A Sociedade Moderna e o Darwinismo Social: possível conexão com a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos

Cleide Calgaro 29/09/11

Resumo: No presente artigo procura-se analisar, de uma forma crítica, como a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos pode se conectar com a sociedade moderna e o problema do Darwinismo Social. Visa-se uma análise dos diversos problemas existentes na sociedade atual, que estejam em consonância com o tema em questão. Trabalha-se o contexto social, econômico, cultural e financeiro da sociedade atual voltada para uma visão mecanicista. Também, almeja-se a busca da viabilidade de soluções para esses problemas, ou seja, a interligação entre a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos e a Sociedade Moderna, procurando demonstrar a necessidade do redimensionamento da idéia social, perpassando-se no Darwinismo Social.

Palavras-chave: Teoria dos Sistemas; autopoiese; poder; seleção natural social; Darwinismo Social; mecaniscismo;

Abstract: In the present article it is looked to analyze, of a critical form, as the Theory of the Autopoiéticos Systems can connect with the modern society and the problem of the Social Darwinismo. An analysis of the diverse existing problems in the current society is aimed at, that are in accord with the subject in question. The context works social, economic, cultural and financial of the current society directed toward a mechanist vision. Also, it is longed for searchs it of the viability of solutions for these problems, that is, the interconnection enters the Theory of the Autopoiéticos Systems and the Modern Society, looking for to demonstrate the necessity of the redimensionamento of the social idea, perpassando itself in the Social Darwinismo.

Key Words: Theory of the Systems; autopoiese; to be able; social natural election; Social Darwinismo; mecaniscismo;

Sumário: 1 Introdução; 2 A visão sistêmica e autopoiética; 3 O Darwinismo Social e a visão mecanicista; 4 A Sociedade Moderna e a possível conexão com a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos: a questão do Darwinismo Social 5 Considerações Finais; 6 Referências Bibliograficas.

 

1 Introdução

No presente artigo, que possui como título A Sociedade Moderna e o Darwinismo Social: possível conexão com a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos”, tem-se como objetivo elaborar um estudo a respeito da Teoria dos Sistemas, com enfoque direcionado a seus reflexos na atual sociedade, buscando, de certa forma, algumas soluções aos problemas que emergem quando se abordam as questões atinentes à junção da Teoria dos Sistemas Autopoiéticos com o Darwinismo Social.

Assim, o trabalho é elaborado buscando verificar os reflexos da Teoria dos Sistemas sobre o Darwinismo Social, além de suas implicações, e as possíveis soluções que podem ser adotadas para minimizar as conseqüências advindas dos problemas da sociedade pós-moderna.

Através dessas contribuições teóricas sobre o assunto em debate, procura-se verificar a possível existência da conexão entre a Teoria dos Sistemas e o Darwinismo Social e como a primeira pode contribuir para que o segundo possa ser mais ordenado e verdadeiramente vinculado ao bem-estar social da humanidade.

Trabalha-se, num primeiro momento com a Teoria dos Sistemas, onde é feito todo um arcabouço a respeito dessa teoria, estabelecendo comentários sobre a mesma e verificando a sua viabilidade da mesma na atual conjuntura social.

Num segundo momento, é importante que talhe as questões atinentes ao Darwinismo Social e as questões controvertidas da sociedade moderna, suas falhas e acertos na atualidade.

E, por fim, num último momento, verifica-se a conexão que existe entre os dois aspectos estudados – a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos e o Darwinismo Social – buscando possibilitar um entendimento desses assuntos e a possível viabilidade da conexão como forma de buscar-se uma solução para esses problemas advindos da atualidade, ou seja, da chamada Sociedade Moderna.

 

2 A visão sistêmica e autopoiética

Importante que se fale da Teoria dos Sistemas, a qual foi um marco importante para a humanidade. Assim, por volta de década de 40 surge o pensamento sistêmico que já tinha sido utilizado por alguns cientistas em momentos anteriores, porém foi com de Ludwig von Bertalanffy1, que surgiu a idéia de Teoria Geral dos Sistemas.

