A produção normativa do poder executivo e a desconstitucionalização da república: o caso das medidas provisórias

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Resumo: Este artigo pretende estudar o desvirtuamento que o instituto jurídico-normativo denominado medida provisória sofreu em território brasileiro. Instituto típico ao sistema parlamentarista de governo, a medida provisória foi implantada no Brasil após a Constituição de 1988, para um regime presidencialista de governo. Seu uso desmedido pelos Presidentes que se sucederam no cargo gerou o que Paulo Bonavides chamou de desconstitucionalização da República, quando o Poder Executivo, a despeito dos preceitos constitucionais e da norma material da divisão de Poderes, acabou por subtrair do Poder Legislativo sua prerrogativa legiferante.

Palavras-chave: Medida provisória. Desconstitucionalização. Poder Executivo. Hipertrofia.

Riassunto: Questo articolo si propone di studiare la distorsione che la normativa-giuridica dell’istituto ha nominato un provvedimento provvisorio in territorio brasiliano. Istituto per il tipico sistema di governo parlamentare, il provvedimento provvisorio è stato realizzato in Brasile, dopo la costituzione del 1988, ad un sistema di governo presidenziale. Il suo uso eccessivo da parte dei presidenti che seguirono in carica ha generato ciò che Paolo chiama deconstitutionalization Bonavides della Repubblica, quando il ramo esecutivo, nonostante le disposizioni costituzionali e la dotazione di serie della divisione dei poteri, semplicemente sottraendo la prerogativa di legiferare legislatura.

Parole chiave: Provvedimento provvisorio. Deconstitutionalization. Ramo esecutivo. Ipertrofia.

Sumário: Introdução. 1. Requisitos formais: relevância e urgência. 2. Pressupostos materiais. 3. A reedição. Considerações finais

 

Introdução

O governo não muda ninguém, o poder faz as pessoas se revelarem. (Frei Betto).

É tradicional na história brasileira as transformações serem feitas pelo alto. (Carlos Nelson Coutinho).

Como restará demonstrado adiante, a postura sintomática do Poder Executivo na utilização desmedida destas ferramentas de governo recai em três tendências principais – tendências que desnaturalizam1 os decretos-leis e as medidas provisórias como instrumentos normativos para situações excepcionais: I) o não preenchimento dos pressupostos formais de relevância e urgência quando da tomada de decisão pela edição de um decreto-lei ou de uma medida provisória; II) o desrespeito aos pressupostos materiais, revelado pelos inúmeros DLs2 e MPs editados sobre as mais variadas matérias, inclusive aquelas expressamente vedadas, como se verá; III) as sucessivas reedições de MPs, visando a perpetuação de seus efeitos e a manutenção de sua eficácia normativa.

Como o período de exceção regimentado pelos Atos Institucionais já fora tratado oportunamente (sendo os decretos-leis típicos às ditaduras pelas quais o Brasil passou)3, resta-nos agora uma análise do período de transição democrática inaugurado pela Constituição de 1988. Consequentemente, a análise ficará restrita à utilização de medidas provisórias pelos presidentes eleitos democraticamente, antes e após a promulgação da EC-32/01.

Fica previamente ressaltada a importância dos estudos de Carl Schmitt sobre o “decisionismo” para que tratemos desta situação problemática. O desequilíbrio na relação entre o três Poderes da União agrava-se à medida que o Poder Executivo vai concentrando poder político, quando da tomada de decisões quase sempre unilaterais. As demandas políticas da ocasião encontram guarida na conduta abusiva de todos os Presidentes que passaram pela Administração do país, ao editarem medidas provisórias em flagrante desrespeito à “vontade constitucional” ou “vontade de Constituição”, para usar a expressão do jurista Konrad Hesse.4 Manifesta-se, assim, a sobrepujação do sistema político em relação ao sistema jurídico5, enfraquecendo a força normativa constitucional, que deveria reger todos e quaisquer atos jurídicos, sobretudo os atos administrativos.6 Ou seja, fica patente a atitude hipertroficamente “decisionista” de nossos presidentes. Alguns autores manifestaram, não sem razão, a usurpação – ilegal, inconstitucional e, em certa medida, imoral – da prerrogativa legiferante do Poder Legislativo pelo Executivo.

Par dar cabo de tal análise, será utilizada a tipologia forjada acima. Assim, três momentos diferentes representarão as principais tendências que norteiam a formulação das medidas provisórias, baseadas em decisões do Poder Executivo que concentram o poder político,7 quais sejam: desrespeito aos requisitos formais; desrespeito aos requisitos materiais; e desrespeito à limitação de reedições. Pela impossibilidade de tratarmos do conteúdo e da forma abusiva de todas as medidas provisórias, ressaltaremos apenas alguns casos emblemáticos de cada um dos Presidentes do período de transição democrática.

