Substituição tributária progressiva no icms e análise prática em relação aos combustíveis

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Substituição tributária progressiva no icms e análise prática em relação aos combustíveis1

 

Philippe Antônio Azedo Monteiro 2

Profª Dra. Marlene Kempfer Bassoli 3

 

RESUMO: É reconhecida a importância de mecanismos que coíbam a sonegação fiscal. A substituição tributária atende a este objetivo uma vez que, por meio da retenção na fonte, quer seja de modo regressivo (“para trás) ou progressivo (“para frente”), o substituto tributário é uma garantia de recolhimento do tributo devido pelo contribuinte. No entanto, esta praticidade não é suficiente para justificar o desrespeito aos princípios que compõem a ordem jurídico-tributária constitucional. Neste sentido, este estudo avalia a substituição progressiva aplicada no ICM para os combustíveis, diante de dados colhidos da realidade no Município de Londrina, Paraná-Brasil. Demonstra-se que esta modalidade de substituição, ao recorrer, necessariamente, à base de cálculo estimada, não considera os princípios tributários da Legalidade, Tipicidade, Proibição do Confisco, Segurança Jurídica e o princípio econômico da livre concorrência.

 

Palavras-chave: substituição; ICMS; combustíveis; arrecadação.

 

ABSTRACT: It is widely recognized the importance of mechanisms that restrain tax evasion. The replacement tax meets this objective since, by withholding either so regressive (“backward”) or progressive (“forward”), the replacement tax is a guarantee of payment of the tax due by the taxpayer . However, this convenience is not sufficient to justify the disregard of the principles that form the legal / tax constitutional. Thus, this study evaluates the gradual replacement applied to the ICM for fuel, given the reality of data collected in Londrina, Parana, Brazil. It is shown that this type of substitution, to have recourse, necessarily, the basis for calculating estimated tax does not consider the principles of legality, authenticity, Prohibition of Seizure, Legal Security and the economic principle of free competition.

Keywords: substitution; ICMS; fuels; collection.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 O REGIME DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E SUA CONSTITUCIONALIZAÇÃO; 2.1 Limites à busca de praticidade no Direito Tributário 3 SUBSTITUIÇÃO PROGRESSIVA DIANTE DO REGIME JURÍDICO TRIBUTÁRIO CONSTITUCIONAL; 3.1 Princípio da legalidade; 3.2Tipicidade tributária e a Proibição do Confisco; 3.3 Segurança jurídica; 4 SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA DO ICM NAS OPERAÇÕES DE COMBUSTÍVEIS NO PARANÁ – BRASIL; 5 INTERPRETAÇÃO SOBRE O MECANISMO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA PELOS TRIBUNAIS; ; 5.1. O julgamento da ADI nº 1.851-4 no STF; 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 6 CONCLUSÃO 7 REFERÊNCIAS

 

1. INTRODUÇÃO

A substituição tributária é um eficiente mecanismo de arrecadação, pois, entre outras vantagens, diminui as possibilidades de sonegação fiscal. Este é o principal argumento dos credores tributários para exigir dos devedores que recolham os tributos por este caminho.

Assim, no uso das prerrogativas da competência tributária, é cada vez mais frequente a exigência legal que determina o pagamento do tributo por meio do que se denomina substituição tributária regressiva (retenção na fonte) e a forma mais condenada da substituição é a progressiva, em que o pagamento do tributo é feito antes da ocorrência do evento tributário.

A partir desta constatação na dinâmica arrecadatória no Brasil e, apesar do forte argumento de maior eficiência no controle da sonegação, a substituição tributária “para frente” (progressiva) está sujeita a inúmeras críticas acadêmicas e principalmente dos sujeitos passivos, que no seu cotidiano apontam as injustiças tributárias que acompanham este sistema. Entre elas, o aparato contábil necessário para que o substituto cumpra todos os deveres instrumentais; a dificuldade da base de cálculo estimada (pauta fiscal) que em regra está acima da base de cálculo real e assim não possibilita a positivação do princípio da capacidade contributiva e, inclusive,, da livre concorrência.

