Crimes eleitorais e suas penas na legislação brasileira

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Priscila C.Albergoni Paixão Calovi.1

Adilson de Assis Pereira2

Heraldo Felipe de Faria3

 

Sumário:1 – Introdução; 2 – Considerações de Administração Eleitoral; 3 – Crimes Eleitorais e sedes materia; 4 – Natureza jurídica e classificações do crime eleitoral; 5 – delito eleitoral; 6 – Classificações e sujeitos do crime eleitoral; 7 – Culpabilidade do agente; 8 – Consumação e tentativa; 9 – As penas e o processo penal nos crimes eleitorais; Conclusão; Referências Bibliográficas.

 

Resumo: Esta pesquisa tem finalidade de analisar os delitos e as penas no processo eleitoral, no âmbito do Direito Eleitoral Penal. O objeto de pesquisa será voltado para o crime eleitoral. Trata-se de tema polêmico e complexo, mas pouco aventado na literatura jurídica. Estudaremos preliminarmente,a Administração Pública Eleitoral no Brasil e seu tratamento em nossa Constituição Federal.

Abordaremos também com relação a localização da matéria, os possíveis sistemas legais. Adentraremos brevemente na questão da natureza jurídica dos delitos eleitorais em face do bem jurídico tutelado pelo Estado, sua definição e classificação.

O presente trabalho também apresentará referência sobre os sujeito ativo e passivo do delito eleitoral, da culpabilidade do agente e, ainda, a possibilidade de existência de crimes eleitorais tentados. Faremos também breves comentários com relação a enumeração dos crimes, suas penas e a ação penal cabível na lei federal.

Por fim, concluiremos, com o nosso sentir, a respeito do tratamento dado aos crimes eleitorais, como inclusos na criminalidade moderna, que atentam contra a Administração Eleitoral, em especial à moralidade e probidade dos serviços eleitorais, a lisura dos documentos e resultados do certame eleitoral, a boa ordem dos trabalhos de apuração e fiscalização do processo eleitoral, a liberdade e sigilosidade do voto, os partidos políticos entre outros direitos eleitorais positivados no presente Estado Democrático de Direito.

Palavra Chave: crimes eleitorais, classificações dos crimes, delito eleitoral.

 

Abstract: The presented work has purpose to analyze the delicts and the penalties in the electoral process, in the scope of the Criminal Electoral law.

The research objective will be come back toward the electoral crime.

One is about controversial and complex subject, but little spoken in legal literature. We will study preliminarily, the Electoral Public Administration in Brazil and its treatment in our Federal Constitution. We will also approach as relation the localization of the substance, the possible legal systems.

Also briefly in the question of the legal nature of the electoral delicts in face of the legally protected interest tutored person for the State, its definition and classification.

The present work also will present referncia on the active and passive citizen of the electoral delict, the culpability of the agent and, still the possibility of existence of electoral crime.

We will make commentaries with regard to enumeration of the crimes, its penalty and the criminal action cabivel in the federal law. Finally, we will conclude, with ours to feel, regarding the treatment given to the eletorais crimes, as enclosed in modern crime, that attempt against against the Electoral Administration, in special to the morality and probity of the electoral services, the documents and results of the electoral one, aliberdade and secrecy of the vote, the political parties among others positivados electoral laws in the Been gift Democratic of right.

Key – Work: electoral crime , classification crime, electoral delicts.

 

1 . Introdução

O Direito Eleitoral, ramo autônomo do Direito Público, vem suprir essa necessidade de normatização das condutas humanas em face do processo eleitoral . É, em seu sentido formal, o conjunto de regras e princípios próprios, que regulam todo o processo eleitoral. Em seu aspecto material, é o direito do eleitor e do candidato, direito de garantia do exercício ativo e passivo do sufrágio , no sentido de participar dos negócios políticos do Estado. Ganha notoriedade a sua interdisciplinaridade com os demais ramos do sistema, em especial, o Direito Constitucional, Administrativo, o Direito Penal e Processual Penal .Vamos nos ater, aqui, a esse último aspecto, material e formal: o penal. Quando as normas do Direito Eleitoral não forem suficientes para intimidar ou reparar as ameaças ou lesões ao processo eleitoral, ou seja, quando fracassarem as regras e princípios eleitorais, desponta o Jus Puniendi Estatal capaz de garantir a coação e coerção mais severas contra tais comportamentos, necessárias à tutela dos interesses do povo.

Como disse o penalista Tobias Barreto , o direito de punir é uma necessidade imposta ao organismo social por força do seu próprio desenvolvimento. A complexidade e gravidade dos ilícitos penais eleitorais, portanto, requerem uma drástica e pronta resposta do Estado: a repressão penal. Há, pois, um Direito Penal Eleitoral ou Direito Eleitoral Penal, que consiste no conjunto de normas reguladoras de condutas antijurídicas que impõe uma sanção penal aos criminosos, aos que perturbam e ofendem, por seus comportamentos a democracia, a representação e o Estado de Direito.

O tema dos delitos eleitorais é polêmico, complexo e atual, e pouco aventado na literatura jurídica. Buscaremos, preliminarmente, estudar a Administração Pública Eleitoral no Brasil, em sua evolução constitucionalista. Sobre a localização da matéria, discutiremos os possíveis sistemas legais. Em seguida, enfrentaremos a questão da natureza jurídica dos delitos eleitorais em face do bem jurídico tutelado pelo Estado, sua definição e classificação. O leitor ainda encontrará referência aos elementos dos tipos penais em questão, suas penas e a ação penal cabível na Lei Federal.