 

1. Requisitos formais: relevância e urgência

Comecemos pelas medidas provisórias que não preencheram os requisitos formais de relevância e urgência.8 Consigne-se que estes requisitos são revestidos de subjetividade, cabendo ao Presidente ampla margem de discricionariedade. Muitos doutrinadores divergem quando aos conceitos de relevância e urgência. O que se conclui é que a discussão quanto ao que vem a ser relevante ou urgente não nos fornece suficientes subsídios para a análise da anomalia que se tornou a medida provisória. O melhor caminho para tal desiderato, sem dúvida, é a análise de seu conteúdo e das formas pelas quais foram estabelecidas. É de se lembrar, todavia, que é dever do Poder Executivo justificar a edição de uma medida provisória, manifestando-lhe as suas motivações – o que quase nunca ocorre.

Em 1989, o então Presidente José Sarney editou a MP nº 269, com a qual tentou decidir certa parcela dos rumos econômicos do país. Esta MP autorizava o Poder Executivo a privatizar empresas estatais mediante procedimentos específicos. Foi rejeitada pelo Congresso Nacional um mês após a sua expedição. Obviamente, não era uma questão tão urgente que demandasse a propositura de uma MP. Ademais disso, pela natureza de seu conteúdo, é patente a necessidade de uma iniciativa como esta partir da Câmara dos Deputados, via projeto de lei em procedimento legislativo ordinário, após longo debate e visando a aproximação do dispositivo aos anseios do povo brasileiro – e não à mercê da mera arbitrariedade política do Presidente. Esta decisão, portanto, não se revestia de relevância – conquanto versasse sobre questões econômicas importantes para o país, sua matéria não estava adstrita à alçada normativa do Poder Executivo.

No entanto, infelizmente o mesmo não ocorrera com algumas MPs editadas pelo Presidente Fernando Collor.10 Tomando posse como Presidente aos 15 de março de 1990, Collor, de imediato, inaugurou um novo plano econômico para o Brasil através de uma série de MPs. Dentre elas estava a MP nº 168, que alterou a moeda nacional para o Cruzeiro e instituiu a liquidez dos ativos financeiros11, atitude popularmente conhecida como confisco de cadernetas de poupança.12 A motivação foi a urgência de se retirar o Brasil da crise inflacionária e a relevância, mais uma vez, foi vinculada ao suposto interesse público na medida. Este ato inescrupuloso causou danos irreversíveis a inúmeros cidadãos brasileiros, e resultou em desordem econômica, política e social para a Nação.

Contudo, o abuso do poder político no processo legislativo não fica restrito à conduta do Poder Executivo. Muitas vezes, os próprios parlamentares desrespeitam o processo legislativo constitucional e os Regimentos Internos de suas Casas. Exemplo disso é o caso da Lei nº 11.960, resultante legal da MP nº 457. Ocorreu que o formato original da MP não chegou na Câmara. Afinal, esta MP foi modificada sorrateiramente durante a apreciação prévia da Comissão Mista no Congresso Nacional, por obra do Senador Romero Jucá13. Quando, então, chegou à Câmara dos Deputados para ser inicialmente votada, já não era mais a MP nº 457 originária. Ocorreu-lhe, assim, o que alguns autores chamam de “contrabando normativo”.14

Trata-se do seguinte: algum instrumento normativo, qualquer que seja, sofre modificações em uma das casas do Congresso Nacional (quase sempre no Senado Federal). Algum dispositivo é enxertado no corpo normativo do instrumento legal, ou, ao contrário, ocorre que algum dispositivo lhe é amputado. O procedimento é feito sorrateiramente por algum Senador ou Deputado, permanecendo imune ao processo revisório – uma vez que o dispositivo enxertado não passa pelas discussões das Comissões técnicas, o que naturalmente ocorreria com qualquer proposição de emenda – e, portanto, ferindo o a garantia constitucional do devido processo legislativo.15

No caso da MP nº 45716, ampliou-se o prazo máximo de parcelamento das dívidas das Prefeituras Municipais com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).17 Guido Mantega, Ministro da Fazenda à época, justificou a medida como uma estratégia do governo federal para receber os débitos previdenciários devidos pelos municípios ao INSS mediante “parcelamento sob condições especiais”. Quando notamos que o prazo fora quadruplicado, podemos concluir que foram condições especialíssimas.

