Critérios objetivos para a fixação da pena base no ordenamento jurídico-penal brasileiro

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RESUMO: O presente trabalho propõe o estudo do princípio da individualização da pena, de modo a concretizar o disposto no art. 59 do CP, que estabelece a primeira etapa de aplicação da pena a ser realizada pelo juiz. A individualização da pena significa que o sujeito do delito deve ser diferenciado dos demais. Significa dizer que o aplicador da lei penal, no momento de fixá-la deve levar em consideração as circunstâncias pessoais, sociais e materiais que cercaram o delito. O Código Penal trabalha com a pena estabelecida em mínimo e máximo, sendo papel do magistrado, estabelecer o seu quantum ideal. Isso quer dizer que o juiz não é totalmente livre para estipular a pena, mas trabalha com uma grande margem de discricionariedade. Ocorre que, a maioria dos juízes não se preocupa em individualizar a pena, e quase sempre, estabelecem-na junto ao mínimo legal. Seja por dessídia, seja por inércia, esta é situação demonstra grande desrespeito à figura do denunciado e afronta inúmeros princípios e garantias constitucionais.

Palavras chave: Individualização da pena, pena base, fixação da pena.

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade os homens sentem necessidade de se agruparem, de viverem em comunidade. Para que pudessem conviver de forma harmoniosa, surgiram as normas e regras de convivência social, e para os infratores de tais regras, surgiu a pena.

Atualmente, a pena está condizente com o atual Estado Democrático de Direito, e trata-se de sanção imposta pelo Estado, valendo-se do Devido Processo Legal, ao autor da infração penal, como retribuição ao delito perpetrado e prevenção aos novos crimes.

O Código Penal estabelece alguns requisitos que devem ser observados pelo juiz no momento da fixação da pena ao infrator da lei penal. Estes critérios devem ser rigorosamente observados, pois se configuram como mandamentos legislativos, devendo sempre ser respeitados. No entanto, como será analisado no decorrer do presente artigo, o quadro que existe diariamente nos fóruns e nos gabinetes é completamente diverso.

Reza a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, que a sentença deve ser motivada. Com a adoção do sistema do relativo arbítrio judicial na aplicação da pena, consagrado pelo novo Código Penal, e do livre convencimento do juiz, adotado pelo mesmo diploma legislativo, é a motivação da sentença que oferece garantia contra os excessos, os erros de apreciação, as falhas de raciocínio ou de lógica ou os demais vícios de julgamento.

Resta evidente que é primordial para prolação de uma sentença justa e perfeita em termos técnicos, para que ela não seja passível de anulação nos Tribunais Superiores, que o magistrado respeite o princípio da individualização da pena e perpasse de maneira criteriosa pelo sistema trifásico de aplicação da pena.

A dosimetria da pena, na realidade é uma ocasião muito importante para o aplicador do direito penal e processual penal, talvez o momento mais relevante. É neste momento que o magistrado, com a responsabilidade de atuar em nome do Estado, embutido na tarefa de julgar, colecionado com o poder-dever de decisão estatal, impõe ao indivíduo a sanção que reflete a reprovação estatal do crime cometido através da pena imposta, objetivando com isso, a prevenção do crime e sua correção (finalidade retributiva e preventiva). E é através desta punição determinada pelo juiz, que o Estado, legítimo detentor do jus puniendi, exterioriza e concretiza a reprovação do ato praticado.

1. IMPORTÂNCIA DA DOSIMETRIA DA PENA

Pode-se afirmar que o magistrado não é totalmente livre para determinar a pena a ser aplicada ao infrator da lei penal. O preceito normativo presente na descrição do delito, conhecido como preceito secundário, fixa os critérios básicos para que o aplicador da lei possa se guiar, e ao mesmo tempo o limita. A fixação da pena mínima e máxima pelo Código Penal para os crimes lá dispostos é uma segurança jurídica ao cidadão contra o arbítrio estatal.

