A Constituição brasileira do Trabalho

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Sumário. 1. A CONSTITUIÇÃO DO TRABALHO. 1.1. DEFINIÇÃO. 1.2. O DIREITO DO TRABALHO NAS PRINCIPAIS CONSTITUIÇÕES EUROPÉIAS. 1.2.1. Na Constituição italiana. 1.2.2. Na Constituição francesa. 1.2.3. Na Constituição alemã. 1.2.4. Na Constituição espanhola. 1.2.5. Constituição portuguesa. 2. O TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO. 2.1. INTRODUÇÃO. 2.2. O TRABALHO COMO INSTRUMENTO DE IMPLANTAÇÃO DO ESTADO SOCIAL. 2.3. GARANTIAS DO TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. 2.3.a) Direitos fundamentais de liberdades públicas. 2.3.b) Direitos do cidadão vinculados ao trabalho. 2.3.c) Direitos específicos dos trabalhadores subordinados. 2.3.d) Direitos de defesa. 2.3.e) Princípios ou normas da política sócio-econômica. 2.3.e.i.) Proteção do emprego. 2.3.e.ii) Seguridade social. 2.3.e.iii) Política agrícola. 2.3.e.iv) Formação e qualificação profissional. 2.3.e.v) Proteção tributária. 2.3.e.vi) Política assistencial (em sentido amplo). 2.3.e.vi.a) Trabalhadores de baixa renda. 2.3.e.vi.b) Menor, deficiente, mulher e paternidade. 2.3.e.vi.c) Higiene, saúde e segurança. 2.3.f) Regras de organização do Estado. 2.4. TRABALHO COMO VALOR CONSTITUCIONAL SUPERIOR E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 2.5. OS TRABALHADORES DESTINATÁRIOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAL-TRABALHISTAS. 2.6. OUTROS SUJEITOS DA CONSTITUIÇÃO LABORAL: O ESTADO, O EMPREGADOR E AS ENTIDADES SINDICAIS. 2.7. CARACTERÍSTICAS DA CONSTITUIÇÃO DO TRABALHO. 3. REFERÊNCIAS.
 
1. A Constituição do Trabalho
1.1. Definição
 
É sabido que a Constituição é una e indivisível. Suas regras e princípios formam um único corpo legislativo, que deve ser aplicado e interpretado de forma a não guardar qualquer divergência ou prevalência entre os diversos temas ou ramos do direito nela tratados.
Tal lição, no entanto, não impede, ao menos para fins didáticos ou de estudo, separar no texto constitucional as regras e princípios que regem determinado aspecto de nossa vida, agrupando-os por ramos do direito. Assim é que se pode falar em uma constituição econômica, cultural, social ou do trabalho, por exemplo[1].
Na doutrina, por exemplo, encontramos diversos exemplos de definição da constituição econômica. José Afonso da Silva, no Brasil, define a constituição formal econômica como a “parte da Constituição Federal que contêm os que legitimam a atuação dos sujeitos econômicos, o conteúdo e limites desses direitos e a responsabilidade que comporta o exercício da atividade econômica”[2].
Vital Moreira, por sua vez, em Portugal, conceitua a constituição econômica como
“o conjunto de preceitos e instituições jurídica que, garantido os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinado ordem econômica; ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos, que garantem e (ou) instauram, realizam uma determinada ordem econômica concreta”[3].
Poucos doutrinadores, entretanto, mesmo dentre os trabalhistas, ousaram em apontar um conceito da constituição do trabalho. A esse tema sempre foi dada pouca importância.
José Afonso da Silva, por exemplo, enquanto constitucionalista, preocupou-se em definir o conceito de constituição econômica, mas ao tratar dos direitos sociais do trabalho passou ao largo dessa questão[4]. Outros cuidam da constitucionalização da economia, desprezando esse mesmo fenômeno na área trabalhista[5].
Dentre os doutrinadores trabalhistas brasileiros, desconhecemos aquele que tenha procurado sistematizar o direito do trabalho a partir do conceito de constituição do trabalho, de forma a analisar e aplicar suas regras e princípios a partir do que está contido na Constituição.
Diverso, no entanto, tem sido a literatura alienígena. Não de hoje, doutrinadores italianos, portugueses e espanhóis, sem falar nos alemães, procurando delinear a constituição do trabalho.
Sinzheimer, por exemplo, à luz da Constituição de Weimar, conceituou a constituição do trabalho como “o ordenamento que chama os trabalhadores a co-exercitar, nos limites estabelecidos pela lei e pelos acordos, os direitos primeiramente pertencentes exclusivamente ao empregador”[6].
Interessante notar que, neste conceito, o autor faz um paralelo entre a limitação do poder do empregador e o do monarca absoluto. A Constituição do Estado limitou o exercício do poder do monarca absoluto através do parlamento popular, assim como a constituição do trabalho limita o poder do empregador por meio de contra-poderes sociais, que seriam exercidos pelos sindicatos ou através da co-gestão.
Tal conceito, no entanto, peca por admitir, implicitamente, que o poder do empregador seria algo natural, legitimado por graça divina, em face da sacralização dos meios de produção. Tal conceito, no entanto, como bem percebido por Thilo Ramm, chama a atenção para um aspecto que não pode passar despercebido, qual seja, que a constituição do trabalho ocupasse de uma relação de tensão entre o direito e o poder, “da modificação do poder por obra do direito e da falência do direito em face do poder”[7].
Thilo Ramm, entretanto, positivamente, incluiu no conceito de constituição do trabalho, as regras que cuidam das associações de trabalhadores e empregadores, os conselhos da empresa e de pessoal, o legislador, o poder executivo, o poder judiciário, o empregador e os trabalhadores, bem como os colaboradores, os representantes de pessoas jurídicas, os familiares cooperantes e, sobretudo, os servidores públicos, já que, independentemente da posição jurídica destes últimos, “um dos pilares da constituição do trabalho na República Federal [alemã] é constituído pela proibição de greve nos serviços essenciais”[8].
Esse doutrinador alemão, porém, conclui que o conceito de constituição do trabalho deve juntar os fatores jurídicos e reais que determinam a relação de trabalho, nos seus três níveis, quais sejam, singular, entre trabalhador e empregador, empresarial, entre empregador e seus empregados, e supra-empresarial, entre associações sindicais. “Trata-se, assim, de um quadro complexo, não só constituído de normas jurídicas”[9], de modo que o conceito jurídico deve ser completado com a valorização do peso real da norma jurídica, isto é, da força factual da norma. É preciso levar em conta a força normativa dos fatos[10].
Sempre à luz do direito alemão, Franz L. Neumann também destaca que o objeto da constituição do trabalho “é a disciplina, vale dizer, a limitação do poder de direção do proprietário sobre os trabalhadores”[11]. Isso se constata na Constituição alemã quando se verifica, na sua segunda parte, que o trabalhador é, antes de tudo, tutelado contra os abusos do poder de direção. O empregador, ainda, tem seus poderes limitados com os conselhos de empresas e, por fim, pela existência dos sindicatos[12].
Esse Autor destaca, ainda, que a constituição do trabalho não se funda apenas na idéia formal da igualdade. Ao contrário, tutela o trabalhador para promover sua emancipação, numa verdadeira discriminação positiva fixada pelo legislador[13].
Em Portugal esse tema também tem sido uma preocupação dos doutrinadores trabalhistas. Além de J. J. Canotilho Gomes, que faz referência a constituição laboral[14], temos as lições de José Barros Moura, que a define como o “conjunto das disposições constitucionais unificadas por terem como referência comum o trabalho ou os trabalhadores”[15].
É bem verdade, no entanto, que aqueles que se debruçam sobre o direito constitucional do trabalho em Portugal pouco se dedicam a definir seu conceito[16].
O mesmo tem ocorrido dentre os doutrinadores espanhóis e italianos, pois, conquanto se dediquem ao estudo da constituição do trabalho, eles não se preocupam em apontar seu conceito.
Sem fugir a essa tarefa, preferimos, então, de forma resumida, conceituar a constituição do trabalho como o conjunto de regras e princípios constitucionais relativos ao trabalho. Não limitamos o seu objeto às relações de trabalho, pois, mais do que isso, a Constituição busca tratar do trabalho humano, ainda que não assalariado ou que não seja produto de uma relação jurídica.
Isso não implica, no entanto, em afirmar que devemos estudar a Constituição do Trabalho em face de todos os destinatários dessas normas. Óbvio, entretanto, que, no estudo dessas regras e princípios, o estudioso há de levar e conta os fatores reais, isto é, “a força normativa dos fatos” [17].
Outrossim, a identificação desse conjunto de regras e princípios que regem o trabalho é de suma importância nas constituições sociais. Isso porque, “quando o Estado social articula sua definição e atuação sobre a integração do conflito social, a constituição do trabalho constitui o núcleo de sua constituição material”[18].
Como veremos adiante, o Estado social, em verdade, está umbilicalmente vinculado à proteção do trabalho. Neste sentido, a “constituição do trabalho não pode ser tratada simplesmente como o estudo das normas constitucionais de um setor do ordenamento, senão como o elemento nuclear caracterizador do projeto constitucional do Estado social”[19].
É preciso, no entanto, deixar claro que a constituição do trabalho, assim como a econômica, a social, etc, “não constituem realidades autônomas dentro de uma constituição, devendo sempre interpretar-se no contexto geral da constituição”[20].
O estudo da constituição do trabalho tem por finalidade dar realce aos princípios e regras informadoras das normas que regem o trabalho. Ela, no entanto, é uma parte da Constituição, dessa não se separando ou mesmo prevalecendo sobre as demais “constituiçõonstituiçdo sobre os demais regem as relaçumentos privilegiado de realizaçapontar um conceito da constituiçportador. isçaes” (econômica, social, cultural, etc). Não pode haver conflitos entre os princípios estabelecidos pela constituição do trabalho e os adotados pela Constituição como um todo, pois, como dito, essa é una e indivisível.
Aliás, pode-se afirmar que a constituição do trabalho não deixa de ser uma parte da constituição econômica, bem como da constituição social[21].
Do texto constitucional brasileiro, no entanto, extrai-se que o constituinte erigiu o trabalho (a valorização social do trabalho), o emprego, os direitos dos trabalhadores, a participação dos trabalhadores na gestão da empresa, etc, como elementos constitutivos “da própria ordem constitucional global e em instrumentos privilegiado de realização do princípio da democracia econômica e social”[22]
 
