A falsa ideia de substituição de responsabildiade tributária por trás de verdadeira imposição tributária

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Resumo

Tem-se verificado a existência de duas grandes correntes doutrinárias interpretando de maneira distinta a sistemática da substituição tributária, principalmente no que se refere ao nascimento da obrigação tributária quando inserido dentro do instituto da substituição tributária. Este artigo propõe-se a analisar a divergência doutrinária acerca do tema, demonstrando os argumentos de cada uma.

Palavras-chave: Direito tributário; obrigação tributária; Substituição tributária; responsabilidade tributária.

It has been observed the existence of two doctrinal trends interpreting the tax replacement process on different ways, mainly regarding to the conception of the tax obligation when inserted in the replacement tax institution. This article aims to examine the doctrinaire divergence about the tax replacement process trends, showing the arguments of each one.”

Keywords: tax law, tax liability, tax replacement; tax liability.

 

Introdução

A doutrina ainda se mostra bastante divergente no que se refere a natureza deste instituto jurídico. Pode-se dizer que existem dois modelos de interpretação acerca do instituto da substituição tributária.

Há autores que afirmam ser o instituto da substituição tributária como sendo um modelo de “responsabilidade por substituição”. Existe outra parte da doutrina que entende que tal instituto não se trata de espécie da responsabilidade, afirmando que a substituição tributária em nada se diferencia da modalidade de obrigação tributária tradicional, conforme os motivos que serão expostos nos tópicos subsequentes.

 

1 Objetivos do instituto e modalidades da “Substituição tributária”

Dentre os princípios constitucionais que se aplicam a Administração Pública Direta e Indireta deve-se levar em conta o princípio da eficiência constante do artigo 37, caput da Constituição Federal.2 Tal princípio estabelece que é o dever do Estado cumprir seus objetivos de maneira a alcançar o máximo de efetividade com o mínimo possível de onerosidade. A definição apresentada se coaduna com aquela dada por Maria Sylvia Zanella di Pietro conforme transcrito abaixo:

“o princípio apresenta-se sob dois aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e atribuições, para lograr os melhores resultados, como também em relação ao modo racional de se organizar, estruturar, disciplinar a administração pública, e também com o intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público(…)”.3

A principal justificativa para a existência da substituição tributária por parte do Estado encontra-se respaldo no princípio da eficiência, pois o objetivo daquele instituto é justamente aumentar a arrecadação de tributos através de um método de fiscalização mais eficaz e menos oneroso. Para Marco Aurélio Greco “a substituição passou a ser vista como eficaz instrumento de arrecadação, especialmente quando aliada ao mecanismo denominado de “antecipação do fato gerador” do tributo.”4. Todavia, o objetivo da substituição tributária como já dito não é somente aumentar a arrecadação, mas, também facilitar a arrecadação por parte do Estado, o que indiretamente fará com que o Estado aumente sua receita tributária.

Através dos modelos de substituição tributária que serão detalhados nos itens subsequentes, o Estado é capaz de concentrar toda uma enorme cadeia de uma relação jurídico tributária em uma só pessoa, o substituto, permitindo assim que a fiscalização fique somente sobre ele, reduzindo custos e tempo para o Estado, permitindo que haja uma arrecadação mais eficaz. Como exemplo, pode-se utilizar o ICMS (Imposto sobre mercadorias e serviços), quando incidente sobre venda de combustíveis. Para o Estado é mais eficaz e menos oneroso fiscalizar somente a refinaria atribuindo a ele a figura do substituto tributário do que fiscalizar todos os “postos de combustíveis”, fiscalizando cada fato gerador que vier a ocorrer.

O instituto da substituição tributária se fundamenta no princípio da eficiência conforme mencionado acima, todavia, em contrapartida existem outros princípios constitucionais em favor do contribuinte que podem ser desrespeitados acaso a substituição tributária não seja utilizada de maneira ponderada por parte do legislador. Em momento oportuno será apresentado as críticas que vários autores fazem a tal instituto, bem como a posição daquele que entendem ser válido a substituição tributária.

