A teoria pós-positivista de ronald dworkin e a normatividade dos princípios jurídicos

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  1. O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO E A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, tem início um movimento de “superação” do Positivismo Jurídico, movimento este que busca incorporar ao ordenamento jurídico os mais altos valores morais da sociedade, aproximando o Direito da Moral e da Justiça. Este novo modelo “não-positivista” é concebido como Pós-positivismo Jurídico.

Como explica Alexandre Garrido, o uso do prefixo “pós” é bastante impreciso, sobretudo dentro da doutrina jurídica, uma vez que pode designar tudo aquilo que veio após o Positivismo Jurídico (SILVA, 2007). Não é nossa intenção discutir o uso do prefixo “pós”, entretanto não podemos nos abster diante de tamanha imprecisão.

Como visto até aqui, o Pós-positivismo Jurídico pode ser tido como o movimento do Direito que busca superar o Positivismo Jurídico, sobretudo, através de uma reaproximação do Direito com a Filosofia, com a Ética (Ciência Moral) e com a Justiça. É de se notar que este movimento guarda relação direta com as Constituições democráticas promulgadas após a Segunda Guerra Mundial. De modo mais direto, o que se quer dizer é que o Pós-positivismo e o Constitucionalismo Moderno (contemporâneo) estão intimamente ligados de modo que um movimento é construído e se desenvolve tendo como base, também, o outro.

Nessa linha de pensamento, Paulo Bonavides ensina que o Pós-positivismo Jurídico encontra-se ligado diretamente aos grandes momentos constituintes da última metade do século XX. Nesse sentido, “as novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais” (BONAVIDES, 2003, p. 264), principalmente, como explica Ruy Samuel Espíndola, no que concerne a sua base de Justiça e equidade, bem como a amplitude de sua aplicabilidade (ESPÍNDOLA, 2003). Nesse sentido, Edihermes Marques Coelho, em obra conjunta com Alexandre Walmott, ensina que “os princípios significam para o sistema jurídico, mais do que qualquer outra coisa, um lócus jurídico que sedia os valores imperativos da ordem social sobre a qual deve incidir o Direito” (COELHO; BORGES, 2001, p. 38-39).

Na esteira desse pensamento, encaixa-se perfeitamente o conceito de princípio trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello, que os define do seguinte modo:

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 53).

Nessa linha de raciocínio, os princípios jurídicos apresentam-se como o grande elo entre esses dois movimentos, sobretudo, por serem considerados (nesses dois movimentos) como sendo dotados de normatividade, ou seja, princípios são Normas. Nesse sentido, Norberto Bobbio, ao analisar se os princípios gerais de Direito seriam ou não seriam Normas Jurídicas, afirma: “para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras” (BOBBIO, 1999, p. 158)

Deste modo, estabelecido que princípios são Normas Jurídicas, faz-se necessário caracterizar este novo sistema, no qual os princípios são tidos como Normas. Mais do que isto, faz-se necessário, como o faz Gomes Canotilho, aclarar que este novo sistema não é formado exclusivamente por princípios, mas por um conjunto de regras e princípios que passam a ser consideradas espécies do gênero Norma (CANOTILHO, 2003).

Entretanto, só para constar, existem aqueles que não compartilham dessa ótica de que regras e princípios são espécies do gênero Norma Jurídica. Nesse sentido, José Afonso da Silva ensina que os princípios jurídicos, apesar de possuírem normatividade (pois gozam das características da Norma, sobretudo da Imperatividade), não são normas jurídicas, essas últimas entendidas por ele como sendo as regras jurídicas (SILVA, 2010).

A necessidade de um sistema cuja Norma Jurídica seja composta não só pelas regras, mas também pelos princípios jurídicos, se deve à complexidade e à infinidade de possibilidades fáticas e jurídicas, bem como, segundo explica Willis Santiago, ao caráter finalístico assumido pelo Direito, como se confere em seus dizeres que se seguem:

 

A regulação que no presente é requisitada ao Direito assume um caráter finalístico, e um sentido prospectivo, pois, para enfrentar a imprevisibilidade das situações a serem reguladas ao que não se presta o esquema simples de subsunção de fatos a uma previsão legal abstrata anterior, precisa-se de normas que determinam objetivos a serem alcançados futuramente, sob as circunstâncias que então se apresentem (GUERRA FILHO, 2007, p. 253).

Essas normas abstratas a que se refere Willis Santiago são os princípios, sobretudo, os princípios constitucionais de direitos fundamentais que, segundo o autor, são dotados de “dimensão ética e política” e indicam “a direção que se deve seguir para tratar de qualquer ocorrência de acordo com o Direito em vigor”, caso não haja regra que a regule ou a regra que a regule seja deficiente (GUERRA FILHO, 2007, p. 254).