1.2. O DIREITO DO TRABALHO NAS PRINCIPAIS CONSTITUIÇÕES EUROPÉIAS
 
Neste primeiro capítulo não poderíamos deixar de fazer menção ao tratamento dispensado ao trabalho pelas principais constituições européias.
Tal estudo, por sua vez, nos serve como revelação da importância desse tema nas Cartas Constitucionais, especialmente as mais recentes, e seu papel no desenvolvimento do constitucionalismo social.
 
1.2.1. Na Constituição italiana
 
Das mais relevantes constituições européias, aquela que dar maior destaque e relevo ao trabalho é a Constituição Italiana. Isso porque, logo em seu primeiro artigo, ela dispõe que “A Itália é uma República Democrática fundada no trabalho”.
Já em seu art. 4º, n. 1, estabelece que “a República reconhece a todos os cidadãos o direito ao trabalho e promove as condições para tornar efetivo este direito”.
Editada em 1947, encontramos na Constituição italiana, em seus arts. 35 a 43, no Título que cuida das Relações Econômicas, diversas disposições que tratam:
·        da proteção do trabalho;
·        da formação e da elevação profissional dos trabalhadores;
·        da promoção das organizações internacionais empenhados em afirmar e disciplinar os direitos do trabalho;
·        de assegurar ao trabalhador direito a uma retribuição proporcional à quantidade e qualidade do seu trabalho, que seja suficiente para garantir para si e para a sua família uma existência livre e digna;
·        do direito ao repouso semanal e às férias anuais remuneradas, não podendo renunciar às mesmas;
·        da igualdade da mulher trabalhadora, dispondo que as condições de trabalho devem consentir o cumprimento de sua essencial função familiar e assegurar à mãe e à criança uma especial e adequada proteção;
·        da proteção do trabalho do menor;
·        da proteção de todo cidadão impossibilitado de trabalhar e desprovido dos recursos necessários para viver;
·        da proteção no desemprego;
·        da proteção dos deficientes e incapacitados;
·        da liberdade sindical; e,
·        do direito de greve;
 
1.2.2. Na Constituição francesa
 
A Constituição França em si pouco se refere ao trabalho, conquanto, a partir da definição da República como democrática e social, possa-se alcançar, através dos princípios, as regras de proteção do labor.
Contudo, tendo em vista o bloco de constitucionalidade, ou seja, o conjunto de regras que compõem o arcabouço constitucional da República francesa (preâmbulo da Constituição de 1946, A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a Constituição de 1958 e a Declaração do Meio-ambiente de 2004)[23], temos diversas referências ao direito do trabalho.
Assim é que o Preâmbulo da Constituição de 1946 faz referência ao dever de trabalhar e ao direito ao trabalho, ao princípio da igualdade no trabalho, à liberdade sindical, ao direito de greve e de participação na gestão da empresa.
 
1.2.3. Na Constituição alemã
 
Já a Constituição alemã faz referência à liberdade sindical, ao reconhecimento da negociação coletiva (art. 9, n. 3) e a liberdade de profissão e proibição do trabalho forçado (art. 12). Dispõe, ainda, sobre a competência legislativa para dispor sobre o direito do trabalho e a proteção dos trabalhadores e do emprego (art. 74, n. 12).
 
1.2.4. Na Constituição espanhola
 
A Constituição espanhola, no entanto, foi mais pródiga ao tratar do direito do trabalho.
Assim é que ela trata da liberdade sindical (art. 7º e 28), do direito de greve (art. 28, n. 2), da contratação coletiva (art. 28) e do dever e do direito ao trabalho, da liberdade de profissão, de uma remuneração mínima, da não-discriminação (art. 35, n. 1).
 
1.2.5. Constituição portuguesa.
 
Já mais recente, a Constituição portuguesa, numa tendência de consagrar no texto constitucional mais especificamente os direitos dos trabalhadores, deu maior importância ao direito do trabalho.
Assim é que ela cuida da liberdade de escolha da profissão (art. 47, n. 1), bem como, no Título que cuida dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (arts. 53 a 57):
  • da segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos;
  • das comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa;
  • da liberdade sindical;
  • da contratação coletiva;
  • do direito de greve; e
  • da proibição do lock-out.
A Constituição lusitana, ainda, assegura a participação dos trabalhadores na gestão pública (art. 90), prevê a participação dos trabalhadores no Conselho Econômico e Social (art. 95, n. 2), submete a política agrícola à melhoria das condições sociais dos trabalhadores (art. 96, n. 1, b) e estabelece auxílio à constituição de cooperativas de trabalho (art. 100, n. 2, d).
 
2. O TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO
2.1 INTRODUÇÃO
 
De suma importância para o desenvolvimento do estudo do direito constitucional do trabalho é a identificação do valor trabalho no contexto constitucional.
Esclarecido esse ponto, cumpre identificar, no corpo constitucional, quem são os destinatários das normas constitucional-trabalhistas e quais são as suas principais características.
 