Assim, em sua visão, Bertalanffy coloca que a teoria dos sistemas possui os seguintes propósitos:

[…] Enquanto no passado a ciência procurava explicar os fenômenos observáveis reduzindo-os à interação de unidades elementares investigáveis independentemente umas das outras, na ciência contemporânea aparecem concepções que se referem ao que é chamado um tanto vagamente “totalidade”, isto é, problemas de organização, fenômenos que não se resolvem em acontecimentos locais, interações dinâmicas manifestadas na diferença de comportamento das partes quando isoladas ou quando em configuração superior, etc. Em resumo, aparecem “sistemas” de várias ordens, que não são inteligíveis mediante a investigação de suas respectivas partes isoladamente. Concepções e problemas desta natureza surgiram em todos os planos da ciência quer o objeto de estudo fossem coisas inanimadas que fossem organismos vivos ou fenômenos sociais. 2

Portanto, Bertalanffy identificou as características do estado estacionário como sendo aquelas do processo do metabolismo, o que o levou a postular a auto-regulação como outra propriedade-chave dos sistemas abertos. 3

Mais adiante, com a evolução de sistemas introduziu-se a entropia, a qual é de certa maneira, a medida da quantidade de energia que acaba deixando de ter aptidão e se converte em trabalho.

Já, com Ilya Prigogine, na década de 70, formulou-se uma nova termodinâmica de sistemas abertos, usando uma nova matemática para que fossem reavaliados a segunda lei repensando radicalmente as visões científicas tradicionais de ordem e desordem, o que o capacitou a resolver sem ambiguidade as duas visões contraditórias de evolução que se tinha no século XIX.4

Como mostra Samuel Branco, a palavra-chave da teoria de Bertalanffy são: a complexidade e a organização, podendo-se dizer que a teoria dos sistemas corresponde, na verdade, a teoria da organização cujos princípio gerais são aplicáveis a quaisquer sistemas, independentemente da natureza dos elementos que os constituem ou das relações entre os mesmos.5

Por outro lado, a teoria dos sistemas autopoiéticos, teve sua origem nas ciências biológicas com os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela. A mesma tentou resolver um velho problema que existia na biologia, o problema da vida. Esses cientistas deram um importante passo no campo biológico, onde sustentavam a clausura/abertura no seio dos sistemas vivos.

Para Maturana e Varela,

As conseqüências desta organização são importantíssimas:

i) as máquinas autopoiéticas são autônomas […]

ii) as máquinas autopoiéticas possuem individualidade; isto é, por meio da manutenção invariável de sua organização conservam ativamente uma identidade que não depende de suas interações como um observador. […]

iii) as máquinas autopoiéticas são definidas como unidade por, e apenas por, sua organização autopoiética: suas operações estabelecem seus próprios limites no processo de autopoiese. […]

iv) as máquinas autopoiéticas não possuem entradas nem saídas. Podem ser perturbadas por fatos externos, e experimentar mudanças internas que compensam essas perturbações. Se estas se repetem, a máquina pode passar por séries reiteradas de trocas internas, que podem ser ou não as mesmas. […]6

Ultrapassando as barreiras, os biólogos chilenos adiantaram uma visão nova e revolucionária da idéia que define a vida.

Teubner coloca que,

Ultrapassando a indecidível polêmica entre o mecanicismo e vitalismo à qual se reduziram séculos e séculos de debate filosófico sobre a questão, Humberto Maturana e Francisco Varela, os biólogos fundadores da teoria da autopoiesis, adiantaram, uma nova e revolucionária idéia: o que define vida em cada sistema vivo individual é a autonomia e constância de uma determinada organização das relações entre os elementos constitutivos desse mesmo sistema, organização essa que é auto-referencial no sentido de que a sua ordem interna é gerada a partir da interacção dos seus próprios elementos e auto-reprodutiva no sentido de que tais elementos são produzidos a partir dessa mesma rede de interacção circular e recursiva.7

Adiante, importante salientar que, durante a década de 80, a teoria dos sistemas autopoiéticos sofreria uma mudança em sua estrutura. A mesma que inicialmente nasceu para explicar a vida, no domínio das ciências biológicas, serviria como explicação e aplicação no domínio das ciências sociais. Seu precursor seria Niklas Luhmann8, que transpôs e aplicou essa teoria nas ciências sociais dando uma nova dimensão e autonomia à mesma.