Vale lembrar, antes de prosseguirmos, que os princípios podem ou não estar positivados, pois não se faz necessário que um princípio esteja positivado, em outras palavras, que ele esteja previsto em algum texto normativo de forma expressa, para que ele seja válido e integre o ordenamento jurídico. Nesse sentido, Eros Roberto Grau afirma:

A existência [= positividade], no ordenamento jurídico, de determinados princípios que, embora não enunciados em nenhum texto de direito positivo, desempenham papel de importância definitiva no processo de interpretação/aplicação do direito é inquestionável (GRAU, 2010, p. 154).

Nesse mesmo sentido, Gomes Canotilho, ao conceituar os princípios jurídicos fundamentais como sendo “os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional”, deixa claro a desnecessidade da positivação de um princípio para que ele seja considerado válido em determinado ordenamento, sobretudo na esfera Constitucional, tendo em vista que ele se desenvolve e se consolida, de maneira gradativa, no próprio ordenamento jurídico (CANOTILHO, 2003, p. 1165).

Retomando, faz-se necessário demonstrar a construção desse sistema jurídico pós-positivista, enquanto sistema, sobretudo, constitucional do Direito que possui uma convivência harmônica e integrada entre regras e princípios jurídicos abertos ao conhecimento das demais ciências, enquanto sistema jurídico que visa efetivar as garantias constitucionais, os direitos fundamentais e aproximar o Direito da Justiça, sempre buscando atingi-la no maior grau possível, sem comprometer a Segurança Jurídica.

É nesse sentido que Gomes Canotilho afirma que se deve compreender a Constituição como um “sistema aberto de regras e princípios”, pois, segundo ele…

…a articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, iluminará a compreensão da constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em subprincípios e regras constitucionais concretizadores desses mesmos princípios. Quer dizer: a constituição é formada por regras e princípios de diferente grau de concretização (= diferente densidade semântica) (CANOTILHO, 2003, p. 1173).

Também nesse sentido, Daniel Sarmento ensina que “os princípios são muito importantes porque, pela sua plasticidade, conferem maior flexibilidade à Constituição, permitindo a ela que se adapte mais facilmente às mudanças” e também por aproximarem o Direito dos valores morais e da Justiça. Por outro lado, em razão dessa fluidez dos princípios, as regras, também, se fazem de extrema importância “para que a abertura do sistema não destrua sua segurança e estabilidade”, ou seja, o sistema deve compreender de forma harmônica e organizada tanto princípios quanto regras, enquanto Normas Jurídicas (SARMENTO, 2010, p. 66).

Ainda nesta perspectiva, é imprescindível negar, como o fazem Gomes Canotilho (2003), Daniel Sarmento (2010), Willis Santiago (2007), dentre outros, um modelo ou sistema constituído unicamente de regras ou unicamente de princípios. O primeiro por se tratar de uma volta ao Positivismo Jurídico, que em nome da Segurança Jurídica excluiu a Justiça do Direito e “legitimou” a barbárie legalista. O segundo por não ser capaz de garantir a segurança jurídica necessária ao bom desenvolvimento e funcionamento do sistema como um todo.

Propositadamente deixamos por último a distinção entre as duas espécies de Norma Jurídica (regras e princípios), por entendermos que após essa breve exposição, se queda mais fácil o desenvolvimento e a compreensão conceitual, bem como o estabelecimento de suas principais distinções.

Neste ponto valer-nos-emos, preponderantemente, da consagrada distinção estabelecida por Gomes Canotilho, que obviamente teve por base outras doutrinas, mas que de forma bastante clara e concisa nos revela uma excelente noção de tal distinção normativa.

Canotilho utiliza-se, basicamente, de cinco critérios, com diferentes graus de complexidade e diferentes graus de aceitação entre os estudiosos e acadêmicos. Vejamos: i) Grau de abstração: com base neste critério, as regras são entendidas como as normas jurídicas que possuem baixo grau de abstração, por outro lado, os princípios são entendidos como as normas jurídicas que possuem um elevado grau de abstração; ii) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: através deste critério, entende-se que as regras consistem nas normas jurídicas que são suscetíveis de aplicação direta, mediante subsunção, enquanto os princípios, por serem semanticamente indeterminados e abertos, necessitam de interferências consolizadoras (do legislador, do magistrado, do intérprete); iii) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito: Segundo este critério os princípios consistem nas “normas de natureza estruturante ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico”; iv) Proximidade da ideia de Direito: segundo este critério as regras consistem nas “normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional”, enquanto os princípios consistem em “<<standards>> juridicamente vinculantes radicados nas exigências de <<justiça>> (Dworkin) ou na <<ideia de Direito>> (Larenz)”; v) Natureza normogenética: segundo este critério os princípios consistem em “fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante” (CANOTILHO, 2003, p. 1160-1161).