2.2. O TRABALHO COMO INSTRUMENTO DE IMPLANTAÇÃO DO ESTADO SOCIAL
 
A Constituição Brasileira de 1988 se apresentou como produto das forças políticas que a formularam, sendo ela portadora de um projeto que consagrou a ruptura com ordem anterior. Neste caminho, a Constituição de 1988, como instrumento transformador, buscou romper com o nosso passado autoritário e com a ordem econômica liberal. E essa ruptura fica bem clara nos arts. 1º e 3º da CF.
A ruptura com o passado autoritário se concretizou com a fundação do Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF), fundado na cidadania e no pluralismo político (incisos II e V do art. 1º), tendo como um dos objetivos fundamentais a criação de uma sociedade livre e promotora do bem de todos sem qualquer distinção (incisos I e IV do art. 3º da CF).
Para concretizar o projeto de Estado Democrático de Direito, o constituinte, então, destacou os seus valores fundamentais: a liberdade e a igualdade, elevando-os ao grau mais alto de proteção, como instrumentos de concretização da democracia representativa.
Mas ao lado do Estado Democrático de Direito, o constituinte, rompendo com nosso passado mais liberal, do que social, adotou, sem margem de dúvida, o Estado Social. Daí porque a República Brasileira está fundado na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (incisos II e IV do art. 1º). E por conta da criação desse Estado Social é que a nossa República tem como objetivos fundamentais à construção de uma sociedade, além de livre, justa e solidária, que busca o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem discriminação (incisos I a IV do art. 3º da CF).
Daí porque, conforme preâmbulo da Constituição de 1988, foi dito que esta era fruto da vontade dos
“representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
Mas, no campo social, para superação do status quo anterior e concretização do verdadeiro Estado Social, em sua fórmula substancial, o constituinte escolheu o trabalho como instrumento de transformação, elevando-o a valor relevante na nova ordem social. Isso porque, para se alcançar uma nova homogeneidade social, o trabalho é o instrumento de mobilidade social, pois através dele se promove uma maior e eqüitativa distribuição dos bens e rendas entre as diversas classes[24].
Partiu, pois, o constituinte do pressuposto de que a nossa sociedade está dividida em classes e que, apesar de impossível de serem unificadas numa sociedade capitalista, cabe ao direito, numa democracia assente no pluralismo político, atuar para tornar menor a disparidade econômico-social entre os seus membros. Daí porque, ao lado de impor à satisfação da função social à propriedade e à liberdade econômica (valor social da livre iniciativa, inciso IV do art. 1º da CF), o constituinte, avançando, destacou, em vários dispositivos da Constituição, o trabalho como instrumento de homogeneidade social, inclusive assegurando, em contraponto ao poder empresarial, o direito de greve e da negociação coletiva. Tudo isso para, observada a tensão dialética e através de regras democráticas, alcançar a democracia econômica e social[25].
Tal premissa, aliás, está no seio da própria criação do Estado Social. Realmente, não se pode perder de vista que “o Direito do Trabalho foi parte fundamental na definição desta tarefa e também na motivação daquela transformação do Estado Liberal para o Estado Social”[26].
Como lembrado por Antonio Baldassarre, “não é casual, portanto, que este direito é reconhecido universalmente como o ‘centro e arquétipo’ dos direitos sociais ou como ‘princípio diretivo do Estado Social’, mais, ao mesmo tempo, se considere também como o mais controvertido e ruidoso dos direitos sociais”[27], ainda que não tenha sido o único que inspirou a nova ordem constitucional-social[28].
O Estado Social, assim, ao mesmo tempo em que foi influenciado pelo direito do trabalho, passa a cumprir a função de inserir os trabalhadores no quadro político-institucional do novo sistema constitucional estabelecido[29]. E o faz, não como quem quer proteger os trabalhadores enquanto tais, mas, sim, em benefício dos trabalhadores enquanto cidadãos, isto é, indivíduos portadores de direitos fundamentais.
Há, pois, uma “conexão ideológica entre o conceito de Estado de Direito democrático e social com as demandas próprias do movimento obreiro”[30]. O trabalho, desse modo, sem dúvida, exerce papel destacado na formação e implantação do Estado Social. É uma “peça chave do sistema político do Estado social”[31]
Essa assertiva, por sua vez, é facilmente comprovada quando se constata que a nossa República também tem fundamento no valor social do trabalho (inciso IV do art. 1º da CF).
É certo, porém, que a conclusão acima poderia ser desmentida com a lembrança, por exemplo, que o valor social da livre iniciativa também fundamenta a República (inciso IV do art. 1º da CF). Mas a nossa assertiva se reforça, no entanto, quando verificamos que a nossa Ordem Econômica está fundada na valorização do trabalho humano (art. 170 da CF) – como também na livre iniciativa, é bem verdade -, e que a Ordem Social “tem como base o primado do trabalho” (art. 193 da CF).
Tais dispositivos consagram, sem dúvida, o trabalho como o instrumento transformador do Estado Liberal para o Social, pois, ela não só atua como um dos fundamentos da nossa República, como condiciona a nossa Ordem Econômica (que também se pauta na valorização do trabalho humano) e constitui a base de nossa Ordem Social.
Observa-se, ainda, nesse projeto de criação do Estado Democrático e Social de Direito, que a Constituição procurou dar destaque aos seus valores básicos logo no seu Titulo II. Assim é que, para implantação do Estado Democrático, dispôs sobre suas garantias nos arts. 5º e 12 a 17. Já para a implantação do Estado Social, regulou as garantias do trabalho, preponderantemente, nos arts 7º a 11.
 