A substituição é utilizada para arrecadar vários tributos. Neste estudo, o destaque é para o Imposto sobre a Circulação de Mercadoria (ICM) que incide sobre os combustíveis. Esta opção se deve pela relevância que este imposto tem na totalidade das receitas dos Estado-membros no Brasil e, também, porque por meio de dados empíricos disponibilizadas no site da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e cotejados com aqueles apresentados pelo Sindicato dos postos de combustível do Paraná (SINDICOMBUSTÍVEIS-PR) é possível construir importantes conclusões face a este polêmico caminho de arrecadação tributária.

 

2. O REGIME DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA E SUA CONSTITUCIONALI ZA ÇÃO

Constata-se, cotidianamente, o crescimento do regime da susbstituição tributária na medida em que se pode comprovar, por exemplo, um maior número de operações de circulação de mercadorias submetidas a este sistema. Contudo, nem sempre foi assim. Historicamente, o que se observava, era uma gradativa opção por esta forma de arrecadação e a justificativa era a sua funcionalidade e facilidade, diminuindo as possibilidades de sonegação fiscal.

Para entender este mecanismo aplicável, também, ao ICM, deve-se lembrar que o dever de arrecadar o tributo previsto em Lei, em regra, é do sujeito passivo que realizou o evento tributário, pois ele deverá ser colocado na condição de contribuinte da obrigação tributária. No entanto, por meio normativo, pode-se impor o dever de promover o lançamento e arrecadar o tributo a outra pessoa (terceiro) que não o contribuinte. Estudiosos do Direito Tributário indicam que esta forma de arrecadar é denominada de responsabilidade tributária e, nesta categoria, é que se enquadra a responsabilidade por substituição. O elemento classificatório das responsabilidades tributárias seria a possibilidade jurídica de construir relação jurídica em que a um terceiro (não contribuinte) tenha o dever de arrecadar tributo.

Diante do fenômeno da incidência jurídica aplicável às exigências tributárias, tem-se que o legislador define a hipótese tributária e prescreve a relação jurídica tributária no exercício de sua competência constitucional. Assim, quando verificada, ou seja, quando ocorrida no plano fático a previsão legal, haverá o direito do credor de promover o lançamento tributário ou impor a alguém que o faça, trazendo-se ao ordenamento jurídico, com a subsunção, a norma onde estarão identificados o fato jurídico de natureza tributária e a sua correspondente relação jurídica tributária, impondo-se, em consequência o dever de arrecadar o tributo

Para fins didáticos pode-se demonstrar que a norma de incidência fiscal (impõe dever de pagar tributo) tem a seguinte estrutura e dinâmica diante dos fenômenos da vida:

Para a substituição tributária pode-se apontar duas diferentes situações em que se impõem a um terceiro (substituto) que não o contribuinte (substituído), o dever de produzir a norma concreta e individual, calculando-se o tributo devido e em seguida promover a arrecadação ao sujeito ativo:

i) substituição regressiva quando é dever do substituto, após a ocorrência do evento tributário, promover a retenção na fonte do tributo devido pelo contribuinte:

ii) substituição progressiva quando é dever do substituto, antes mesmo da a ocorrência do evento tributário, promover a retenção na fonte do tributo que será devido pelo contribuinte:

No caso da substituição progressiva, objeto desta pesquisa, tem-se uma ficção jurídica em que se desloca a data da ocorrência do evento tributário. Para exemplificar, no caso do ICM, se a data da ocorrência do evento da circulação de mercadoria é a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte decorrente de um negócio jurídico, nesta modalidade de arrecadação, considera-se o evento ocorrido apenas no plano jurídico e não no plano fático, impondo-se um recolhimento antecipado.

Neste mecanismo tem-se, na verdade, duas relações jurídicas: i) aquela que impõe o dever de pagar tributo ao contribuinte; e, ii) aquela que impõe a um terceiro o dever de calcular o tributo e promover a retenção do tributo que seria pago futuramente pelo contribuinte (substituído), recolhendo ao credor tributário.

A substituição tributária progressiva no Brasil trouxe inúmeros questionamentos, em especial, a dificuldade de calcular com justiça o tributo devido, uma vez que a base de cálculo a ser utilizada não é base de cálculo real, pois se tributa evento futuro. Assim, aponta-se, imediatamente, as seguintes dificuldades: i) utilizar a denominada base de cálculo estimada; ii) correr o risco do negócio jurídico presumido não se verificar.