 

1.1 Substituição tributária “para traz”

A doutrina classifica o instituto da substituição tributária em dois grupos, de acordo com a sistemática de funcionamento de cada um. Os grupos existentes são denominados de “substituição tributária para traz” e “substituição tributária para frente”.

Neste tópico será abordado o modelo da substituição tributária “para traz” ou também denominada pela doutrina de substituição tributária regressiva. A doutrina em geral não cria obstáculos a este modelo, tendo em vista que sua sistemática não traz prejuízos ao contribuinte, vez que sua aplicação segue em partes o modelo de obrigação tributária tradicional, no que se refere ao momento do cumprimento da obrigação, conforme será demonstrado abaixo. Como definição do instituto será adotado as palavras simples e objetivas de Ricardo Lobo Torres ao tratar do tema, ao descrever o seguinte:

“a substituição tributária “para traz” ocorre quando o substituto, que é um contribuinte de direito (comerciante ou industrial), adquire mercadoria de outro contribuinte, em geral produtor de pequeno porte ou comerciante individual, responsabilizando-se pelo pagamento do tributo devido pelo substituído e pelo cumprimento das obrigações tributárias.”5

No caso da substituição tributária “para traz” o que se conclui é que há um diferimento, uma postergação da obrigação do sujeito passivo em cumprir com a consequência de ter praticado o fato gerador. Praticado o fato gerador nasce a obrigação do sujeito passivo de cumprir a sua obrigação que como já dito, quase sempre, será a obrigação de entregar determinada quantia pecuniária ao sujeito ativo da relação jurídico tributário, todavia, o que faz a lei no modelo de substituição tributária “para traz” é adiar o cumprimento desta obrigação (entregar o valor pecuniário) e adiar para um momento posterior em relação àquele em que foi praticado o fato gerador. Como se trata de substituição tributária, neste modelo a lei não somente adia o momento de cumprir com a obrigação, mas, também institui essa obrigação para outra pessoa, diferente daquele que primeiro realizou o fato gerador.

Como exemplo de aplicação do modelo de “substituição tributária para traz” pode ser observado o Decreto lei de nº 406/68, que em seu artigo 6º, parágrafo 3º, traz a seguinte disposição:

Art. 6. (…)

3º “A lei estadual poderá atribuir a condição de responsável: a) ao industrial,comerciante ou outra categoria de contribuinte, quanto ao imposto devido na operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insumos.

 

1.2 Substituição tributária “para frente”

A substituição tributária “para frente” ou também conhecida como substituição tributária progressiva é o modelo mais adotado pela legislação e ao mesmo tempo o modelo mais polêmico existente, devido a sua sistemática. Por ser o modelo que mais gera polêmica, será o modelo mais enfatizado no presente trabalho.

Ao contrário da substituição tributária “para traz”, onde o fato gerador ocorre para depois haver a “substituição” o modelo de substituição tributária aqui tratado, trabalha na presunção de que o fato jurídico tributário ainda virá a ocorrer. Desta forma a obrigação tributária (entregar determinada quantia ao estado, ou fazer ou não fazer algo) é cumprida antes da ocorrência do fato gerador. “Substituição “para frente” significa atribuir a um sujeito passivo a obrigação de pagar tributo relativo a uma operação futura, que será realizada por outra pessoa (o contribuinte, que é o substituído).”6. Como já mencionado este modelo de substituição tributária é o que mais gera polêmica e críticas por parte da doutrina, desta forma as características deste modelo serão abordadas de maneira mais detalhada nos tópicos subsequentes.

 

2 Características da substituição tributária e fundamentos Constitucionais para sua existência.

Atualmente o instituto da substituição tributária tem seu maior respaldo na Constituição Federal, todavia desde antes da promulgação da mesma em 1.988 a substituição tributária vem sendo praticada no Brasil devido com base no Decreto Lei nº 406/1.968 que regulamentou o antigo ICM, atual ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços).