2.3. GARANTIAS DO TRABALHO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
 
Como dito, da leitura do nosso texto constitucional verificamos que o constituinte quis valorar o trabalho como instrumento de concretização do Estado Social. Para tanto, o constituinte estabeleceu um sistema de garantias. E são essas garantias que também bem relevam o destaque dado ao valor trabalho.
A partir das lições difundidas por Gonzalo Maestro Buelga[32], podemos separar essas garantias em vários grupos[33].
No primeiro grupo de garantias, o constituinte tutelou diretamente o trabalho, assegurando aos seus principais sujeitos os direitos trabalhistas fundamentais, individuais e coletivos, bem como formulando princípios protecionistas. Assim é que temos o art. 7º da CF, com seu elenco de direitos constitucionais trabalhistas, fundado no princípio da proteção e da vedação do retrocesso social (caput do art. 7º).
A constitucionalização desses direitos, de caráter muito mais individuais, busca re-equilibrar o ordenamento, já que antes baseada mais em regras ou princípios liberais, ao lado de dar uma maior integração política aos trabalhadores, inserindo-os sobremaneira na ordem constitucional.
No segundo grupo estão as garantias de proteção social, num processo de integração sócio-econômica dos trabalhadores. É neste sentido que temos as garantias de formação de uma política agrícola que assegure a habitação ao trabalhador rural (inciso VIII do art. 187), as ações de proteção à saúde do trabalhador (inciso II do art. 200), a proteção do meio ambiente do trabalho (inciso VIII do art. 200), a proteção do trabalhador em desemprego involuntário (inciso III do art. 201), a promoção da integração dos necessitados ao mercado de trabalho (inciso III do art. 203), a política de educação com formação para o trabalho (inciso IV do art. 214), a proteção do menor trabalhador (incisos I a III do § 3º do art. 227), além da proteção dada pela previdência social, entre outras.
Já num terceiro grupo podemos incluir diversas outras garantias, mais diversificadas e heterogêneas, mas que relacionam o trabalho como instrumento de implantação do Estado Social.
Neste último grupo, teríamos num primeiro subgrupo as regras que limitam as classes econômicas, ao lado de estabelecer garantias a favor do trabalho através de normas que impõem um re-equilíbrio de forças entre as classes antagônicas (capitalistas e trabalhadores).
Aqui teríamos, então, as regras que impõe uma função social à propriedade, a desapropriação por descumprimento da função social quando não observadas as disposições que regulam as relações de trabalho (inciso II do art. 186), a que agrega à instituição da livre iniciativa o seu valor social (inciso IV do art. 1º) e as que limitam a atuação do poder econômico, como, por exemplo, aquela que submete a ordem econômica à “busca do pleno emprego” (inciso VIII do art. 170).
Num segundo subgrupo podemos incluir as garantias que permitem uma maior manifestação do poder do trabalho. Assim é que se firmou a garantia da liberdade sindical, ainda que mitigada pela unicidade sindical, e o direito de greve (arts. 8º e 9º da CF).
Aqui, quis o constituinte dar expressão política ao trabalho, colocando os trabalhadores e as entidades sindicais como sujeitos políticos co-participes do processo de democratização e de socialização do Estado Brasileiro.
Ao assegurar o amplo direito de greve, conferiu aos trabalhadores um instrumento de autotutela do trabalho. Criou um instrumento de real inserção do trabalho no sistema político, assegurando, ainda, aos trabalhadores um meio eficaz de interferência no âmbito econômico-empresarial, ao lhe conferir um maior poder de negociação.
Por fim, num terceiro subgrupo, colocamos as garantias de negociação coletiva (inciso XXVI do art. 7º da CF e inciso VI do art. 8º da CF) e de inserção dos trabalhadores na gestão da empresa (inciso XI do art. 7º da CF).
A negociação coletiva atua como o instrumento constitucional “de integração econômica mais importante, pois através dela se opera a distribuição da renda no âmbito do mercado”[34]. Serve de instrumento, em suma, de re-equilíbrio do poder social sobre o mercado, conectado ao direito de greve[35].
Já com a co-gestão, os trabalhadores vão atuar diretamente no seio da classe econômica. É meio, pois, de concretização do Estado Social em seu aspecto substancial.
É certo, porém, que através de outras classificações também verificamos o destaque dado pelo legislador constitucional ao trabalho. E é interessante pelo menos a citação de uma delas, pois através da mesma verificamos o realce constitucional dado ao valor trabalho ou como ele sujeitou o constituinte em sua tarefa criadora da nossa norma fundamental.
Ressaltamos, no entanto, que a inclusão de uma regra ou princípio numa determinada categoria não exclui a possibilidade da mesma se enquadrar em outra, já que, às vezes, a garantia constitucional tem diversas finalidades ou buscam a satisfação de vários interesses.
Assim, verificamos no texto constitucional regras relacionadas ao trabalho que a) cuidam dos direitos fundamentais de liberdade públicas, b) dos direitos do cidadão, c) dos direitos específicos dos trabalhadores, d) dos direitos de defesa, e) as normas que condicionam a política sócio-econômica e, por fim, f) as regras de organização do Estado.
2.3.a) Direitos fundamentais de liberdades públicas
Dentre os direitos fundamentais de liberdade públicas relacionados com o trabalho temos assegurados na Constituição a liberdade sindical (art. 8º), ainda que mitigada, o direito de greve (art. 9º) e a liberdade de escolha do trabalho, da profissão ou do ofício (inciso XII do art. 5º).
2.3.b) Direitos do cidadão vinculados ao trabalho
No rol dos direitos do cidadão vinculados diretamente com o trabalho, verificamos que a Constituição contém normas expressas de igualdade de tratamento (incisos XXX, XXXI e XXXII do art. 7º, incisos X e XI do art. 37, inciso II do art. 173), o que bem revela sua preocupação neste campo, pois a simples regra geral (caput do art. 5º) já seria suficiente, conquanto destaque a preferência de contratação de trabalhador nacional na execução de produções nas emissoras de rádio e televisão (§ 3º do art. 222).
Mas a Constituição Laboral não se preocupou apenas em assegurar a igualdade formal, já que, em cláusula autorizativa de uma política de ação afirmativa, v. g., estabeleceu a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (inciso XX do art. 7º). Os incentivos específicos podem ser assim regras de ação positiva, na busca da igualdade material.
Da mesma forma, para atingir a igualdade substancial, o constituinte estabeleceu uma reserva de emprego público às pessoas portadoras de deficiência (inciso VIII do art. 37).
Nesta categoria temos ainda a regra de igualdade de tratamento a ser dispensado aos trabalhadores avulsos (inciso XXXIV do art. 7º), bem como aquela que assegura igual tratamento constitucional aos sindicatos rurais e às colônias de pescadores em relação às entidades sindicais urbanas (parágrafo único do art. 8º).
Como direito do cidadão podemos incluir, ainda, o direito ao trabalho (pleno emprego, proteção contra despedida arbitrária, etc), inclusive o acesso democrático ao emprego público (inciso I do art. 37), e a cláusula de valorização do trabalho (art. 170 e inciso IV do art. 1º)[36].
Ressalte-se, ainda, que a Carta Magna destacou o direito fundamental à valorização dos profissionais da educação escolar, reservando especial regramento aos da rede pública (inciso V do art. 206) e um piso salarial nacional (inciso VIII do art. 206).
2.3.c) Direitos específicos dos trabalhadores subordinados
Nossa atual Constituição, como nunca tratado antes, preocupou-se em incluir no rol dos direitos fundamentais sociais diversos direitos específicos dos trabalhadores. Aliás, de todos os direitos sociais, o do trabalho foi o único pormenorizado na Constituição, o que bem revela sua importância para o constituinte.
O rol é extenso, geralmente elencado no art. 7º, a exemplo do direito ao aviso prévio proporcional, ao salário mínimo, ao décimo terceiro salário, às férias, à remuneração superior quando do trabalho noturno ou em condições insalubres, perigosas e penosas, ao FTGS, etc.
2.3.d) Direitos de defesa
Constatamos, também, na Constituição Laboral um rol específico de direitos de defesa, isto é, de garantias e instrumentos assegurados aos trabalhadores para defesa de seus direitos e interesses.
Neste sentido, a Constituição não se preocupou somente em assegurar aos trabalhadores a sua defesa mediante a representação processual, judicial ou extrajudicial, através das associações (inciso XXI do art. 5º). Foi além, assegurando às entidades sindicais o direito de substituir processualmente os membros da categoria (inciso III do art. 8º).
Observe-se que esse direito de defesa dos interesses dos trabalhadores, de forma impessoal, foi dado à entidade sindical em prol de todos os membros da categoria que representa e não somente dos seus filiados.
Aqui também, nesta categoria de direitos de defesa, podemos incluir o direito de greve, pois este não deixa de ser um direito de autotutela dos interesses.
Nesta mesma categoria incluímos as diversas ações constitucionais. E aqui deve ser destacado que foi assegurado às entidades sindicais de grau superior também o direito propor as ações de constitucionalidade e de inconstitucionalidade (inciso IX do art. 103).
Observamos, todavia, que além de assegurar aos trabalhadores, enquanto cidadãos, e as entidades sindicais que lhes representam, o direito de ajuizar as demais ações constitucionais (mandado de segurança, habeas corpus, mandado de injunção, etc), o constituinte incluiu neste rol o dissídio coletivo (§ 2º do art. 114), enquanto procedimento de caráter verdadeiramente legislativo.
Neste rol, ainda, de direitos de defesa, podemos incluir a coletivização dos direitos trabalhistas como meio impeditivo à supressão ou alteração de algumas garantias constitucionais mediante acordos individuais. Daí porque o reconhecimento das convenções e acordos coletivos enquanto produtos da negociação coletiva, ao lado da legalidade de determinados atos somente se firmado através de acordo coletivo ou convenção coletiva do trabalho.
A negociação coletiva, pois, apresenta-se como mais um instrumento de defesa dos trabalhadores, ao lado do direito de greve, já que instrumento de autotutela dos seus interesses.