Deve-se ressaltar nesta ocasião, que o magistrado, deve sempre motivar suas decisões sobre pena de nulidade da sentença proferida, pois em um Estado Democrático de Direito preza-se pelos princípios estabelecidos constitucionalmente e também pelos direitos fundamentais do homem, obtidos por meio de muita luta e esforço. O magistrado, portanto, deve sempre respeitar o princípio da ampla defesa, da publicidade, da motivação, do contraditório, da dignidade da pessoa humana, entre outros.

O juiz, no momento da aplicação da pena, realiza um ato de suma importância. Está equivocado quem pensa que a aplicação da pena é um simples ato mecânico, computadorizado, que envolve meros cálculos aritméticos. Não é tão simples o que acontece na prática. O juiz, nesta ocasião está lidando com a liberdade do réu, e deste modo, deve agir da forma mais justa possível, respeitando e considerando sempre os limites impostos pela lei.

O instituto mencionado acima, pelo qual o juiz objetiva individualizar e impor o quantum de pena aos condenados, é conhecido como dosimetria da pena. Do plano abstrato, presente no tipo penal, a pena ganha concretude com o seu cálculo e sua imposição por meio da sentença penal condenatória..

Imperioso citar a lição de Rogério Greco que preleciona que “a sentença é, por si, a individualização concreta do comando emergente da norma legal. Necessário é, por isso, que esse trabalho de aplicação da lei se efetue com sabedoria e justiça, o que só se consegue armando o juiz de poderes discricionários na graduação e na escolha das sanções penais. Trata-se de um arbitrium regulatum, como diz Bellavista, consistente na faculdade a ele expressamente concedida, sob a observância de determinados critérios, de estabelecer a quantidade concreta da pena a ser imposta, entre o mínimo e o máximo legal para individualizar as sanções cabíveis” (GRECCO, 2008. p. 243).

O Código Penal passa a adotar o critério trifásico (elaborado por Nelson Hungria) para aplicação da pena. Tem-se que, na primeira fase, fixa-se a pena-base. Para determiná-la, deve-se proceder a análise das circunstâncias judiciais presentes no art. 59 do CP. Já a segunda fase, se refere à pena provisória, na qual será realizado o estudo sobre as agravantes e atenuantes, conhecidas como circunstâncias legais, dispostas nos arts. 61, 62, 65 e 66 do CP. Por fim, a terceira fase, é denominada fase definitiva, pois aqui será feita a verificação da existência de causas especiais de diminuição e aumento de pena (tratadas como majorantes e minorantes).

 

2- ANÁLISE DO ART. 59 DO CP

Nesta primeira fase, objeto do presente artigo, o magistrado tem como função a fixação da pena-base, ou seja, a determinação do quantum de pena irá imputar ao agente. Mas o juiz não age de forma livre, possui limites previstos em lei, para atuar legitimamente. Tal critério está presente no tipo penal incriminador, que traz expressamente a pena mínima e a pena máxima para o agente que cometeu o delito.

Resta evidente que, nesta etapa da fixação da pena, o magistrado já deve possuir recursos, por meio de provas e documentações trazidas no processo, para auferir qual tipo irá enquadrar o agente, isto é, já deve possuir meios para imputar a ele um fato descrito na lei como crime.

Pena-base pode ser conceituada como “a primeira escolha do juiz no processo de fixação da pena, sobre a qual incidirão as agravantes e atenuantes e, em seguida, as causas de aumento e diminuição. A eleição do quantum inicial, a ser extraído da faixa variável entre o mínimo e o máximo abstratamente previstos no tipo penal incriminador, precisamente no preceito secundário, faz-se em respeito às circunstâncias judiciais, previstas no art. 59. Não se trata de uma opção arbitrária e caprichosa do julgador, ao contrário, deve calcar-se nos elementos expressamente indicados em lei” (NUCCI, 2007, p. 163).