Face aos argumentos acima apontados, que foram os principais fundamentos das ações que pleitearam repetições de indébitos, optou-se em constitucionalizar a substituição tributária progressiva, o que ocorreu por meio da EC nº 3/93, que acrescentou o parágrafo sétimo ao artigo 150 da Constituição Federal de 1988:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,

ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo

pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a

imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

Após a aprovação desta emenda constitucional tornou-se mais difícil aos contribuintes argüir a constitucionalidade deste mecanismo de arrecadação, pois, entre as matérias de mérito a ser discutidas, tem-se, o tema da constitucionalidade das emendas constitucionais diante de cláusulas pétreas. Em outros termos, preliminarmente, teria que se discutir a constitucionalidade desta emenda para avaliar se ela fere: pacto federativo; separação dos poderes; direitos e garantis individuais; direitos políticos de voto secreto, universal e periódico.

Esta discussão foi superada pelo Judiciário ao se reconhecer a constitucionalidade da Emenda, especialmente porque o texto prevê a imediata e preferencial devolução do tributo pago, na hipótese em que o evento não ocorrer no plano fático.

 

  1. Limites à busca de praticidade no Direito Tributário

Observa-se que a sociedade contemporânea cada vez mais caminha na busca por imediatismo e praticidade, e como não poderia deixar de ser, essa luta contra o tempo é refletida também diante das relações de cunho tributário, expressando-se por meio das discussões em torno de mecanismos de simplificações na arrecadação.

O princípio da praticidade objetiva tornar o direito exequível, eficiente, ou seja, aproximar a norma jurídica às condutas que pretende disciplinar. Em termos de tributação, essa praticidade manifesta-se, também, aos se optar por técnicas que permitem eficiência da arrecadação. Implica em reconhecer a importância da garantia de arrecadação de modo menos oneroso para o fisco.

Este princípio aponta para a legitimidade da substituição tributária, nos termos em que se expressa Meira Júnior (2009, p.32): “O que acontece no caso da substituição tributária, portanto, é que os governantes optam pela comodidade de um atalho em detrimento da ordem jurídica”.

Contudo, não se pode permitir que governantes, em nome da praticidade, submetam os contribuintes e terceiros, a regimes de arrecadação que desrespeitem princípios que compõem o regime jurídico constitucional previsto na CF/88, em especial: Princípio da Legalidade; Princípio da Tipicidade Tributária; Princípio do Não Confisco Tributário; e , em especial, o Princípio da Segurança Jurídica

 

3. SUBSTITUIÇÃO PROGRESSIVA DIANTE DO REGIME JURÍDICO TRIBUTÁRIO CONSTITUCIONAL.

No Brasil optou-se por constitucionalizar o regime que deve reger a competência tributária dos membros federados. Esta escolha gera aos sujeitos da relação jurídica tributária deveres e direitos recíprocos. Entre eles, para o Estado, há deveres como os de limitar-se aos comandos constitucionais na instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos. Para o contribuinte, entre outros, há o dever de cumprir com a obrigação tributária uma vez que esta receita pública é absolutamente fundamental para viabilizar o Estado.

Considerando o exposto, para esta pesquisa, destaca-se a importância do respeito aos princípios acima referidos, quando o fisco busca a substituição tributária progressiva como mecanismo para tornar mais eficiente o seu dever de arrecadar tributos.

 

  1. Princípio da legalidade

Este princípio é um direito individual de primeira dimensão e assevera que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Esta norma que está no artigo 5º, II da CF/88, nos remete a idéia de que ninguém será obrigado a pagar tributo sem prévio e autoconsentimento, que é aferido no processo legislativo. Seguindo o texto constitucional, adiante, no artigo 150, I vem reforçar a regra de que é vedado aos entes federativos exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Embora a substituição tributária progressiva facilite a arrecadação e viabilize o sistema de captação tributária, é de extrema importância que se preste cuidado para não desrespeitar o princípio da legalidade. Por esse motivo, a instituição jurídica do pagamento antecipado exige prévia previsão legal da antecipação que tornará jurídico o fato tributário antecipado. (SANTI, 2004, p.165).