O dispositivo enxertado pelo Senador Jucá acabava com o juros de mora cobrado na correção das dívidas judiciais dos Estados e municípios, que, desde 2001, era de 6% ao ano para precatórios, mais atualização monetária pela inflação18 e juros de mora. Agora, estas dívidas passarão a ser corrigidas pelo índice da caderneta de poupança.19 Resta claro, portanto, que o requisito de “relevância” fora totalmente negligenciado, ao editar-se, por MP, matéria de interesse público que deveria ser discutida em Plenário e encaminhada por projeto de lei. Com relação à urgência20, dúvidas também não sobram. Não havia, à época, nenhuma urgência que justificasse a regulamentação de matérias referentes a dívidas do Poder Público para com seus contribuintes.

Estes são apenas alguns exemplos de MPs editadas sob o auspício de pretensas conjunturas que demandariam atitudes urgentes e imediatas por parte do Poder Executivo. Registre-se, por oportuno, que até o advento da EC-32/01, a postura do STF era de conivência com os interesses do Poder Executivo. Em julgamento sobre a constitucionalidade de uma MP, relativamente à apreciação do preenchimento dos pressupostos formais de relevância e urgência, o STF se posicionou pelo entendimento21 de que a aferição destes pressupostos ficaria por conta dos Poderes Executivo e Legislativo. Por quê? Porque se tratavam de requisitos de caráter político22, cabendo certa margem de discricionariedade ao Presidente da República – ou seja, segundo suas oportunidade e conveniência. A avaliação judicial destes requisitos, segundo os Ministros, seria apenas subsidiária.

 

2. Pressupostos materiais

Após a EC-32/01, vimos que as MPs passaram a sofrer restrições quanto às matérias que poderiam ser regulamentadas através de sua utilização. E, muito embora o rol taxativo do §1º do art. 62 da CF/88, inserido por esta Emenda, seja bem claro ao impedir a feitura de MPs que versem sobre algumas matérias específicas,23 esta medida não impediu a megalomania de alguns presidentes e a consequente vulgarização do uso de MPs.

O caso emblemático de desrespeito ao pressuposto material das MPs foi, sem dúvida, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a mesma pessoa que, na condição de Senador, teria criticado ferozmente a inércia do Congresso Nacional em barrar a conduta legiferante do Executivo na utilização de MPs. Nenhuma outra MP retrata melhor esta transgressão que a MP nº 28/0224, rejeitada no todo pela Câmara dos Deputados.25

A MP nº 28 26 dispunha sobre normas gerais de direito penitenciário. Entre outras medidas, previa a criação de um regime disciplinar diferenciado para os presos que, em regime fechado, cometessem falta grave equivalente à prática de crime doloso; transferia aos diretores da administração penitenciária a atribuição para decidir em qual estabelecimento prisional os presos deveriam cumprir sua pena (atribuição originariamente conferida ao juiz da execução penal, segundo disposição do Código de Processo Penal então em vigor); abria a possibilidade de realização dos interrogatórios (para presos que eram réus) e inquirições (para presos que eram testemunhas no processo) dentro dos próprios estabelecimentos penitenciários onde estivessem recolhidos.

A mesma pessoa que atacava o desrespeito às normas constitucionais no passado passou a rasgar o texto constitucional a bel prazer. Sabemos que não apenas o art. 62, §1º, limita a competência legiferante dos Poderes – o próprio art. 22, em seu inciso I27, restringe à União a competência para legislar sobre matérias de Direito Penal e Processual Penal. Fernando Henrique Cardoso, visando maior contensão dos motins de presos28 e apoio político dos administradores penitenciários, estava, editando esta MP absurdamente kafkaniana29, hipertrofiando as prerrogativas do Poder Executivo. O próprio conteúdo da MP geraria a hipertrofia dos poderes conferidos aos administradores públicos, neste caso, aos diretores penitenciários, conferindo-lhes mecanismos estranhos às prerrogativas próprias da função.30

 

3. A reedição

Por fim, resta-nos uma análise sobre o fenômeno da reedição. Antes da previsão contida na EC-32/0131, que introjetou o §10 no art. 6232, as reedições eram feitas e desfeitas descontroladamente.33 Embora o mandato de Fernando Henrique Cardoso tenha terminado em 31 de dezembro de 2002, a estrutura da Presidência da República e de todo seu ministério, alterada em 1999 através da MP nº 2.216, nunca foi votada. Esta MP foi reeditada 37 vezes (num período de três anos e um mês) de modo a garantir que seu gabinete e seus ministérios funcionassem do jeito que havia planejado. O Código Florestal, outrossim, foi reeditado por 67 vezes (cinco anos e sete meses).

