A interdisciplinaridade no direito ambiental the interdisciplinarity in environmental law

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RESUMO: A crise ecológica contemporânea está atrelada a uma gama complexa de processos naturais e sociais, que ultrapassam os limites teóricos da divisão do conhecimento em disciplinas estanques. Sem o diálogo com outros saberes, externos à própria ciência jurídica, o Direito Ambiental pecará pela falta de legitimação quando instado a solver os atuais conflitos socioambientais. O diálogo interdisciplinar contribui para o surgimento de uma nova racionalidade jurídica voltada para a regulação socioambiental.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental. Interdisciplinaridade.

ABSTRACT: The contemporary ecological crisis is linked to a complex range of natural and social processes that go beyond the theoretical limits of the division of knowledge into watertight disciplines. Without dialogue with other knowledge, external to the legal science, Environmental Law will sin by the lack of legitimacy when asked to solve the current environmental conflicts. Interdisciplinary dialogue contributes to the emergence of a new legal rationale focused on social and environmental regulation.

KEYWORDS: Environmental Law. Interdisciplinarity.

 

INTRODUÇÃO

Considerando a natureza do bem jurídico tutelado, será legítimo um Direito Ambiental que seja compreendido tão somente pelo ponto de vista interno, sem diálogo com outros saberes externos? Do ponto de vista epistemológico, qual a importância da interdisciplinaridade no campo da pesquisa acadêmica juridicoambiental? Existem limites a serem observados?

O presente trabalho objetiva abordar essas questões, sem ter a pretensão de esgotá-las. Sabe-se que não se trata de tarefa fácil, porquanto o tema da interdisciplinaridade no âmbito do Direito, sobretudo no campo da pesquisa acadêmica, está em plena evolução e ainda longe de uma unidade teórico-metodológica. Contudo, considerando a importância do tema para o avanço da pesquisa acadêmica ligada ao Direito Ambiental, bem como para a edificação de um saber jurídico legítimo, capaz de oferecer soluções justas e efetivas à crise ecológica contemporânea, a tentativa de aproximar respostas às questões propostas justifica-se plenamente.

Para tanto, parte-se do pressuposto de que a referida crise ecológica está atrelada a uma gama complexa de processos naturais e sociais, que ultrapassam os limites teóricos da divisão do conhecimento em disciplinas estanques. A hipótese de trabalho é a de que sem o diálogo com outros saberes, externos à ciência jurídica, o Direito Ambiental pecará pela falta de legitimação quando instado a regular a complexidade socioambientais dos dias atuais.

Inicialmente, serão tecidas considerações sobre as injustiças ambientais decorrentes da crise ecológica hodierna . Na esteira, será examinada, pelo ponto de vista do bem jurídico tutelado, a necessidade da interdisciplinaridade no âmbito do Direito Ambiental para dotá-lo de legitimação. Por fim, procurar-se-á analisar a importância da interdisciplinaridade no âmbito da pesquisa acadêmica na área do Direito Ambiental, bem como a existência de eventuais limites a esta interdisciplinaridade.

 

 

  1. TEMPOS DE INJUSTIÇAS AMBIENTAIS

A sociedade contemporânea baseia-se em um modelo de desenvolvimento econômico que prima pela exploração dos recursos naturais. Tal modelo de desenvolvimento tem se mostrado gerador de comportamentos humanos predatórios, descompromissados com o futuro e criadores de situações de risco. Os recursos naturais, base da exploração econômica atual, são utilizados do modo irracional, sem prudência e sem consideração de seu valor intrínseco.

A relação homem-natureza, portanto, reflete a crise ecológica contemporânea. Segundo o filósofo e jurista belga François Ost (1995, p. 9), trata-se de uma crise de vínculo e de limite. Crise de vínculo porquanto já não conseguimos discernir o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite porque igualmente não conseguimos discernir o que deles nos distingue.

Referida crise ecológica reflete a complexidade do mundo atual. É crise de valores, crise ética. Segundo Enrique Leff (2009, p. 17), “a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza.” A crise ecológica contemporânea é, pois, reflexo da crise de relações. Como bem ressalta Félix Guatarri (1990, p. 7-8), cada vez mais as redes de parentesco tendem a se reduzir ao mínimo, a vida conjugal e familiar se enrijece com a padronização dos comportamentos, e as relações de vizinhança são reduzidas a sua mais pobre expressão.