Segundo Teubner,

De acordo com Niklas Luhmann, esta é a inovação decisiva trazida pela autopoiesis biológica: o a de sublimar que os sistemasautopoiéticos não são apenas sistemas auto-organizados, isto é, sistemas capazes de gerar a sua própria ordem a partir da rede interactiva dos respectivos elementos, mas também, e verdadeiramente sistemas auto-reprodutivos, isto é, capazes de produzir esses próprios elementos, de produzir as suas próprias condições originárias de produção, tornando-se desse modo independentes do respectivo meio envolvente. Por outras palavras, a auto-referência sistêmica é o mecanismo gerador, não apenas da ordem sistêmica (estrutura), mas das próprias unidades sistêmicas básicas (elementos).9

Para Luhmann a auto-referência e circularidade constituem o “princípio vital” não apenas de células, sistemas nervosos, ou organismos biológicos, tanto vegetais como animais, mas também, dos sistemas sociais. Assim, a autopoiese deixaria de ser concebida como condição necessária e suficiente da vida para assumir o estatuto de modelo explicativo de base de todo e qualquer sistema, desde os sistemas biológicos até os sistemas sociais. 10

Assim, Luhmann sustenta que:

A existência de uma autopoiese específica social, insistindo na autonomia entre sistemas sociais e sistemas biológicos. Os sistemas sociais não constituem meros bio-sistemas autopoiéticos de segundo grau, desenvolvidos a partir dos indivíduos humanos (enquanto bio-sistemas autopoiéticos por excelência ou de primeiro grau), mas verdadeiramente sistemas animados de uma autopoiesis própria e particular. 11

Por outro lado, percebe-se que a libertação da teoria dos sistemas, do domínio da biologia, trouxe a sua aplicabilidade a qualquer sistema, utilizando-se da clausura auto-referencial aplicável a todo e qualquer sistema.

Nesta perspectiva Luhmann coloca que a célula base da sociedade é a comunicação e, a partir dessa unidade é possível a vida em sociedade.

No que tange ao paradoxo existente na autopoiese, é importante que se verifique que: ao mesmo tempo o sistema é fechado/aberto; aberto/fechado, conseguindo equacionar no seu meio esse paradoxo, o qual é essencial para sua (re)produção, (re)organização e auto-referência.

Como afirma Severo Rocha,

É um sistema que não é fechado nem aberto. Por quê? Porque um sistema fechado é impossível, não pode haver um sistema que se auto-reproduza somente nele mesmo. E um sistema aberto seria só para manter a idéia de sistema. Se falamos em sistema aberto, já nem falamos mais em sistema, podemos falar de outra coisa. Então, o sistema fechado não é possível, o sistema aberto é inútil. Há, aqui, então, a proposta de que, existindo um critério de repetição e diferença simultânea, temos uma idéia de autopoiese. 12

Essa teoria foi o marco para quebra de vários paradigmas e a busca de um novo caminho através de uma visão mais holística.

A partir dessa análise sobre a teoria dos sistemas, para continuar a busca dos objetivos propostos para elaboração deste artigo, se faz necessário o estudo a respeito da questão relacionada ao Darwinismo Social para, no terceiro capítulo, ter-se a possibilidade do estudo conjunto dos dois temas.

 

3 O Darwinismo Social e a visão mecanicista

Inicialmente, quando se coloca a questão atinente ao Darwinismo, tem-se que compreender que esse termo serve para designar diversos processos que possuem relação com as idéias de Charles Darwin.

Darwim em sua obra “A origem das espécies”, datada de 1859, vislumbra sobre a evolução da natureza a partir de uma seleção do ser mais adaptado, a seleção natural, onde a sobrevivência do ser e de sua espécie depende da capacidade de adaptar-se ao meio e nele reproduzir-se e perpetuar-se. Assim, aqueles que não possuírem as características, requeridas pelo meio ambiente, ficariam para traz falecendo e servindo de alimentos para aqueles que prevaleceram.

Ou seja, ele coloca as idéias relacionadas com a evolução e a seleção natural, as quais devem possuir as seguintes condições, a hereditariedade (características originais); a auto-reprodução (os agentes devem ser capazes de produzir cópias de si mesmos e as mesmas devem possuir essa capacidade de se auto-reproduzirem); a seleção (as características que foram herdadas deve condicionar a capacidade desse agente para que o mesmo se reproduza); e, por fim, a variação (que ocasionalmente as cópias devem ser imperfeitas).