Para fixação da pena base é de extrema importância a análise de cada circunstância judicial prevista no art. 59 do CP. No total, são 8 (oito) as circunstancias presentes neste artigo, cada uma delas deve ser especificada e motivada na sentença penal para correta aplicação da dosimetria da pena.

O art. 59 do CP, disciplina que:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

No exame das circunstâncias judiciais (CP, art. 59), impõe-se a observância do princípio constitucional da individualização da pena, sendo inadmissível que seja levado a efeito de forma conjunta, englobando vários réus num único ato. (STJ, HC 18694RS, Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T., DJ 2522002, p. 422).

2.1 Culpabilidade

A culpabilidade é um dos fundamentos da pena, significa dizer que o sujeito tinha condição de agir de modo diverso e não agiu em conformidade com o Direito. A culpabilidade é juízo de reprovação pessoal que recai sobre o agente que realizou o crime, ou seja, o injusto punível.

Na primeira fase de fixação da pena (pena-base), o juiz deve realizar novamente o juízo de censura que o autor do crime e o próprio fato em si merecem. O juízo de reprovação não incide apenas sobre o agente, mas também sobre o que ele cometeu.

Percebe-se, portanto, que o juiz, no decorrer do processo, deve fazer uma dupla análise da culpabilidade do agente. “Na primeira, dirigida à configuração da infração penal, quando se afirmará que o agente que praticou o fato típico e ilícito era imputável, que tinha conhecimento sobre a ilicitude do fato que cometia e, por fim, que lhe era exigível um comportamento diverso; na segunda, a culpabilidade será aferida com o escopo de influenciar na fixação da pena-base. A censurabilidade do ato terá como função fazer com que a pena percorra os limites estabelecidos no preceito secundário do tipo penal incriminador”. (GRECCO, 2008, p. 212).

2.2 Antecedentes

A circunstância judicial “antecedente” se refere à vida pregressa do agente, isto é, tudo o que o agente cometeu, praticou, realizou no âmbito criminal ao logo de sua existência. A doutrina mais correta (SANTOS, 2006, p. 561) sustenta que somente podem ser considerados antecedentes os registros na folha de antecedentes do acusado que representem condenações transitadas em julgado, que não serão computadas como reincidência ou que possam conviver com esta.

Reiterando o entendimento supracitado, tem-se que “a existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível – além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do status poenalis do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não culpabilidade inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República”. (STF, HC 84687MS, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., DJ 27102006).

2.3 Conduta Social

A conduta social pode ser caracterizada como o comportamento do réu na sociedade, como ele se envolve com a família, com seu trabalho, como interage com os grupos sociais, se tem amigos, se convive bem com as diferenças e minorias.

O magistrado, em tese, deveria conhecer a pessoa que está julgando para melhor auferir o seu grau de culpabilidade, as razões do cometimento do delito, para aplicar a pena na sua medida justa. Caso o agente do delito, for considerado uma ótima pessoa, um pai exemplar, um marido invejável, por exemplo, pode ter a fixação de sua pena mais próxima a do mínimo legal.

2.4 Personalidade do agente

Segundo entendimento de Ney Moura Teles, “a personalidade não é um conceito jurídico, mas no âmbito de outras ciências – da psicologia, psiquiatria, antropologia – e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito” (TELLES, 2002, p. 126).

O juiz, não é o profissional mais especializado para analisar a personalidade do infrator do delito. No entanto, apesar de ser difícil de fazer provas nos autos, ele pode verificar se o sujeito é bondoso, se tem responsabilidades, ou ao contrário, se é extremamente perverso, entre outras características.

2.5 Motivos

Toda conduta humana é dotada de motivo, ou seja, de finalidade. Motivos do crime são as circunstâncias psicológicas que conduzem o indivíduo a prática criminosa ou de contravenções penais.