Mas aquele que talvez seja o viés mais grave crise ambiental contemporânea são as injustiças decorrentes dos conflitos de distribuição ecológica, representados pela falta de equidade na distribuição dos ônus advindos do modelo de desenvolvimento civilizatório atual. Embora muito se fale que os problemas ambientais são globais, é falsa a idéia de que a crise ecológica seja democrática. A vulnerabilidade social, econômica e política das camadas menos favorecidas da população mundial tem se mostrado fatores decisivos para que sobre elas recaiam diretamente, e em muito maior proporção, os efeitos da crise.

Henri Acselrad, Cecilia Campello do Amaral Mello e Gustavo das Neves Bezerra, em recente obra (2009, p. 7-8), abordam um fato real ocorrido há menos de duas décadas, que ilustra bem a lógica desenvolvimentista do pensamento ocidental moderno e dá pistas sobre as razões do fenômeno da falta de equidade nas relações socioambientais. Em 1991, um memorando de circulação restrita aos quadros do Banco Mundial, que ficou conhecido por Memorando Summers, teve seu conteúdo divulgado externamente, causando constrangimento e uma repercussão deveras negativa para a instituição. No referido memorando, Lawrence Summers, economista chefe do Banco Mundial à época, apontou rês razões para que os países pobres fossem o destino dos pólos industriais de maior impacto ao meio ambiente. A primeira delas: o meio ambiente seria uma preocupação “estética”, típica dos países ricos; a segunda: os indivíduos mais pobres, na maioria das vezes, não vivem tempo suficiente para sofrer os efeitos da poluição ambiental; e a terceira: pela lógica econômica, as mortes em países pobres têm um custo mais baixo do que nos países ricos, pois seus moradores recebem menores salários.

Tais fatos caracterizam cenários de injustiça ambiental, aqui considerada como a ausência de equidade na distribuição das externalidades negativas decorrentes do processo produtivo. As populações mais vulneráveis, que menos se beneficiam dos frutos do modelo desenvolvimentista hodierno, que menos consomem, que menos geram lixo, são as que mais diretamente suportam as externalidades negativas do processo produtivo. A lógica econômica dominante ignora por completo a idéia de equidade na repartição de tais externalidades: aquilo que Vandana Shiva (2004) denomina de apartheid ambiental global.

Nesse contexto, o Direito é chamado a encontrar soluções capazes de estabelecer a justiça social sem descuidar do meio ambiente. O Direito Ambiental, em especial, ganha destaque como ramo do saber jurídico do qual se esperam soluções justas e adequadas para solver os conflitos ecológicos e as injustiças ambientais. Ocorre que o adequado enfrentamento da complexa crise ecológica contemporânea passa pela reconstrução de uma nova racionalidade juridicoambiental. Para tanto, impõe-se analisar a necessidade do Direito Ambiental dialogar com outros saberes externos ao próprio Direito, para adquirir efetiva legitimidade enquanto saber jurídico voltado à proteção do meio ambiente.

 

 

  1. DIREITO AMBIENTAL: INTERDISCIPLINARIDADE E LEGITIMAÇÃO.

Na lição de Cristiane Derani (2001, p.56), o Direito Ambiental é, em si, reformador e modificador, porquanto atinge toda a organização da sociedade atual, cuja trajetória “conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem”. É, portanto, redimensionador de conceitos sobre as relações sociais e sobre a relação homem-natureza.

Numa visão holística o Direito Ambiental tem por objeto a tutela da vida em todas as suas dimensões. Contudo, em essência o objeto tutelado pelo Direito do Ambiente é o equilíbrio ecológico, considerado essencial à sadia qualidade da vida humana manutenção da vida humana digna.