Portanto, é mister que o legislador ao criar as exigências que permeiam a substituição esgote todos os contornos desta norma jurídica. Ou seja, é de reserva legal impor o dever de construir a norma concreta e individual onde será possível identificar o fato jurídico tributário e a relação jurídica tributária, bem como o dever de promover a retenção do tributo devido pelo contribuinte e recolher ao credor tributário.

 

 

  1. Tipicidade tributária e a Proibição do Confisco

O princípio da tipicidade jurídica é da essência do fenômeno jurídico: ninguém estará sujeito aos deveres jurídicos se a conduta que tem no mundo fático não corresponder àquela prevista em lei. De modo mais adequado diz-se: somente quando a descrição da conduta que se verificou no mundo da vida corresponder à descrição normativa, havendo a subsunção, ter-se-á a incidência jurídica.

Diante das condutas penais e tributárias a subsunção exigida é absolutamente fechada. Para a legitimidade das exigências tributárias exige-se que a descrição do evento corresponda perfeitamente à descrição do fato que compõe a hipótese tributária, aos elementos que compõem a relação tributária, a conduta antijuridicidade e a sanção, previstos no texto legal.

Ao recorrer à substituição tributária progressiva, o fenômeno da incidência impõe o pagamento e recolhimento do imposto antes da ocorrência do evento tributário. Ou seja, o imposto é devido antes de se verificar no plano fático a conduta descrita na hipótese tributária. Assim, o substituto, ao produzir a norma concreta e individual para calcular o imposto devido obrigatoriamente deve utilizar uma base de cálculo estimada. O cálculo do valor a ser pago deixa de ser feito com base em valores concretos e passa a ser baseado em uma pauta fiscal cujos valores são presumidos.

Nesta forma de arrecadação há possibilidade de que o contribuinte pague imposto além do que é realmente devido, podendo se configurar ofensa ao direito do não confisco, conforme Art. 150, IV CF/88. O contribuinte tem dever de pagar o tributo nos estritos limites constitucionais e legais. Assim a garantia da repetição do indébito quando, no futuro, o evento tributário não se verifica está previsto na Constituição. O mesmo não está expresso quando se paga valor além do devido em decorrência de base de cálculo estimado. Neste sentido é possível a ofensa ao Princípio em análise.

Essa sistemática agride a tipicidade por possibilitar a cobrança baseada em situação ficta, sem que haja a ocorrência fática do evento, conforme já se expôs. Poder-se-ia dizer que, em analogia com o direito penal, seria o mesmo que condenar alguém por um crime sem que a conduta sequer fosse típica (ALEXANDRE, 2009, p.305) ou a pena aplicada em critérios que não justificam o que foi demonstrado na instrução processual.

Prosseguindo com a ilustração, temos que o Código Penal atribui ao ato de matar alguém a aplicação de pena de reclusão de 6 a 20 anos. As leis tributárias, por sua vez, de maneira semelhante, estabelecem para o ato de promover a saída de mercadoria, o recolhimento de uma porcentagem a título de imposto. Portanto, admitir justo o recolhimento antecipado do tributo é o mesmo que defender a prisão de alguém com base na previsão de existência de um delito. Assim, admitir como válido o recolhimento antecipado é fazer vista grossa aos princípios constitucionais, em prol de alguns benefícios de ordem prática ao ente tributante.

 

  1. Segurança jurídica

A fragilização das regras da legalidade ao se admitir a substituição tributária por meio de ato administrativo; da tipicidade ao se interferir no tempo (antecipando-o) do fato jurídico tributário e utilizar a base de cálculo estimada; do valor do confisco ao se exigir do contribuinte que pague mais tributo do que é efetivamente devido, contribuem, sobremaneira, para que o contribuinte conviva com a insegurança jurídica.

O ordenamento jurídico de um Estado deve representar para seu povo estabilidade, previsibilidade, justiça, enfim, segurança. Diante das condutas que autorizam a exigência de impostos é preciso que seja possível exigir do contribuinte o que ele efetivamente deve pagar, submetendo-o a sistema de arrecadação justo, respeitando sua capacidade contributiva. Isto se faz respeitando a base de cálculo real ou reconhecendo seu direito à repetição quando, diante do Princípio da Praticidade, for recomendável recorrer a mecanismo que pedem o uso de base de cálculo estimada.