 

2 . Considerações de administração eleitoral

Segundo precisa definição de NELSON HUNGRIA, in verbis:

“Administração pública é a atividade do Estado, de par com a de outras entidades de direito público, na consecução de seus fins, quer no setor do poder executivo (administração pública no sentido estrito), quer no do legislativo ou do judiciário.” 4

No mesmo sentido, HELENO CLÁUDIO FRAGOSO assevera que, em Direito Penal, não se deve tomar a acepção de Administração Pública, no sentido técnico e estrito, isto é, como conjunto de órgãos do Poder Executivo realizando serviços públicos, mas a lei penal considera a, “atividade funcional do Estado em todos os setores em que se exerce o Poder Público (com exceção da atividade política).” 5

Em matéria criminal, o conceito de Administração Pública vem sendo entendido em sentido mais amplo, compreendendo a totalidade de atividades do Estado e de outros entes públicos na consecução do bem-estar da sociedade. Engloba, portanto, as atividades administrativas (sentido estrito), legislativas e judiciárias em prol do desenvolvimento social.

Logo, à luz do Direito Penal, na noção de Administração Pública, que é gênero, insere-se a espécie Administração Eleitoral. Esta deve ser entendida, então, como o conjunto de órgãos responsáveis pela proteção da soberania popular exercida através do sufrágio universal e do voto direto e secreto com valor igual para todos (art. 14 da CF), bem como pelo alistamento eleitoral, registro dos candidatos, fiscalização da propaganda política, organização da votação, apuração e diplomação dos eleitos.

Insere-se também na competência da Administração Eleitoral o processamento e julgamento das ações iniciais e dos recursos eleitorais (art. 121, §§ 3º e 4º) e, a nosso sentir, a apuração, processamento e julgamento dos crimes eleitorais.

A administração da Justiça Eleitoral no Brasil, atualmente, cabe ao Poder Judiciário, por força de determinação constitucional, sendo os seus órgãos: o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais.6

A Constituição Cidadã não assentou, expressamente, o Ministério Público Eleitoral, mas a legislação infraconstitucional, ressalvou ao Ministério Público Federal o exercício dessa função, tendo ao seu lado os Ministérios Públicos Estaduais.

 

 

3 . Crimes eleitorais e sedes materia

A localização da matéria é questão sem controvérsias no complexo objeto ora analisado. A nosso ver, ela poderá se situar de acordo com três diferentes sistemas que justificam a colocação das regras penais em matéria de eleição quer na lei penal, quer no código respectivo. Há dois sistemas que se contrapõem e um terceiro, misto, que procura amalgamar aqueles outros.

Preliminarmente, o sistema que enseja a autonomia do Direito Penal. Os delitos na eleição – por serem espécie de uma conduta típica, antijurídica e culpável – pertencem ao âmbito do Jus Puniendi e, portanto, toda a matéria deveria estar contida nos Códigos Criminais. Às leis penais é que cabe conceituar o comportamento proibido do agente, sancionando-as em face das penas elencadas no rol do Codex Poenale.

Historicamente, depreende-se que o legislador brasileiro não regulou os delitos na eleição em sede de Código Penal. Após a Proclamação da República do Brasil, elaborou-se um novo Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890) que nada disciplinou sobre os crimes eleitorais. A Consolidação das Leis Penais (Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932) manteve, literalmente, o sistema e os tipos anteriores, sem igualmente tangenciar sobre os delitos eleitorais. O Código Penal brasileiro, de 7 de dezembro de 1940, cuidou em último lugar da matéria dos “Crimes contra a Administração Pública” (praticados por funcionário público contra a administração em geral; praticados por particular contra a administração em geral; crimes contra a administração da justiça).

FRANCISCO CAMPOS, na Exposição de Motivos da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848/40, relata que várias foram a inovações introduzidas, no sentido de suprir omissões ou retificar fórmulas da legislação vigente, até então injustificadamente deixadas à margem da nossa lei penal. Entretanto, na versou dos ilícitos penais nas eleições.

A preocupação remonta ao Código Eleitoral de 1932 (arts. 107 e 109), e a partir daí o legislador passou a elencar as disposições penais referentes aos crimes eleitorais nos demais códigos subseqüentes, atendendo as peculiaridades do instituto. Assim passou-se ao Código Eleitoral de 1935 (arts. 183 e 184) e ao Código Eleitoral de 1950 (art. 175).

A segunda corrente é a da autonomia legislativa, isto é, a lei geral sobre eleições é que tratará dos delitos dessa espécie, porque há manipulação de princípios e conceitos da seara do Direito Eleitoral no que pertine ao instituto do procedimento eleitoral. É, a nosso sentir, a maneira adequada de locar os delitos eleitorais, seja em virtude da facilidade do seu manuseio e interpretação, seja porque constituem infrações ao Código Eleitoral.

Sem embargos, os casos e penas, portanto, devem estar contextualizados na lei própria. PAULO JOSÉ DA COSTA JR. comentando o encerramento da Parte Especial do Código Penal leciona que se consagrou, nesse subsistema, o princípio lex specialis derrogat legem generalem. E finaliza: “é o único daqueles que regulamentam o concurso aparente de normas penais que obteve consagração legislativa”.7

MAGALHÃES NORONHA defende – acertadamente – a tese de que um Código Penal – caracteristicamente rígido e inflexível – não pode tratar de todas as condutas delituosas.8 Com efeito, há aqueles tipos que possuem caracteres próprios (efeitos, conseqüências, sujeitos ativo e passivo, bem jurídico, prescrição etc.) que, por uma questão de Política Criminal, revela-se inconveniente discipliná-los, homogeneamente, num único Diploma Criminal.

