O “filtro” do controle de constitucionalidade por via incidental no supremo tribunal federal: uma análise crítica da admissibilidade do recurso extraordinário

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RESUMO controle de constitucionalidade por via incidental é hoje o modo mais importante de controle de constitucionalidade no Brasil, visto que, como afirma Luís Roberto Barroso, consiste na “única via acessível ao cidadão comum para a tutela de seus direitos subjetivos constitucionais”. Nesse sentido, o Recurso Extraordinário aparece como um dos principais instrumentos para que o cidadão possa pleitear tais direitos. Entretanto existem requisitos essenciais a serem preenchidos para que o cidadão possa conseguir interpor tal Recurso. Tais requisitos formam uma espécie de “filtro”, possibilitando a Corte selecionar aqueles recursos que ela acredita atender a tais requisitos. Este trabalho tem por objetivo expor, explicar, e avaliar os fatores positivos e negativos deste “filtro” para o sistema jurisdicional de controle de constitucionalidade.

PALAVRAS-CHAVE: Controle Incidental; Recurso Extraordinário; Admissibilidade; Repercussão Geral.

 

ABSTRACT: The control of constitutionality by incidentally is now the most important way of constitutional control in Brazil, since, as said Luis Roberto Barroso, is the “only means available to ordinary citizens for the protection of their constitutional rights subjective.” In this sense, the extraordinary appeal appears as a major instrument to the citizen can claim such rights. However there are essential requirements to be met so that citizens can get to bring this appeal. These conditions form a kind of “filter” allowing the court to select those resources that it believes meet such requirements. This paper aims to expound, explain, and evaluate the positive and negative factors of this “filter” for the court system of constitutional control.

KEY WORDS: Incidental Control; Extraordinary Appeal; Admissibility; Effect General.

 
1. INTRODUÇÃO

Ao longo da história, o Direito passou por diversos movimentos e se constituiu de maneiras diferentes, até chegar ao complexo ordenamento jurídico contemporâneo. Evolui e aprimorou-se, desde suas faces mais simples e rústicas durante a Antiguidade, passando por movimentos como o Jusnaturalismo, o Positivismo Jurídico, embasado nas ideias exegéticas e principalmente de Hans Kelsen durante o último século, até chegarmos ao Pós-positivismo, que tem como uma de suas principais faces um movimento de constitucionalização do Direito, chamado de Neoconstitucionalismo, pautado na Supremacia da Constituição (LOPES, DOS SANTOS, 2010).

O Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF), incorporou-se a este movimento e desde então se pode notar uma progressiva eficácia das normas constitucionais em nosso ordenamento, bem como um controle efetivo das normas produzidas a fim de se constatar se estão ou não em conformidade com a Constituição (SARMENTO, 2009).

A Defesa da Constituição implica não só em dar garantia de efetividade àquilo que dispõe o texto constitucional, mas também em defender a forma de Estado, tal como ela é “normativa-constitucionalmente” constituída enquanto Estado Constitucional Democrático (CANOTILHO, 2008).

O Controle de Constitucionalidade das normas, no Direito Brasileiro, é anterior a Constituição de 1988, entretanto só adquiriu efetividade com o advento da atual Carta Maior. Nosso atual sistema, consagrou o exercício do controle de constitucionalidade tanto de maneira difusa como concentrada, ou seja, uma fusão entre o modelo estadunidense e o modelo europeu de Hans Kelsen, o que segundo José Adércio é uma tendência no sistema contemporâneo (SAMPAIO, 2002). Ante o que foi exposto, este trabalho visa analisar de forma crítica a admissibilidade de um dos principais instrumentos do controle de constitucionalidade difuso: o Recurso Extraordinário.

 

2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA INCIDENTAL

Neste capítulo trabalhar-se-á o Controle de Constitucionalidade por via incidental, seu conceito, suas características, histórico, funções, objetivos, causas, efeitos. Desde modo, vejamos o conceito trazido por José Joaquim Gomes Canotilho:

O processo de fiscalização concreta de normas jurídicas, designado também por processo incidental ou acção judicial de inconstitucionalidade (Richterklage), traduz a consagração do direito (e dever) de fiscalização dos juízes (judicial review) relativamente a normas a aplicar a um caso concreto (CANOTILHO, 2008, pág. 983).

Luís Roberto Barroso, por sua vez, ensina que o Controle de Constitucionalidade por via incidental, também conhecido como controle por via de defesa, por via de exceção, controle difuso, sistema americano de controle ou incidenter tantum, está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a primeira Constituição da República, sendo hoje “a única via acessível ao cidadão comum para a tutela de seus direitos subjetivos constitucionais” (BARROSO, 2007, pág. 77).

Entretanto, há de se ressaltar sua relativa e deficiente efetividade no período que antecede a Constituição de 1988, pois, como se sabe, o Brasil, durante a maior parte desta época, passou por governos que controlavam e manipulavam a máquina pública de maneira repressora e autoritária, incluindo-se aí o Poder Judiciário, que durante muito tempo foi “fantoche nas mãos dos governantes”, destacando-se os períodos do Império, da República Velha (Governo do Café com Leite marcado pelo Coronelismo), da Ditadura Varguista (Estado Novo) e da Ditadura Militar.