Para explicar sua teoria, Charles Darwin expõe que as características presentes nos seres, como por exemplo: “estatura, cor, teor de gordura, vigor, hábitos (nos animais), e provavelmente a disposição”13, não são resultados do desenvolvimento dos indivíduos que as apresentam, mas sim representações de consequências hereditárias. Dessa forma, pode, a partir de cruzamentos, surgir ou desaparecer infinidades de características na natureza. Este é o princípio da variação.

Assim, essa variação ocorre de forma natural com o decorrer das gerações e a partir das necessidades apresentadas pelo meio aos seres que nele vivem. “[…], por exemplo, houvesse previsto que um canídeo, numa região com muitas lebres, levaria vantagem se tivesse pernas mais longas e visão mais aguçada – haveria criado um galgo. Se tivesse previsto um animal aquático – membranas interdigitais.”14 Percebe-se, dessa forma, que a natureza age de maneira perspectiva, desenvolvendo novas espécies e características conforme o meio envolvente.

Em um determinado ecossistema irão existir plantas e animas, que lutarão constantemente por sua sobrevivência “a natureza está em guerra, um organismo contra o outro ou contra a natureza externa”15. Essa eterna batalha, travada de forma lenta e sutil, não é contra presas ou predadores, nem entre espécies, mas sim, para manter-se vivo, alimentado e para que sua prole persevere. Ou seja, o indivíduo está sozinho, fugindo de predadores maiores e combatendo contra seus semelhantes para obter comida e o melhor parceiro. Sendo assim, as probabilidades de sucesso desse indivíduo dependerão de suas características e de sua adaptabilidade com o meio.

Admitamos que o número de lebres aumente lenta mas constantemente por mudanças de clima que afetam determinadas plantas, e não outras…que os coelhos diminuam nesta mesma proporção[admitamos que isso desordene a organização], um canídeo que no início encontrava seu sustento atacando coelhos (que por sua vez são muito mais lentos que lebres) e perseguindo seu rastro, também deve diminuir e poderia desse modo extinguir-se rapidamente. Mas se a sua forma variasse, ainda que levemente, os indivíduos ágeis, de patas longas, em mil anos seriam selecionados, enquanto os mais lerdos acabariam desaparecendo ou então, não havendo oposição de alguma lei da natureza, deveriam mudar de formas. 16

Percebe-se que na natureza o indivíduo mais adaptado tem mais probabilidade de prevalecer na batalha pela sobrevivência, deixando os incapazes a mercê da extinção e do esquecimento. A seleção natural focaliza-se não na força, mas sim na capacidade de alimentar-se e reproduzir-se em um determinado tipo de meio.

A natureza trabalha longos períodos para realizar a seleção natural, não tendo exatamente um período definido. Cada ser está inserido em um determinado lugar na economia da natureza, e se alguma dessas espécies não se modificar e se melhorar em um grau correspondente com seus competidores, será exterminada.

Vislumbra-se que a seleção natural é rígida e implacável e à sua deriva sobreviverão aqueles que forem mais adaptáveis ao meio e suas mudanças, extinguindo aqueles que não apresentarem um desempenho satisfatório de adaptabilidade. Sendo que essa adaptabilidade, exigida pela seleção natural, não corresponde à força ou à capacidade física para se manter vivo, mas sim se refere à capacidade de mudar, agir, prevalecer e reproduzir diante à todas as dificuldades apresentadas pelo meio e por suas mudanças.

Darwin coloca que a grande quantidade de indivíduos favorece a seleção natural:

This is an extremely intricate subject. A great amount of variability, under which term individual differences are always included, will evidently be favourable. A large number of individuals, by giving a better chance within any given period for the appearance of profitable variations, will compensate for a lesser amount of variability in each individual, and is, I believe, a highly important element of success.17

Assim, quanto maior o número de indivíduos maior será a chance de se apresentar uma grande diversidade de variações, sendo que isso é, para Darwin, de grande importância para o sucesso da evolução a partir da seleção natural.