A Parte Especial acolheu a previsão da Legislação Especial, precisamente no art. 12 estabelecendo que “as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”. As normas gerais do Código Penal incidem se as específicas versarem igualmente. Se existir conflito (aparente) prevalece as específicas porque mais aptas a tratar do fato incriminado. PAULO JOSÉ DA COSTA JR. justifica, “para que não seja violado o princípio do ne bis in idem, somente uma norma irá regulamentar efetivamente a hipótese fática” e “será inadmissível, num sistema jurídico penal que se propõe seja harmônico, a existência de normas contraditórias.”9

JOEL JOSÉ CÂNDIDO dissertando sobre o tema, explica a aplicação subsidiária do Código Penal vigente, ex vi do art. 287 do Código Eleitoral, ao positivar que as regras gerais da Lei Criminal se aplicam aos fatos incriminados na Lei Eleitoral. Para o autor gaúcho, “essa aplicação haverá de ser, então, subsidiária e supletivamente, ou seja, só quando não houver disposição eleitoral em sentido contrário, expressa ou implicitamente, a exemplo do que dispôs, relativo à parte processual penal, o art. 364 do Código Eleitoral. É a adoção do Princípio da Aplicação Subsidiária do Código Penal aos crimes eleitoral.” 10

É a jurisprudência do Tribunal Regional do Estado de São Paulo:

“O Código Penal é fornecedor dos princípios e normas gerais aplicáveis aos crimes eleitorais, quanto ao concurso de delitos; co-autoria; delimitação da impossibilidade; causas excriminantes e justificativas; fixação de penas; circunstâncias agravantes e atenuantes; e causas extintivas de punibilidade. É o Código Penal uma das fontes do Direito Eleitoral, como o são outros ramos do Direito. Daí o art. 287 do Código Eleitoral socorrer-se, expressamente, das regras gerais do Código Penal” (TRE – SP – RC 111.786 – Rel. Des. ALBERTO MARIZ).

Atualmente, a matéria está regulamentada no Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), reservando no Título IV – Disposições Penais, e em capítulos distintos as disposições preliminares (arts. 283-288), os crimes eleitorais (arts. 289-354) e sobre o processo das infrações (arts. 355-364).

Transfere-se, assim, a disciplina penal dos delitos eleitorais do Codex Poenale para o diploma legal próprio. É de se observar a enorme quantidade de tipos penais elencados no atual Código Eleitoral 65 (sessenta e cinco) delitos. Some-se a essas disposições, as referentes em leis extravagantes, isto é, outras leis eleitorais editadas posteriormente, versaram sobre outros comportamentos antijurídicos, diversos dos do Código Eleitoral, ou mesmo repetindo-os, adaptando-se, pois às necessidades e peculiaridades de dado momento histórico, às ideologias e tecnologias palco daquelas eleições. São elas: Lei nº 6.091, de 15 de agosto de 1974, Lei nº 6.996, de 7 de junho de 1982, Lei nº 7.021, de 6 de setembro de 1982, Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 e, finalmente, Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, sintomaticamente epigrafada de “Lei das Eleições”.

Com efeito, é necessidade imperativa atualizar as figuras penais constantes nesses diplomas, no sentido de adaptá-las à modernidade que se desdobra a cada dia, como, por exemplo, na informatização eletrônica das eleições. Com esses desenvolvimentos tecnológicos o Direito deverá estar par-e-passo, e aí se insere o Direito Penal, como instrumento especial de proteção dos bens jurídicos escolhidos pelo Estado Democrático de Direito como essenciais à participação dos cidadãos na vida política da Nação.

Por fim, o terceiro sistema, de natureza mista, é uma tentativa de amalgamento dos anteriores, combinando o Código Eleitoral e o Codex Poenale: o primeiro descrevendo as condutas antijurídicas do sujeito ativo, delegando à segunda as conseqüências penais. A lei das eleições apenas enumera o delito, cabendo à lei penal determinar as providências penais e o processo criminal, isto porque são questões penais e não administrativas. Com efeito, essa dúbia posição geográfica dos delitos eleitorais traz, a nosso entender, palpável confusão e dificuldade na prática dos operadores do Direito (magistrados, promotores, advogados, estudantes).

 

 

4 . Classificações dos crimes eleitorais e Natureza jurídica

Crimes eleitorais são todas as ações proibidas por lei praticadas por candidatos e eleitores, em qualquer fase de uma eleição. Desde o alistamento eleitoral até a diplomação dos candidatos, as infrações serão punidas com detenção, reclusão e pagamento de multa, previstas no Código Eleitoral e em outras leis.

Discute-se e se controverte a respeito da natureza jurídica dos delitos eleitorais. Com efeito, o problema da natureza jurídica de certa classe delituosa é também o de definir o bem jurídico protegido pelo Estado, importante no sentido de garanti-lo e limitar o poder punitivo.

É bem jurídico tudo aquilo que é importante para a sociedade, tutelado pelo Estado a fim de se proteger os princípios constitucionais que, na moderníssima lição de URS KINDHÄUSER, “salvaguardam o indivíduo no sentido de sua participação igualitária na interação social.”11 .

O objeto material do delito é um dado positivo a ser tratado pelo direito, é uma pessoa ou coisa contida, explícita ou implicitamente na figura legal. Os crimes eleitorais têm como objetos materiais, portanto, o processo eleitoral.

O objeto jurídico é o objeto de ataque, sobre o qual recai a proteção da norma jurídica e que por isso depende de um juízo axiológico de ordem jurídica. É o bem ou interesse tutelado pela norma penal e, assim, particularmente, nas Leis Eleitorais, caberá a análise de cada tipo penal, portanto, para se determinar a objetividade jurídica dos mesmos.