Dependendo da motivação do crime o agente pode obter maior ou menor quantidade de pena, dependendo da valoração que o magistrado dará na análise desta circunstância judicial. Dessa forma, os motivos do crime podem ser qualificados como positivos ou negativos. Segundo entendimento de José Antonio Paganella, tem-se que “aquele que age sob os influxos de sentimento altruísta (em defesa do bom nome da pátria, contra as ofensas irrogadas por um estrangeiro, por exemplo) há de sofrer censura mais branda em relação àquele que comete um crime por motivo relacionado à vingança, à libidinagem ou ao jogo, por exemplo. As dificuldades de toda ordem das populações marginais (de margem, de estar à margem), poderiam muito bem explicar (embora sem justificar, por evidente) a criminalidade patrimonial em países como o nosso, injustos e desiguais. A mesma coisa não poderíamos dizer tratando-se de ilícitos praticados por organizações criminosas, que seqüestram para levantarem fundos, para financiarem a execução de outros projetos ilícitos…”. (BOSCHI, 2004, p. 214).

As circunstâncias apresentadas até este momento foram as relacionadas com o sujeito, autor do delito, podendo mesmo ser consideradas circunstâncias subjetivas. As que serão analisadas na seqüência são as circunstâncias objetivas, pois estão relacionadas com o fato criminoso praticado, e não com o seu autor. No entanto, elas não são menos importantes que as primeiras, e vão possuir a mesma quantificação de pena, para aumentar a fixação ou a diminuição, se favoráveis, da pena-base a ser imposta ao réu.

2.6 Circunstâncias

As circunstâncias que envolvem o fato criminoso são os elementos acidentais, que não participaram diretamente da estrutura do tipo, embora estejam relacionados com a prática do delito. Quando a lei traz expressamente sua previsão, são consideradas circunstâncias legais, como acontece com as agravantes e as atenuantes. No entanto, quando são apenas mencionadas, devendo ser especificadas e analisadas pelo juiz, são chamadas de circunstâncias judiciais. “São os dados acidentais, secundários, relativos à infração penal, mas que não integram sua estrutura, tais como o modo de execução do crime, os instrumentos empregados em sua prática, as condições de tempo e local em que ocorreu o ilícito penal, o relacionamento entre o agente e o ofendido, etc. Não há lugar para a gravidade abstrata do crime, pois esta circunstância já foi levada em consideração pelo legislador para a cominação das penas mínima e máxima” (MASSON, 2008, p. 685).

Pode ser tratada como elemento residual, pois quando não houver sua previsão como agravante ou qualificadora do delito, o juiz tem a faculdade de considerá-la como circunstância judicial que, neste caso, seria melhor compreendida se fosse denominada de “particularidades do fato”.

2.7 Consequências do crime

As consequências do crime são importante fator de graduação da pena-base. Pode ser conceituada como o conjunto de efeitos danosos provocados pelo autor do delito, sobre a família da vítima, ou mesmo sobre a coletividade. Consequências do crime são “o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a conseqüência a ser considerada para fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhes um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito”. (NUCCI, 2007, p. 205).

2.8 Comportamento da vítima

É a ação da vítima que pode ter contribuído para a realização do crime por parte do agente. Muitas vítimas são consideradas, inclusive, vítimas colaboradoras para a concretização de práticas criminosas. Por exemplo, em uma cidade com muita violência, e onde o índice de roubos de carros é elevado, uma pessoa estaciona seu carro na rua, altas horas da noite, e o deixa com o som ligado, com os vidros abertos e com a chave na ignição do veículo, em uma região erma e desabitada, contribui, sobremaneira, para a efetivação do delito de furto.

3- CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA FIXAÇÃO DA PENA BASE

O magistrado, como foi dito ao longo deste trabalho, possui a função atribuída pelo Estado de julgar os infratores da lei penal, como garantia da ordem jurídica e da paz social.

Deste modo, durante todo trâmite do processo penal, possui condições de entender e de analisar de modo mais próximo a vida do acusado, bem como a prática criminosa que ocorreu, e que deu início à ação penal.

No momento da sentença, as provas já foram realizadas e o juiz formará sua convicção sobre a culpabilidade do agente. É a sentença, o momento adequado para o juiz decidir, de modo imparcial, sobre os elementos acarretados nos autos do processo.