Tendo por base as distinções estabelecidas, Canotilho conceitua as regras como “normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é cumprida” e princípios como “normas jurídicas impositivas de um optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos fáticos e jurídicos”, ou seja, como normas que adéquam sua aplicabilidade ao caso in concreto corroborando para uma decisão mais próxima da Justiça e da equidade (CANOTILHO, 2003, p. 1161).

Como resta demonstrado, os princípios jurídicos fazem a ligação entre o Direito, a Moral e a Justiça. Nesse sentido, Daniel Sarmento afirma que os princípios consistem nas “portas abertas” que possibilitam a comunicação do Direito com a Ética, sendo que os princípios constitucionais, sobretudo os de Direitos Fundamentais, “encarnam juridicamente os ideais de justiça” impossibilitando uma leitura axiologicamente asséptica da Constituição (SARMENTO, 2010, p. 58-59).

Por fim, vale ressaltar mais uma vez a indispensabilidade dos princípios, sobretudo os de Direito Constitucional, para o desenvolvimento de um sistema de Direito que tenha como bases a Justiça e a equidade, entretanto jamais desprezando o importante papel das regras, principalmente, como balizadoras da relação entre Justiça e Segurança Jurídica.

Passemos, então, agora para um breve delineamento das linhas mestras da Teoria Pós-positivista do Professor Ronald Dworkin, sobretudo no que concerne a normatividade dos princípios jurídicos, que servirá de base para a análise dos princípios trabalhados nesta Monografia.

2. A TEORIA PÓS-POSITIVISTA DE DWORKIN E A DIVISÃO DA NORMA JURÍDICA EM PRINCÍPIOS E REGRAS

Ronald Dworkin ao formular sua teoria pós-positivista do direito, baseia-se, sobretudo, nos princípios jurídicos, que para ele consistem na materialização jurídica dos princípios morais que regem a sociedade. Nesse sentido, sendo o Direito uma ciência social, que tem, dentre várias funções, a regulação das relações sociais, deve o Direito comunicar-se com as demais ciências humanas, principalmente com a ciência moral (Ética), por ser ela uma ciência que, também, cuida da regulação das relações sociais e, justamente por isso, o jurista não pode ignorar o uso e a compreensão moral dos conceitos e abordagens jurídicas.

Os dizeres de Dworkin, que se seguem, são esclarecedores no que concerne a necessária aproximação entre a ciência moral e a ciência jurídica, enquanto ciências intimamente ligadas, que, quer queira quer não, influenciam-se mutuamente, o que implica em dizer que, para a otimização da compreensão do Direito, deve o jurista, também, estudar sua concepção moral (DWORKIN, 2010).

Assim, as diversas correntes da abordagem profissional da teoria do direito fracassaram pela mesma razão subjacente. Elas ignoraram o fato crucial de que os problemas de teoria do direito são, no fundo, problemas relativos a princípios morais e não a estratégias ou fatos jurídicos. Enterraram esses problemas ao insistir na abordagem jurídica convencional. Mas, para ser bem-sucedida, a teoria do direito deve trazer à luz esses problemas e enfrentá-los como problemas de teoria moral (DWORKIN, 2010, p. 12).

Como explica Dworkin, a abordagem jurídica convencional, ou abordagem positivista do Direito, revela-se falha e incapaz de solucionar todos os problemas jurídicos, principalmente os casos tidos como difíceis, ou seja, aqueles casos que não possuem uma regra jurídica correspondente, ou se possuem, sua aplicação mostra-se notoriamente injusta. Tudo isso, em razão do positivismo jurídico, conforme já demonstrado, só admitir a aplicação de regras, enquanto os princípios são apartados da Norma Jurídica e, mesmo no caso do Sistema Common Law, onde o Juiz pode utilizar-se discricionariamente de seus preceitos pessoais no caso da ausência de regras jurídicas que possibilitem a resolução do caso in concreto, o problema persiste, visto que, o que se aplica são as concepções pessoais do magistrado e não o Direito (DWORKIN, 2010).