São várias as classificações dadas aos delitos nas eleições, até porque o sistema penal da lei não autoriza a classificação uniforme desses crimes, não estabelecendo o Código Eleitoral nenhum critério, o que constitui interesse meramente doutrinário. Segundo o jurista FÁVILA RIBEIRO, a classificação dos delitos eleitorais,

“tarefa que se revela sobremodo difícil dado que as categorias delituosas nem sempre se ajustam comodamente aos esquemas propostos, pois várias são as hipóteses que apresentam aspectos complexos, irradiando-se de uma para outra direção, tendo-se de determinar os pontos preponderantes.” 12

Adotaremos a doutrina de JOEL J. CÂNDIDO em face da didática e versatilidade de sua classificação.13 Assim, o autor subdivide os delitos nas eleições quanto à objetividade jurídica das normas legais eleitorais, ou seja, põe em relevo o objeto de ataque, o bem ou interesse tutelado pela norma penal:

a) crimes contra a organização administrativa da justiça eleitoral;

b) crimes contra os serviços da justiça eleitoral;

c) crimes contra a fé pública eleitoral;

d) crimes contra a propaganda eleitoral;

e) crimes contra o sigilo e o exercício do voto;

f) crimes contra os partidos políticos.

 

 

5. Delito eleitoral

Com efeito, existem comportamentos humanos não queridos pela ordem estatal, porque se constituem em ilícitos jurídicos. Estes, por sua vez, podem variar em diferentes graus quanto à lesividade e imoralidade, possuindo administração Pública sanções próprias capazes de assegurar a reparação e prevenção de ilícitos administrativos. Contudo, casos mais graves há que demonstram maior repugnância porque maior a imoralidade e prejudicialidade.

O Direito Penal toma pra si, então, essas condutas humanas que representam uma maximização em relação às espécies de ilícitos administrativos. Esta separação entre os ilícitos administrativos e os ilícitos penais, pondera NELSON HUNGRIA, “atendem a critérios de conveniência e oportunidade, afeiçoados à medida do interesse da sociedade e do Estado, variável no tempo e no espaço.”14

Tais são os ilícitos penais contra a Administração Eleitoral. São condutas injurídicas que afetam mais grave e diretamente o interesse público, no sentido de impedir ou turbar o regular desenvolvimento do processo eleitoral na consecução da soberania popular através do direito ao sufrágio, chancelando-as como não queridas pelo ordenamento jurídico a partir da cominação da severa sanção criminal: a pena. Dessarte, os delitos contra o processo eleitoral são de maior entidade e reclamam a severidade da pena criminal e, pois, submissão do agente ao vexatório strepitus judicii.

A gravidade dos ilícitos penais eleitorais requerem uma drástica e pronta resposta da situação: a repressão penal. Quando os demais ramos do Direito mostrarem-se incapazes de dar a devida proteção, esses comportamentos serão regulados, portanto, no âmbito do Direito Eleitoral Penal.

CLÁUDIO BRANDÃO leciona que há duas formas de se conceituar o crime.15

Primeiro, criminologicamente (v.g. FERRI, GAROFALO), utilizando uma lógica empírica, ou seja, à luz de um juízo de ser (sein), o que para o Jurisconsulto se demonstra inadequado para o estudo dos crimes em espécie, o que afastamos de plano, portanto. E há o conceito jurídico, realizado a partir de uma lógica normativa, isto é, à luz das normas jurídicas, num juízo de dever-ser (sollein), e que se subdivide quanto ao bem jurídico protegido (conceito jurídico substancial) 16 e quanto aos elementos constantes na lei (conceito jurídico formal).17

Logo, materialmente, temos que o crime eleitoral é a violação ou exposição a perigo da Administração Eleitoral, da fé pública eleitoral, da propaganda eleitoral, dos partidos políticos, e do sufrágio.

Para HANS WELZEL, melhor é reproduzir-lhe as palavras:

una acción tiene que infringir, por conseguinte, de un modo determinado el ordenamento el orden de la comunidad, tiene que ser “típica” y “antijuridica”, y susceptible de ser reprochada al autor como persona responsable, tiene que ser “culpable”. La tipicidad, la antijuridicidad y la culpabilidad son los tres elementos que convierten una acción en un delito.” 18

Esse conceito (jurídico-formal) tripartido – diz o Professor de Direito Penal da Universidade de Bonn – afiança um alto grau de racionalidade e expurga do sistema possíveis contradições e arbitrariedades.

Formalmente, o crime eleitoral é o resultado de toda ação ou omissão reprovável prevista e descrita nas Leis Eleitorais – exigência do princípio liberal da legalidade penal.

Os principais crimes eleitorais são:

– Corrupção eleitoral ativa: oferecer dinheiro, presente ou qualquer vantagem para o eleitor em troca de voto, ainda que a oferta não seja aceita; Corrupção eleitoral passiva: pedir ou receber dinheiro, ou qualquer vantagem, em troca do voto; Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos; Fornecer alimentação ou transporte para eleitores, desde o dia anterior até o posterior à eleição (somente a Justiça Eleitoral poderá realizar transporte de eleitores); Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais; Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justificativa; Utilizar serviços, veículos ou prédios públicos para beneficiar a campanha de um candidato ou partido político; Votar ou tentar votar mais de uma vez, ou em lugar de outra pessoa; Violar ou tentar violar os programas ou os lacres da urna eletrônica; Causar propositadamente danos à urna eletrônica, ou violar informações nela contidas; Destruir ou ocultar urna contendo votos ou documentos relativos à eleição; Fabricar, mandar fabricar e fornecer (ainda que gratuitamente), subtrair ou guardar urnas, objetos ou papéis de uso exclusivo da Justiça Eleitoral; Alterar, de qualquer forma, os boletins de apuração; Falsificar ou alterar documento público ou particular para fins eleitorais; Fraudar a inscrição eleitoral, tanto no alistamento originário quanto na transferência do título de eleitor; Reter indevidamente o título eleitoral de outra pessoa.

 

 

6. Sujeitos do crime eleitoral

O sujeito ativo do crime, leciona ROQUE DE BRITO ALVES, é aquele que realiza a conduta objeto da norma penal incriminadora, descrita ou proibida pela lei penal.19 É a pessoa física que pratica ação ou omissão típica, antijurídica e culpável que viole ou exponha a perigo bem jurídico, e sobre o qual recai a pena, conseqüência natural do crime.