Essas, então, são as leis da natureza para reger o desenvolvimento dos seres vivos desprovidos de uma organização social, os quais ficam a mercê de um combate desigual, onde já se possui um vencedor e um perdedor. Os perdedores perecerão, sendo descartados e devorados por aqueles que perpetuam. E assim, esse ciclo irá se repetir infinitamente, sendo sempre necessária a existência de ambos os seres, os mais e os menos adaptáveis.

Essa teoria de Darwin é direcionada à natureza e seu desenvolvimento livre de qualquer tipo de razão social e tendo como principal princípio evolucionista a eliminação dos menos capazes de adaptar-se e conservação dos mais capazes de adaptar-se. O ser humano deixou de estar inserido nesse meio de seleção natural a partir do momento em que sua capacidade intelectual proporcionou a possibilidade de viver sem depender de seu potencial de adaptabilidade, pois se utilizando da inteligência tornou possível adaptar o meio às necessidades do homem.

Como coloca Domingues, Sá e Glick,

A dificuldade que Darwin e os outros evolucionistas sentiram está diretamente relacionadas com a profundidade que uma teoria de evolução por seleção natural traz em seu bojo. Ela teve, e tem, o impacto que, alguns séculos antes, as idéias de Copérnico e Galileu produziram numa sociedade de fundamentos cristãos. Ernst Mayr, em seu livro One Log Argument (1991:38), sintetiza esta revolução: porque levou tanto tempo para a evolução ser seriamente propostas? (…) A razão é que Darwin mudou algumas das crenças básicas da época. Quatro delas eram pilares dos dogmas cristãos: 1- a crença num mundo constante (…); 2- a crença num mundo criado (…); 3 – a crença num mundo desenhado por um Criador sábio e bondoso (…); 4 – a crença numa posição do homem na criação(…).18

No ano de 1944, Richard Hofstadter utilizou-se o termo Darwinismo Social para descrever o pensamento desenvolvido durante os séculos XIX e XX a partir das concepções de Herbert Spencer e de Thomas Malthus.

Assim, a teoria de Darwin foi uma construção de um pensamento que explica a diversidade de espécies de seres vivos através da evolução e da seleção natural. No entanto, alguns pensadores acreditavam que a sociedade humana também ocorreria sob este parâmetro.

Importante, que se verifique que o darwinismo é uma forma ou uma tentativa de se aplicar o darwinismo nas sociedades humanas.

Esse pensamento parte do pressuposto que existiria características tanto biológicas como sociais que determinariam que um indivíduo, uma pessoa é superior à outra, ou seja, que as pessoas que se enquadram nesses critérios seriam aptas, as outras não.

Portanto, hipoteticamente, poderia se afirmar que o ser humano encontra-se em uma posição privilegiada, que torna possível o desenvolvimento da espécie sem uma dependência do que se usou chamar de seleção natural. Todavia, será que a sociedade realmente possibilita a proteção de seres humanos menos adaptáveis, para que todos possam viver em paz e felizes sem temer a seleção natural? Ao observar a sociedade atual parece que o homem retirou-se do darwinismo-natural para colocar-se no darwinismo-social.

O darwinismo-social apresenta a mesma base principiológica que o darwinismo-natural, preservando e prosperando os mais capazes e eliminando os menos capazes de adaptar-se e evoluir de acordo com a necessidade de requerida pela sociedade.

No contexto, o darwinismo social foi empregado para que pudesse explicar a pobreza pós-industrial, explicando que os que estavam pobres eram os menos aptos.

A partir dessa análise à respeito do darwinismo social e da teoria dos sistemas, vislumbra-se a partir de já a conexão de ambos para a resolução dos problemas advindos da modernidade.

 

4 A Sociedade Moderna e a possível conexão com a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos: a questão do Darwinismo Social

O Darwinismo Social representa uma forma de seleção natural social, onde os mais aptos financeiramente sobrevivem e os menos aptos mendigam e são excluídos social, cultural e financeiramente.

Assim, as concepções de seleção natural e de luta pela vida podem ser utilizadas para definir nosso sistema social, voltado para uma visão mecanicista ou cartesiana, onde o poder sucumbe o resto das virtudes.