O Poder Judiciário, submetendo-se às vicissitudes do Poder Executivo34, decidiu por reconhecer a possibilidade e legitimidade de reedição das MPs, contanto que não tivessem sido expressamente rejeitadas dentro do decurso do prazo de 30 dias para apreciação pelo Congresso Nacional. Afinal, ainda estariam válidas e produzindo efeitos – este entendimento era manifestado, entre outros, pelo Ministro Carlos Velloso.35

A situação após a EC-32/01, todavia, alterou-se sensivelmente. Segundo voto exarado pela Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, nos idos de 2004, quando na condição de relatora de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade, a reedição de MP revogada, cuja matéria somente poderia voltar a ser discutida mediante projeto de lei, constitui-se em fraude à Constituição36.

O então Presidente Luis Inácio Lula da Silva, em 2007, editou a MP nº 377, aos 18 de junho. Tal qual Fernando Henrique Cardoso fizera, Lula quis remanejar a estrutura de seus ministérios, criando a Secretaria Especial de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República, com status de Ministério. Ao rejeitar esta MP37, o Congresso acabou por criar uma situação esdrúxula: deixou um Ministro sem seu respectivo Ministério. Ciente da conjuntura política da relação entre os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, e sensibilizado de suas atuais peculiaridades, o Presidente Lula, juntamente de seus Ministros Dilma Rousseff38 e Paulo Bernardo Silva39, enviou, no primeiro semestre de 2008, projeto de Lei para apreciação do Congresso Nacional cujo conteúdo versava sobre algumas das matérias da antiga MP nº 377, já então rejeitada e ineficaz.

A cautela desta postura é manifesta: a Secretaria Especial de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República, órgão criado pela MP rejeitada, passou a ser a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, gozando do mesmo status de Ministério, conforme se infere do art. 1º da Lei 10.683/0340, modificado pela Lei nº 11.754/0841, aprovada e sancionada. Ou seja, preocupados com a importância desta Secretaria, desejosos em instituí-la e vendo-se amarrados pela resistência do Congresso Nacional em admitir sua urgência, o Presidente Lula e seus ministros acharam por bem percorrer o caminho mais demorado, justo e democrático: a proposta de projeto de Lei.

Mas os problemas concernentes às MPs não se resolveram, em sua totalidade, após a EC-32/01. No acordo entre os Poderes Executivo e Legislativo que deu luz à EC-32/01, ficou estabelecido que as regras das 52 MPs que não tinham sido votadas até então continuassem vigendo até que os congressistas decidissem o que fazer com elas (essa é a razão de ser do §12 do art. 62 da CF/88).42

 

Considerações finais

Estima-se que no ano de 2007, pela existência de uma enxurrada de MPs trancando a pauta de votações do Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados tenha utilizado 65% das suas 166 sessões deliberativas para apreciá-las.43 Em 2008, o então presidente da Câmara, Deputado Arlindo Chinaglia, propôs a formação de uma comissão do Congresso para analisar o sem número de MPs que estavam paradas, devolvendo aquelas que não preenchessem os requisitos de relevância e urgência.44 Ao longo de mais de duas décadas desde a Constituição de 88, um sem número de MPs acumulou-se, gerando o que alguns parlamentares chamam de “entulho legal” e que alguns jornalistas decidiram denominar de “limbo legislativo”. Pelo advento da EC-32/01, 52 MPs que ainda não tinham sido votadas sedimentaram-se nas mesas de votação, tornando-se o entulho referido.45

Pelo exposto, restou claramente evidenciado um conjunto de circunstâncias e posturas políticas que tornam peculiar a organização e divisão das prerrogativas dos Poderes da União no Brasil. Estas peculiaridades, próprias do processo jurídico-político de formação de nossas instituições, geraram, ao longo dos anos, a hipertrofia do Poder Executivo. Veremos, a seguir, como estas peculiaridades atingem em cheio o arcabouço normativo central de nosso ordenamento: a Constituição.

Mas não é o texto constitucional que fica debilitado com estas posturas; o que se abala, na verdade, é nossa realidade constitucional, assim como o processo de concretização normativa do projeto político esculpido em nossa Carta Maior. Em outras palavras, o Brasil vem sofrendo, na visão de Marcelo Neves46, um processo de constitucionalização simbólica, dentro do qual ocorre a feitura de leis cuja característica mais saliente é a hipertrofia de seu aspecto “político-ideológico latente em detrimento de seu sentido normativo-jurídico aparente”47, sentido este de extrema importância para a concretização normativa do texto constitucional.

REFERÊNCIAS

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SAMPAIO, Nelson de Souza. O processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968.