Sujeito passivo é – na lição do Professor recifense – o titular de um determinado bem ou interesse tutelado ou protegido pela norma penal que é violado ou ameaçado pelo fato punível.20 É a pessoa física ou jurídica que sofre a conduta delituosa e que, portanto, não pode ser simultaneamente agente, podendo ser imediato ou mediato.

Atendendo a classificação ora adotada, passemos, preliminarmente, aos crimes contra a organização administrativa da Justiça Eleitoral. Os ilícitos penais cometidos contra os órgãos eleitorais do art. 118 da CF ofendem a administração eleitoral, sua organização e serviços, patrimônio e segurança, bem como a regularidade da votação, a licitude e a moralidade do processo eleitoral. Os agentes poderão ser qualquer pessoa física (arts. 305, 310, 311 e 340, todos do CE), os mesários (arts. 306, 310 e 318, todos do CE). Os sujeitos passivos imediatos (formais) serão o Estado, titular do bem jurídico “Administração Eleitoral”; sujeito passivo mediato (material), a coletividade, turbada no seu interesse de preservação e manutenção da moralidade eleitoral e da regularidade do processo eleitoral.

Os crimes que atentam contra os serviços da Justiça Eleitoral, a nosso sentir, podem ser inclusos na classificação anterior, constituindo-se meras subespécies dos crimes contra a Administração e a Justiça Eleitoral. Essas condutas criminosas causam danos ou ameaçam de lesão os serviços de inscrição eleitoral, compreendendo esta o alistamento eleitoral que, segundo a lição de JOEL CÂNDIDO constitui a qualificação do indivíduo perante a Justiça Eleitoral, viabilizando o exercício da soberania popular através do voto, consagrando-se, por conseguinte a cidadania.21

Igualmente, são objetos de ataque a tranqüilidade e segurança dos serviços eleitoreiro, seus bens e a normalidade no funcionamento adequado e eficiente. Os sujeitos ativos desses crimes serão qualquer pessoa física (arts. 289, 290, 293, 296, 303, 304, 344, 346, 347, todos do CE e art. 11, incisos I, II, III e II, da Lei nº 6.091/74), somente o juiz eleitoral (arts. 291, 292, 343, todos do CE), o juiz eleitoral e os servidores da Justiça Eleitoral (arts. 345, 114, parágrafo único, do CE), o Ministério Público (art. 342 do CE), os mesários (art. 120, § 5º, do CE), os servidores do órgão oficial de imprensa (art. 341 do CE), os oficiais dos Cartórios e Registro Civil e seus funcionários (art. 17, § 3º; art. 47, § 4º; art. 68, § 2º, todos do CE) e candidatos (art. 11, inciso V, parágrafo único, da Lei nº 6.091/74). Os sujeitos passivos imediatos (formais) será o Estado, titular do bem jurídico “Administração Eleitoral”; vítima mediata (material), os eleitores, turbados no seu interesse de preservação e manutenção da probidade do processo eleitoral.

Os crimes contra a fé pública eleitoral estão disciplinados em tipos que protegem a lisura dos documentos e resultados do certame eleitoral, a boa ordem dos trabalhos de apuração e fiscalização do processo eleitoral, o direito de protesto das partes. Os agentes serão, via de regra, os juízes eleitorais e os membros das juntas eleitorais (art. 174, § 3º, e art. 316 do CE), qualquer pessoa física (arts. 316, 348 e 354 do CE). As vítimas dessas ações típicas, antijurídicas e culpáveis são imediatamente, o Estado, titular do bem jurídico “Administração Eleitoral”; vítimas mediatas os eleitores, candidatos e partidos políticos, turbados no seu interesse de manutenção e fiscalização do legal processo eleitoral. Enquadram-se ainda nesse rol de delitos os tipos do Código Eleitoral constantes dos arts. 349, 350, 352 e 353. JOEL CÂNDIDO diz que há absoluta identidade de tipo, respectivamente, com os arts. 298, 299, 300 e 304 do Código Penal, diferenciando-se, todavia, a finalidade especial (eleitoral) daqueles.22

Nos delitos contra o sigilo e o exercício do voto temos, como objeto de tutela do Direito Penal Especial, o instrumento pelo qual o cidadão exerce o direito ao sufrágio: o voto, especialmente nos seus atributos constitucionais de liberdade e sigilosidade (art. 14 da CF). São sujeitos ativos dos delitos eleitorais qualquer pessoa física (arts. 295, 297, 298, 299, 301, 307, 309, 312, 317 e 339, todos do CE), os juízes eleitorais (art. 135, § 5º, do CE), os servidores públicos da Justiça Eleitoral (art. 300 do CE) e os mesários (art. 308 do CE). É sujeito passivo, imediato, o Estado, titular do bem jurídico “Administração Eleitoral”; vítimas mediatas os eleitores ante a tentativa ou dano efetivo no seu interesse de resguardar o seu direito público subjetivo ao voto secreto, livre, igualitário e pessoal.

Por fim, quanto aos crimes cometidos ou tentados contra os partidos políticos. O objeto de ataque são os partidos políticos, pessoas jurídicas de Direito Privado interno, importantíssimas para existência e conservação de uma verdadeira Democracia.

A ação humana criminosa se dirige, pois, à formação, filiação, organização entre outros direitos constitucionalmente assegurados às agremiações políticas. Os sujeitos ativos dos delitos contra os partidos políticos podem ser qualquer pessoa (arts. 320 e 321 do CE), o eleitor (arts. 319 e 320 do CE) e, particularmente, no delito de preterição à prioridade postal, os empregados públicos da empresa de serviço postal nacional (art. 338 CE). É sujeito passivo, imediato, o Estado, titular do bem jurídico “Administração Eleitoral”; vítimas mediatas dos partidos políticos, candidatos e eleitores em face dos seus interesses e direitos constitucionais elevados à cláusula pétrea no art. 17, incisos I a IV e §§ 1º ao 4º, da Carta Cidadã.

