemão que instituiu essa forma de sociedade por cotas limitadas. Esse sistema jurídico almejava a criação de um tipo de sociedade que atendesse às novas necessidades econômicas da época. Ela nasceu como uma espécie de transição entre as sociedades de pessoas e as de capitais.9

No Brasil, a primeira tentativa de introdução de algo parecido com a sociedade limitada, configurou-se na sociedade anônima simplificada, inspirada na lei francesa, a qual não foi aprovada.

Somente mais tarde, com a tarefa de revisão do Código Comercial incumbida ao professor Inglês de Souza, adotou-se a sociedade por cotas.

Uma divergência que se apresenta até hoje em nosso ordenamento é com relação ao personalismo da sociedade limitada. Houve sempre, nesse tipo de sociedade, uma grande dúvida em saber-se se ela tem ou não intuito personae. Alguns doutrinadores acreditam que ela tem caracterização de sociedade por capitais, outros que ela caracteriza-se com uma sociedade mista, assim como era caracterizada anteriormente, ficando como uma espécie de transição entre a de capitais e a de pessoas, outros acreditam ser ela de pessoas.

A jurisprudência brasileira acredita ser ela de pessoas, embora o Código Civil de 2002 não adote posição expressa quanto ao caso em enfoque. A doutrina tem demonstrado que varia em cada caso, com relação, por exemplo, à cessão, à penhorabilidade, entre outros, pode ser de uma forma ou de outra, dependendo do contrato ou da lei; podendo, portanto ser personalista ou não. Dessa forma, esse tipo de sociedade continua num âmbito intermediário entre uma natureza e outra, estando sujeito ao que for estipulado pelos sócios no contrato.

 

A proibição de aquisição de cotas pela sociedade limitada

A disposição no Decreto n° 3.708/19

Foi com o advento do Decreto n° 3.708 de 10 de janeiro de 1919 que surgiu a regulamentação das sociedades por cotas de responsabilidade limitada.

Conforme elucida Fran Martins10:

a sociedade por cotas de responsabilidade limitada é aquela formada por duas ou mais pessoas, assumindo todas, de forma subsidiária, responsabilidade solidária pelo total do capital social.

Por força deste decreto, a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, desde então, tinha a faculdade de adquirir suas próprias cotas, tornando-se sócia de si mesma.

A previsão estava no art. 8º:

É lícito as sociedades a que se refere esta lei adquirir cotas liberadas, desde que o façam com fundos disponíveis e sem ofensa do capital estipulado no contracto. A acquisição dar-se-há por accôrdo dos sócios, ou verificada a exclusão de algum sócio remisso, mantendo-se intacto o capital durante o prazo da sociedade.

Dessa forma, a aquisição das próprias cotas pela sociedade estava legalmente autorizada. Contudo, nota-se que havia alguns requisitos a serem observados para tal compra.

As condições11 eram:

  1. As cotas a serem adquiridas deviam estar liberadas, ou seja, deveriam estar integralizadas;

  2. A sociedade haveria de ter fundos disponíveis, ou seja, à parcela do patrimônio líquido que excede o valor do capital;

  3. A aquisição deveria perfazer-se sem redução do capital social;

  4. Acordo dos sócios, ou consentimento unânime dos sócios-cotistas.

Realizada a aquisição de suas próprias cotas, era preciso resolver duas questões, quais eram, como seria feito a distribuição dos resultados e o direito a voto com relação a estas cotas?

O decreto não precisava quanto a essas indagações, dessa forma, a solução foi dada pela doutrina, conforme ensina o ilustre professor José Edwaldo Tavares Borba.12

Com relação ao direito a voto, entendeu-se que essas cotas da sociedade não deveriam votar, pois, se o fizessem, haveriam de fazê-lo através dos administradores, que teriam, dessa forma, o seu poder de voto injustificadamente ampliado; o sistema de controle resultaria desequilibrado, na medida em que os administradores, além de seus votos pessoais, teriam os votos da sociedade.