1 Ives Gandra Martins salienta que, num sistema parlamentar, justificar-se-ia o instituto da medida provisória. Afinal, como neste regime o Poder Executivo tem origem no Poder Legislativo e é por ele controlado constantemente, podendo inclusive ser derrubado, a delegação da competência legiferante não constituiria risco para a autonomia entre os poderes. Isso porque uma medida provisória não aprovada poderia desencadear “a derrubada do Gabinete e a constituição de um novo pelos parlamentares que a derrubaram”. BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil – promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 4. t. 1. p. 427.

2 O TRF, segundo recorda José Celso de Mello Filho, no final da década de 70, julgou inconstitucional um decreto-lei que versava matéria de Direito Penal, a saber: “Direito Penal. É inconstitucional o decreto-lei n. 1.650, de 19-12-78, visto como, dispondo sobre extinção da punibilidade, incursionou em área que lhe era proibida, qual seja a do Direito Penal, reservada exclusivamente ao Poder Legislativo, ex vi arts. 8º, inciso XVII, letra b, e 43, do Estatuto Fundamental”. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 161.

3 Sobretudo pelas experiências ditatoriais do Presidente Getúlio Vargas (após a Constituição de 1937) e dos “anos de chumbo”, os 21 anos de revezamento entre militares no poder político do Executivo, propiciado pelo golpe de Estado de 1964.

4 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. 2. ed. trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

5 Tal qual ocorrera no período de exceção, as medidas provisórias revelam o elemento decisionista do direito brasileiro: analogamente à instituição dos AIs, que suspendia o ordenamento jurídico vigente, as MPs suspendem a eficácia das leis cuja matéria passa a regulamentar (nunca as revogam, como acreditam alguns). Ou seja, além de todas as características que lhe são peculiares, e que hipertrofiam sua amplitude legal, as medidas provisórias possuem o caráter de sobrepujação das leis vigentes, mesmo que temporariamente. Não se admite, contudo, seu efeito repristinatório: suas disposições suspendem, e não revogam, as determinações legais que lhe são contrárias.

6 Adiante, veremos como o abuso na utilização das medidas provisórias fere não apenas as determinações constitucionais, ferindo-lhe a concretização normativa; mas também a própria principiologia norteadora do Direito Administrativo.

7 Poder que deveria estar pulverizado e dividido entre os três Poderes da União.

8 Segundo o constitucionalista Josaphat Marinho, a verificação do preenchimento dos pressupostos formais, ou seja, análise de sua adequação e legitimidade, é, tanto na esfera do Judiciário, como na do Legislativo, uma exigência da ordem democrática. Só assim para que uma competência legiferante de exceção, com previsão constitucional, não se converta em fonte de abuso de poder. MARINHO, Josaphat. Pressupostos das medidas provisórias. In: Revista Ângulos. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1999. n. XXI. p. 112.

9 Outra MP rejeitada em condições análogas é a MP nº 127, de 14 dez. 1989.

10 Muito embora a posse de um Presidente da República seja marcada por solenidades, é necessário que fique registrado que, aos 15 de março de 1990, data de posse do Presidente Fernando Collor, foram editadas nada menos que 27 MPs, todas elas convertidas em lei, com exceção da MP nº 172, que não teve eficácia. Fonte: sítio virtual da presidência da república, disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Quadro/_Quadro%20Geral.htm#anterioremc>

11 Assim se expressou o então Senador Fernando Henrique Cardoso relativamente ao mau uso de MPs, sobretudo na conduta de Fernando Collor, Presidente à época: “O Executivo abusa da paciência e da inteligência do país, quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata, o Plano (econômico Collor) vai por água abaixo, e, com ele, o combate à inflação. Com esse ou com pretextos semelhantes, o governo afoga o Congresso numa enxurrada de “medidas provisórias”. O resultado lamentável: a Câmara e o Senado nada mais fazem que apreciá-las aos borbotões. É certo porém que, seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no País só existe um Poder de verdade, o do Presidente. E daí por diante esqueçamos também de falar em democracia.” Este discurso foi lembrado pela administrativista Carmen Lúcia Antunes Rocha, no artigo “Constituição e Prepotência” para o Correio Braziliense. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Constituição e prepotência. In: Correio Braziliense, 07 jul. 97.

12 A moeda era convertida no art. 1º da MP nº 168. Em seu art. 6º, §1º, determinava-se que as quantias acima de NCz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos), em saldo na caderneta de poupança, seriam convertidas em cruzeiros a partir de 16 de setembro de 1991, em 12 parcelas mensais iguais ou sucessivas. É a este dispositivo que a locução “confisco das cadernetas de poupança” refere-se.

13 Pode-se dizer que o deputado feriu a própria principiologia do processo legislativo, regulamentada através do Regimento interno do Senado Federal (Resolução nº 93, 1970), sobretudo os incisos IV, IX, X, XII e XIII do art. 412, havendo a possibilidade de ser levantada a questão de ordem, a teor do art. 413, o que, infelizmente, não ocorreu.