Incluímos, ainda, neste elenco o direito de representação dos trabalhadores nas empresas com mais de duzentos empregados, como instrumento de defesa dos seus interesses diretamente junto ao empregador (art. 10). Da mesma forma temos a possibilidade de participação dos trabalhadores na gestão da empresa (inciso XI do art. 7º), já que, através desta, os empregados passam a ter voz e voto na administração empresarial, inclusive para a defesa de seus interesses.
Por fim, nesta mesma categoria incluímos a regra que impõe uma política de promoção do cooperativismo e outras formas de associativismo (§ 2º do art. 174), inclusive da atividade garimpeira (§§ 3º e 4º do art. 174) e das dedicadas ao crédito (art. 192).
2.3.e) Princípios ou normas da política sócio-econômica
Encontramos, ainda, na Constituição os princípios ou normas da política sócio-econômica. Aqui temos um rol, disperso pela Constituição, que condicionam o agir do Estado e, em alguns aspectos, da livre iniciativa.
Podemos dividir o rol dos princípios da política sócio-econômica em diversas subcategorias. É certo, ainda, que diversos outros princípios, de grande generalidade e não especificamente trabalhistas, como aqueles que impõem a busca da redução da desigualdade social, a erradicação da pobreza e a promoção do bem de todos (incisos II e IV do art. 3º), condicionam a política sócio-econômica. E esses princípios também se inserem na Constituição Laboral. Contudo, a partir de outras normas podemos apontar os princípios que condicionam a política sócio-econômica no Brasil diretamente vinculados ao trabalho.
2.3.e.i.) Proteção do emprego
Numa primeira subcategoria podemos inserir as regras que protegem o trabalhador contra o desemprego. Neste sentido, tem-se a regra fundamental que impõem ao Estado e a livre iniciativa uma política de busca do pleno emprego (inciso VIII do art. 170). Observe-se: não é só o Estado que deve se preocupar em adotar uma política de garantia do acesso ao emprego (política voltada ao aumento da oferta de emprego). As empresas privadas também estão obrigadas constitucionalmente a atuar na ordem econômica de modo a alcançar o “pleno emprego”.
Aqui, inclui-se, nesta tarefa de busca do pleno emprego, o dever do Estado em prestar assistência, a quem dela necessita, de modo a promover a integração ao mercado de trabalho (inciso III do art. 203), inclusive mediante a criação de programas de prevenção e atendimento especializado (ações afirmativas) para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho, com a eliminação de preconceitos (inciso II do § 1º do art. 227).
Ressaltamos, porém, desde já, que, como veremos em capítulo próprio de modo mais pormenorizado, o princípio do pleno emprego (direito ao trabalho) não autoriza a concluir que o Estado deva assegurar a todos um posto de trabalho, mas determina uma política de incentivo ao emprego, de proteção (manutenção) do emprego e de proteção do trabalhador quando do desemprego involuntário. Daí porque, complementando essa subcategoria de direitos do trabalho, temos as regras que protege o empregado contra despedida arbitrária (inciso I do art. 7º), dá garantias ao trabalhador contra o desemprego em face da automação (inciso XXVII do art. 7º) e dispõe sobre o seguro desemprego (inciso II do art. 7º e inciso III do art. 201), este com financiamento especial das empresas com alto índice de rotatividade da força de trabalho (§ 4º do art. 239), além da assistência social através da promoção à integração ao mercado de trabalho dos necessitados (inciso III do art. 203).
E é em proteção do emprego que a Constituição, desde logo, assegura a estabilidade ao dirigente sindical (inciso VIII do art. 8º), à gestante (alínea a do inciso II do art. 10 dos ADCT), aos membros das comissões internas de prevenção de acidentes (alínea b do inciso II do art. 10 dos ADCT), aos detentores de mandatos eletivos, ainda que com afastamento dos serviços (art. 38), e aos empregados públicos da Administração Direta, autárquica e fundacional desde que preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 19 dos ADCT.
Neste mesmo caminho, para preservação do emprego, a Constituição concedeu anistia a todos os perseguidos políticos entre 18/09/1946 e 04/10/1988, inclusive do setor privado, com direito de retorno ao emprego (art. 8º e seus parágrafos dos ADCT).
2.3.e.ii) Seguridade social
Uma segunda subcategoria de normas que condicionam a política sócio-econômica seria formada pelas regras relativas à seguridade social, seja pública (art. 201), seja privada (art. 202).
Neste sentido, é assegurado o direito de aposentadoria ao trabalhador (inciso XXIV do art. 7º) e a cobertura no infortúnio e na idade avançada, além do seguro desemprego (que também se inclui na subcategoria anterior), bem como uma política de inclusão previdenciária dos trabalhadores de baixa renda e dos que se dedicam ao trabalho doméstico (§ 12 do art. 201). 
Essas são regras, portanto, que impõe uma política pública em matéria de seguridade social.
No âmbito da iniciativa privada, a Constituição traça algumas regras que limitam a sua atuação, especialmente nas entidades de previdência fechada (art. 202).
2.3.e.iii) Política agrícola
Outra subcategoria de regra impositiva da política sócio-econômica é aquela que condiciona a política agrícola à manutenção de um projeto de assistência ao cooperativismo, além de dever levar em conta a habitação para o trabalhador rural (incisos VI e VIII do art. 187).
A Carta Magna, ainda, tendo em vista o trabalho, estabelece que possa ser desapropriado imóvel rural que não cumpre sua função social (art. 184), ocorrendo essa situação quando inexista o aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186).
A política fundiária, portanto, inclusive quanto às desapropriações para fins de reforma agrária, teve ter em conta o valor trabalho e os interesses dos trabalhadores. E, neste sentido, a Constituição, em proteção ao trabalhador rural, assegurou a impenhorabilidade do imóvel rural, para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, desde que trabalhada pela família, cabendo ao Estado dispor de meios para financiar seu desenvolvimento (inciso XXVI do art. 5º).
2.3.e.iv) Formação e qualificação profissional
Numa outra subcategoria, que condiciona a política sócio-econômica, temos as regras que favorecem a formação e a qualificação profissional.
Nesta subcategoria podemos incluir o direito à re-qualificação para manutenção do emprego que também se extrai da regra de proteção contra automação (inciso XXVII do art. 7º), a educação voltada ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205), com estabelecimento de um plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam também à formação para o trabalho (inciso IV do art. 214).
Outrossim, a Constituição impõe como dever de todos assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, além de outros direitos, o de profissionalização (art. 227), garantindo-lhe acesso do trabalhador adolescente à escola (inciso III do § 3º do art. 227), além da criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho, com a eliminação de preconceitos (inciso II do art. 227), o que autoriza uma política de inclusão social (ações afirmativas).
Nesta mesma subárea, a Constituição dá especial destaque à formação profissional de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, assegurando-lhes aos que deles se ocupem meios e condições especiais de trabalho (§ 3º do art. 218), bem como estabelecendo a criação de uma política de apoio e estímulo às empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho (§ 4º do art. 218).
Da mesma forma, a Constituição estabelece regra especial para formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões (inciso III do art. 215).
2.3.e.v) Proteção tributária
Outro conjunto de normas incluídas na política assistencial (em sentido amplo) do Estado é aquele que assegura uma proteção tributária. Nesta categoria incluímos à vedação do Poder Público instituir imposto sobre o patrimônio, rendas ou serviços prestados e relacionados com as finalidades essenciais das entidades sindicais dos trabalhadores (alínea c do inciso VI do art. 150 c/c § 4º do mesmo dispositivo), bem como a não incidência do imposto territorial rural sobre as pequenas glebas rurais quando explorada pelo trabalho de seu proprietário, desde que não possua outro imóvel (inciso II do § 4º do art. 153).
2.3.e.vi) Política assistencial (em sentido amplo)
Numa outra subcategoria, podemos incluir diversas normas de que condicionam a política assistencial do Estado, destacando que, muitas das já citadas, também refletem na política sócio-econômica.
2.3.e.vi.a) Trabalhadores de baixa renda
Aqui, então, incluímos as normas proteção aos trabalhadores de baixa renda, seja através do pagamento de um salário família (Inciso XII do art. 7º), da garantia de um salário mínimo a quem não pode trabalhar (inciso V do art. 203), da assistência gratuita aos filhos menores em creches e pré-escolas (inciso XXV do art. 7º) e também a inclusão previdenciária dos trabalhadores de baixa renda e dos que se dedicam ao trabalho doméstico (§ 12 do art. 201), além do pagamento de um abono anual através do PIS – Programa de Integração Social (§ 2º do art. 239).
2.3.e.vi.b) Menor, deficiente, mulher e paternidade
Também podemos incluir, nesta subcategoria, as normas que protegem o menor através da política de proteção contra exploração ao trabalho infantil (inciso I do § 3º do art. 227 e inciso XXXIII do art. 7º). Dessa regra extrai, assim, a obrigação do Estado em dar assistência ao menor de 16 (dezesseis) anos, desde que desamparado, já que ao mesmo é vedado o trabalho. 
Aqui também se inclui as regras de proteção do deficiente (inciso XXXI do art. 7º e inciso II do § 1º do art. 227), do trabalhador em sua condição de pai, haja vista ser assegurado a este a licença paternidade (inciso XIX do art. 7º), bem como da mulher-trabalhadora, seja através do direito à licença maternidade (inciso XVIII do art. 7º), seja através da proteção do seu mercado de trabalho (inciso XX do art. 7º).
2.3.e.vi.c) Higiene, saúde e segurança
Também nesta subcategoria podemos incluir as regras dirigidas à proteção da higiene, saúde e segurança do trabalhador (inciso XXII do art. 7º e inciso II do art. 200), inclusive em relação ao meio ambiente do trabalho (inciso VIII do art. 200), sem prejuízo do seguro contra acidente de trabalho (inciso XXVIII do art. 7º), fornecido pelo Estado em concorrência com a iniciativa privada (§ 11 do art. 201), além da indenização respectiva (inciso XXVIII do art. 7º), e a vedação do trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos (inciso XXXIII do art. 7º). Isso sem olvidar que a Constituição também protege o trabalho penoso (inciso XXIII, do art. 7º).
 