Após o relatório, o magistrado irá condenar ou absolver o réu, sendo favorável ou não a denúncia realizada pelo representante do Ministério Público, nos casos de ação penal pública. No caso específico deste trabalho, que se refere principalmente à problemática da fixação da pena base, será focalizada a sentença penal condenatória, ou seja, a decisão que tem por objetivo a cominação de uma pena ao criminoso.

É muito comum a ocorrência na prática de sentenças condenatórias no mínimo ou no máximo legal, sem que haja a análise específica das circunstâncias judiciais, presentes no art. 59 do CP, ou das circunstâncias legais (agravantes e atenuantes, ou causas de aumento e diminuição de pena).

“É indispensável, sob pena de nulidade, a fixação da pena-base, com apreciação e fundamentação das circunstâncias judiciais, sempre que a pena for aplicada acima do mínimo legal”. (STF, RTJ 121101).

“O juiz deve demonstrar como chegou à pena que impôs e explicar como a individualizou (TACrSP, Julgados 8579, 85343), não sendo suficientes meras referências genéricas às circunstâncias abstratamente elencadas no art. 59 do CP (STF, HC 69.141, DJU 28.8.92, p. 13453).”

“A decisão condenatória deve deixar claro se o agravamento deu-se pela existência de circunstâncias legais ou judiciais (maus antecedentes). Não basta que o juiz afirme serem desfavoráveis as condições do art. 59, sendo necessário que destaque, motivadamente, os fatores que explicam o aumento da pena acima do mínimo (STF, RT 607396)”.

Em razão de toda esta polêmica, sugerimos a utilização de critérios objetivos para a fixação da pena base, isto é, será demonstrada como a fundamentação de cada circunstância judicial, no estudo da primeira fase de fixação da pena, pode ser realizada de maneira mais prática com o auxílio da matemática.

Primeiramente, deve o juiz verificar qual tipo penal cometeu o agente. No preceito secundário do tipo está disposta a pena mínima e a pena máxima possível para o delito. Deve então diminuir a pena máxima da mínima, assim, por exemplo, o art. 155, caput, pena, reclusão de 01 (um) a 04 (quatro) anos, portanto, deve o juiz trabalhar com o lapso temporal de 03 anos ao analisar as circunstâncias judiciais.

O rol do art. 59 do CP traz 8 (oito) circunstâncias judiciais, quais sejam: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias, consequências do crime e comportamento da vítima. Para que o juiz seja justo, para que sua sentença não possa ser questionada e anulada, deve proceder da seguinte forma: deve realizar a divisão de três anos (ou seja, 36 meses) por oito circunstâncias, o que dará o total de quatro meses e quinze dias para cada circunstância.

Portanto, se o agente tiver apenas uma circunstância judicial desfavorável, sua pena será de 1 (um) ano, pois esta é a pena mínima, mais 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias, logo, sua pena será de um ano, quatro meses e quinze dias. Se, por acaso, todas as circunstâncias lhe forem desfavoráveis sua pena será a máxima, ou seja, quatro anos.

Este sistema é prático e fácil de ser utilizado, e agindo deste modo, além de analisar cada circunstância judicial isoladamente e determinar quais são favoráveis ou não ao réu, estaria o juiz, essencialmente, respeitando o princípio da individualização da pena, e também fundamentando e motivando sua decisão de forma eficaz.

Obviamente que, no caso concreto, outras situações podem surgir como a existência, dentro no mesmo processo, no momento de fixação de pena base, de circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao réu, e neste caso, deve o juiz equilibrar uma a outra e anulá-las, ou seja, suponhamos que seja desfavorável ao réu, a culpabilidade e os antecedentes, mas são favoráveis o comportamento da vítima e os motivos; neste caso, cada circunstância favorável, anula uma desfavorável, e procede-se na realização do cálculo.