O controle incidental de constitucionalidade é um exercício normal à atividade judicial, que necessariamente implica na interpretação e aplicação do Direito, incluindo-se aí o Direito Constitucional, para a solução das lides. Assim, sempre que um litígio suscitar que determinada lei ou dispositivo de lei é inconstitucional, cabe ao juiz ou tribunal que estiver julgando o caso, declarar a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade daquela lei ou daquele dispositivo. É importante ressaltar que caso a lei ou o dispositivo seja considerado inconstitucional, ele não poderá ser aplicado frente ao caso concreto que suscitou a sua inconstitucionalidade (BARROSO, 2007).

José Afonso da Silva nos explica que na atual Constituição Brasileira o controle de constitucionalidade por via incidental está fundamentado em seu art. 102, III, decorrendo justamente deste dispositivo, a legitimidade dos juízes e tribunais para declarar a inconstitucionalidade via controle difuso (SILVA, 2010).

Nesse sentido, José Tarcízio de Almeida Melo afirma que “no controle sobre a aplicação da lei ao caso concreto, qualquer juiz ou Tribunal tem jurisdição constitucional”, com exceção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), visto que sempre que um processo contenha uma divergência quanto à constitucionalidade e tiver de ser remetido a uma instância Superior, ele será remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF) e não ao STJ, o que lhe impõe esta limitação. Nada obstante, o STJ poderá exercer este controle, sempre que se tratar de matéria de sua competência originária, bem como daquelas que lhe forem remetidas via recurso ordinário (MELO, 2008, pág. 173).

Nessa mesma linha de raciocínio, faz-se necessário ponderar que nos casos dos Tribunais, a inconstitucionalidade deve ser aferida pelo plenário ou por órgão especial destinado exclusivamente a aferição de inconstitucionalidades, ou seja, os Tribunais estão submetidos ao Princípio da reserva de Plenário. Há também de se ressaltar que os Tribunais só podem decidir pela inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros de seu órgão especial (BARROSO, 2007).

Entretanto, apesar da câmara, turma, seção ou outro órgão fracionário dos Tribunais não poderem declarar inconstitucionalidade, eles podem reconhecer a constitucionalidade das normas, hipóteses essas em que deverão prosseguir no julgamento da ação, sem ter de submeter à questão constitucional ao plenário. Do mesmo modo, quando se tratar do reconhecimento da inconstitucionalidade de lei anterior à Constituição, não terão de submeter à questão ao plenário, visto que nesse caso trata-se de uma revogação da lei por incompatibilidade com a Carta Maior de 1988 (BARROSO, 2007).

No que tange a legitimidade ativa para suscitar a inconstitucionalidade via controle incidental, Barroso afirma que ela pode ser levantada pelo autor da ação, pelo réu, pelo Ministério Público e por terceiros que tenham intervindo legitimamente na causa que está sendo julgada (assistente, litisconsorte e oponente) (BARROSO, 2007).

Barroso também ressalta que é essencial para a admissão do controle incidental que haja “um conflito de interesses, um ato concreto de autoridade ou ameaça de que venha a ser praticado”, pois o controle difuso de inconstitucionalidade só “pode se dar na tutela de uma pretensão subjetiva”. Assim, pouco importa se o processo é de conhecimento, execução ou cautelar, desde que haja a lide a questão constitucional poderá ser levantada a apreciação do Poder Judiciário (BARROSO, 2007, pág. 79).

Conforme analisa José Tarcízio, por se tratar de uma questão extremamente relevante para o ordenamento, o STF, em sua jurisprudência recente, afirma que é obrigatório o exame do incidente de inconstitucionalidade pelos juízes ou tribunais, mesmo não sendo essencial para a resolução do caso concreto, pois sempre que uma norma for considerada inconstitucional por via incidental, ela não poderá ser aplicada ao caso concreto (MELO 2008).

Em consonância com a análise de José Adércio, Barroso afirma que o controle incidental de inconstitucionalidade tem caráter prejudicial, visto que não é ele o objeto da causa, e sim a providencia postulada, entretanto para que se possa decidir acerca do direito em questão, o órgão judicial tem primeiro de decidir sobre a constitucionalidade da norma (BARROSO, 2007).

Por fim, resta-nos saber quais são as normas sujeitas ao controle incidental de constitucionalidade. Nesse sentido, Barroso diz que quaisquer normas que sejam “emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia, inclusive as anteriores a Constituição” estão sujeitas a tal controle, assim como “quaisquer atos normativos, ainda que secundários, como o regulamento, a resolução ou a portaria” (BARROSO, 2007, pág. 80).

Neste ponto, cabe uma crítica muito relevante, feita por Ronald Dworkin ao ativismo jurídico exacerbado. Segundo o jurista estadunidense, é importante e essencial ao sistema que o Judiciário cumpra com suas obrigações, entretanto não pode o judiciário exceder-se, ou seja, deve o judiciário ater-se a dizer se a norma está ou não de acordo com a Constituição, independentemente se os Magistrados concordam ou discordam da norma (DWORKIN, 2010).