2.3.f) Regras de organização do Estado
 
Por fim, temos as regras de organização do Estado brasileiro. Aqui estamos diante de uma categoria de normas que estabelecem regras para organização e atuação do Estado através de todos seus Poderes.
Assim é que se estabeleceu a regra de organização, manutenção e execução do serviço público de inspeção do trabalho (inciso XXIV do art. 21), dirigida diretamente ao Poder Executivo Federal. Impôs-se privativamente à União o dever de legislar sobre direito do trabalho (inciso I do art. 22), estabeleceu-se a regra de organização de Tribunais e Varas do Trabalho (inciso IV do art. 92) e a criação do Ministério Público do Trabalho (alínea b do inciso I do art. 128).
Além disso, para sua organização, estabeleceu-se o dever do Estado assegurar a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (art. 11), participação dos mesmos e dos aposentados na gestão da seguridade social (inciso VII do parágrafo único do art. 194), bem como a participação dos trabalhadores na formação da política agrícola (art. 187) e nos colegiados e instâncias de discussão e deliberação das entidades fechadas de previdência privada patrocinadas pela Administração Direta e Indireta (incluindo as empresas públicas e sociedades de economia mista controladas direta ou indiretamente) ou pelas empresas privadas concessionárias ou permissionárias de prestação de serviços públicos (§§ 4º a 6º do art. 2002).
 
2.4. TRABALHO COMO VALOR CONSTITUCIONAL SUPERIOR E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
 
Podemos, assim, concluir, que todos esses sistemas e arcabouços jurídicos de garantias constitucionais revelam que o constituinte quis dar ao valor trabalho grande realce ao tê-lo como instrumento e marco realizador do Estado Social. E é a partir dessa premissa, desse valor maior, que devemos interpretar as normas constitucionais, isto é, sem perder de vista que é através do trabalho que alcançaremos o Estado Social, protegendo, assim, a dignidade do ser humano.
Óbvio, no entanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana continua a ser o vetor central de todo sistema constitucional brasileiro. Numa ordem de valores, ele é o primeiro e o mais indispensáveis de todos. Mas, dentre todos os direitos fundamentais que procuram a sua realização, não se pode deixar de reconhecer que o trabalho é “um valor essencial para a dignidade do homem e para o livre desenvolvimento da sua personalidade”[37].
Nesta trilha, o contrato de trabalho, como nenhum outro, assume relevante papel constitucional na busca pela dignidade humana. “Tal contrato é, pois, e provavelmente como nenhum outro, constitucionalmente condicionado, por valores assentes na idéia de dignidade humana”[38]
Daí porque “o conceito constitucional da relação de trabalho assenta na idéia de que o trabalhador é uma pessoa, cuja liberdade e cujos direitos não podem ser totalmente sacrificados aos interesses empresariais, havendo, antes, que encontrar soluções que garantam tanto a liberdade de empresa como aqueles direitos dos trabalhadores”[39].
“Estes direitos, enquanto garantias da dignidade e da liberdade dos trabalhadores, terão que ser devidamente acautelados, devendo, pois, ser tidos em conta como limites ao exercício dos poderes patronais”[40].
Desse modo, por conta de tudo quanto dito acima, pode-se concluir, ainda, que “a Constituição impõe ao Direito do Trabalho um reencontro com as suas origens, enquanto ramo do Direito em que o ‘social’ se impõe como limite ao ‘econômico’ e em que o lugar central é o da pessoa humana, em todas as suas facetas, como indivíduo, cidadão e trabalhador”[41]
 