O Professor ROQUE DE BRITO ALVES traz-nos a constatação de que o fenômeno da entidade criminosa una pode ser cometida por várias pessoas ou agentes, tendo como liame psicológico entre os delinqüentes a possibilidade, com maior certeza ou segurança, do êxito da execução e consumação do crime, a existência de mais de uma pessoa interessada na prática da infração penal e assegurar a impunidade da empreitada criminosa da atividade comum delituosa.23

Não há como afastar a possibilidade do concurso de agentes nessa espécie de delito, isto é, da co-autoria e da participação criminosa (societas sceleris ou societas in crimine), o que não é incomum, vez que muitas vezes se faz mister ao sucesso da fraude licitatória uma intricada e organizada rede criminosa.

A regra geral do concurso de pessoas está definida no Código Penal, ao lado das circunstâncias incomunicáveis e dos casos de impunibilidade. Assim, quem, de qualquer modo, concorre para o crime eleitoral incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade (art. 29 do CP), não se comunicando as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, se quando elementares do crime (art. 30 do CP). O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis se o crime não chega, pelo menos a ser tentado (art. 31 do CP).

 

 

7. Culpabilidade do agente

Cumpre observar que o crime eleitoral, de acordo com a lei, só existe na modalidade dolosa, variando as penas conforme a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime. 24

A lei federal não declarou, expressamente, em seu texto a punibilidade do crime eleitoral a título de culpa. Esta é a regra geral a ser seguida pelas leis especiais porque positivada no Código Penal Brasileiro: salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente (parágrafo único, art. 18 do CP).

ANÍBAL BRUNO conceitua culpa como a prática voluntária, sem atenção ou o cuidado devido, de um ato do qual decorra um resultado definido na lei como crime, que não foi querido nem previsto pelo agente, mas que era previsível. 25

Logo, nessa modalidade menos grave, a punibilidade só é exigida quando a lei descrever como criminosa a ação (ou omissão) somente quista pelo agente e não também o resultado antijurídico, mas sobrevindo este pela imponderação de sua conduta.26

Ninguém poderá ser condenado por crime eleitoral culposo, porque não existe expressa previsão, no Código Eleitoral e legislação infraconstitucional a título de culpa.

Todos os crimes lá capitulados, se cometidos, são dolosos uma vez que o agente quis o resultado (dolo direto) ou assumiu o risco de produzi-lo (dolo eventual).

 

 

8. Consumação e Tentativa

Quanto à consumação dos crimes eleitorais, não há dúvidas, é facilmente apreensível. Em relação à tentativa desses crimes há que se considerar cada tipo penal isoladamente.

Os crimes podem ser classificados quanto à sua completa realização, em tentados e consumados. Diz-se o crime consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal, e tentado é aquele em que se iniciou a execução, mas o delito não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente.

RAÚL EUGÊNIO ZAFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI ensinam que, “No delito doloso não se pune apenas a conduta que chega a realizar-se totalmente ou que produz o resultado típico, pois a lei prevê a punição da conduta que não chega a preencher todos os elementos típicos, por permanecer numa etapa anterior de realização.” 27

HANS WELZEL define a tentativa, in verbis:

“es la concreción de la decisión de realizar un crimen o delito através de acciones que constituyen un comienzo de ejecución del delito (§ 43). El tipo objetivo no está plenamente cumplido en la tentativa. En cambio, el tipo subjetivo debe existir completamente y, por cierto, en la misma forma como debe ser en el delito consumado.” 28

Conclui o Jurisconsulto que, se basta para a consumação o dolo eventual, então basta, também, para a tentativa. Dessa forma, se não existe tentativa sem intenção criminosa, é forçoso concluir que toda tentativa é dolosa. A tentativa requer o dolo, sendo este o mesmo dolo do delito consumado.

PAULO JOSÉ DA COSTA leciona que, além das contravenções, os crimes culposos (não-intencionais) e preterintencionais (além da intenção) não admitem a forma tentada, tampouco pode ser vislumbrada nos crimes unissubsistentes (qui uno actu perficiuntur), que não permitem o fracionamento do momento executivo do delito, ao contrário dos crimes plurissubsistentes, onde a conduta se desdobra em vários atos.29

Seguindo esse raciocínio, entendemos haver a possibilidade de um crime eleitoral doloso não se realizar completamente, ou seja, não terminar plenamente, falhar, porque não reuniu todos os elementos do tipo por circunstâncias alheias à vontade do agente, embora haja iniciada a execução.

A punição do crime tentado – salvo disposição em contrário – é a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços e, regra geral, não se pune quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime (tentativa inidônea ou crime impossível). 30

 

 

9. As penas e o processo penal nos crimes eleitorais

A fixação dos limites máximo e mínimo da pena privativa de liberdade, bem como a de multa, estipuladas na parte geral do Código Eleitoral é diversa daquela estabelecida na parte especial do Código Penal. FELTRIN & COLTRO observam que, “diversamente do que ocorre com o Código Penal Comum, onde os limites de duração das penas mínimas e máximas vêm ao lado de cada figura típica na parte especial, o Código Eleitoral somente estabelece o máximo da pena cominada, seguindo-se as penas pecuniárias, estas sim, especificamente balizadas. Lá o máximo e o mínimo são diferentes para cada crime.”31

O Código Eleitoral assim estabelece no seu art. 284:

“Art. 284. Sempre que este Código não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de 15 (quinze) dias para a pena de detenção e de 01 (um) ano para a de reclusão.”

A questão que se impõe é saber qual a solução quando o magistrado prolator da sentença impor pena menor que a fixada no art. 284 do CE, quando o tipo na hipótese só prever a sanção máxima.