Como demonstramos até aqui, os juízes e Tribunais são competentes para julgar as matérias constitucionais que estejam envolvidas com o caso concreto direta ou indiretamente. Então porque recursar a um Tribunal Constitucional? Poderíamos dizer que é para a uniformização da Jurisprudência, o que asseguraria a Segurança Jurídica necessária ao bom funcionamento do Sistema. Entretanto, não é simplesmente uma questão de uniformização. Todo sistema constitucional seria inócuo se não possuísse um Tribunal responsável pela Constituição, ou seja, um Guardião da Constituição, como nos ensina Hans Kelsen (KELSEN, 2007). No Brasil, como já fora exposto, o STF é este Tribunal Constitucional, ou seja, é ele o responsável direto pela guarda da Constituição, enquanto o STJ é o responsável pelo ordenamento infraconstitucional, o que também não deixa de ter um caráter constitucional, entretanto de forma indireta, o que se dá principalmente através do controle do Princípio da Legalidade e de seus desdobramentos (BARROSO, 2007).

 

3. RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Neste capítulo, tratar-se-á especificamente do Recurso Extraordinário (RE), com foco específico em seus requisitos de admissibilidade. Dito isto, faz-se necessário um conceito genérico de RE, nesse sentido, Nelson Nery e Rosa Maria afirmam que

Trata-se de forma excepcional de recurso, não configurando terceiro ou quarto grau de jurisdição, tampouco instrumento processual para correção de injustiça. Daí não poder ser invocada, em grau de RE, a ordem pública de que se revestem algumas questões, para que possam ser apreciadas ex officio e pela primeira vez pelo STF (NERY JUNIOR, NERY, 2010, pág. 541).

No mesmo sentido, Humberto Theodoro Junior afirma que “trata-se de um recurso excepcional, admissível apenas em hipóteses restritas, previstas na Constituição com o fito específico de tutelar a autoridade e aplicação da Carta Magna” (THEODORO JUNIOR, 2009, pág. 637).

Conforme nos explica José Afonso, o RE foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1890, através do Decreto 848/90 que o previa em seu artigo 9º, parágrafo único. No ano seguinte, foi transposto para a nova Constituição. Entretanto, sua origem mais remota reside no write of error, utilizado pela Suprema Corte estadunidense em face das decisões dos Tribunais Estaduais que contrariavam a Constituição. No Brasil, seu ingresso transcendeu o controle difuso de constitucionalidade, vindo também a “proteger a incolumidade e a uniformidade de interpretação do direito objetivo federal” (SILVA, 2008, pág. 553).

Deste modo, o RE prosseguiu em nosso ordenamento sem grandes mudanças até a promulgação da Constituição de 1988, quando suas matérias foram distribuídas entre o STF, que ficou incumbido das questões constitucionais (Guardião da Constituição), e o STJ que ficou incumbido do controle da incolumidade e da uniformidade da interpretação do direito objetivo federal. Em 2004, com o advento da Emenda Constitucional nº45 foram feitas mais algumas pequenas modificações de competência chegando ao status em que se encontra (SILVA, 2008).

 

3.1. CABIMENTO

Neste tópico iremos analisar quando cabe e quando não cabe a interposição do RE e, além disso, quais são os requisitos considerados essenciais para sua admissão. Nesse sentido, faz-se necessária a exposição do artigo 102, III e alíneas, da Constituição.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

A primeira observação a ser feita é a de que a Constituição é taxativa quanto ao rol daquilo que será objeto de RE, ou seja, não há possibilidade de interposição de RE fora das possibilidades das alíneas do inciso III de seu art. 102.

A segunda observação a ser feita é a de que o RE exige que a causa tenha sido julgada em ultima ou única instância. No caso, da única instância, a previsão é para aquelas causas que só prevêem uma única instância de julgamento, e não para as causas que foram julgadas em uma só instância, mas que tenham ainda a possibilidade de serem analisadas via outros recursos em outra(s) instância(s), ou seja, a causa tem necessariamente de estar decidida (com ou sem resolução de mérito) sendo impossível reformar a decisão através de uma instância inferior ao STF, conforme ratifica o próprio Supremo através da Súmula 281, que diz que “é inadmissível o Recurso Extraordinário, quando couber na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Esta decisão, conforme nos ensina Wambier e Talamini, pode ser tanto uma Decisão Interlocutória como uma Sentença (WAMBIER, TALAMINI, 2008).

Em consolidação do que foi exposto, Daniela Crosara afirma que

O recurso extraordinário é um mecanismo extremo que remete a apreciação da questão constitucional ao STF como última instância, só sendo admitido quando esgotados todos os recursos ordinariamente cabíveis para a situação. Trata-se de condição constitucional que impõe o esgotamento das vias ordinárias, não sendo possível através dele saltar instâncias. Assim, determina o inciso III, em análise, ao dispor que as decisões que são objeto do recurso têm de ser prolatadas em única ou última instância, restando decidida a causa. Causa decidida é aquela julgada extinta, como ou sem julgamento de mérito, sem possibilidade de modificação nas instâncias inferiores (CROSARA, 2010, pág. 648-649).