A Constituição Federal traz em seu texto um dispositivo que implica importantes consequências para o direito tributário nas relações entre contribuinte e entes tributantes. Por meio desse dispositivo o constituinte permite que o legislador infraconstitucional de qualquer dos entes federativos ao instituir tributos antecipe o momento do pagamento da obrigação principal a um momento anterior ao da ocorrência do fato gerador. O dispositivo constitucional que ora comentado segue in verbis:

 

Art. 150 (…).

§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Grifou-se).

 

Antes de adentrar ao tema propriamente dito, é valido destacar que a norma traz uma permissão para existência do instituto da substituição tributária somente em relação aos impostos e contribuições, não se aplicando a taxas.

Tal dispositivo permite que a lei diante de certas circunstâncias considere que um determinado fato gerador irá ser praticado pelo contribuinte, fazendo com que este seja obrigado a realizar o recolhimento do tributo antes da real ocorrência do fato gerador, ou seja, há uma alteração no ”modelo tradicional de obrigação tributária”, devido a dois motivos. O primeiro motivo que diferencia a substituição tributária do modelo tradicional de relação tributária é a possibilidade que a Lei confere a autoridade administrativa de exigir o pagamento do tributo, ou qualquer outro comportamento do contribuinte, sem que aquele tenha praticado o fato gerador. A segunda diferença reside no fato do responsável para efetuar o comportamento exigido pelo Lei. Na substituição tributária, por motivos de conveniência e oportunidade a Lei escolhe pessoa diferente para efetuar determinado comportamento daquela que normalmente deveria praticar aquele comportamento o qual nos termos do CTN seria o pagamento em dinheiro de um determinado valor e/ou fazer ou não fazer algo. Tratando do tema o autor Luciano Amaro chama à atenção justamente para a “inversão de ordens” existentes na substituição tributária, conforme transcrito in verbis:

“Ora, o princípio da legalidade exige a prévia definição do fato que, ser e quando ocorrer, dará nascimento ao tributo. Aquele parágrafo inverte essa fenomenologia, prevendo que a lei pode autorizar que o tributo seja exigido sem a ocorrência do fato gerador. E o objetivo (que, afinal, não ficou expresso) do legislador da Emenda é mais ainda do que isso; pretende-se autorizar a cobrança do tributo de alguém que nem sequer irá (ou poderá) realizar o fato futuro. Cobra-se de “A” o tributo que talvez venha a ser gerado pelo fato de “B”.7

Embora tenha sido conferida esta discricionariedade ao legislador, tal instrumento não deverá ser utilizado sem certa lógica que envolva fatos passíveis de presumir a futura ocorrência do fato gerador. Tal instituto deverá ser utilizado quando das circunstâncias de determinados casos práticos puder-se deduzir que um resultado virá ocorrer. Sobre o tema Alfredo Augusto Becker assevera de forma magistral, conforme pode ser verificado abaixo:

“A observação do acontecer dos fatos segundo a ordem natural das coisas, permite que se estabeleça uma correlação natural entre a existência do fato conhecido e a probabilidade de existência do fato desconhecido. A correlação natural entre a exigência de dois fatos é substituída pela correlação lógica. Basta o conhecimento da existência de um daqueles fatos para deduzir-se a existência do outro fato cuja existência efetiva se desconhece, porém tem-se como provável em virtude daquela correlação natural. Presunção é o resultado do processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existência é certa infere-se o fato desconhecido cuja existência é provável”.8

A lei trabalha com uma presunção relativa de que o fato gerador será efetuado. Trata-se de presunção relativa, uma vez que se admite prova em contrário. A norma constitucional de maneira expressa reconhece que quando não ocorrido o fato gerador, é garantido o direito ao contribuinte de pleitear a restituição da quantia paga.