2.5. OS TRABALHADORES DESTINATÁRIOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAL-TRABALHISTAS.
 
Delineado o trabalho como um dos valores supremos de preocupação do constituinte, cabe-nos identificar qual o conceito de trabalhador enquanto destinatário das normas constitucional-trabalhistas.
A noção de trabalho está vinculada a uma atividade (econômica) do homem com finalidade de satisfação das necessidades daquele que desenvolve o labor[42]. Seriam, assim, trabalhadores todas as pessoas que desenvolvesse uma atividade, ainda que para sua própria sobrevivência. Aqui, então, estariam incluídos os empregados, os empresários, os autônomos, os agentes políticos, etc.
Luisa Riva Sanseverino, a partir da análise do texto constitucional italiano, sustenta que o valor trabalho referido na Constituição é aquele socialmente útil, ou seja, é aquela atividade que produz “efeitos fora da esfera de quem a realiza”[43]. Desse conceito ficaria excluído, assim, o pequeno produtor-consumidor (de subsistência) ou o artista que produz para si, sem comercializar o produto do seu labor.
Pode-se pensar, ainda, em trabalho como aquele que dá suporte essencial à vida daqueles que trabalham. Aqui se incluiriam os pequenos empresários que vivem essencialmente graças ao seu labor (e, nem tanto, do lucro de sua atividade), mas restariam excluídos aqueles que vivem de rendas ou do capital, como os grandes empresários (que vivem dos lucros do capital aplicado na atividade produtiva).
As conceituações mais ampla de trabalho – como atividade econômica ou como atividade socialmente útil -, no entanto, “não teriam a consistência suficiente para titular direitos ou mesmo situações jurídicas ativas dotadas de menor proteção”[44].
Basta imaginar o seguinte, se os direitos dos trabalhadores, tal como definidos mais pormenorizadamente na Constituição, dirigem-se a todos aqueles que desenvolvem uma atividade humana, que diferença existiria entre estes e os dos demais indivíduos? Teríamos que apenas estariam afastados de sua incidência os indivíduos inativos (menores e incapazes). Ou seja, apenas os direitos dos menores e dos incapazes delimitariam o campo de incidência dos direitos fundamentais dos indivíduos dos direitos fundamentais dos trabalhadores[45].
Da mesma forma, João Caupers sustenta que devemos rejeitar a noção de conceito de trabalhador como aquele que sobrevive fundamentalmente graças ao trabalho, inclusive os autônomos, pequenos empresários, etc. Isso porque o fator determinante para o reconhecimento do direito do trabalho não seria uma qualidade (como, v.g., de trabalhador subordinado, de deficiente, de menor, etc), mas, sim, de uma quantidade (empresário de uma empresa com ou sem empregado, produtor rural de pequena ou média propriedade, etc)[46].
É verdade que, da análise das regras quem compõem a nossa ordem laboral de grau constitucional, verificamos que o constituinte se referiu aos trabalhadores de um modo geral. Trabalhadores, aqui, em seu sentido lato, ou seja, toda pessoa física que desenvolve uma atividade produtiva, ainda que para seu mero sustento.
Assim é que há referência ao trabalho autônomo e liberal (inciso XIII do art. 5º), ao trabalho subordinado (art. 7º), ao trabalho avulso (inciso XXXIV do art. 7º), ao trabalho decorrente de um vínculo institucional, de regime administrativo (art. 39 e segs.), ao trabalho do agente político (v.g., art. 93), ao trabalho de subsistência (art. 191), ao trabalho do produtor, parceiro, meeiro e arrendatários rurais e ao do pescador artesanal (§ 8º do art. 195), ao trabalho doméstico (§ 12 do art. 195), etc.
Podemos, no entanto, agrupar essas diversas classes de trabalhadores em três grandes grupos: 1) a dos trabalhadores privados subordinados, 2) a dos servidores públicos (aqui açambarcando os trabalhadores, civis e militares, que mantém vínculo com o Estado sob regime administrativo e/ou institucional) e 3) a dos trabalhadores autônomos (aqui englobando todos os demais trabalhadores, ou seja, aqueles não submetidos a um regime de direito administrativo e os trabalhadores não-subordinados). Nesta última categoria estariam incluídos o empresário, o pequeno trabalhador rural, o pescador, o garimpeiro, o avulso, etc.
Mas, sem dúvida, apesar de haver referências ao trabalho autônomo, ao trabalho do produtor, do pequeno empresário e ao produzido pelos servidores públicos, o maior destinatário das regras constitucional-trabalhistas são os trabalhadores subordinados. Não que o trabalho desenvolvido pelos demais trabalhadores seja de menos importância. Mas, o fato é que, em face da situação fática dos assalariados, o constituinte teve em mira, ao estabelecer suas regras de proteção, os trabalhadores subordinados. A eles se dirigem, em regra, as normas dos arts. 7º a 11 da CF.
É certo que, em diversas passagens, a Constituição faz referência aos trabalhadores de um modo geral, isto é, como a pessoa que desenvolve uma atividade laborativa. Tais preceitos, no entanto, não exclui a conclusão de que, em regra geral, é ao trabalhador subordinado que se dirige o constituinte ao estabelecer as regras de valorização e proteção do trabalho.
Essa conclusão, porém, não afasta a aplicação de algumas regras e princípios constitucionais de valorização e proteção ao trabalho em favor dos demais trabalhadores (autônomos, servidores públicos, etc), especialmente aqueles que estão em situação próxima ao dos assalariados, a exemplo dos trabalhadores dependentes economicamente, como os avulsos e os trabalhadores rurais não-subordinados.
Aliás, quanto a estes últimos, é preciso relembrar que a tendência do direito do trabalho é alargar seu raio de incidência de modo a proteger todos aqueles que vivam em dependência econômica[47]. O direito do trabalho tende a incluir em seu objeto, não só o trabalho subordinado, mas todo o trabalho prestado por pessoa física. Isso porque, na Europa, há anos, já se sustenta que “o direito do trabalho não seria mais somente o direito do trabalho subordinado, correspondente a um emprego no quadro social da empresa, mas o direito de atividade laboral”[48]. E sobre essa tendência, é indispensável à leitura do Relatório da Comissão Boissonnat (Le travail dans vingt ans, Paris: Odile Jacob, 1995)[49] e do Relatório Supiot (Au-delà de l’emploi. Transformations du droit du travail et devenir du droit du travail em Europe, Paris: Flammarion, 1999)[50].
Tal fenômeno, por sua vez, decorre da constatação de que mesmo o trabalhador autônomo é economicamente dependente e contratualmente débil[51], sendo, portanto, merecedor de uma legislação protetora, conquanto, em nosso país, ainda em regra, somente o trabalhador subordinado goza dessa proteção legislativa. Mas, não à toa, a Constituição assegurou igual direitos trabalhistas aos avulsos (inciso XXXIV do art. 7º) e a Emenda Constitucional n. 45 incorporou à competência da Justiça do Trabalho, numa inversão da ordem natural, o julgamento dos litígios decorrentes da relação de trabalho[52].
E, seguindo essa trilha, podemos, então, sistematizar as regras constitucionais do trabalho sob a ótica de duas perspectivas, conforme lições de José Barros Moura: a de proteção do trabalho subordinado e a da “intervenção democrática dos trabalhadores”[53].
A proteção do trabalho subordinado se revela na preocupação do constituinte em definir, como direitos fundamentais, um elenco de direitos, liberdades e garantias sociais, inclusive de natureza coletiva. Direitos estes que não são de todos os indivíduos, mas apenas dos trabalhadores subordinados, ou seja, daqueles que estão numa posição de dependência por não serem titulares dos meios de produção[54]. E essa conclusão não se desmente pelas exceções que estendem as outras classes de trabalhadores as mesmas garantias, direitos e liberdades (v.g., aos avulsos).
Já numa segunda perspectiva, o constituinte, como quem querendo superar a concepção clássica de que o direito do trabalho é exclusivamente protecionista, por ser o trabalhador um contraente débil ou a parte mais fraca da relação jurídica, consagrou inúmeros direitos de participação dos mesmos nas decisões sociais em vários níveis, inclusive no seio da própria empresa, bem como lhe assegurou o direito de negociar coletivamente, dotando-os de um poder fático de pressão.
Assim é que, por exemplo, a Constituição assegurou aos trabalhadores a participação em todos os colegiados dos órgãos públicos “em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação” (art. 10), inclusive nos colegiados de gestão da seguridade social (inciso VII do parágrafo único do art. 194) e das entidades de previdência privada fechada da qual participe o Estado (§ 6º do art. 202).
Nesta mesma perspectiva, o constituinte assegurou, ainda que de forma excepcional, a participação dos trabalhadores na gestão da empresa (inciso XII, in fine, do art. 7º).
O reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI do art. 7º), ao lado do direito de greve (art. 9º) e de representação no seio da empresa (art. 11), por outro lado, apenas reforçam essa perspectiva, pois dotou os trabalhadores, através dessas garantias, de instrumentos para intervir democraticamente nas decisões, públicas ou privadas, que afetem seus interesses.
Tais preceitos, assim, levam-nos a concluir que a constituição do trabalho, preferencialmente, atua sobre as relações de trabalho subordinado e têm como sujeitos destinatários, em especial, os trabalhadores subordinados.
Essa conclusão, no entanto, não afasta a incidência dos princípios constitucionais trabalhistas aos demais trabalhadores, especialmente em favor daqueles que estão em situação semelhante ou análoga ao dos assalariados privados.
 
2.6. OUTROS SUJEITOS DA CONSTITUIÇÃO LABORAL: O ESTADO, O EMPREGADOR E AS ENTIDADES SINDICAIS.
 
Sem dúvida, os trabalhadores subordinados são os principais destinatários das normas trabalhistas.
Contudo, não podemos esquecer que a Constituição faz referência a outros sujeitos, que também se revelam importante para atuação da ordem laboral, pois portadores de direitos e deveres. Eles seriam o Estado, as entidades sindicais e os empregadores.
O Estado surge na Constituição laboral como sujeito constitucionalmente obrigado a prestações positivas (de benefícios previdenciários, etc) e de proteção do trabalho (através da legislação protetora e da atuação fiscalizadora), assim como destinatários de normas de organização (da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, etc).
O empregador (preferimos essa expressão por açambarcar não só as empresas, como o tomador dos serviços domésticos), por sua vez, seja público ou privado, é o principal destinatário das obrigações constitucionais do trabalho, conquanto seja titular de direitos constitucionais, a exemplo da possibilidade de sindicalização.
Por fim, temos, ainda, as entidades sindicais que, enquanto pessoa jurídica de direito privado, é a maior destinatária de garantias constitucionais. Nenhuma outra pessoa jurídica goza, no plano constitucional, de tantos direitos como as entidades sindicais. E tal se dá pelo valor que a Constituição destinou ao trabalho, pois, enquanto principal ator de proteção dos direitos e interesses dos trabalhadores, às entidades sindicais devem ser reservadas diversas garantias constitucionais para cumprimento dessa sua finalidade essencial, a exemplo da imunidade tributária em alguns aspectos, a prerrogativa de substituir os membros da categoria, a prerrogativa de impor contribuições aos sindicalizados, a prerrogativa de celebrar convenções e acordos coletivos, entre outros. 
Todos os direitos deveres desses outros sujeitos, portanto, também merecem especial atenção no estudo da Constituição Federal.
 