No que diz respeito à distribuição de lucros, continua o professor, ficou assentado que as cotas da sociedade permaneceriam excluídas dessa participação. Considere-se que a distribuição de lucros pela sociedade a si mesma não teria qualquer efeito prático, pois a parcela que coubesse à sociedade, sendo lucro desta, poderia ser redistribuída.

Assim, essas cotas adquiridas pela própria sociedade, ficariam sem direito a voto e, também, sem participação nos lucros.

À luz desse entendimento doutrinário, veio a lei das sociedades anônimas autorizando a aquisição das suas próprias ações, desde que essas ações tivessem seu direito a voto e dividendo suspensos, conforme regulamentação expressa.

De outra forma, essa incorporação pela Lei das S/A veio pacificar e ratificar o posicionamento doutrinário da sociedade limitada, que até então estava a mercê de regulamentação específica pelo ordenamento jurídico, demonstrando que estava correto tal entendimento.

A vedação no novo Código Civil de 2002

Com a promulgação e publicação do novo Código Civil no ano de 2002, a questão peculiar da aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada tornou-se ainda mais controvertida entre os doutrinadores.

Isto porque a sociedade limitada, abandonando a extensa e antiga nomenclatura do Decreto de 1919: sociedade por cotas de responsabilidade limitada, é tratada na Parte Especial no Livro II, Subtítulo II, Capítulo IV, artigos de 1.052 a 1.087.

E, o código não reproduziu a regra do anterior decreto que permitia a aquisição das próprias cotas pela sociedade.

Daí fica a pergunta: as sociedades limitadas continuam possibilitadas a adquirir suas próprias cotas? O fato de a matéria estar disciplinada no Código Civil revoga-se integralmente o Decreto n° 3.708/19?

A ausência de permissivo legal

Para uma parte da doutrina, a nova sistemática do código inviabilizou a aquisição de suas cotas pela sociedade limitada, pois não mais desfruta de alicerce no direito positivo.

Dessa forma, o Decreto n° 3.708 estaria revogado, e suas normas não servem como paradigma e tampouco possuem validade jurídica, logo são inutilizáveis.

Na verdade isso é reflexo devido a não reprodução do art. 8º do decreto pelo novo código, tornando-se uma questão de hermenêutica jurídica para solucionar o caso. Seria este silêncio proposital? É uma revogação tácita?

Este é um dos fundamentos dessa parte doutrinária que ante a ausência intencional de permissivo legal a combatida aquisição por parte da sociedade de suas próprias cotas está proibida.

Isto porque o art. 1.057 do Novo Código Civil, além de não encontrar correspondência no Código Civil de 1916 e nem no Decreto de 1919, ao estipular a cessão de cotas pelo sócio, total ou parcialmente, prevê apenas duas hipóteses:

a) para outro sócio, neste caso dispensado a audiência com os demais sócios;

b) para estranho, caso não haja oposição de titulares de cotas representativas de mais de um quarto (25%) do capital social.

Nota-se que não tem a possibilidade de cessão das cotas para a sociedade limitada.

É mister destacar a novidade trazida pelo artigo. Só poderá haver oposição a cessão de cotas, caso esta seja realizada a um terceiro não integrante do corpo societário. Mas não basta ser uma pessoa não-sócia, para fazer frente a esta transferência; a oposição dos sócios remanescente deve, necessariamente, estar representada por mais de 25% (vinte e cinco por cento) do total do capital social, sob pena do terceiro entrar na sociedade.

O douto professor Paulo Checoli, em sua obra Direito de Empresa, onde comenta artigo por artigo, tem o seguinte entendimento sobre aquela norma:

Não poderá a sociedade adquirir as cotas para mantê-las, como cotas liberadas, para posterior transferência a terceiros.