Como terceira observação, cumpre-nos advertir que por meio do RE não se pode pleitear revisão de matéria de fato, mas apenas matérias de direito, como ponderam Wambier e Talamini, em análise a Súmula 279 do STF, que diz que “para simples reexame de prova não cabe Recurso Extraordinário” (WAMBIER, TALAMINI, 2008, pág. 661).

No mesmo sentido, o constitucionalista Alexandre de Moraes é contundente ao afirmar que cabe “ao Pretório Excelso, somente a análise jurídico-constitucional do recurso, mas jamais o reexame da matéria fática” (MORAES, 2003, pág. 1411).

A quarta e última observação a ser feita neste tópico, diz respeito ao Pré-questionamento, que como observa Daniela Crosara, é requisito essencial ao acolhimento do RE, ou seja, é imprescindível que a questão constitucional tenha sido debatida e, inclusive decidida, na instância originária (CROSARA, 2010). Nesse sentido, o Supremo editou a Súmula 282, que afirma que “é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.

Em decorrência da indispensável presença do Pré-questionamento, Humberto Theodoro observa que, se a decisão impugnada tiver sido omissa no que tange a ofensa constitucional alegada pelo recorrente, “deverá a parte, antes de interpor o recurso extraordinário, provocar o pronunciamento sobre a questão constitucional por meio de embargos de declaração” (THEODORO JUNIOR, 2009, pág. 638). Nesse sentido, o Supremo editou a Súmula 356, que afirma que “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

Após estas breves observações, passemos agora a análise de cada uma das alíneas do inciso III, do art. 102 da CF.

A alínea a) afirma que cabe RE quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição. Isso significa que cabe RE sempre que uma decisão, que obviamente atenda aos critérios anteriormente já estabelecidos, violar, for de encontro, afrontar, desrespeitar, deixar de observar alguma norma constitucional – regra ou princípio – expressa ou tácita. Conforme explica Daniela Crosara, “tal ofensa deriva tanto do não cumprimento de seus ditames quanto da prática de ato em desconformidade com suas disposições”. (CROSARA, 2010, pág. 649).

A referida alínea sustenta-se no consagrado Princípio da Supremacia da Constituição, pois, conforme explica Hans Kelsen “a ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas”, onde “a Constituição representa o escalão de Direito Positivo mais elevado” (KELSEN, 2003, pág. 247).

Vale ressaltar, como observa Humberto Theodoro, que é “necessário que a ofensa invocada pelo recorrente tenha-se dado diretamente contra a regra traçada pela Constituição, e não tenha decorrido, intermediariamente, de atentado às regras infraconstitucionais”, pois neste caso estaríamos frente a um caso de Recurso Especial (REsp), que deve ser interposto ao STJ e não ao STF (THEODORO JUNIOR, 2009, pág. 638). Em decorrência do exposto, o Supremo sumulou a questão através da Súmula 636, segundo a qual “não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.

Entretanto, como observa Barroso, a Segunda Turma do STF tem admitido em alguns casos o RE mesmo caracterizando violação primária ao ordenamento infraconstitucional e somente indireta à Constituição. “A hipótese envolve a violação de normas processuais ordinárias, tendo o recorrente invocado afronta ao princípio do devido processo legal”. O entendimento da Turma é de que violações graves a este Princípio, bem como ao Princípio da Legalidade justificam o controle incidental por via extraordinária (BARROSO, 2007, pág. 95).

Antes de passarmos as demais alíneas cabe uma pequena observação. Como observam Wambier e Talamini, as alíneas b), c) e d), do inciso III, do art.102, são hipóteses de cabimento de RE, enquanto sua alínea a) traz o único fundamento admissível, e que inclusive, sustenta também as demais hipóteses: a contrariedade à Constituição (WAMBIER, TALAMINI, 2008).

A alínea b) afirma que cabe RE quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, observados os critérios anteriormente estabelecidos.

Inicialmente, nos cabe esclarecer que por lei federal não se deve entender apenas as leis propriamente ditas que forem editas pela União, mas todo e qualquer ato normativo proveniente da União, conforme nos explica Daniela Crosara (CROSARA, 2010).

No que se refere aos Tratados, vale lembrar que no Brasil, por força do § 2º. do Art. 5º. da própria Constituição Federal, os Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário complementam a legislação federal, além de que aqueles que versem sobre direito humanos, que forem aprovados no Congresso Nacional por um processo similar ao da Emenda à Constituição, serão equivalentes a elas, conforme o § 3º, do art. 5º da nossa Carta Maior (SILVA, 2010).

Assim, aquelas decisões que entenderem, através do controle incidental de constitucionalidade, que determinado Tratado – do qual o Brasil seja signatário – ou que determinada lei federal, ou mesmo que determinado dispositivo de um desses Tratados ou de uma lei Federal seja inconstitucional, serão essas decisões passíveis de serem reformadas pelo STF, através da interposição de um Recurso Extraordinário.