Portanto, pela perspectiva do bem jurídico tutelado pelo Direito Ambiental, de plano, percebe-se a impossibilidade desse ramo do saber jurídico enclausurar-se em si próprio, sem dialogar com outros saberes externos. Como tutelar adequadamente a vida, o equilíbrio ecológico, a relação homem-natureza e as relações sociais sem buscar a compreensão exata das condições, leis e influências de ordem física, química, biológica, social, econômica, política, dentre outras tantas, que compõem a complexidade do objeto tutelado pelo Direito Ambiental? Há, pois, em matéria de proteção jurídica do meio ambiente, que se transcender aos limites do saber jurídico, rompendo com a tradicional organização disciplinar do conhecimento.

No Brasil, Hilton Japiassú e Ivani Fazenda são considerados os principais responsáveis pela veiculação do tema da interdisciplinaridade, contextualizando a separação do conhecimento (disciplinaridade) como doença, que deve ser “curada” por meio da prática interdisciplinar (ALVES et al, 2004).

Antes de avançar sobre o tema da interdisciplinaridade, cumpre, porém, com o intuito de evitar confusões, distinguir analiticamente as categorias da interdisciplinaridade, da transdisciplinaridade e da multi ou pluridisciplinaridade.

Segundo Wilson Antônio Steinmetz (1999), a multi ou pluridisciplinaridade corresponde à justaposição de disciplinas diferentes, onde cada uma delas desenvolve seu específico ponto de vista. A transdisciplinaridade, por seu turno, tem por característica o abandono dos enfoques específicos de cada disciplina objetivando produzir um saber autônomo, com novos objetos e métodos. De outra banda, a interdisciplinaridade opera a partir do campo teórico de uma disciplina, articulando-se com outros saberes e estabelecendo diálogos que proporcionem reorganizações parciais dos campos teóricos envolvidos.

Segundo François Ost e Michel van de Kerkchove (apud Steinmetz, 1999, p. 137) o modelo interdisciplinar é o mais adequado no âmbito da pesquisa, porque permite que se estabeleça uma disciplina como centro das trocas disciplinares. Para os referidos autores, como o fenômeno jurídico está inserido em uma totalidade, faz-se necessária a constituição de uma ciência interdisciplinar do Direito, aberta a outros saberes (externos), superando os modelos do positivismo (descrição e análise do Direito) e do jusnaturalismo (justificativa e crítica do Direito), adquirindo a capacidade de explicar o Direito (apud Steinmetz, 1999, p. 136).

Percebe-se, pois, que a interdisciplinaridade no Direito envolve tomar o discurso jurídico no centro do diálogo disciplinar com saberes externos ao Direito. No que tange ao Direito Ambiental, não parece correto falar em interdisciplinaridade quando se está tratando do diálogo com outros saberes internos. Do ponto de vista interno, a melhor definição do Direito Ambiental é aquela ligada a idéia de transversalidade horizontal, já que ele perpassa horizontalmente pelos demais ramos do saber jurídico, influenciando-os com seu viés ecológico, publicista, difuso, reformador, modificador. Exemplos dessa transversalidade não faltam: o Direito Ambiental perpassa pelo Direito Penal quando o objeto de análise são os crimes ambientais; perpassa pelo Direito Administrativo na temática do licenciamento ambiental; perpassa o Direito Civil quando nos temas da responsabilidade civil ambiental, do direito de propriedade, das relações de vizinhança; perpassa o Direito Econômico quando é invocado o princípio do desenvolvimento sustentável; perpassa o Direito Urbanístico são tratadas as áreas non aedificandis; perpassa o Direito Processual por meio de regras específicas estabelecidas para os processos coletivos; perpassa o Direito Constitucional, quando adquire status de jusfundamentalidade difusa nas cartas constitucionais.

A transversalidade do Direito Ambiental reflete o que José Joaquim Gomes Canotilho, ao examinar as dimensões da juridicidade ambiental, define como sendo a dimensão jurídica irradiante para todo o ordenamento (2008, p. 5).

De outra banda, diferente da transversalidade é a perspectiva interdisciplinar que deve existir no Direito Ambiental, a qual, partindo do campo teórico juridicoambiental, dialoga com outros saberes externos, não jurídicos.