Pode acontecer também de o magistrado não ter informações suficientes para aprovar ou desaprovar a conduta do acusado, ou a sua personalidade, o que, na maioria das vezes acontece, devendo o mesmo simplesmente não se manifestar. Isto é, como não possui meios de conhecer a personalidade do réu, por exemplo, não pode considerar tal circunstância nem favorável e nem desfavorável a ele.

A tese adotada por alguns doutrinadores de que se todas as circunstâncias forem favoráveis ao réu deve-se aplicar a pena no mínimo legal; mas se nem todas forem favoráveis, aplica-se a pena um pouco mais elevada, é falha. Neste caso, resta perguntar: o que é pena mais elevada? Qual fração de pena deve ser aumentada se houver circunstâncias desfavoráveis ao réu, um quarto ou um terço?

Sem a utilização de um critério rígido, claro, que pode ser compreendido por todos, aquelas perguntas não podem ser respondidas. Com a utilização da discricionariedade pelo juiz, existirão inúmeras repostas a tais questões, o que gera a instabilidade do poder judiciário e o abalo na confiança da realização da justiça.

Se não houver critérios objetivos para a fixação da pena, tanto o acusado, como a Defensoria Pública, como até mesmo o Ministério Público ficam perdidos, sem entender qual o critério adotado pelo juiz na fixação da pena base. Não existindo, portanto, a segurança jurídica que deveria existir no Poder Judiciário, principalmente quando se trata da liberdade do indivíduo.

3. CONCLUSÃO

Ao tratarmos do direito de punir do Estado, devemos considerar sobretudo que o indivíduo que delinquir terá sua liberdade cerceada por meio da imposição de uma pena, que será determinada ao longo de um processo penal onde deverão incidir inúmeros princípios e garantias constitucionais ao acusado.

O processo penal só será legítimo, se houver o respeito ao princípio do devido processo legal, da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, entre outros. Para que o processo possa ser considerado justo, o juiz deve respeitar todas as suas fases, oferecendo as mesmas condições ao Ministério Público e a Defesa (princípio do contraditório), e deverá atuar com imparcialidade.

Pode-se perceber que ao julgar, o juiz não tem uma tarefa nada fácil nas mãos. Sua função é extremamente dificultosa e são complexas as fases do processo até se chegar à sentença. O juiz, ao julgar o infrator, está determinando a vida de uma pessoa, que violou uma norma social, e que deverá cumprir a pena para não mais voltar a delinquir e para se ressocializar.

O ordenamento jurídico constitucional inseriu o infrator da lei penal, submetido a uma acusação criminal, como destinatário de inúmeras garantias, que são verdadeiros dogmas, de observância obrigatória, em um Estado Democrático de Direito que considera o princípio da dignidade da pessoa humana como valor supremo e fundamental.

O juiz, no momento em que elabora a sentença, e começa a realizar a aplicação da pena, deve inicialmente, fixar a pena base para, posteriormente, fazer a análise das circunstâncias atenuantes e agravantes, para somente ao final, realizar a análise das causas gerais e especiais de aumento e diminuição da pena.

O seu primeiro passo é a fixação da pena base. E por isso, deverá proceder corretamente na análise das circunstâncias judiciais do art. 59, e realizar um cálculo matemático para determinar, no âmbito da pena mínima e máxima, abstratamente cominadas, qual a fração temporal que a cada circunstância corresponderá.

Por fim, cumpre ressaltar que o magistrado deve respeitar todas as etapas do sistema trifásico da dosimetria da pena, devendo sempre, em todas as situações, fundamentar a pena, já que este é um preceito constitucional fundamental e garantia do cidadão. Sentenças que não tenham a devida fundamentação com relação a aplicação da pena, por atingir direito básico de todos, que é a liberdade, deverão ser consideradas absolutamente nulas, jamais podendo ser admitidas em um Estado Democrático, que zela pelos valores fundamentais trazidos no bojo da Constituição Federal.

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Mariana Lemos de Campos

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