A alínea c) afirma que cabe RE quando a decisão recorrida julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição, observados os critérios anteriormente estabelecidos.

A priori, cabe-nos elucidar que por lei ou ato de governo local devem ser entendidos “todos aqueles provenientes dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, seja do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário” (CROSARA, 2010, pág. 651).

No caso trazido pela alínea c), o RE será acolhido sempre que a decisão de que se recorre entender que a lei ou o ato normativo local que está sendo contestado é constitucional, ou seja, que não existe afronta a Constituição. Nestes casos, o RE será interposto ao Supremo para que a Corte Constitucional possa se pronunciar quanto à constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. (MONTENEGRO FILHO, 2010).

A alínea d) afirma que cabe RE quando a decisão de que se recorre julgar válida lei local contestada em face de lei federal, observados os critérios anteriormente estabelecidos.

Preliminarmente, é preciso esclarecer que esta alínea foi acrescentada ao inciso III, do art. 102, da CF pela Emenda Constitucional 45/2004. Vale lembrar que antes desta Emenda, esta questão era objeto de Recurso Especial, que deveria ser interposto junto ao STJ, assim como os atos de governo local que fossem julgados válidos quando contestados em face de lei federal. Após esta modificação, quando se contesta lei local deve-se interpor RE, já quando se contesta ato de governo local deve-se interpor REsp (SILVA, 2008).

Barroso afirma que mesmo antes desta mudança, “já havia a percepção de que o conflito entre lei local e lei federal muitas vezes envolve questão constitucional, relativa à divisão constitucional de competências legislativas entre os entes da federação”, o que implica necessariamente que a competência de julgar tal validade deva ser do STF – Guardião da Constituição – e não do STJ (BARROSO, 2007, pág. 90).

Entretanto, há casos em que este conflito entre lei local e lei federal não ofenderá diretamente a divisão constitucional de competências legislativas dos entes da União e mesmo assim o recurso a ser interposto será o RE, como por exemplo, em caso de competência concorrente em que o choque deriva “de mera incompatibilidade entre determinado regramento específico e as normas gerais pertinentes. Não obstante, como observa Barroso, “é bom que seja assim”, pois direta ou indiretamente a resolução deste tipo de conflito “dependerá sempre de um juízo sobre a divisão constitucional de competências” (BARROSO, 2007, pág. 90-91).

3.2. REPERCUSSÃO GERAL

A Emenda Constitucional 45/2004 também acrescentou o §3º ao art. 102 da CF, que dispõe o seguinte:

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Ficou demonstrado no tópico anterior que para a admissibilidade do RE é necessário que a questão aludida no recurso se encaixe em uma das quatro possibilidades trazidas pelo inciso III, do art. 102, da CF. Além disso, faz-se necessário que a causa tenha sido julgada em ultima ou única instância, que a revisão seja estritamente de matérias de direito e que tenha havido o Pré-questionamento.

O agora aludido §3º nos traz um novo requisito essencial para a admissibilidade do RE. Segundo este parágrafo, o RE só será cabível se ficar demonstrada a Repercussão Geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, ou seja, se ficar demonstrada a Relevância da Questão Constitucional, de acordo com os critérios legais, entretanto, o Supremo só poderá recusar a apreciação do RE pela manifestação de no mínimo dois terços de seus membros, ou seja, oito Ministros (CARVALHO, 2009).

Conforme visto, a Constituição prevê que cabe a legislação infraconstitucional estabelecer os critérios de regulação da Repercussão Geral. Nesse sentido, foram acrescidos dois artigos ao Código de Processo Civil, pela Lei nº. 11.418 de 2006, a fim de se regular a matéria: Art. 543-A e art. 543-B. O art. 543-A traz um aparato de análise geral, enquanto o art. 543-B trata das situações em que haja multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. Deste modo, vejamos primeiro o que dispõe o art. 543-A.

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

O §1º diz que deve ser demonstrada a existência de questões econômicas, políticas, sociais ou jurídicas que possuam relevância, o que nos permite afirmar que o conceito fornecido pela norma é um conceito aberto, que dá aos magistrados a discricionariedade de dizer o que é e o que não é relevante (NERY JUNIOR, NERY, 2010).

O §2º afirma que a repercussão geral, enquanto critério de admissibilidade, deve ser demonstrada em preliminar do recurso e que a apreciação é de competência exclusiva do Supremo, não podendo ser analisada pelo Tribunal de onde provêm (NERY JUNIOR, NERY, 2010).

O §3º determina que sempre que for interposto RE em face de decisão contrária a Súmula ou Jurisprudência do STF estará configurada a repercussão geral. Note que não se trata de Súmula ou Jurisprudência de qualquer Tribunal, mas estritamente do Supremo (WAMBIER, TALAMINI, 2008).