As qualidades acima nominadas, necessárias ao ordenamento jurídico, são conquistas civilizatórias. Devem ser preservadas por todos os governos mesmo sob o argumento da eficiência na arrecadação. Assim sendo é condenável as iniciativas públicas que, por vezes, recorrem a tais mecanismos tributários atropelando direitos julgando, previamente, todos os contribuintes como potenciais sonegadores.

 

4. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA DO ICM NAS OPERAÇÕES DE COMBUSTÍVEIS NO PARANÁ – BRASIL

Objetivando trazer um panorama geral do tema abordado, cumpre elucidar que o mercado nacional de combustíveis foi marcado por excessiva intervenção estatal até o início do ano de 2002, quando, por um processo de desregulamentação, atingiu-se a chamada abertura de mercado, estabelecendo a livre concorrência no setor petrolífero como meio de atingir maior qualidade e oferta de produtos através do estímulo à livre concorrência.

Observa-se, então, que quando inserida a substituição tributária no setor, o preço de venda dos produtos era previamente tabelado, ou seja, o governo determinava o valor a ser praticado pelos revendedores. Mas, com a abertura do mercado e rompimento do sistema intervencionista, deu-se início à liberdade concorrencial entre os empresários, tornando o mercado dos combustíveis altamente volátil.

Essa situação passou a exigir do Fisco o emprego de técnica mais apurada para aferição de um valor que representasse a média das vendas praticadas no setor quando se estabelecia a Base de Cálculo a ser atribuída ao combustível.

Entretanto, o emprego dessa técnica justa e apurada que chegaria a uma base de cálculo correspondente à realidade parece não existir, pois ao que se observa, os cálculos efetuados pelo fisco como regra resultam em bases de cálculo superiores aos valores praticados no mercado em R$ 0,10 (dez centavos) a R$ 0,20 (vinte centavos).

Tal afirmativa é fruto de um estudo comparativo realizado para embasar o presente trabalho que confrontou os valores médios das vendas praticadas pelos postos de combustível, tomando como base informações disponibilizadas no site da Agência Nacional do Petróleo (www.anp.gov.br), em comparação ao valor da base de cálculo estimada pelo Fisco, segundo informações fornecidas pelo Sindicato dos postos de combustível do Paraná (SINDICOMBUSTÍVEIS-PR).

 

Fonte: elaborado pelo Philippe Monteiro

Fonte: elaborado pelo Philippe Monteiro

Ao elaborar os gráficos ficou nítida a desproporção entre o valor praticado no mercado de consumo e a base de cálculo estimada pelo Fisco do Estado do Paraná.

Fonte: elaborado pelo Philippe Monteiro

O mais curioso foi observar que o valor tabelado tende a permanecer superior até mesmo quando confrontado com os mais altos preços praticados pelos revendedores. É, portanto, extremamente preocupante o funcionamento da máquina tributária atual, visto que se aproveita do poder de tabelamento da base de cálculo para praticar uma sobretributação.

Fonte: elaborado pelo Philippe Monteiro

Destaca-se que os gráficos e pesquisas foram realizados tendo como base a gasolina, tendo em visto que é o produto combustível que sofre a maior tributação, chegando a patamares próximos de 42% do valor total do produto.

 

Gasolina

Diesel

Álcool

ICMS

25% a 31% do
valor de pauta

12% a 17% do
valor de pauta

12% a 30% do
valor de pauta

PIS/COFINS

R$ 0,2616/litro

R$ 0,1480/litro

R$ 0,12

CIDE

R$ 0,23/litro

R$ 0,07/litro

não incide no álcool

Fonte: elaborado pelo Philippe Monteiro

Em suma, o que se infere dos gráficos é que a voracidade do Fisco atingiu tamanha proporção que 42% do valor total da gasolina são representados por encargos tributários. Infelizmente, esse abuso na estimação não é exclusividade do Estado do Paraná, mas uma regra em nossa federação, chegando ao ponto de ser observado valor de pauta superior a R$3,00 no estado do Acre, no mês de abril de 2010.

O presente estudo atenta para o fato de que as autoridades fazendárias, além de não empregar esforços na valoração justa da base de cálculo, aproveitam-se da discricionariedade do instituto para atribuir os valores que melhor lhes convém.