Em contrapartida ao modelo positivista, Dworkin propõe um sistema de direito que possibilite uma solução jurídica aos casos jurídicos e, além disso, uma solução jurídica que esteja prevista no ordenamento, ao invés de uma solução inventada, inclusive aos “casos difíceis”. Nesse sentido, no que se refere especificamente aos “casos difíceis”, afirma Dworkin:

O positivismo jurídico fornece uma teoria dos casos difíceis. Quando uma ação judicial específica não pode ser submetida a uma regra de direito clara, estabelecida de antemão por alguma instituição, o juiz tem, segundo tal teoria, o “poder discricionário” para decidir o caso de uma maneira ou de outra. Sua opinião é redigida em uma linguagem que parece supor que uma ou outra das partes tinha o direito preexistente de ganhar a causa, mas tal ideia não passa de uma ficção. Na verdade, ele legisla novos direitos jurídicos (new legal rights), e em seguida os aplica retroativamente ao caso em questão […] argumentei que essa teoria da decisão judicial é totalmente inadequada […] vou descrever e defender uma teoria melhor […] mesmo quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar novos direitos retroativamente… (DWORKIN, 2010, p. 127).

Na elaboração de sua teoria, Dworkin propõe que a Norma Jurídica seja tida não somente como regra jurídica, mas como um gênero cujas espécies são as regras jurídicas e os princípios jurídicos, que devem orientar e fundamentar as decisões do magistrado. Com essa ampliação, os princípios jurídicos, deixam de ser meros axiomas, meros orientadores de políticas públicas e projetos legislativos, para tornarem-se norma jurídica imperativa, tais como as regras, respeitas obviamente suas particularidades e diferenças (DWORKIN, 2010).

A título elucidativo e com a finalidade de não obscurecer o bom entendimento do trabalho, faz-se necessário explicar o que Dworkin entende por Princípios Jurídicos. Nesse sentido, Dworkin denomina como Princípios jurídicos, de modo genérico, tanto os princípios propriamente ditos, como as políticas. De forma que, entende por política “aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade” e por princípio aquele “padrão que deve ser observado porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” (DWORKIN, 2010, p. 36). Esta distinção mostra-nos, dentre outras coisas, que os princípios jurídicos, na visão de Dworkin, são frutos da incorporação dos princípios e objetivos morais ao ordenamento jurídico e que o Direito tem por função essencial buscar atingir à Justiça, por mais que isso pareça utópico.

No desenvolver de sua obra, Dworkin analisa diversos casos para demonstrar como a jurisprudência dos tribunais estadunidenses aplica os princípios jurídicos e não somente as regras jurídicas, além de, muitas das vezes, apartar-se da aplicação direta da regra jurídica ao caso concreto (subsunção) por entender que tal aplicação geraria evidente injustiça, utilizando-se assim dos princípios jurídicos para obter-se uma solução mais adequada, justa e que respeite a equidade. Nesse sentido é de grande valia a reprodução de um pequeno trecho de uma decisão do Tribunal de Nova Jérsei , de 1969, no caso Henningsen contra Bloomfield Motors, Inc, na qual o referido tribunal indaga: “Existe algum princípio que seja mais familiar ou mais firmemente inscrito na história do direito anglo-americano do que a doutrina basilar de que os tribunais não se permitirão ser usados como instrumentos de iniquidade e injustiça?” (DWORKIN, 2010, p. 39).

Como resta demonstrado, Dworkin acredita que os princípios possibilitam que os casos concretos recebam uma solução justa quando não há regras, ou quando as regras existentes, se aplicadas, criariam evidente injustiça, em razão do seu modo de aplicação (DWORKIN, 2010).

Nesse sentido, Dworkin explica que as regras jurídicas são aplicadas ao modo tudo-ou-nada, ou seja, se uma regra é válida e o caso concreto corresponde à sua previsão, então a regra deve ser aplicada (subsunção), a não ser que exista alguma exceção (prevista positivamente no ordenamento) que não permita a sua aplicação naquele tipo de situação, o que acarreta uma especificação maior da regra, tornando-a mais completa à medida que possui mais especificações (DWORKIN, 2010), como se constata nos seguintes dizeres do autor:

A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão (DWORKIN, 2010, p. 39).

A regra pode ter exceções, mas se tiver, será impreciso e incompleto simplesmente enunciar a regra, sem enunciar as exceções. Pelo menos em teoria, todas as exceções podem ser arroladas e quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra (DWORKIN, 2010, p. 40).