 

3 Substituição tributária como espécie de “responsabilidade”

Pesquisando a respeito do tema pode ser observado que a maioria dos autores consideram a “substituição tributária” como sendo uma modalidade de “responsabilidade tributária por substituição”. Para esta teoria, o principal argumento é fato de a lei exigir de terceira pessoa, não praticante do fato gerador a responsabilidade pelo pagamento do fato gerador. Para esta doutrina o fundamento legal encontra-se redigido nos artigos 121 e 128 do CTN. Trata-se de uma modalidade atípica de responsabilidade tributária, vez que, não houve previsão expressa no capítulo referente a responsabilidade tributária no CTN.

Para a teoria da substituição tributária como modalidade de responsabilidade deve-se ter bastante claro a diferença entre contribuinte e responsável tributário, diferenciação esta que foi feita no artigo 121 do CTN que pela sua importância deve ser transcrito abaixo:

 

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei

Pela simples leitura do dispositivo conclui-se que o sujeito passivo sempre será a pessoa obrigada a dar, fazer ou deixar de fazer algo, conforme sistemática da obrigação tributária já apresentada. Esta linha de entendimento se baseia nas palavras de Paulo de Barros Carvalho ao definir sujeito passivo, dispondo que “Sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros deveres instrumentais ou formais.”9 Todavia, o que a lei fez, foi dividir o sujeito passivo em dois “sujeitos diferentes” sendo um chamado de contribuinte e o outro de responsável tributário, todavia embora tenha em linhas anteriores se utilizado da doutrina de Paulo de Barros Carvalho, deve-se registrar que o autor supra citado não concorda com essa divisão, conforme será demonstrado em tópico subseqüente.

O contribuinte seria aquela pessoa que pratica o fato descrito na norma, seria aquela pessoa que realiza todos os elementos descritos na hipótese de incidência do tributo, já detalhada em páginas anteriores. O responsável tributário seria uma terceira pessoa diferente daquele que praticou o fato gerador, seria determinada pessoa que por razões de conveniência e oportunidade a lei atribui somente o responsável pelo pagamento do tributo.

A partir desta diferenciação entre “contribuinte” e “responsável” é que parte da doutrina com fundamento no inciso segundo do parágrafo único do artigo 121 do CTN afirma que a substituição tributária é uma modalidade especial de responsabilidade tributário. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo afirmam que “Existe a substituição tributária quando, já no momento da ocorrência do fato gerador, o obrigado ao pagamento não é o contribuinte, mas uma terceira pessoa prevista na lei, vinculada não diretamente à situação que configura o fato gerador10”. Como exemplo, os mesmos autores ora citados utilizam-se da figura do imposto de renda incidente sobre o rendimento de aplicações financeiras, que é retido e recolhido pelos bancos, sem que aquela pessoa que obteve a renda, que efetivamente praticou o fato gerador venha a ser obrigada a se dirigir ao Fisco e entregar qualquer montante pecuniário.

Diante desta divisão adotada pela lei entre contribuinte e responsável, surgiu na doutrina e no meio profissional uma divisão no conceito de contribuinte. Ricardo Alexandre bem nos lembra a respeito desta divisão hoje adotada pela maioria da doutrina a existência do contribuinte de fato e em contribuinte de direito, conforme trecho transcrito abaixo:

“Por tudo isso, hoje se fala em contribuinte de fato e em contribuinte de direito. No primeiro conceito estão enquadradas as pessoas que sofrem a incidência econômica do tributo (geralmente o consumidor), mesmo que formalmente não integrem a relação jurídico-tributária instaurada; no segundo caso, está enquadrada parte das pessoas que ocupam o pólo passivo da relação jurídico-tributária (geralmente o comerciante), sendo obrigadas a efetivamente pagar o tributo ou penalidade pecuniária (nas obrigações acessórias a classificação não é aplicável)”.11

Em resumo para a doutrina que entende ser a responsabilidade tributária como um modelo de responsabilidade de substituição o que ocorre é que “aquela pessoa que realiza o pagamento do valor do tributo devido, estando logicamente no pólo passivo da obrigação tributária é pessoa que foi substituída da pessoa que originariamente deveria figurar na relação na condição de contribuinte (praticante do fato gerador), por isso parte da doutrina entende ser responsabilidade “por substituição”.