A recepção da teoria de Darwin engendra um complexo de relações – sociais e humanas – que constituem um aspecto importante na conexão com a Teoria dos Sistemas autopoiéticos.

No ponto de vista da aplicação da teoria de Darwin para o campo social, a mesma serve como suporte para certas explicações à respeito das grandes desigualdades sociais existentes.

Assim, vislumbra-se a idéia mecanicista onde como coloca Branco,

A idéia segundo a qual o todo é igual à soma de suas partes corresponde a um conceito matemático, portanto quantitativo e não qualitativo. Por isso, não se aplica quando pretendemos estudar a função (e não apenas a estrutura) de um objeto. O próprio Descartes, no Discurso do Método, ao enumerar os 4 preceitos de que se compõe a sua lógica, explica como segundo preceito: “dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las dando a entender que se referia a problemas quantitativos. 19

Esse pensamento cria a falta de harmonia social, onde o homem esquece os laços de formação e de informação para com a sociedade.

Adiante Branco salienta que,

A vaidade desse princípio de causa e efeito, ou a certeza resultante da repetição constitui a condição indeclinável a uma concepção mecanicista do universo. E já consideramos, por outro lado, que essa visão mecanicista representa, provavelmente, o ponto de partida para o reducionismo, para a concepção atomística. A máquina, por mais simples que seja, é constituída de partes identificáveis. (…)

Por outro lado, a interpretação holística apresenta certas dificuldades, com relação à formação de conceitos genéricos. Se conhecermos pela primeira vez uma pequena cidade ou aldeia, percebemos que ela possui uma identidade própria, que a diferencia de outras cidades conhecidas, de outras regiões. A visão holística permitirá essa distinção. Porém, se não observarmos de forma analítica, examinando os tipos de casa diversos, os materiais de construção especificamente empregados, o traçado das ruas, os hábitos etc., para compará-los, elemento a elemento, com os que são encontrados em diversos outros tipos de cidades, dificilmente adquirimos o conceito genérico de cidade. Para o oriental ou para o índio mexicano, “cada caso é um caso”, como cada pessoa é uma pessoa, pouco importando o conceito geral de natureza ou de ser humano.20

Assim, um dos grandes feitos de Darwin foi ter reconhecido além da necessidade de uma perfeita integração a nível de organismo, uma integração igualmente essencial entre este e o meio em que vive, ou com a própria natureza como um agente selecionado do melhor adaptado; como esse meio está em constante e contínuo processo de alteração, as espécies também acabam variando. 21

Surge aqui a conexão autopoiética, onde as relação são recursivas, auto-referentes e circulares, o sistema tem início e fim em si mesmo, se (re)criando, se (re)alimentando e se (re)organizando.

Para Zymler,

Por meio da ‘auto-referência’ de base, da reflexividade e da reflexão, opera o sistema de forma completamente ‘auto-referente’, sendo capaz de, ao mesmo tempo em que se reproduz de forma fechada e ‘recursiva’ (os atos comunicativos antigos geram os atuais, que, por sua vez, gerarão os futuros atos comunicativos), comunicar sobre os seus elementos, seus processos e sobre o próprio sistema.22

Sob esse ponto de vista, os sistemas se completam a si mesmos, ou seja, os sistemas tem sua própria identidade e, manejando sua identidade o sistema constitui a sua diferença frente ao meio e acaba mantendo sua autonomia. Na realidade, cada sistema será um complemento de si mesmo e para si mesmo, esse paradoxo mostra que cada indivíduo é um sujeito para si mesmo.

Portanto, verifica-se que o sistema autopoiético ao mesmo tempo que promove a inclusão deve promover a exclusão, tendo que gerir esse paradoxo em seu meio. Sendo esse paradoxo fundamental para a existência desse sistema.

Mas como pode se achar a solução para essas questões – inclusão e exclusão-?

A solução, talvez, seria a (des)construção total dos paradigmas dominantes e a reconstrução de novos.

Na atualidade a sociedade está em retrocesso, apesar de grandes descobertas e legados científicos, culturais e mesmo econômicos, não se conseguiu resolver o problema da exclusão social.

Centenas de seres humanos são obrigados a viver em condições sub-humanas, a passar por necessidades tudo isso fundado numa visão cartesiana voltada ao poder. O ser humano com sua visão antropocêntrica, onde o mesmo se considera dono e senhor de tudo não conseguirá chegar a local algum.