Todavia, atentam os estudiosos do tema que ao passo em que se ganha em praticidade, perde-se em justiça individual, já que a tributação deixa de ocorrer sobre a operação real e toma uma forma ficta representativa da generalidade.

Então, a idéia é que optando por um modelo geral de justiça, se reflita o padrão médio dos casos reais, de modo a observar o princípio da igualdade.

É como se a tributação deixasse de ser ‘sob medida’ e passasse a se formatar em ‘tamanho único’. Exatamente por isso é que essa padronização deve pautar-se pela justa média dos casos. Porque a peça de ‘tamanho único’ deve se adequar a maior parte das pessoas, ainda que fique justa para alguns e grande para outros. Se esse tamanho ‘tamanho único’ ficasse grande ou pequeno demais para a maioria dos casos, estaria então se desvirtuando de sua finalidade. Exatamente como ocorre na estimação da base de cálculo. (ÁVILA, 2005, p.125)

O princípio da igualdade da tributação só está satisfeito quando a padronização reflete a realidade de mercado. E isso não significa esperar uma realidade individual, mas uma realidade geral, sem se apegar a casos atípicos, mas orientando-se pela normalidade.

Aqui não se questionou a constitucionalidade ou validade do instituto, mas simplesmente mostrar a ineficácia prática diante da presente amostragem. E embora o STF tenha padronizado o entendimento de não haver compensação por qualquer uma das partes, esse argumento sucumbe diante da exposição de que nunca haverá necessidade de compensação, pelo simples fato de que a Base de Cálculo é sempre estimada em valor superior ao praticado pelos revendedores.

 

5. INTERPRETAÇÃO SOBRE O MECANISMO DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIOVA PELOS TRIBUNAIS

O mecanismo da substituição tributária progressiva figurou e figura como palco de controvérsias perante as cortes supremas. Constata-se que até o ano de 2002 não havia um entendimento pacífico acerca do tema. No entanto, a pá de cal veio com a decisão da ADIn 1.851-4 proferida pelo STF, a seguir analisada.

Após este julgamento, infelizmente, grande parte dos tribunais pátrios tem deixado de analisar com a atenção merecida as peculiaridades dos casos concretos que versam sobre a substituição progressiva. O que se verifica nas decisões posteriores é a reprodução dos dizerem daquele julgamento numa espécie de “política de massificação de julgados”.

 

  1. O julgamento da ADI nº 1.851-4 no STF

Tratou-se de ADIN interposta pela Confederação Nacional do Comércio tendo como objeto a desconstituição da cláusula segunda do convênio ICMS 13/97 que dispunha quanto à restituição ou cobrança suplementar do imposto em havendo diferença de valores.

O referido Convênio ICMS 13/97 foi editado pelo CONFAZ com o objetivo de prevenir a guerra fiscal resultante de eventual concessão de benefício oferecido pela restituição do ICMS pago a maior. Portanto, serve de uniformização para que não ocorra de uns restituírem e outros não.

Destaca-se do julgado a sobriedade do Min. Carlos Velloso em antever que a negativa de restituição poderia provocar ao Fisco a possibilidade de fixar pautas com valores excessivos.

No mesmo sentido o Min. Marco Aurélio enfatizou sua descrença na boa fé do Estado ao estipular as bases de cálculo, já que são ditadas de forma unilateral e acrescentou que “dificilmente teremos uma hipótese em que o valor presumido ficará aquém daquele resultante do fato gerador”.

Portanto, não pode a Constituição ceder à interpretação literal, mas se deve observar aquilo que o legislador certamente prescrevia, o artigo 150 deve ser visto como uma proteção ao contribuinte e não ao Estado tributante.

Lembra o doutrinador Luis Carlos Silva de Faria (2008, p.27) que o Ministro Relator do acórdão se limitou a analisar as práticas de um determinado mercado, o automotivo, contudo, os efeitos de sua decisão têm se estendido a todos os ramos abarcados pela substituição.

A esperança paira no fato de que a decisão foi proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade, o que não impede o reexame da matéria através do controle difuso, pois é possível que diante de outro caso concreto, seja reconhecido o direito à restituição do excesso.

Tal argumento recentemente tem encontrado maior notoriedade face à mudança nos quadros do Supremo, permitindo se imaginar a possibilidade de reviravolta no atual entendimento da casa já que muitos daqueles que votaram contra a restituição da diferença recolhida, hoje não mais integram o corpo de ministros do STF.