Já no que se refere ao modo de aplicação dos princípios jurídicos, Dworkin afirma que os princípios atuam auxiliando e fundamentando a decisão do magistrado de modo a conduzi-lo a melhor solução, entendida por ele como uma solução que respeite a justiça e a equidade. Assim, os magistrados utilizam-se dos princípios jurídicos para produzirem sua decisão, que dará origem a uma regra particular que se aplicará àquele caso concreto, entretanto essa regra só passa a existir após a decisão, ou seja, a decisão é feita e pautada em princípios jurídicos e não em regras jurídicas. Segundo Dworkin, os princípios também possuem aplicação subsidiária às regras. Isso se dá quando uma regra traz em seu enunciado palavras cujo significado é aberto à interpretação como “razoável”, “negligente”, “injusto”, “significativo”, o que “faz com que sua aplicação dependa, até certo ponto, de princípios e políticas que extrapolam a [própria] regra” (DWORKIN, 2010, p. 45).

Segundo Dworkin, desta distinção entre princípios e regras (quanto ao modo de aplicação) decorre uma segunda distinção que se dá quando essas espécies de norma jurídica entram em conflito: princípios versus princípios; regras versus regras; e princípios versus regras (DWORKIN, 2010).

Conforme explica Dworkin, “os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância” (DWORKIN, 2010, p. 42). De modo que, quando os princípios entram em conflito, ou seja, quando em um caso concreto os princípios a ele supostamente aplicáveis apontam para sentidos contrários, o magistrado deve levar em conta a força relativa de cada um frente ao caso concreto a fim de aplicar naquele determinado caso aquele(s) que possibilitar(em) a decisão mais justa, entretanto aquele(s) princípio(s) que não for(em) considerado(s) na decisão não será(ão) declarado(s) inválido(s) ou expurgado(s) do ordenamento jurídico. Todos os princípios continuam tendo validade, eles apenas são sopesados frente ao caso concreto, e opta-se por aqueles que estão mais conformes a justiça e a equidade (DWORKIN, 2010).

Já no que se refere ao conflito entre uma regra jurídica e um princípio jurídico, Dworkin defende que deva prevalecer aquela norma jurídica que frente ao caso concreto, esteja mais conforme com a justiça e com a equidade, como já se queda demonstrado na possibilidade do magistrado julgar em desconformidade com a regra quando entender que ela, naquele caso concreto, criará uma situação de evidente injustiça (DWORKIN, 2010).

Por fim, na visão de Dworkin, a regra jurídica, diferentemente dos princípios, quando entra em conflito com outra regra, uma delas não pode continuar presente no ordenamento jurídico, ou seja, uma delas necessariamente deverá ser declarada inválida, recorrendo-se a critérios, tais como: precedência à regra promulgada por autoridade superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica, à regra que é sustentada por princípios mais importantes para o ordenamento, etc. (DWORKIN, 2010).

Dessas distinções entre as regras jurídicas e os princípios jurídicos, pode-se concluir, que na visão de Dworkin, os princípios são muito mais dinâmicos e possibilitam ao magistrado proferir decisões conforme a justiça e a equidade com uma amplitude maior do que as regras, tudo isso dentro do ordenamento jurídico, o que não exclui a importância das regras, que oferecem segurança jurídica e regulam, de modo geral, as relações sociais, entretanto submetidas aos princípios reguladores do direito. Diferentemente do sistema positivista, no qual o magistrado deveria, sempre que existente um regra, aplicá-la (subsunção), independentemente da injustiça que ela pudesse produzir e, no caso de ausência de regra jurídica que possibilitasse uma decisão, basear-se em suas concepções pessoais e não em institutos jurídicos, produzindo assim uma decisão fora do direito.

Partindo então das bases estabelecidos pelo professor Ronald Dworkin e tendo como paradigma o pós-positivismo jurídico, far-se-á uma abordagem dos princípios da liberdade e da presunção de inocência, tais quais positivados na Constituição de 1988 para uma melhor compreensão do tema aqui discutido.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10.ed. Brasília: UnB, 1999.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003.

COELHO, Edihermes Marques; BORGES, Alexandre Walmott. Ensaios sobre o Sistema Jurídico. Uberlândia: Instituto de Estudos Jurídicos Contemporâneos, 2001.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Princípios Constitucionais e Atividade Jurídico-Administrativa: anotações em torno de questões contemporâneas. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte, n. 2, p. 393-426, jul/dez, 2003.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

GUERRA FILHO. Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. 3.ed. São Paulo: RCS Editora, 2007.

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

SILVA. Alexandre Garrido da. Pós-Positivismo e Democracia: Em defesa de um Neoconstitucionalismo aberto ao Pluralismo. In: XVI Congresso Nacional do CONPEDI. Belo Horizonte: CONPEDI, 2007. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/alexandre_garrido_da_silva.pdf>Acesso em 01 de março de 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

Eduardo Rodrigues dos Santos

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