É preciso que se adote uma nova visão de mundo, de vida, de economia. A sociedade moderna está na brutal lei da sobrevivência do mais apto onde o menos apto acaba sucumbindo em meio ao contexto.

De fato, descrever e prescrever mudanças são um tanto simples, o complexo será executá-las. Mas o conflito contrapõe a noção da incompletude e da existência arraigada no indeterminismo e mesmo na assimetria do tempo.

Surge o dilema, as incompletudes, tão incompletudes que acabam sendo ignoradas no decorrer da existência.

Compare-se a sociedade e um cristal, a primeira é uma estrutura “bem definida”, mas esta depende de seu funcionamento, o segundo é uma estrutura em equilíbrio. Assim, percebe-se que essas estruturas dependem da interação com o ambiente, pois se isolamos uma sociedade, uma comunidade ela não resistiria e sucumbiria, ao contrário do cristal.

Compreender a essência dos grandes pensamentos é de extrema valia. Eles podem ser a clave de luz para o encontro de solução para nossos problemas, além, da criação de novos pensamentos voltados a novas visões e a rupturas de paradigmas e de tautologias dominantes.

Entre o tempo e a eternidade, a vida flui, as sociedades se consolidam, o poder cresce e se torna núcleo propulsor – da economia, das sociedades, do consumo, da vida, do bem-estar, da existência -, assim, a negação do tempo acarreta a dor da mudança, a incerteza, entre seres humanos que nascem, crescem e morrem num universo em evolução.

As leis da vida adquirem novos significados, não se tratando de certezas morais, mas sim de possibilidades. Possibilidades essas de (re)construção de um devir, e não mais somente do ser.

Descrever soluções para as irregularidades atuais acaba sendo caótico, mas é preciso que se acredite num mundo mais próximo do imaginado, onde a desordem de lugar a ordem, onde o poder acabe em segundo plano, onde o homem veja sua verdadeira função no universo e a vida não caia no paradoxo da existência.

 

5 Considerações Finais

Ao debater as perspectivas da Teoria dos Sistemas Autopoiéticos quer-se aproveitar a oportunidade para que se perceba o quanto é importante uma ruptura de paradigmas, através da adoção de uma nova visão, onde a idéia sistêmica seja concretizada, deixando de lado o mecanicismo, que deve ser abandonado, dando ensejo a que as questões sociais e, em especial para este artigo, possam ser dosada de forma harmônica e correta, abrindo caminhos a uma sociedade que possa se dizer harmonizada com os conflitos advindos das relações humanas – Darwinismo Social -.

É importante que se reflita à respeito das transformações desencadeadas pelo Darwinismo Social. As relações de inclusão e de exclusão social devem ser revistas e repensadas sob outra ótica, a ótica holística e não a mecanicista.

Na sociedade pós-moderna, o Darwinismo Social se apresenta como concretização do poder, onde os mais aptos sobrevivem em detrimento dos menos aptos, ou seja, os com menos poder aquisitivo são aniquilados pela conjuntura social enquanto os outros – com melhor poder aquisitivo – são beneficiados pela sociedade.

Com este trabalho tem-se a aspiração de conectar a visão sistêmica à relação social. Nessa seara, acredita-se que ficou amplamente provada a possibilidade de tal conexão, uma vez que a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos equaciona em seu meio o paradoxo da inclusão e da exclusão. A decisão é, portanto, mais política do que técnica. Seguramente a opção aqui apresentada viabilizaria o enquadramento da relação de em novos padrões sociais, que dimensionaria, no mesmo diapasão, novos contornos éticos, morais, econômicos e científicos.

O mecanicismo exagerado, como ficou demonstrado neste, leva a criação de diversos problemas nos vários campos do conhecimento, além, dos campos sociais, culturais, econômicos, políticos e jurídicos, e a visão sistêmica pode ser uma opção para a quebra de paradigmas existentes nessa sociedade.

 

6 Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Os direitos dos consumidores. Coimbra: Almeidina, 1982.

BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas. Tradução Francisco M. Guimarães. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1977.