 

4 Substituição tributária como modo de nova “instituição de obrigação”

Existe outra parte da doutrina que entende que o instituto da substituição tributária não pode simplesmente ser fundamentado no artigo 121, parágrafo único do CTN. Esta corrente doutrinária que será detalhado em seguida é um pouco mais complexa do que aquela apresentada no tópico anterior. Todavia, é compensador o esforço de raciocínio, pois, esta doutrina que agora será comentada se mostra mais adequada àquilo que o legislador instituiu quando criou a figura da substituição tributária.

De início deve-se ressaltar que para esta parte da doutrina a divisão apontada em linhas anteriores (contribuinte e responsável), e descrita na norma constante do artigo 121 do CTN, na prática não existe, conforme brevemente mencionado em linhas anteriores.

Neste momento é necessário transcrever algumas palavras de Paulo de Barros Carvalho, tendo em vista que a teoria apresentada neste subtítulo baseia-se em Paulo de Barros Carvalho. Segue o importante trecho da obra do autor, ao criticar a teoria da responsabilidade por substituição.

“Foi útil a preleção desse jurista egrégio, para a relativa compreensão do fenômeno jurídico da sujeição tributária. Todavia sua elaboração data dos albores do Direito Tributário no Brasil, quando os conceitos dessa Ciência se achavam fortemente impregnados pela influência negativa de categorias estranhas, principalmente de caráter econômico. Daí a procedência de uma observação crítica decisiva e fulminante: não há, em termos propriamente jurídicos, a divisão dos sujeitos em diretos e indiretos, que repousa em considerações de ordem eminentemente factuais, ligadas à pesquisa das discutíveis vantagens que os participantes do evento retiram de sua realização. Interessa do ângulo jurídico-tributário, apenas quem integra o vínculo obrigacional. (…) (grifou-se). O teor pré – legislativo dessa construção aparece nitidamente ao tratar do mecanismo da substituição. Sustentou Rubens Gomes de Sousa que se dava o fenômeno quando, em virtude de uma disposição expressa de lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, ou negócio tributado: nesse caso, é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto. Está bem claro que, na hipótese, o legislador nada substitui, somente institui. (grifou-se).”12

A última frase mereceu destaque e deve ser analisada com calma, tendo em vista que ela conclui o pensamento do autor. Pela teoria apresentada no tópico anterior (substituição tributária por substituição) o fenômeno da “substituição” do sujeito obrigado a pagar o tributo era muito evidente, devido a ênfase que se dava na responsabilidade do terceiro. Todavia, o que Paulo de Barro Carvalho chama a atenção é que não há uma substituição do sujeito obrigado, mas, em verdade ocorre verdadeira instituição de um novo sujeito que integrará o pólo passivo, pois, o que a lei faz é atribuir a um sujeito a obrigação de recolher o tributo, pode-se dizer que o que verdadeiramente ocorre á uma nova descrição de hipótese de incidência que terá como o fato gerador exatamente o comportamento do substituto diante do fato em concreto ocorrido.

Esta “segunda hipótese de incidência” se torna especial em relação a hipótese geral anteriormente existente. Para ilustrar o que até aqui encontra-se confuso, devido a complexidade do tema será utilizado a legislação já existente no caso concreto. Como exemplo será utilizado a lei geral que trata do ICMS, Lei Complementar 87/96. Tal dispositivo normativo traz em seu artigo 6º a norma transcrita in verbis:

Art. 6º A Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou do a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. (grifou-se)13