O §4º, por razões de economia processual, diz que quando a Turma receber o RE e pelo menos quatro de seus Ministros acolherem a existência da repercussão geral será dispensada a remessa do recurso ao Pleno do Tribunal, pois “considera-se que, se fosse remetido ao Plenário, bastaria que esses quatro Ministros mantivessem sua posição (ou não participassem da votação), para que já não se atingisse o quorum de 2/3” (WAMBIER, TALAMINI, 2008, pág. 663). Assim, se acolhida a repercussão geral pela Turma, ela mesma “continuará incontinenti o julgamento dos demais requisitos de admissibilidade e do próprio mérito do RE” (NERY JUNIOR, NERY, 2010, pág. 980).

O §5º determina que se a existência da repercussão geral for negada, a decisão valerá como paradigma para os casos semelhantes que vierem a ser interpostos junto ao Tribunal, sendo eles indeferidos liminarmente por decisão monocrática do relator, não sendo necessária a apreciação pelo Plenário ou pela Turma. É importante deixar claro, que isso só pode ser aplicado aos “casos repetitivos, de matéria idêntica”, não sendo possível utilizar um precedente do Plenário “para aplicá-lo analogicamente ou de modo extensivo a outro caso, que não seja idêntico quanto à matéria objeto do recurso, mas apenas apresente pontos gerais em comum” (WAMBIER, TALAMINI, 2008, pág. 664). Vale ressalvar também, que o Plenário do Supremo pode revisar seu entendimento no que diz respeito a admissibilidade da repercussão geral em face de determinada matéria, nos termos de seu Regimento Interno.

O §6º prevê a possibilidade de manifestação de terceiros para a análise da repercussão geral, exigindo-se, no entanto, que se faça através de procurador habilitado e nos termos do Regimento Interno do Supremo, o que segundo Luiz Guilherme da Costa, aproxima-se da ideia de amicus curiae (WAGNER JUNIOR, 2009). No mesmo sentido, em análise ao tema, Nelson Nery e Rosa Maria afirmam que

Tendo em vista que a fixação do entendimento sobre a existência ou não da repercussão geral relativamente à tese jurídica discutida no RE poderá tornar-se paradigma, isto é, decisão-quadro para os casos futuros (RISTF 326), a norma permite que o STF admita a participação de terceiros, em manifestação subscrita por procurador habilitado, mediante decisão irrecorrível do relator do RE, de ofício ou a requerimento, no prazo que fixar (RISTF 323 §2º). Esse terceiro admitido no processo funcionará como amicus curiae, auxiliar do STF na discussão da repercussão geral, tal como ocorre no processo da ADin” (NERY JUNIOR, NERY, 2010, pág. 981).

O §7º determina que a decisão sobre a repercussão geral seja publica, através de Súmula, no Diário Oficial, tendo valor de acórdão e devendo conter o enunciado da tese jurídica afirmada pelo Tribunal (NERY JUNIOR, NERY, 2010).

Conforme já fora esclarecido, o art. 543-A traz um aparato geral para a análise da ocorrência ou não da Repercussão geral, enquanto o art. 543-B trata das situações em que haja multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. Deste modo, analisaremos agora o art. 543-B.

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

O §1º dispõe que sempre que a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia prevista no caput do art. 543-B for verificada, caberá ao Tribunal a quo selecionar um ou mais recursos da controvérsia e encaminhá-los a apreciação do STF, suspendendo o andamento dos demais até o pronunciamento definitivo do Supremo quanto à existência ou não da Repercussão Geral (NERY JUNIOR, NERY, 2010).

Entretanto, como advertem Wambier e Talamini, caso a parte reputar indevido o sobrestamento de seu recurso por acreditar que a matéria nele abordada não é idêntica a dos recursos encaminhados ao STF, ela poderá interpor Agravo de Instrumento (WAMBIER, TALAMINI, 2008).

O §2º prevê que no caso da repercussão geral dos recursos encaminhados ao Supremo atendendo a hipótese do §1º ser negada e obviamente os recursos serem inadmitidos, automaticamente também serão indeferidos os recursos sobrestados (NERY JUNIOR, NERY, 2010).

O §3º por sua vez, prevê o que se deve fazer no caso da repercussão geral dos recursos encaminhados ao Supremo atendendo a hipótese do §1º ser admitida. Aqui, cabe o esclarecimento feito por Wambier e Talamini, que afirmam que no caso de o Supremo julgar o mérito daqueles RE(s) que lhe foram remetidos, “os demais recursos, que tinham ficado sobrestados, serão apreciados pelos órgãos a quo”. Segundo os processualista citados, tais órgãos “poderão declarar tais recursos prejudicados, quando a decisão do STF tiver sido no sentido oposto ao da tese recursal, ou retratar-se, quando a decisão do STF tiver sido no sentido favorável à tese recursal” (WAMBIER, TALAMINI, 2008, pág. 664-665). Por fim, arrematam dizendo que

De todo modo, a decisão que julgar prejudicado o recurso ou de retratação será passível, ela mesma, de recurso para o STF (a de retratação poderá dar ensejo a outro recurso extraordinário, do adversário do recorrente original – que terá de observar todos os requisitos de cabimento recursal; a decisão que julgar prejudicado o recurso extraordinário poderá ser objeto de agravo de instrumento, em que o recorrente poderá demonstrar, por exemplo, que seu caso não é idêntico àquele outro recurso julgado) (WAMBIER, TALAMINI, 2008, pág. 665).