BIELEFELDT, Heiner. Direitos humanos: Filosofia dos Direitos Humanos. São Leopoldo: Unisinos

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus. 1999.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao estado social. 3. Ed. Rio de janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1972.

BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica. Uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente. 2. Edição. São Paulo: Edgar Blücher, 1999.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996.

CAPRA, Fritjof. O tao da física. Um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. São Paulo: Cultrix, 2002.

DARWIN, Charles. A origem das espécies – esboço de 1842. Rio de Janeiro: CEN. Ano 1992.

DARWIN, Charles. The origin if species. London: Everyman’s library. 1971.

Declaração e Programa de Ação de Direitos Humanos de Viena. 1993.

DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol; SÁ, Magali Romero; GLICK, Thomas. A recepção do Darwinismo no Brasil. RJ: Fiocruz, 2003.

HAYEK, Fridrich A. Von, Liberalismo: palestras e trabalhos. São Paulo: Bypress Comunicação Ltda. 1994.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Abril, 1988. (Coleção os pensadores).

HOLANDA, Francisco Uribam Xavier de. Do liberalismo ao neoliberalismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.

HUT, E. K. História do pensamento econômico, 4ª. Ed., Rio de Janeiro: Campus, 1986.

KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. São Paulo: Abril. 1983. (Coleção os pensadores)

LASKI, Harold. O liberalismo europeu. São Paulo: Mestre Jou, 1973.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril. 1983. (Coleção os pensadores)

MATURANA, Humberto Romesín; VARELA, Francisco García. De máquinas e seres vivos: autopoiese – a organização do vivo. 3ª ed. Porto Alegre: ARTMED,1997.

MISES, Ludwig Von. Liberalismo: segundo a tradição clássica. (trad. de Haydn Coutinho Pimenta). Rio de Janeiro: José olympio: Instituto Liberal, 1987.

MORIN, Edgar. A religação dos saberes. O desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

MORIN, Edgar. Sete saberes necessários para a educação do futuro. Tradução Catarina Eleonora F. Da Silva e Jeanne Sawaya. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

STEWART JR, Donald. O que é liberalismo, 4ª. Ed., Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

 

1Bertalanffy começou sua carreira de biólogo em Viena, por meados da década de 20, o qual juntou-se a um grupo de cientistas e filósofos, que eram conhecidos internacionalmente no Círculo de Viena. O mesmo dedicous-e a substituir os fundamentos mecanicistas da ciência por uma visão mais holística.

2BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas. Tradução Francisco M. Guimarães. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1977, p. 60-61.

3CAPRA, Frijof. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996, p. 53.

4 CAPRA, Fritjof. A teia da Vida. Op.cit. p.54-55.

5BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica. Uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente. 2. Edição. São Paulo: Edgar Blücher, 1999, p.72.

6 CAPRA, Fritjof. A teia da Vida. Op.cit. p.74-75.

7TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989, p. III – prefácio.

8Niklas Luhmann, sociólogo alemão, nasceu em Lüneurg em 8 de dezembro de 1927. Foi professor na Universidade de Bielefeld entre 1966 e 1993. Adepto ao pensamento sistêmico vê a sociedade como um sistema autopoiético.

9TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989, p. XI – prefácio.

10TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Op. Cit., p. X – prefácio.

11TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Op. Cit., p.X – prefácio.

12ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 38.

13DARWIN, Charles. A origem das espécies – esboço de 1842. Rio de Janeiro: CEN. Ano 1992. p.19.

14DARWIN, Charles. A origem das espécies. Op.cit., p.24.

15DARWIN, Charles. A origem das espécies. Op.cit., p.75.

16DARWIN, Charles. A origem das espécies. Op.cit., p.26.

17DARWIN, Charles. A origem das espécies. Op.cit., p. 98.

18DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol; SÁ, Magali Romero; GLICK, Thomas. A recepção do Darwinismo no Brasil. RJ: Fiocruz, 2003. p. 12.

19 BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica. Uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente. . Edição. São Paulo: Edgar Blücher, 1999, p. 3.

20BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica. op. cit., p. 43.

21BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica. op.cit., p. 54.

22ZYMLER, Benjamin. Política & direito. op. cit. p.37.

Cleide Calgaro

Scrivi un commento

Accedi per poter inserire un commento