14 O atual presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer, no mesmo dia em que a MP 457 foi aprovada, prometeu adotar providências para acabar com os “contrabandos normativos”, isto é, emendas estranhas ao objeto principal das MPs. OUTRA fraude por meio de MP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 03 jul. 2009. Notas e informações, Caderno A3.

15 Com esta conduta, os parlamentares não apenas ferem as disposições constitucionais sobre o processo legislativo (cf. arts. 59 e ss. da CF/88), mas também os próprios regimentos internos de cada uma das Casas do Congresso Nacional (cf. Títulos IV [Das Proposições] e V [Da Apreciação das Proposições] do Regimento interno da Câmara dos Deputados [Resolução nº 17, 1989]; Títulos VIII [Das Proposições] e XV [Dos princípios gerais do processo legislativo] do Regimento interno do Senado Federal [Resolução nº 93, 1970]). Por devido processo legislativo, o jurista Marcelo Cattoni compreende a garantia do exercício da autonomia jurídica, “através da participação discursiva no processo legislativo democrático”, no qual “os próprios destinatários das normas jurídicas são os autores dessas normas”. Neste processo estaria compreendido, pela necessidade de legitimação democrática, o controle jurisdicional da constitucionalidade do próprio processo legislativo, de modo a garantir as “condições processuais para o exercício da autonomia pública e da autonomia privada dos co-associados jurídicos”. O devido processo legislativo democrático funcionaria como garantia constitucional, fazendo com que a aplicação do princípio do devido processo legal incidisse reflexivamente sobre si mesmo. Cf. OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Devido processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 129-131. Além do mais, esta postura pode evidenciar a mescla de dois sistemas legislativos distintos: o autocrático e o representativo. Cf. SAMPAIO, Nelson de Souza. O processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 7-31.

16 Esta MP, originalmente, deveria tratar exclusivamente de questões previdenciárias.

17 Ao absurdo de estender o parcelamento do pagamento dos créditos referentes a dívidas vencidas até 31 de janeiro de 2009 e devidos pelo Poder Público , de 60 meses para 240 meses, conforme art. 1º da MP, que modificou os arts. 96 e 102 da Lei nº 11.196/05. Note-se que a Lei nº 11.960/09, a conversão legal da MP nº 457, estabeleceu, em seu art. 1º, além do máximo de 240 parcelas para quitação do débito, o mínimo de 120, piorando ainda mais a situação dos credores do Poder Público.

18 O jornal “Valor Econômico” trouxe em uma matéria que tratava sobre esta MP uma simulação de cálculo do valor de um precatório pela lei antiga e pela lei atual, com a qual haveria uma perda significativa suportada pelos credos do Poder Público. Assim, uma dívida de R$ 10.000,00, de junho de 1999, pela lei antiga (considerando-se juros de 1% de mora ao ano; juros legal de 6% mais o índice de correção monetária oficial INPC, utilizado em São Paulo) valeria, 10 anos depois, em junho de 2009, R$ 39.471,00. Pela lei nova (aplicando-se unicamente o índice de correção da caderneta de poupança), esta mesma dívida valeria, 10 anos depois, R$ 22.996. “CONTRABANDO” em MP diminui valor de precatórios devidos por governos. Valor Econômico. São Paulo, 10, 11 e 12 jul. 2009. Caderno Legislação e Tributos, p. E1.

19 O Senador Romero Jucá justificou sua postura alegando que a medida seria “benéfica para o contribuinte”, afinal, quanto menor fosse o montante devido pelo Poder Público a título de precatórios, mais recursos sobrariam para investimentos. A questão é: estes recursos restantes serão destinados a investimentos ou servirão para os projetos políticos pessoais de Governadores e Prefeitos? Alguns advogados de credores de Estados e municípios, segundo o jornal, disseram que esta medida caracteriza-se como “fraude” e “afronta à moralidade pública”. Também manifesta afronta ao devido processo legislativo, uma vez que desrespeita o procedimento constitucional para tramitação de MPs (cf. art. 62, §§ 5º, 8º e 9º da CF/88). Estadão, Idem

20 O jornal “O Estado de São Paulo” emite opinião e afirma que a “urgência” desta MP referia-se ao “interesse do presidente Lula em cortejar prefeitos para obter apoio à candidatura da ministra Dilma Rousseff, sua candidata à sucessão, em 2010”. OUTRA fraude por meio de MP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 03 jul. 2009. Notas e informações, Caderno A3.