Já Nelson Nery e Rosa Maria, ressalvam que a retratação pelo Tribunal a quo é facultativa, entretanto se o Supremo emitir Súmula Vinculante sobre o tema, ela será obrigatória (NERY JUNIOR, NERY, 2010).

O §4º afirma que caso seja mantida a decisão e admitido o recurso, o Supremo Tribunal Federal poderá cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada, ou seja, “se o acórdão adverso à tese do STF for mantido na instância local, e o extraordinário for admitido, o STF poderá ‘cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada’” (THEODORO JUNIOR, 2009, pág. 642).

Por fim, o §5º diz que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

 
3.3. CABIMENTO SIMULTANEO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E DO RECURSO ESPECIAL

O Código de Processo Civil também prevê que podem ser interpostos conjuntamente o Recurso Extraordinário (ao STF) e o Recurso Especial (ao STJ), destinando a essa matéria o art. 543, que dispõe o seguinte:

Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça.

§1º Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado.

§2º Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.

§3º No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial.

Em análise ao tema, Barroso afirma que deixar de interpor um dos recursos, quando necessário, pode inviabilizar a pretensão recursal tanto no Pretório Excelso quanto no Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que ambos os Tribunais podem recusar-se a admitir o recurso que lhes caberia apreciar por entenderem que a eventual decisão seria irrelevante, em detrimento da ausência de fundamentos suficientes à manutenção da decisão recorrida (BARROSO, 2007).

No que se refere ao caput do art. 543, percebe-se que, em princípio, o REsp tem de ser julgado antes do RE, por isso os autos são inicialmente remetidos ao STJ (CRUZ, 2009). Nesse sentido, o §1º diz que após julgado o REsp, serão os autos remetidos ao STF, para apreciação do RE, se este não estiver prejudicado.

Já o §2º prevê que se o relator do REsp entender que o RE é prejudicial ao REsp, deve ele inverter o procedimento sobrestando o andamento do REsp e remetendo os autos ao Supremo para que o RE seja julgado primeiro, a fim de que o resultado do julgamento do RE seja aplicado ao REsp (NERY JUNIOR, NERY, 2010).

Por fim, o §3º afirma que se o relator do RE entender que este não é prejudicial ao REsp, deve ele devolver os autos ao STJ, para que o REsp seja julgado primeiro, pois “o STF não é vinculado nem adstrito à decisão do STJ” (NERY JUNIOR, NERY, 2010, pág. 978).

4. “O FILTRO”, PROBLEMA OU SOLUÇÃO?

Como demonstrado nos tópicos anteriores, existem diversos requisitos a serem preenchidos para que o Recurso Extraordinário possa ser admitido, sendo que o conjunto desses requisitos forma uma espécie de “filtro” de admissibilidade. Cabe-nos agora, analisar os fatores positivos e negativos trazidos por este “filtro” para o ordenamento jurídico, bem como seus riscos e possibilidades.

Primeiramente, vale lembrar os principais requisitos: causa julgada em última ou única instância; revisão estritamente de matérias de direito; pré-questionamento da matéria constitucional; preencher uma das hipóteses elencadas nas alíneas do inciso III, do art. 102, da CF, que exige que a decisão recorrida: a) contrarie dispositivo da CF, b) declare a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, c) julgue válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição, d) julgue válida lei local contestada em face de lei federal; e por fim, que fique preliminarmente demonstrada a Repercussão Geral da questão constitucional, nos moldes de sua regulamentação, dada pela Lei nº. 11.418/2006.

Com exceção da Repercussão Geral, os demais critérios têm cunho totalmente objetivo, ou majoritariamente objetivo, ou seja, de modo geral, independem da interpretação humana. A causa julgada em última ou única instância, o interprete não concorda nem discorda, não acha correto ou incorreto, justo ou injusto, ele simplesmente verifica se foi preenchido o requisito. A matéria de Direito, ou ela é realmente de direito ou de fato, não há o que se avaliar. O pré-questionamento, ou ele foi suscitado ou não. Os requisitos do inciso III, do art. 102, da CF, ou eles foram preenchidos ou não, ou seja, ou a causa se encontra em uma das hipóteses ou não, independentemente do juízo do intérprete. Já a Repercussão Geral, também chamada de Relevância da Questão Constitucional, depende majoritariamente da concepção do intérprete. Afinal, o que é relevante? Cada um tem um critério próprio daquilo que é ou não é relevante.

Então, porque fora introduzido um requisito subjetivo para a admissão do RE? Segundo Luís Roberto Barroso, dentre outros motivos, o principal foi “racionalizar o volume de trabalho que chegava a Corte” (BARROSO, 2007, pág. 98). Nesse mesmo sentido, Humberto Theodoro Junior afirma que a repercussão Geral foi criada “com o fito de reduzir o excessivo e intolerável volume de recursos a cargo do STF” (THEODORO JUNIOR, 2009, pág. 642). Do mesmo modo, Wambier e Talamini afirmam que a regulamentação dada a Repercussão Geral pela Lei nº. 11.418/2006, criou “uma sistemática destinada a diminuir o número de recursos que sobem ao STF” (WAMBIER, TALAMINI, 2008, pág. 665).