[…]

No entanto, o legislador do Código Civil /02 não pretendeu manter aquela regra {art. 8º do Dec. 3.708/19} e, ao que tudo indica, silenciou a respeito dela, intencionalmente. Ao inserir na lei substantiva civil um livro próprio (LIVRO II da PARTE ESPECIAL), só para tratar do DIREITO DE EMPRESA, não há que se aventar a menor possibilidade de permanecer em vigor a Lei das Sociedades Por Cotas de Responsabilidade Limitada, cujo tipo societário já nem mais existe para dar lugar, simplesmente, à Sociedade Limitada.13

Destarte, até uma utilização supletiva da LSA, onde autoriza a aquisição de ações pela sociedade, está prejudicada, pois serviria tão somente para suprir lacunas do contrato social de uma sociedade limitada, quando decorrente de previsão expressa naquele contrato.

Além do que, como o novo código trouxe um capítulo específico sobre este tipo societário, ao silenciar sobre a possibilidade de a própria sociedade adquirir suas cotas, veio rechaçar o uso supletivo da LSA.

O art. 1.058 corrobora ainda mais esta tese quando disciplina sobre o sócio remisso – aquele que não integraliza a sua quota parte na forma e prazo estabelecido no contrato social – porque as cotas deste podem ser tomadas pelos outros sócios ou transferidas a terceiros não sócios, ressalte-se que a norma novamente não menciona nada sobre a faculdade da sociedade limitada adquirir estas cotas, vejamos o artigo ipsis litteris:

Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no artigo 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

Excluiu-se, assim, a possibilidade de a sociedade adquirir as suas próprias cotas em virtude de não ser uma simples ausência normativa, mas seria sim, uma omissão eloqüente.

 

Violação ao direito de distribuição dos lucros aos sócios

Segundo o distinto professor Sérgio Campinho14 a impossibilidade da sociedade limitada adquirir suas próprias cotas está em harmonia com o conceito de sociedade contratual consagrado no art. 981 CC, do qual sobressai a existência necessária de pelo menos duas pessoas, naturais ou jurídicas, distintas da própria sociedade, a celebrarem o respectivo pacto de sua criação, com o fim de partilharem, entre si, os resultados do exercício da atividade econômica, não dando margens que a sociedade possa ser sócia de si mesma.

Além do fato do Código tratar de forma expressa sobre a sociedade limitada sem mencionar a viabilidade de comprar suas cotas, há outra barreira no que tange ao direito de partilha dos resultados caso a sociedade adquira suas cotas.

Isto porque como salientado alhures, a solução encontrada pela doutrina durante a vigência do Decreto de 1919, referente à distribuição de lucros era colocar as cotas adquiridas pela sociedade excluídas dessa participação.

Contudo é incompatível a restrição quanto à percepção dos lucros com o conceito de sociedade no novo código, haja vista que na sociedade a partilha dos resultados é inerente ao seu significado, à luz do artigo supra mencionado; além do que a divisão dos dividendos é o que une as pessoas que celebram o pacto.

Por isso, o art. 1.008 afirma: “É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas”.

Assim, para esta parte da doutrina, não há como autorizar aquisição das cotas pela sociedade frente ao novo Código Civil.

 

A possibilidade de aquisição de cotas pela própria sociedade limitada

A possibilidade de aquisição das cotas pela sociedade

Em que pese todas as fundamentações e argumentos da corrente doutrinária retro exposta, há, como não poderia deixar de ser, outra parte da doutrina que sustenta exatamente o oposto, com argumentos igualmente convincentes.

Primeiramente, o embasamento da corrente contrária a auto-aquisição argumenta, notadamente, que por meio de uma interpretação sistemática, o novel Código rechaça esta aquisição ante a ausência de norma específica. Ou melhor, a não reprodução de norma análoga a do art. 8º do decreto e a falta de dispositivo permissivo, induz a uma omissão eloqüente, que seria uma ausência intencional de norma, o que vedaria esta compra de cotas pela sociedade.