Há divergências na jurisprudência. Os arestos dominantes sustentam a impossibilidade de ajustar a pena ao tipo, porque, havendo apenas recurso da defesa não pode o Tribunal anular a sentença e tampouco afeiçoar a pena à lei, porque implicaria em reformatio in pejus (v.g. TRE-SP 105.157 – Des. EDUARDO PEREIRA SANTOS). Para o Des. ANTÔNIO CARLOS ALVES BRAGA, a sentença condenatória que não atender a disposto no prefalado artigo, incorrerá em erro material, e a pena será considerada inexistente, não podendo prevalecer a ilegalidade. Não cabe a anulação da sentença ex officio, porque houve o processo regular, finalizado com a condenação. O Magistrado entende que não há reforma para pior, pois é caso de deixar a decisão consoante a lei, a qual balizou a pena entre um mínimo e um máximo, isto é caso de adequatio, igualar, conformar, atingir, nivelar a pena ao mínimo legal (TRE, SP, RC 105.157).

No que tange às regras de dosimetria e aplicação das penas, o Código Penal, diversamente do Eleitoral, traz uma parte específica sem seu texto, adotando o sistema trifásico, mas omitindo-se na quantidade que aumenta e diminui a pena. O Diploma Eleitoral estabeleceu previamente o quantum que agrava ou atenua a pena, art. 285. Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fixá-lo entre 1/5 (um quinto) e 1/3 (um terço), guardados os limites da pena cominada ao crime.

FELTRIN & COLTRO, examinando o tema, asseguram que, à exceção do parágrafo único do art. 336 do CE, não se encontram nenhum outro tipo penal previamente estipulando as ditas circunstâncias, não afastando aquelas previstas no Código Penal (arts. 61-65 do CP). 32

A sanção pecuniária dos delitos eleitorais está previamente fixada em cada tipo penal do Código Eleitoral, dispondo o art. 286 sobre as regras básicas para o seu cálculo, art. 286. A pena de multa consiste no pagamento ao Tesouro Nacional, de uma soma de dinheiro que é fixada em dias-multa. Seu montante é, no mínimo de 1 (um) dia-multa e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa.

§ 1º O montante do dia-multa é fixado segundo o prudente arbítrio do juiz, devendo este ter em conta as condições pessoais e econômicas do condenado, mas não pode ser inferior ao salário mínimo diário da região, nem superior ao valor de um salário mínimo mensal;

§ 2º A multa pode ser aumentada até o triplo, embora não possa exceder o máximo genérico (caput), se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica o condenado, é ineficaz a cominada, ainda que no máximo, ao crime de que se trate.

Ressalte-se que, atualmente, o salário mínimo é nacional, é um só para todo o país, não mais se falando em salário mínimo regional (ex vi da Lei nº 7.789, de 3 de setembro de 1989). Com efeito, deve-se aplicar subsidiariamente o disposto no CP, quanto a data de vigência do salário mínimo nacional (do dia o fato criminoso) e a sua correção (Taxa de Referência – Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991) – art. 49, §§ 1º e 2º; pagamento – art. 50, §§ 1º e 2º; conversão e revogação – art. 51; suspensão – art. 52; uma vez que o Código Eleitoral nada diz a respeito.

Quanto à ação penal, dispõe o Código Eleitoral que,

art. 355. As infrações penais neste Código são de ação pública.

Os delitos na eleição são, regra geral, de ação penal pública uma vez que o Estado é o sujeito passivo imediato da lesão ou ameaça de dano.

Na lição de FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, é aquela ação proposta pelo “Ministério Público sem que haja manifestação de vontade de quem quer que seja. Desde que provado o crime, quer a parte objecti, quer a parte subjecti o órgão ministerial deve promover a ação penal, sendo até irrelevante contraria manifestação de vontade do ofendido ou de quem quer que seja.” 33

EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA ensina que não se atribui ao Parquet qualquer liberdade de opção acerca da conveniência ou oportunidade da iniciativa penal, porque “a obrigatoriedade da ação penal, portanto, diz respeito à vinculação do órgão do Ministério Público ao seu convencimento acerca dos fatos investigados, ou seja, significa apenas ausência de discricionariedade quanto à conveniência ou oportunidade da ação penal.” 34

O Estado sempre será a vítima imediata em face da conduta típica, antijurídica e culpável do agente, porque é a ordem jurídica constitucional imediatamente atacada, em especial os direitos políticos. JOEL JOSÉ CÂNDIDO explica que, “os interesses da ordem jurídica eleitoral são do Estado, inexistindo violação legal que não atinja a ordem pública tutelada por ele.” 35

A ação penal privada subsidiária da pública inexiste nos crimes eleitorais, não se aplicando, subsidiariamente, os dispositivos do Código Processual Penal (arts. 100-108). Assim, o exercício da denúncia cabe ao Ministério Público Eleitoral, porque ele é o titular da ação penal pública, único legitimado para o exercício, não cabendo queixa do ofendido ou do seu representante legal.

Nesse sentido são os julgados dos Tribunais Eleitorais do Brasil:

“A ação penal nos crimes eleitorais é sempre de ação pública (CE, art. 355), daí não ser possível a rejeição da denúncia pela ocorrência da decadência que é, por definição, instituto processual que só se aplica nos casos de ação privada (exclusiva ou subsidiária) e de ação pública condicionada à representação” (TRE, SP, RC 117.340, Rel. Des. SEBASTIÃO O. FELTRIN).

“As infrações penais definidas no Código Eleitoral são de ação pública. Não fica o Ministério Público, para promover a ação penal, na dependência de comunicação do delito por terceiros. Não se configura ausência de justa causa quando a denúncia bem descreve o fato típico, classificável como crime” (TSE – Acórdão nº 5.441, BE 266, p. 1.185).