21 Dentre outros, dos Ministros Aliomar Baleeiro e Carlos Velloso.

22 STF, Pleno, ADIn- 1.647/PA, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 26.03.1999.

23 Como por exemplo: nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos, direito eleitoral, penal, processual penal, processual civil, organização do Judiciário ou do Ministério Público, etc.

24 Atente-se para o fato de que, pelo advento da EC-32/01, a contagem numérica das MPs foi reiniciada, recomeçando a contagem pela MP nº 01, de 19 de outubro de 2001.

25 O Presidente da Câmara dos Deputados à época era Aécio Neves.

26 Aloysio Nunes Ferreira, Ministro da Justiça no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, enviou uma carta expondo os motivos do projeto desta MP. A motivação desta MP era justificada, segundo o Ministro, pela premência na adoção de certas medidas, reclamada, em consenso, pela administração penitenciária de todos os Estados da Federação. Os Secretários Estaduais de Segurança, segundo o Ministro, reivindicavam estas medidas que eram também sugeridas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, visando maior autonomia e agilização das transferências dos condenados para evitar e por fim às rebeliões.

27 Cf. art. 22, inciso I, da CF/88: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”

28 Alguns motins e rebeliões são legítimos em sua essência, pelo seu caráter reivindicatório – é, muitas vezes, a única forma pela qual conseguem chamar a atenção do Poder Público para suas mazelas e para os constantes e flagrantes atentados aos Direitos Humanos que sofrem.

29 O escritor Franz Kafka, nascido em Praga no ano 1883 e formado em Direito, possui uma vasta obra. Dentre seus grandes romances, um guarda relação com o presente trabalho: “O Processo”. Nele, Kafka anuncia a acusação, o processamento e o julgamento de uma personagem que nem mesmo sabe por qual crime está sendo processada. A partir de então, a vida de Joseph K. passa a ser conduzida por uma série de atos absurdos e arbitrários dos agentes públicos envolvidos no seu processamento. Joseph K. desconhece os procedimentos pelos quais passa, não tem acesso aos diplomas legais e às normas individuais que dirigem os atos de seus algozes. Gradativamente, sofre a angústia de questionar-se sobre a própria inocência, que, antes de tamanhas atrocidades, era-lhe uma certeza. O destino de Joseph K. é selado com a pena de morte; morto “como um cão”, segundo suas próprias palavras. Vítima de um processo nitidamente inquisitório, a personagem de Kafka premeditou, segundo alguns críticos, as atrocidades que se manifestariam intensamente nos regimes totalitários das décadas de 30 e 40 na Europa. Para mais detalhes, cf. CARONE, Modesto. Um dos maiores romances do século. In: KAFKA, Franz. O processo. trad. Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 257-267.

30 Posicionando-se acerca desta MP, disse Luiz Flávio Gomes que “Toda medida provisória, ademais, por natureza, é transitória. Tanto assim que perde a eficácia alguns dias depois de publicada se o Congresso não a transformar em lei. Como condenar alguém por um crime ou impor uma pena ou uma sanção drástica a um preso com fundamento numa legislação que é transitória, provisória, leia-se, que pode perder a eficácia rapidamente?”. GOMES, Luiz Flávio. Medida Provisória nº 28/02: mais poderes aos diretores de presídio ou um besteirol jurídico? Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2722>. Acesso em: 2 out. 2010.

31 Já em 1997, o STJ decidiu que as MPs e suas consecutivas reedições não poderiam prejudicar o direito adquirido, não possuindo, portanto, efeito retroativo. Cf. STJ, RO – 431/ 97, Relator Juiz Edvaldo de Andrade Pleno, DJ de 03.08.97, página: 17. ADIn- 1.647/PA, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 26.03.1999.

32 Este parágrafo veda a reedição, na mesma sessão legislativa, de MP que tenha perdido sua eficácia, pelo decurso do prazo, ou tenha sido expressamente rejeitada.

33 Alguns exemplos de sucessivas e descontroladas reedições em MPs: a MP 1.705 de 1998, originária, que dispõe sobre a criação, reestruturação e organização de carreiras, cargos e funções comissionadas técnicas no âmbito da Administração Pública, fui reeditada 42 vezes; sua matéria vem agora disciplinada na MP nº 2.229-43, de 2001. Continua em tramitação mesmo depois de 12 anos de sua edição. Não obstante, a MP originária 1.669, também de 1998, deu vazão a 44 reedições. Resultou na MP nº 2.225-45, de 2001, ainda hoje em tramitação, depois de 12 anos de sua edição, Trata de uma grande miscelânea de assuntos, um “bicho-de-sete-cabeças”, ao disciplinar matéria especial de Direito Penal (instituição do Sistema Nacional Antidrogas); matéria de direito administrativo (sobre servidores públicos, improbidade administrativa) e algumas disciplinas referentes a organização das Forças Armadas e suas relações com o Poder Executivo. Cf. Anexo J (p. 151).