Contudo, é de grande valia esclarecer que o Código Civil igualmente não revogou o decreto, ou mais tecnicamente, este novo diploma civil não ab-rogou expressamente aquele decreto.

Corroborando o Livro Complementar – Das Disposições Finais e Transitórias, traz no dispositivo legal 2.037 do CC/02, a seguinte redação: “Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis”.

Percebe-se que não há referência específica revogando o decreto que regulamenta a sociedade por cotas de responsabilidade limitada.

Ademais, como bem observa o professor José Edwaldo Tavares Borba, não existe incompatibilidade lógica ou jurídica para essa aquisição, tanto que na sociedade anônima ela continua admitida.

Se realmente fosse contrário ao ordenamento empresarial, nem mesmo as sociedades por ações poderiam realizar este tipo de aquisição, o que não é o caso.

Tanto não há antagonismo entre as normas que a Lei 6.404/76 (Lei das S/A) continua como legislação supletiva para as sociedades limitadas, desde que contratualmente prevista, com fulcro no parágrafo único do art. 1.053: “O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima.” (destaque nosso).

Seria um contra-senso do novo código, autorizar e proibir, ao mesmo tempo, a sociedade limitada utilizar, supletivamente, as normas das S/A e vedar aquisição!

Se fosse a intenção do legislador proibir algumas das regras da Lei 6.404/76, deveria conter naquele parágrafo as ressalvas devidas, se assim não o fez, não cabe ao interprete restringir.

Comunga da mesma opinião a respeitável Mônica Gusmão15:

“Ora, se o contrato pode, por via da supletividade, acolher determinadas regras, poderá também, e por idênticas razões, incorporar diretamente essas regras”.

Para demonstrar e ratificar que a tendência já era no sentido de viabilizar a auto-aquisição pela sociedade, destaca-se uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, in fine:

RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL – PENHORA DE COTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – POSSIBILIDADE.

I – É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, em razão de inexistir vedação legal. Tal possibilidade encontra sustentação, inclusive, no art. 591, CPC, segundo o qual “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

II – Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais devem ser determinados em levando em consideração os princípios societários. Destarte, havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve-se facultar à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou CONCEDÊ-LA e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119), assegurando-se ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade. (REsp 221625/SP; RECURSO ESPECIAL 1999/0059057-0, Terceira Turma – DJ 07.05.2001 p. 138) (grifo nosso)

Ademais, outro ponto que merece analise é com relação ao artigo referente a cessão de cotas pelo sócio, art. 1.057 do CC/02, já estudando noutro ponto, pois a doutrina contrária interpreta-o como se ele veda a cessão de cotas à sociedade limitada.

Na verdade, não há uma proibição expressa nesta norma, tanto que ela tem o escopo apenas de completar o contrato social, caso este seja omisso neste tema.

A fim de melhor elucidar, transcrevemos, in totum, o citado artigo:

Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. (destaque nosso)

Ora, somente no caso do contrato social da empresa não contiver cláusula específica sobre essa questão, é que este artigo terá utilidade. Caso contrário, não será aplicado.

Dessa maneira, com a máxima vênia, não há como sustentar que o artigo 1.057 veda a previsão no contrato social da sociedade limitada adquirir suas próprias cotas. É uma interpretação divorciada da lei.

O renomado e respeitável jurista Modesto Carvalhosa16 integra a parte da doutrina que vê como possível a sociedade ser sócia dela mesma, com a aquisição de suas próprias cotas. Face à importância e ao profundo conhecimento sobre a matéria, se faz mister transcrever suas palavras sobre o tema, para uma escorreita e fiel cognição de seus fundamentos, vejamos:

Ainda que o Código Civil de 2002 silencie sobre a matéria, poderá o contrato social continuar prevendo a possibilidade de aquisição de cotas pela própria sociedade, em atendimento ao interesse social. Poderá, para esse fim, a sociedade adquirir suas próprias cotas, desde que estejam liberadas e que seja realizada com fundos disponíveis, sem ofensa ao capital social.