“No processo penal eleitoral a ação é de ordem pública (CE, art. 355), não se aplicando o princípio da indivisibilidade previsto no art. 48 do Código Penal, segundo consagrada jurisprudência da Excelsa Corte” (TSE – Rec. 6.939 – Rel. Min. SYDNEY SANCHES).

 

 

CONCLUSÃO

Do exposto, conclui-se que, em face da autonomia legislativa, somente as leis federais relativas à eleição cabem tratar dos delitos dessa espécie, por haver manipulação de princípios e conceitos do procedimento eleitoral no que pertine ao Direito Eleitoral. No que diz respeito a natureza jurídica dos delitos na eleição, defende-se a tese de que eles constituem crimes contra a Administração da Eleição, em especial aos princípios da moralidade e da probidade eleitorais, do regular e eficiente processo eleitoral. Eis os verdadeiros bens jurídicos protegidos pelo Estado em face desses delitos. No entanto, compete ao Direito Penal estudar o fenômeno dos delitos eleitorais, reprimir e prevenir o crime, intimidar e ressocializar o agente.

Materialmente, crime eleitoral é a violação ou exposição a perigo da Administração Eleitoral, da fé pública eleitoral, da propaganda eleitoral, dos partidos políticos e do sufrágio. Formalmente, o crime eleitoral é o resultado de toda ação ou omissão reprovável prevista e descrita nas leis eleitorais.

O crime eleitoral é de estrutura complexa, admitindo-se tanto a modalidade consumada quanto tentada, porque entendemos haver a possibilidade de um crime na eleição, doloso e plurissubsistente, não se realizar completamente, ou seja, não terminar plenamente, falhar, porque não reuniu todos os elementos do tipo por circunstâncias alheias à vontade do agente, embora haja iniciada a execução.

O diploma federal não declarou, expressamente, em seu texto, a punibilidade do crime eleitoral a título de culpa – portanto, admitem-se apenas os delitos dolosos na eleição. Quanto à ação penal, os delitos eleitorais são sempre de ação penal pública incondicionada e nunca caberá a ação penal privada.

Os ilícitos penais na eleição, indiscutivelmente, estão inclusos na criminalidade moderna, que atentam contra serviços da Justiça Eleitoral e outros direitos eleitorais positivados no presente Estado Democrático de Direito, devendo, portanto, ser disciplinados pelo Direito Penal, por possuir uma resposta eficiente e segura, no sentido de se proteger a normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade, decoro e o patrimônio da Administração Eleitoral.

 

 

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1 – CALOVI, Priscila Cristina Albergoni Paixão, graduanda do curso de direito pela faculdade Dom Bosco de Cornélio Procópio, Paraná, Brasil.

2 – PEREIRA, Adilson de Assis, graduando do curso de direito pela faculdade Dom Bosco de Cornélio Procópio, Paraná, Brasil.

3 – FARIA, Felipe Heraldo, Advogado; Jornalista; Professor de Graduação e Pós Graduação nas Faculdades Dom Bosco de Cornélio Procópio e Facnopar de Apucarana; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo CESUSC – Centro de Estudos Sociais de Santa Catarina; Mestre em Direito pela UNIMAR – Universidade de Marília – SP – Brasil; E-mail: proffelipe01@hotmail.com

4 – HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, v. IX, 1958.

5 – FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Parte especial.5. ed. Rio de Janeiro: Forense, v.II, 1986.

6 – MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

7 – COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao código penal. São Paulo: Saraiva, 2000.

8 – MAGALHÃES NORONHA, E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, v. 4, 1986.

9 – COSTA JR., Paulo José da. Nota 4.

10 – CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral. 11. ed. São Paulo: Edipro, 2004.

11 – KINDHAUSER, Urs. Apud BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime. São Paulo, 2003.

12 – RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral.3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

13 – CÂNDIDO, Joel José. Nota7.

14 – HUNGRIA, Nelson. Nota 1.

15 – BRANDÃO, Cláudio. Nota 9. p.5.

16 – BRANDÃO, Cláudio. Nota 9, p.6-10.

17 – BRANDÃO, Cláudio. Nota 9, p.10-14.

18 – WELZEN, Hans. Derecho penal alemán. Santiago. Jurídica del chile, 1997.

19 – ALVES, Roque de Brito. Direito penal. Parte geral. 3 ed. Recife: Inojosa, 1977.

20 – ALVES, Roque de Brito. Nota 18, p.312.

21 – CÂNDIDO, Joel José. Nota7, p77.

22 – CÂNDIDO, Joel José. Nota 7, p 295.

23 – ALVES, Roque de Brito. Nota 18, p. 498 e 499.

24 – Decreto – Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro, art. 59.

25 – BRUNO, Aníbal. Direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Forense, t.2, 1967. p.80 a 84.

26 – HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, v.I, t.2, 1955.

27 – ZAFARONI, Raúl Eugênio & PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral.2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

28 – WELZEN, Hans. Derecho penal. Parte general. Trad. Carlos Fontán Balestra e Eduardo Friker. Buenos Aires: Roque Depalma, 1956.

29 – COSTA JR, Paulo José da. Nota 4, p.52.

30 – Decreto- Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro, art. 14, parágrafo único e art. 17.

31 – FELTRIN, Sebastião Oscar e COLTO, Ântonio Carlos Mathias. Eleitoral. In. FRANCO, Alberto silva. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. 2ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais , t.2, 1995.

32 – FELTRIN, Sebastião Oscar e COLTRO, Ântonio Carlos Mathias. Nota 33, p.547.

33 – TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25. ed. São Paulo : Saraiva, 2003.

34 – OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 3ª ed. Minas Gerais: Del Rey, 2004.

35 – CÂNDIDO, Joel José. Nota 7. p. 340.

Heraldo Felipe de Faria

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