 

6. CONCLUSÃO

Inegável a importância o mecanismo da substituição tributária para a arrecadação tributária, especialmente pra diminuir a sonegação fiscal. No entanto, todos caminhos que buscam tais objetivos, somente devem ser mantidos no sistema tributário se respeitarem o Regime Jurídico Tributário que está previsto na Constituição Federal.

Afirma-se que a substituição regressiva atende aos ditames constitucionais, no entanto, tal não ocorre com a substituição progressiva, também aplicável para a exigência do ICM incidente nas operações de circulação de combustíveis. Há desrespeito à tipicidade tributária.

Os estudos apresentados, com dados empíricos, demonstram ser um engodo acreditar na boa-fé dos governos quando na condição de credores tributários, ou seja, ao exercer a competência tributária e utilizar-se da substituição progressiva, estima a base de cálculo, via de regra, em valor superior à média praticada no mercado.

Diante dos vultosos valores que esta operação de circulação de mercadoria permite arrecadar compreende-se, mas é criticável, a justificativa dos intérpretes da lei tributária em negar o direito à repetição quando comprovado que há pagamento a mais do que é legitimamente devido. Exemplo disso está no julgamento da ADIn 1.851-4/AL, em que se observou a manipulação através de uma interpretação de cunho puramente político, por “razões do estado” , que notadamente se sobrepôs aos remotos ares de justiça tributária.

Conclui-se que a substituição tributária nas modalidades progressiva e regressiva, desde que bem empregadas, são mecanismos tributantes capazes de promover justiça fiscal tanto para o fisco quanto para o contribuinte, diminuindo a possibilidade de sonegação fiscal. Entretanto, não pode o Estado usar do poder tributário para somente validar aquilo que lhe favorece (eficiência da arrecadação), refutando o direitos dos contribuintes. Assim sendo, esta forma de pagamento antecipado há que funcionar como uma via de duas mãos, de maneira a não termos somente o favorecimento dos interesses arrecadatórios dos governos, em desrespeito ao regime tributário constitucional.

 

7. REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 3. ed. atual. ampl. São Paulo: Método, 2009.

ANP: levantamento de preços. Disponível em: < http://www.anp.gov.br/preco/> Acesso em 10 mar 2010.

ÁVILA, Humberto. Imposto sobre circulação de mercadorias – ICMS. substiuição tributária. base de cálculo. pauta fiscal. preço máximo consumidor. diferença constante entre o preço usualmente praticado e o preço constante da pauta ou o preço máximo ao consumidor sugerido pelo fabricante. exame de constitucionalidade. Revista Dialética de Direito Tributário, dez. 2005, n.123. p. 122-134.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. 22136 Rio de Janeiro. Ementa: constitucional e tributário. mandado de segurança. declaração do direito de compensação. ICMS. recolhimento antecipado. substituição tributária para frente. base de cálculo presumida maior que o valor da operação tributada. revisão do entendimento por força da novel orientação do STF (ADIN 1.851/AL). […]. Recorrente: Rio do Ouro Posto de Serviços Ltda. Recorrido: Secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Luiz Fux, Brasília, 21 out. 2008, Publicado em 13 nov. 2008. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=830814&sReg=200601339850&sData=20081113&formato=PDF> Acesso em: 17 jan. 2010.

FARIA, Luis Carlos Silva de. Da substituição tributária do ICMS. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008.

MEIRA JUNIOR, José Julberto. ICMS : substituição tributária. Curitiba: Juruá, 2009.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. “ICMS: Emenda 3/93, subsituição para frente ‘pagamento antecipado’, princípio da legalidade e limites da competência tributária.” In: PEREIRA FILHO, Luiz Alberto (Org.). ICMS : Questões Polêmicas, Curitiba: Juruá, 2004.

1 Artigo escrito a partir do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito

2 Acadêmico do 5º ano de direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina

3 Doutora em Direito do Estado – Direito Tributário pela PUC-SP; Professora de Direito Tributário na graduação do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina e PUC-Londrina, dos programas de Mestrado em Direito da Universidade Estadual de Londrina e da Universidade de Marília.

Philippe Antonio Azedo Monteiro

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