Como se não bastasse, a Junta Comercial do Estado do Ceará, também, adotou sobre este tema o entendimento à luz dessa corrente que vê como possível a auto-aquisição pela sociedade limitada ante o novo código, como se comprova no item 2. Orientações e Procedimentos, subitem 2.4 – Aquisição de Cotas pela Sociedade17:

A sociedade pode adquirir cotas de sócio nos seguintes casos:
a) cotas liberadas, ou seja, integralizadas, desde que o faça com fundo disponíveis e sem ofensa ao capital, por acordo dos sócios; e
b) cotas não liberadas de sócio remisso excluído, desde que o faça com fundos disponíveis e sem ofensa ao capital.

Nota-se que esta junta autoriza, inclusive, a aquisição das cotas do sócio remisso pela própria sociedade, conforme ratifica no subitem 2.8 – Exclusão de Sócio: “2.8.2 – Sócio remisso: As cotas correspondentes ao sócio remisso poderão ser transferidas a terceira, a outros sócios ou à própria sociedade, sempre, sem ofensa ao capital.” (destaque nosso).

Portanto, não há revogação expressa no Código Civil de 2002 ao Decreto n° 3.708 e nem incompatibilidade jurídica e/ou lógica entre eles que proíba a sociedade limitada adquirir suas próprias cotas.

Requisitos para aquisição das próprias cotas

Inobstante a viabilidade jurídica da auto-aquisição de suas cotas pela sociedade, é imprescindível estabelecer quais as condições que devem ser observadas para torná-la possível.

As exigências18 seriam as seguintes:

1º as cotas devem estar integralizadas, para que não se crie o risco de afrontar o princípio da realidade do capital;

2º de que a aquisição se faça com reservas livres ou lucros acumulados, com o escopo de preservar o princípio da intangibilidade do capital;

3º enquanto estiverem em tesouraria, essas cotas não votariam e nem concorreriam à distribuição de lucros.

É oportuno destacar que, implícita a estas condições, a aquisição não pode importar em redução do capital social, face o princípio da segunda exigência – intangibilidade do capital.

Destarte, observado estes requisitos, a aquisição de cotas pela própria sociedade limitada será válida e legal.

A partilha do lucro versus a proibição de limitação de distribuição dos resultados

Aparentemente surge um conflito de normas entre a de possibilidade de auto-aquisição pela sociedade e os requisitos dos arts. 981 e 1.008 do Código Civil de 2002.

Isto porque uma das exigências é, enquanto estiverem em tesouraria, essas cotas não votariam e nem concorreriam à distribuição de lucros. É nesta última que surge o problema.

Preceitua o art. 981 e 1.008, respectivamente:

Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.

Depreende-se desses enunciados um dos principais direitos dos sócios: o direito de participar dos resultados da empresa. Afinal, a divisão dos lucros faz parte do conceito da própria sociedade.

Dessa forma, uma interpretação afoita, pode levar a uma conclusão que há um conflito real de normas, fato que inviabilizaria e prejudicaria a aquisição de suas cotas pela sociedade, pois estaria violando, fatalmente, este direito dos sócios.

Todavia, mediante uma análise mais acurada verá que em momento algum há violação desse direito, vejamos cautelosamente.

A razão pela qual não haverá a distribuição de lucros para as cotas pertencentes a própria sociedade é por um motivo prático, que não prejudicaria os demais sócios, nem a sociedade e muito menos atingiria esses princípios e direitos societários.

Deve-se considerar que a parcela que couber a sociedade será lucro desta, logo, será redistribuído novamente. Aí, com a nova distribuição, a sociedade receberia a sua parcela, outra vez, que seria redistribuída. Assim, seguindo-se sucessivas participações e redistribuições até alcançar um montante inexpressivo de lucro distribuído à sociedade.