Neste particular, parece claro que um Direito Ambiental estanque, que não dialogue com outros saberes (externos), tais como a Ecologia, a Economia, a Filosofia, a Ciência Política, a Antropologia, a Sociologia, com o intuito de reorganizar seus campos teóricos internos, está fadado a ser um Direito Ambiental injusto, obtuso, ineficaz, incapaz de compreender a complexidade social da atualidade e de propor soluções adequadas à crise ecológica reinante. A interdisciplinaridade se faz necessária para que do Direito Ambiental se extraiam adequadas teorias jurídicas capazes de regular, de modo mais racional, as complexas relações socioambientais, melhor avaliando o conjunto de variáveis, incertezas e indefinições que cercam ditas relações.

José Renato Nalini e Wilson Levi (2010) exaltam a agnição holística do Direito Ambiental, razão pela qual depende de conhecimentos gerados em outros domínios científicos, exigindo uma incursão intelectual em áreas com as quais a ambiência jurídica não mantém intimidade. Segundo os referidos autores “não raro é possível analisar peças em que o esmero em discutir teses jurídicas não é acompanhado por uma consciência preocupada com os riscos atinentes à emergência do problema do meio ambiente: em nome da pureza do Direito, permite-se, muitas vezes, a violação do bem ambiental” (NALINI e LEVI, 2010, p. 40).

A interdisciplinaridade é, pois, fator decisivo para legitimação do Direito Ambiental. A legitimidade aqui considerada, segundo a lição de Antônio Carlos Wolkmer (2003), é a da consensualidade dos ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores e dos princípios ideológicos. Legitimidade que transpõe a simples detenção do poder e se conforma com o justo advogado pela coletividade; que não apenas é fator de justificação do Direito, mas também ação consensualizada destinada a produzir adesão e integração social. Em suma, a interdisciplinaridade contribui para a legitimação do Direito Ambiental na medida em que o democratiza, o pluraliza, rompendo com a lógica anterior da legalidade tecno-formal e avançando rumo à edificação de uma nova racionalidade juridicoambiental (WOLKMER, 2003, p. 417-418).

Não se pode olvidar, contudo, que críticas e alertas são tecidos quando o tema é a interdisciplinaridade no âmbito do Direito. Resta, assim, perquirir sobre a interdisciplinaridade no âmbito da pesquisa acadêmica juridicoambiental e sobre a eventual existência de limites epistemológicos e metodológicos a esta interdisciplinaridade.

 

 

  1. A INTERDISCIPLINARIDADE NO ÂMBITO DA PESQUISA ACADÊMICA JURIDICOAMBIENTAL

Quais problemas podem advir da adoção de um modelo interdisciplinar na pesquisa acadêmica juridicoambiental? Existem limites à adoção deste modelo interdisciplinar? Essas são as preocupações que norteiam as considerações que seguem.

Jayme Paviani e Silvio Paulo Botomé (1998) tecem fortes críticas ao tema da interdisciplinaridade. Anunciam uma desconfiança de que a interdisciplinaridade seja uma a falsa solução, algo como uma perturbação relacionada à sistematização do conhecimento.

Sem dúvida existem alertas que não podem ser ignorados. Paviani e Botomé sustentam que a prática interdisciplinar não pode redundar em mera combinação de disciplinas, porquanto isso seria o mesmo que criar novas disciplinas, em nada contribuindo para o problema da compartibilização do conhecimento. Referidos autores temem que adoção da expressão interdisciplinaridade falseie as relações e integrações necessárias entre várias parcelas do conhecimento, sendo, pois, uma falsa solução. Temem, ainda, pela ausência de uma clara compreensão de como estabelecer as necessárias relações entre as múltiplas parcelas do conhecimento existentes, questionando se a mobilização em torno do tema da interdisciplinaridade não seria uma armadilha a encobrir os perigos da difusão, da aceitação e da atratividade de expressões que substituem as antigas sem revelar-lhes as verdadeiras limitações (PAVIANI e BOTOMÉ, 1998, p. 25-26).

Ost e Kerkchove, embora defendam a interdisciplinaridade na ciência jurídica, também apontam a existência de possíveis problemas de ordem epistemológica que devem ser enfrentados para constituição de uma ciência interdisciplinar do Direito. Segundo referidos autores, tais problemas se relacionam com o caráter compreensivo ou explicativo que deve ser adotado pela ciência jurídica interdisciplinar, bem como com o ponto de vista a ser privilegiado na abordagem, se o interno ou o externo. Para Ost e Kerchove a ciência interdisciplinar do Direito desenvolve-se de um ponto de vista externo com objetivo explicativo, porquanto pretende explicar o Direito dialogando com estes outros saberes externos (apud Steinmetz, 1999, p. 137-138).