2.7. CARACTERÍSTICAS DA CONSTITUIÇÃO DO TRABALHO
 
A constituição do trabalho, como já mencionado, parte do reconhecimento da divisão da sociedade em classes, dando especial destaque aos trabalhadores e aos empregadores (operários e capitalistas). E tanto isso é verdade que, em seu art. 10, longe de assegurar igual direito a eventual outra classe social, garantiu aos trabalhadores e aos empregadores a participação nos “colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação” (art. 10). Ao trabalhador autônomo, inclusive profissionais liberais, não assegurou essa participação.
E é a partir dessa clássica divisão, ao lado do princípio da dignidade humana, que o direito constitucional do trabalho revela sua primeira característica, qual seja, a busca pela igualdade real, seja através do combate à discriminação (incisos XXX, XXXI e XXXII do art. 7º), seja mediante normas de proteção ao contraente débil (v.g., incisos VI e VII do art. 7º), normas que visam a contrabalançar o poder econômico do tomador dos serviços (greve), normas de limitação da supremacia empresarial (negociação, co-gestão) e normas que impõe a discriminação positiva em favor dos trabalhadores (inciso XX do art. 7º).
Outra característica da ordem laboral constitucional é a vedação à “igualdade de armas”, isto é, a negação aos empregadores dos mesmos “meios de ação ou de luta que são reconhecidos os trabalhadores”[55], a exemplo do direito de greve, haja vista ser este uma garantia constitucional, enquanto o lock-out não tem o mesmo assento legislativo. Daí porque a opção do legislador infraconstitucional em vedar a paralisação da empresa enquanto meio de ação dos empresários. 
Uma terceira característica da constituição laboral é o estabelecimento de regras que tornam irreversíveis os direitos dos trabalhadores, não só ao proibir emenda constitucional tendente a abolir os direitos fundamentais (§ 4º do art. 60), como ao estabelecer o princípio do não-retrocesso social ao dispor que, aos trabalhadores, resta assegurado o elenco de direitos sociais previstos nos diversos incisos do art. 7º, “além de outros que visem à melhoria de sua condição social” (art. 7º, caput, in fine).
Neste mesmo sentido, pode-se ser citado ainda o § 2º do art. 114 da CF, com a redação dada pela EC n. 45/2004, que estabeleceu como conduta a ser adotada pelo Poder Judiciário, na atuação do seu poder normativo, a regra de respeito “as disposições mínimas legais de proteção do trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Tais regras, assim, delineiam com tintas fortes a Constituição Laboral.
Edilton Meireles(*)
Março/2008
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[1] J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 5 ed, p. 344-347.
[2] Curso de direito constitucional positivo, 21 ed, p. 767.
[3] Economia e Constituição: para o conceito de constituição econômica. 2 ed., p. 41
[4] Ob. cit., p. 284-305 e 767.
[5] Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, p. 205-215 e 449-450.
[6] Apud, Thilo Ramm, Per una storia della costituzione del lavoro tedesca, p. 130/131. Tradução livre do Autor.
[7] Thilo Ramm, Per una storia della costituzione del lavoro tedesca, p. 133. Tradução livre do Autor.
[8] Idem, p. 132. Tradução livre do Autor.
[9] Idem, p. 154. Tradução livre do Autor.
[10] Idem, p. 154.
[11] Il diritto del lavoro fra democracia e dittadura. Bolonha: Mulino, 1983, p. 137. Tradução livre do Autor.
[12] Franz L. Neumann, ob. cit., p. 137. Tradução livre do Autor.
[13] Ibidem, mesma página. Tradução livre do Autor.
[14] Ob. cit., p. 344-345.
[15] A Constituição portuguesa e os trabalhadores – da revolução à integração na CEE, p. 820.
[16] Podemos citar José João Abrantes, in Contrato de trabalho e direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2005; João Caupers, in Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a constituição. Coimbra: Almedina, 1985; e Jorge Bacelar Gouveia. O Código do Trabalho e a Constituição Portuguesa. Lisboa: O Espírito das Leis, 2003.
[17] Thilo Ramm, ob. cit., p. 154.
[18] Gonzalo Maestro Buelga, La constitución del trabajo en el Estado Social, p. 6. Tradução livre do Autor.
[19] Ibidem, mesma página. Tradução livre do Autor.
[20] J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 344, nota de rodapé 22.
[21] Thilo Ramm, ob. cit., p. 163-169.
[22] J. J. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 345.
[23] Antoine Jeammaud, El derecho constitucional em las relaciones de trabajo en Francia, p. 86-87.
[24] Gonzalo Maestro Buelga, ob. cit., p. 53.
[25] José Barros Moura, A Constituição portuguesa e os trabalhadores – da revolução à integração na CEE, p. 814.
[26] Jorge Bacelar Gouveia, O Código do Trabalho e a Constituição Portuguesa, p. 22.
[27] Los derechos sociales, p. 98. Tradução livre do Autor.
[28] José Luis Monero Pérez, Fundamentos doctrinales del derecho social en España, p. 193.
[29] José Luis Monereo Pérez, Derechos sociales de la ciudadania y ordenamiento labora, p. 144.
[30] Beatriz González Moreno, El Estado Social. Naturaza jurídica y estructura de los derechos sociales, p. 39.
[31] José Luis Monereo Pérez, Derechos sociales de la ciudadania y ordenamiento labora, p. 1117. Tradução livre do Autor.
[32] Ob. cit., p. 50 e segs.
[33] Aqui estou excluindo as garantias positivas que devem ser prestadas pelo Estado para proteger o trabalho, seja através de uma ação fiscalizadora da aplicação da lei, seja pela criação de regras infraconstitucionais para implantação do valor trabalho, seja pela atuação do Poder Judiciário.
[34] Gonzalo Maestro Buelga, ob. cit., p. 50. Tradução livre do Autor.
[35] Ibidem, mesma página.
[36] Alfredo Montoya Melgar, El trabajo en la Constitución (La experiencia española en el marco iberoamericano), p. 482.
[37] José João Abrantes, O Código do Trabalho e a Constituição, p. 69.
[38] Ibidem, mesma página.
[39] Ibidem, p. 66.
[40] Ibidem, mesma página.
[41] Ibidem, mesma página.
[42] João Caupers, ob. cit., p. 74.
[43] Curso de Direito do Trabalho, p. 38.
[44] João Caupers, ob. cit., p. 78.
[45] Ibidem, mesma página.
[46] Ibidem, mesma página.
[47] Idem, p. 82-83.
[48] Gerard Lyon-Caen, Le droit du travail. Une technique reversible, p. 25. Tradução livre do Autor.
[49] Publicado no Brasil com o título “2015 Horizontes do Trabalho e do Emprego”, Jean Boissonnat, São Paulo: LTr, 1998.
[50] Publicado no vernáculo português sob o título “Transformações do trabalho e futuro do trabalho na Europa”, Coimbra: Coimbra Editora, 2003. Recomendo, ainda, a leitura do livro Um futuro para el trabajo en la nueva sociedad laboral, Ramón Jáurigui Atondo et alii, Valencia: Tirant lo Blanch, 2004.
[51] Giuseppe Santoro-Passarelli, Dal conttrato d’opera al lavoro autônomo economicamente dipendente, attraverso il lavoro a progetto, p. 566.
[52] Este respeito, cf. do Autor, Competência e Procedimento na Justiça do Trabalho, p. 9-10.
[53] José Barros Moura, A Constituição portuguesa e os trabalhadores – da revolução à integração na CEE, p. 821.
[54] Ibidem, mesma página.
[55] Idem, p. 825.
(*)Juiz do Trabalho atuando na 34ª Vara do Trabalho de Salvador, no TRT da 5ª Região. Doutor em Direito (PUC/SP). Professor Pesquisador da UCSal. Professor na Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da UFBA. Autor de diversos livros jurídicos.

Edilton Meireles

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