Caso a sociedade venha a deliberar a sua alienação, uma vez transferida a terceiros, as cotas pertencentes à sociedade recuperariam a plenitude dos direitos inerentes à condição de sócio.

Em virtude disso, estas cotas adquiridas pela própria sociedade não teriam direito a partilha do lucro, não com uma regra violadora dos direitos dos sócios, mas sim como uma conseqüência prática da própria divisão.

As possibilidades permissivas para a auto-aquisição

Consoante o exposto, sabe-se que o Código Civil não ab-rogou expressamente as legislações extravagantes comerciais, notadamente, o Decretou 3.708.

No mesmo sentido, o art. 1.057 e 1.053 do CC/02 recepciona a auto-aquisição de cotas pela sociedade, haja vista que o primeiro viabiliza por meio do contrato e o segundo através da regência supletiva da Lei 6.404/76 mediante previsão expressa no contrato social.

Consequentemente a sociedade limitada está autorizada a adquirir suas próprias cotas, desde que obedeça os requisitos de estar com todas as cotas integralizadas, fundo de reservas livres, não haja redução do capital social e que estas cotas não gerem direitos de votar nem percepção dos lucros, pelos motivos já explanados outrora.

Todavia, é mister salientar que para concretizar este tipo de aquisição, deve ocorrer algumas das hipóteses19 adiante:

A previsão expressa no contrato social

O contrato social da sociedade limitada pode prever expressamente a aquisição das próprias cotas, à luz do art. 1.057: “Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua cota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social”. (destaque nosso)

Isto em razão de ser o contrato a lei maior entre os sócios-contratantes, é ele que irá trazer todas as disposições necessárias para solução dos conflitos, as obrigações de cada cotista, juntamente os direitos a eles inerentes, a forma e o prazo de integralizar o capital social, desde que não esteja defeso na lei ou contrário as normas.

Sendo assim, pode os sócios estabelecer a possibilidade de a sociedade adquirir suas próprias cotas e em quais situações, observando, sempre, as exigências necessárias.

A previsão supletiva da Lei 6.404/76 (LSA)

Se porventura o contrato social não contiver a previsão expressa de auto-aquisição, ainda assim será possível desde que o contrato tenha regência supletiva pela Lei 6.404/76, com fulcro no art. 1.053 do CC/02, in fine: “O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”.

A supletividade deve estar expressamente prevista no contrato da sociedade limitada, pois a ausência não autoriza o uso das normas das sociedades anônimas.

Como o próprio código civilista permite a regência supletiva pela Lei das S/A, desde que expressamente consignado no contrato, e esta lei possibilita a auto-aquisição; induz que a sociedade limitada, ainda que não contenha no seu contrato social previsão expressa no sentido de autorizar a aquisição de suas próprias cotas, poderá adquiri-las com base nas normas das sociedades anônimas.

A ausência de previsão supletiva da Lei 6.404/7 e no contrato.

Esta última hipótese é quando não há previsão contratual de aquisição de suas cotas pela sociedade limitada e tampouco a estipulação de regência supletiva das normas jurídicas da Lei das S/A.

Neste caso em tela, para o insigne jurista José Edwaldo Tavares Borba20, ainda assim será viável a auto-aquisição pela sociedade limitada.

Para tanto, a aquisição dependerá só de decisão unânime dos sócios.

O nobre jurista sustenta essa posição face a autonomia dos sócios; a compatibilidade jurídica entres as normas e esta espécie de aquisição; e a não revogação expressa do novo diploma civilista.

Entretanto, é mister muita cautela com esta posição, para não dar margens a possíveis fraudes no comando das empresas limitadas e interesses escusos por trás de aquisições pela própria sociedade.

 

Considerações finais

O tema da aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada ante o novo Código Civil é, sem dúvida, intrigante, inovador e árduo para os doutrinadores, haja vista que este diploma entrou em vigor recentemente e a jurisprudência pouco se manifestou, ainda, sobre ele.