De fato, pode-se perceber que existem sim problemas e limites à interdisciplinaridade que não podem ser olvidados quando o objetivo é a construção de uma nova racionalidade jurídica, dotada de legitimidade. Embora a ciência jurídica interdisciplinar não deva privilegiar exclusivamente o ponto de vista externo, sob pena de perder por completo sua identidade, deve dele partir, receptivo ao diálogo com outros saberes externos, para assim edificar uma nova racionalidade jurídica. Privilegiar exclusivamente o ponto de vista interno é despotencializar totalmente os benefícios do modelo interdisciplinar.

Em se tratando de pesquisa acadêmica juridicoambiental, tais limites devem estar sempre presentes. Não pode a pesquisa juridicoambiental acadêmica perder sua juridicidade, objeto central de sua análise, tomando rumos de pesquisa meramente sociológica, política, antropológica, econômica, ecológica, etc. Deve ela sim, por meio do diálogo estabelecido com saberes externos, buscar a edificação de um legítimo saber jurídico voltado à proteção ambiental e social, capaz de compreender e explicar, com base numa nova racionalidade jurídica, a complexidade externa.

Nalini e Levy, analisando o ensino juridicoambiental, apontam a necessidade de que os estudantes do Direito Ambiental sejam estimulados pelos docentes a fazer incursões na realidade fática, percorrer matas destruídas e intactas, olhar com os próprios olhos o adensamento populacional, ter contato com ambientes poluídos; em suma, fazer trabalho de campo (2010, p. 42).

O norte epistemológico para a edificação de um modelo interdisciplinar de pesquisa acadêmica juridicoambiental poderia ser o modelo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1998), mais aberto as questões zetéticas, capazes de desintegrar, dissolver certezas, pondo-as em dúvida, porém sempre na perspectiva empírica da ciência jurídica. Um modelo capaz de, a partir de diálogos interdisciplinares, questionar a própria dogmática jurídica, os conceitos jurídicos, as classificações, sem perder o foco da juridicidade. Metodologicamente, a pesquisa juridicoambiental não pode perder de vista a técnica jurídica, mas deve ir além dela. Seminários interdisciplinares, estudos de casos, “idas a campo”, são estratégias metodológicas que devem ser utilizadas pelos pesquisadores da área.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se que muito há que se avançar ainda no debate da interdisciplinaridade no âmbito da ciência jurídica, em especial àquela ligada à área do Direito Ambiental. Não há unanimidade sobre o tema, tampouco sobre a forma ideal de implementação dos modelos interdisciplinares de pesquisa jurídica.

Buscou-se no presente trabalho, sem a pretensão de esgotamento do tema proposto, analisar a possibilidade de reconstrução de uma nova racionalidade jurídica voltada para a regulação socioambiental, bem como a necessidade de que esta nova racionalidade jurídica se desenvolva em bases interdisciplinares para alcançar efetiva legitimação.

De tudo, conclui-se que a hipótese inicial de trabalho foi confirmada, no sentido de que sem o diálogo com outros saberes, externos à própria ciência jurídica, o Direito Ambiental pecará pela falta de legitimação quando instado a solver os conflitos socioambientais hodiernos. Embora a interdisciplinaridade não possa ser tomada como a solução de todos os males decorrentes do compartilhamento do conhecimento humano, se desenvolvida em bases epistemológicas e metodológicas sólidas, pode sim ser um caminho viável para a reconstrução de uma nova racionalidade humana, sobretudo no que tange à relação homem-natureza, tão conflituosa nos dias atuais. Afinal, parafraseando o filósofo Serge-Christophe Kolm (2000, p. 36), “todos os problemas sociais ou humanos importantes envolvem mais ou menos todas as dimensões do homem e da sociedade, e todo aquele que tentar compreendê-los em separado estará condenado a um entendimento equivocado.”

 

 

Rogério Santos Rammê


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Rogerio Santos Ramme

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