34 Inconformado com a inépcia do Poder Legislativo, com o furor legiferante do Poder Executivo e com a postura submissa do Poder Judiciário (esta postura fora imposta pelo Poder Executivo desde à época do golpe de 1964, quando alguns ministros do STF contrários ao golpe foram cassados: dentre eles, o Ministro Vitor Nunes Leal), além de desgostoso com as atitudes de Fernando Henrique Cardoso, assim se manifestou o grande constitucionalista Paulo Bonavides: “Dessas pressões, o Poder Judiciário sai enfraquecido num clima de crise institucional. Nesse quadro, o governo derrogou a tradição republicana ao reeleger pela vez primeira, em dois séculos de história constitucional, um Presidente da República; embargou e abortou a instalação de oito Comissões Parlamentares de Inquérito para investigar crimes de corrupção da administração pública federal; exarou em menos de oito anos de mandato presidencial, debaixo de exprobrações de inconstitucionalidade, cerca de cinco mil Medidas Provisórias, num dilúvio legislativo de usurpação cujo alcance excede, em todos os sentidos, o brocardo romano “corruptissima res publica, plurimae leges” (Tácito, 55-120, Anais, III, 27), fez na matemática do terror em matéria de finanças a dívida pública interna elevar-se a oitocentos bilhões de reais e a dívida externa a duzentos bilhões de dólares; onerou futuras gerações, de tal sorte que todo brasileiro já nasce pesadamente endividado. Desse governo não é de estranhar tampouco haja ele manifestado seu forte pendor anti-democrático ao vetar dispositivo da Lei nº 9882, de 3 de dezembro de 1999, que dispôs sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição Federal. À parte vetada da lei instituía a legitimação popular de iniciativa da arguição ao permitir que “qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público” tivesse ingresso no Supremo com aquela ação. Causou o veto presidencial descontentamento de opinião no meio forense. Denotava, mais uma vez, a tendência autocrática do Poder Central, infenso ao alargamento democrático do número dos legitimados à propositura da ação. O argumento presidencial de justificação do veto consistiu em alegar que ele provocaria uma “elevação excessiva do número de feitos a reclamar apreciação do STF, sem correlata exigência de relevância social e consistência jurídica.” BONAVIDES, Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o Brasil. Revista de Estudos Avançados, São Paulo: Ed. USP, v. 18, n. 51, p. 130-151, 2004. p. 147-148.

35 STF, Pleno, ADIn – 1.647/PA, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 26.03.1999.

36 STF, Pleno, ADIn-MC 2.984/DF, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ de 14.05.2004, p. 32.

37 A MP foi rejeitada sob o argumento do não preenchimento dos pressupostos formais de relevância e urgência, conforme Ato declaratório Nº 1, de 2007, quando era Presidente do Senado Federal o Senador Renan Calheiros.

38 Ministra da Casa Civil à época.

39 Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão desde março de 2005.

40 Cf. art. 1º da Lei nº 10.683/03, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, dentre outras providências: “Art. 1o  A Presidência da República é constituída, essencialmente, pela Casa Civil, pela Secretaria-Geral, pela Secretaria de Relações Institucionais, pela Secretaria de Comunicação Social, pelo Gabinete Pessoal, pelo Gabinete de Segurança Institucional, pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, pela Secretaria de Direitos Humanos, pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e pela Secretaria de Portos.”

41 Esta Lei acresce, altera e revoga dispositivos da Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, cria a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (em substituição à Secretaria Especial de Planejamento de Longo Prazo) e cria cargos em comissão.

42 CONGRESSO tem “entulho legal” de 52 MPs nunca votadas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 24 fev. 2008. Caderno Nacional, p. A4. Cf. Anexo H (p. 148).

43 Este índice fora obtido junto à consultoria “Tendências”. LEGISLATIVO tem que resolver impasse das MPs. Valor Econômico. São Paulo, 15, 16 e 17 fev. 2008. Caderno Opinião, p. A12.

44 Ibid.

45 Encontram-se, nesta situação, por exemplo, o Código Florestal, três agências reguladoras (Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT; Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq; Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa), o Sistema Nacional Antidrogas, etc. CONGRESSO tem “entulho legal” de 52 MPs nunca votadas. O Estado de São Paulo. São Paulo, 24 fev. 2008. Caderno Nacional, p. A4.

46 Marcelo da Costa Pinto Neves é atualmente um dos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça.

47 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. p. 27.

Athanis Molas Rodrigues

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