Mesmo com a vigência do Código Civil de 1916, a doutrina e os Tribunais, mostravam-se bem divididos quando o assunto era se a sociedade limitada poderia adquirir suas próprias cotas. Ressalte-se que nesta época o Decreto 3.708/19 estava plenamente válido e o diploma civil não dispunha de normas empresariais.

Para demonstrar a irresignação de parte da doutrina, antes do Novo Código, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto21, na sua obra A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, do ano de 1956, disse:

“De fato: parece-nos um absurdo jurídico que uma sociedade possa ser sócia de si mesma. Além disso, o fato dá margem a abusos e fraudes, contribuindo, pois, para sua própria desmoralização”.

Isto corrobora a complexidade e falta de consenso no meio doutrinário, seja no Código Civil de 1916, seja no diploma civil de 2002.

Inobstante isto, é de extrema valia a digressão em torno desta questão, não com o escopo de esgotar a matéria, mas de enriquecer a discussão, pois a sociedade limitada não pode ficar desamparada, em um verdadeiro limbo jurídico. Até porque é a forma societária mais utilizada no nosso país. Daí se vê que é de suma relevância o tema.

Durante a vigência do Código Civil de 1916, a despeito de vozes adversas, a aquisição das suas próprias cotas pela sociedade limitada era aceita, desde que atendido os requisitos legais, notadamente, os previstos no art. 8º do decreto de 1919.

Mas o cerne da questão, e objeto de estudo do presente trabalho, é esta modalidade de aquisição frente ao novo código de 2002.

Há, como não poderia de ser, duas posições antagônicas.

Primeiramente, a corrente contrária à auto-aquisição argumenta, notadamente, que por meio da sistemática do Código Civil de 2002 está rechaçado esta aquisição ante a omissão de comando legal específico, ou seja, a não reprodução de norma análoga a do art. 8º do Decreto e a falta de dispositivo permissivo, concluindo que seria uma ausência intencional de norma, o que vedaria esta compra de cotas pela sociedade.

De uma forma sintética, é uma omissão eloqüente do Código Civil, e neste caso não caberia o intérprete dar uma interpretação extensiva à norma.

Ademais, sustentam que há uma violação clara aos direitos dos sócios de participar dos lucros da sociedade, quando se estipula que as cotas adquiridas pela empresa não participaria dos dividendos.

Não obstante os argumentos da corrente doutrinária contrária à auto-aquisição pela sociedade limitada, melhor sorte não lhe resta.

A um, é mister esclarecer alguns pontos e, após, determinar algumas assertivas.

O novel Código Civil não revogou expressamente o Decreto que regulamentava a constituição das sociedades por cotas de responsabilidade limitada, à luz do seu art. 2.037.

Não há, também, antagonismo lógico e tampouco jurídico no fato da sociedade auto-comprar suas cotas. Tanto é procedente que a Lei 6.404/76 (LSA) contém dispositivo semelhante e continua plenamente vigente. Se fosse contrário aos princípios societários estariam revogados, tácita ou expressamente; o que não é o caso.

A Lei das S/A, igualmente, permanecem como regra supletiva das sociedades limitadas, desde que o contrato social tenha previsão expressa nesse sentido, à luz do artigo 1.053, parágrafo único, do CC/02.

Destarte, se a lei das sociedades por ações mantém todas suas normas válidas e se pode ter regência supletiva nas sociedades limitadas, não há motivos para negar a eficácia de suas normas para estas empresas.

Por outro lado, existe norma dentro do Novo Diploma Civil que também fornece subsídios para a auto-aquisição, haja vista o art. 1.057, o qual dá margem ao contrato social de estabelecer a cessão de cotas para a própria sociedade.