Segundo Humberto Theodoro, o Supremo recebia, e ainda recebe, inúmeros recursos que discutem as mesmas questões, essencialmente iguais, o que atrapalha o bom andamento dos processos desnecessariamente, visto que a questão discutida já está pacificada pelo Tribunal, por isso a introdução do requisito da Repercussão Geral foi de grande valia para se evitar que subam a apreciação do STF tais questões (THEODORO JUNIOR, 2009).

Barroso diz que instrumentos subjetivos, como a Repercussão Geral, são comuns no direito contemporâneo nas democracias constitucionais, visto que os Tribunais Constitucionais não seriam capazes de julgar todos os casos em que as partes acreditam ter direito a um recurso à Corte Suprema. Por isso esses requisitos são extremamente importantes ao controle de constitucionalidade, bem como a paradigmatização das decisões realizadas pelo Tribunal a fim de se evitar que ele julgue causas cujo entendimento já está pacificado (BARROSO, 2007).

Entretanto, Barroso adverte que tais requisitos não podem ser utilizados para que o Tribunal se desvie de julgar “questões polêmicas ou politicamente delicadas”, ou seja, não pode o Tribunal utilizar tais requisitos como “escudos” para não terem de enfrentar causas difíceis, delicadas, polêmicas etc. (BARROSO, 2007, pág. 100).

Nesse sentido, a regra introduzida pelo §3º prevê que a Repercussão Geral só pode ser negada por dois terços dos Ministros do Supremo, ou seja, oito Ministros, o que segundo Barroso é muito importante, pois “evita que questões sejam preteridas por maiorias apertadas, reduzindo o ônus político associado à utilização da barreira” (BARROSO, 2007, pág. 101-102).

 

5. CONCLUSÃO

Ante o exposto, pode-se concluir, prima facie, que a inclusão de determinados requisitos – objetivos ou subjetivos – para a admissão do Recurso Extraordinário não só é benéfica, como também, necessária ao bom andamento do Sistema, a fim de se evitar um colapso no Supremo Tribunal Federal, que seria incapaz de julgar todas as causas que as partes acreditassem ter direito a interposição de RE, bem como julgar desnecessariamente questões essencialmente iguais, uma vez que, a questão discutida já está pacificada pelo Tribunal.

No que tange ao requisito subjetivo – Repercussão Geral – existem ressalvas importantes, que se traduzem basicamente na máxima de que o Tribunal não pode utilizar-se desse requisito a fim de se esquivar de julgar questões difíceis, polêmicas, ou politicamente delicadas, ou seja, utilizar-se do “filtro” para atender aos seus interesses. Nesse sentido, a inclusão do quorum de dois terços para a rejeição do RE foi de suma importância, a fim de se diminuir o ônus político associado a tal requisito.

Nesse sentido, Luís Roberto Barroso afirma que

…a introdução da figura da repercussão geral no sistema do recurso extraordinário, se bem manejada, poderá produzir bons resultados. O benefício será maior se o STF conjugar a utilização do novo filtro com a relativização de alguns dos critérios jurisprudenciais anteriores, especialmente a exigência de que a questão constitucional envolva suposta ofensa direta à Constituição, afastando os casos em que há intermediação legislativa (BARROSO, 2007, pág. 102).

Visto isso, conclui-se que o “filtro” – conjunto dos requisitos de admissibilidade, objetivos e subjetivos – do Recurso Extraordinário é um instrumento essencial ao sistema jurisdicional brasileiro, mormente ao controle incidental de constitucionalidade, entretanto, é necessário que existam instrumentos – como o quorum de dois terços para rejeição do RE – que visem garantir que o Tribunal não se utilizará desses requisitos para atender a fins próprios, deixando de julgar determinados casos para se esquivar de polêmicas ou adversidades.

 

6. REFERÊNCIAS:

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

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CROSARA, Daniela de Melo; et al. Constituição Federal Interpretada. Barueri, SP: Manole, 2010.

CRUZ, José Raimundo Gomes da. Os Recursos Extraordinário e Especial antes e depois da Emenda Constitucional N. 45, de 8/12/2004. In: MACIEL, Adhemar Ferreira… [et al.] (org.). Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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LOPES, W. F.; DOS SANTOS, Eduardo. R. Métodos Paradigmáticos de Interpretação do Direito: Uma investigação Histórica. In: I Congresso da Associação Mineira de Pós-Graduação em Direito, Belo Horizonte, AMPD, 2010.

MELO, José Tarcízio de Almeida. Direito Constitucional Do Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral dos Recursos; Recursos em Espécie; Processo de Execução. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.2.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil e legislação processual extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

SARMENTO, Daniel. O Neoconstitucionalismo no Brasil: Riscos e possibilidades. In: ______ (org.). Filosofia e Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

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Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 1.

WAGNER JUNIOR, Luiz Guilherme da Costa. Processo Civil: Curso Completo. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v.1.

Eduardo Rodrigues dos Santos

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