É importante observar como se harmonizam e interagem as normas, pois se este artigo (1.057) viabiliza a cessão de cotas à sociedade, e esta ainda pode utilizar-se, supletivamente, da lei das S/A, a qual continua vigente e prevê, expressamente, este tipo de aquisição pela sociedade, concluir-se-á pela validade e legalidade de aquisição de cotas pela própria sociedade limitada.

É de bom alvitre ressaltar que não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não o fez em normas que asseguram direitos, sob pena de usar mal a lei.

E, sobre este mal uso das leis, já ensinava o saudoso e respeitável jurista Rui Barbosa, na Oração aos Moços, “mais vale a lei má, quando inexecutada, ou mal executada (para o bem), que a boa lei, sofismada e não observada (contra ele).”

Até porque na seara do direito privado, o que não está proibido, é permitido; ao invés do direito público que o que não está permitido, está proibido.

Todavia, para se concretizar a aquisição pela sociedade, esta deve sempre observar as condições adiantes: a) capital social esteja integralizado; b) que as aquisições se façam com lucros não distribuídos ou fundo disponível; c) que estas cotas, enquanto estiverem em tesouraria, não tenham direito a voto e nem à distribuição de lucros.

E, finalmente, para autorizar a aquisição pela sociedade, o contrato social deverá conter essa possibilidade expressa no contrato social (art. 1.057, CC/02) ou a previsão expressa da regência supletiva da Lei das S/A (art. 1.053, par. único CC/02).

Diferentemente do sustentado pelo professor José Edwaldo Tavares Borba22, o qual vê com bons olhos a aquisição mediante simples acordo de todos os sócios; com a devida vênia, a nossa opinião é no sentido que apenas a vontade dos sócios não seria capaz de autorizar tal aquisição em virtude do completo desamparo legal frente a necessidade de satisfazer uma das exigências legais.

Assim, atendido essas condições, a aquisição das próprias cotas pela sociedade limitada continua válida e legal ante a vigência do Código Civil de 2002.

 

BIBLIOGRAFIA

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa – à luz do novo Código Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial do Direito de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 13.

CHECOLI, Paulo. Direito de empresa no novo Código Civil/2002. São Paulo: Pillares, 2004.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. I.

DISPONÍVEL em: <http://www.jucec.ce.gov.br/registro/sociedade_ltda.html> Acessado em 17.04.2006.

GUSMÃO, Mônica. Direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MARQUES, Ana Carolina Batista. Problemas da sociedade limitada e soluções no Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/revista/graduacao%20artigos%202004/Ana%20Carolina%20Batista%20Marques.htm> Acessado: 17.04.2006.

MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1.

PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Rio de Janeiro: Forense, 1956, v. I.

 

5 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa – à luz do novo Código Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 34.

6 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

7 Apud BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário.

8 Sérgio Campinho sustenta que a diferenciação deve ser feita com base no objeto ou na forma societária adotada pela sociedade.

9 MARQUES, Ana Carolina Batista. Problemas da sociedade limitada e soluções no Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.franca.unesp.br/revista/graduacao%20artigos%202004/Ana%20Carolina%20Batista%20Marques.htm> Acessado dia 17.04.2006.

10 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

11 BORBA, op. cit., p. 119.

12 BORBA, op. cit.

13 CHECOLI, Paulo. Direito de Empresa no novo Código Civil/2002. São Paulo: Pillares, 2004, p. 162.

14 CAMPINHO, op. cit., p. 166.

15 GUSMÃO, Mônica. Direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 177.

16 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil, parte especial do direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 13, p. 88.

17 Disponível em: <http://www.jucec.ce.gov.br/registro/sociedade_ltda.html> Acessado em 17.04.2006.

18 BORBA. op. cit., p. 121.

19 BORBA, op. cit., p. 121.

20 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário.

21 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Rio de Janeiro: Forense, 1956, v. I, p. 197.

22 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário.

Gustavo Kenner Alcantara

Scrivi un commento

Accedi per poter inserire un commento