O que o legislador fez foi conferir ao legislador estadual, detentor da competência para instituição do ICMS a possibilidade da criação da figura do substituto tributário. Tal norma permitiu ao legislador que após descrever a hipótese de incidência geral de seu tributo, descreva hipóteses especiais em que serão utilizadas a figura da substituição tributária. Desta forma, na visão aqui apresentada poderá ser identificado dois contribuintes totalmente distintos. No caso da “descrição normal ou geral da hipótese de incidência” o legislador estadual seguirá as regras tradicionais do CTN, descrevendo a hipótese fática que quando praticada por determinada pessoa terá esta a obrigação de pagar o tributo. No caso de envolver a substituição tributária, pode-se dizer que o legislador descreve uma hipótese de incidência “especial em relação aquela primeira geral que havia sido descrito” e nesta, ele, o legislador, trará como obrigado uma pessoa diferente daquele primeiro. Todavia, como já dito, o que ocorre em verdade não é substituição e sim uma instituição de uma obrigação nova a ser cumprida por um sujeito determinado, cujo comportamento se amoldará aquela hipótese de incidência “especial” que envolve a substituição tributária. Pode-se dizer que este é de fato o contribuinte, mesmo que ele tenha anteriormente feito a “retenção do tributo” e que de fato o valor pecuniário tenha saído do patrimônio de um terceiro, haja vista, que o Estado não “se importará” se houve ou não esta retenção, o que ele fará é cobrar do “substituto” aquilo que o comando normativo expresso na lei lhe impôs. A relação de crédito e débito entre o “substituto” e “substituído” será resolvido sem a interferência da figura do FISCO através das Leis de direito privado.

A Lei 4.502/64 traz dispositivo semelhante em seu artigo 35, conforme transcrito in verbis:

Art. 35. São obrigados ao pagamento do imposto

(…)

II – Como contribuinte substituto:

a) o transportador com relação aos produtos tributados que transportar desacompanhados da documentação comprobatória de sua procedência;

b) qualquer possuidor – com relação aos produtos tributados cuja posse mantiver para fins de venda ou industrialização, nas mesmas condições da alínea anterior.

c) o industrial ou equiparado, mediante requerimento, nas operações anteriores, concomitantes ou posteriores às saídas que promover, nas hipóteses e condições estabelecidas pela Secretaria da Receita Federa

Através da redação do dispositivo pode-se perceber que mais uma vez a figura da substituição tributária se dá através de uma imposição, em que a Lei atribui a figura de “contribuinte”, mas erroneamente chamado de substituto ao transportador; qualquer possuidor; industrial; diz-se erroneamente, pois o que a norma faz não simplesmente substituir e atribuir a obrigação a um responsável, o que ela faz é na verdade estabelecer uma nova hipótese de incidência, criando ao mesmo tempo para o Estado, “novos e verdadeiros” contribuintes independentes e autônomos daqueles que são considerados “substituídos”. No mesmo sentido do que aqui tem sido trabalhado, Alfredo Augusto Becker dispõe o seguinte:

“Não existe responsabilidade legal tributária, nos casos em que o Estado pode exigir o tributo somente de uma pessoa. Nestes casos, não existe a figura do responsável legal tributário como figura específica que seria diferente do substituto legal tributário. Em todos estes casos, a denominação de responsável legal tributário é errônea porque na realidade científico-jurídico a pessoa vinculada ao Estado é tipicamente um substituto legal tributário. Por exemplo: em se tratando de imposto de transmissão de propriedade imobiliária, se o legislador vincula exclusivamente o Tabelião ao Estado, de modo que somente contra o Tabelião o Estado poderá agir, neste caso, o Tabelião é o próprio sujeito passivo da relação jurídica tributária, na condição de verdadeiro substituto legal tributário”.14

Neste capítulo foram feitas poucas referências bibliográficas, por não ter sido encontrado maior quantidade de materiais didáticos tratando do tema. O que fora dito neste subtítulo encontra-se baseado nas palavras de Paulo de Barros Carvalho e Alfredo Augusto Becker transcritas acima.

 

Referências

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª edição, Rio de Janeiro: Método 2009.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário Descomplicado. 3ª edição, Rio de Janeiro: Impetus. 2007.

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 3ª edição, Rio de Janeiro: Método 2008.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13.ª edição, São Paulo: Saraiva 2007.

Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2007`

GRECO, Marco Aurélio. Substituição tributária ICMS IPI PIS COFINS. São Paulo: IOB, 1998.

TORRES, Ricardo Lobo. Substituição Tributária e Cobrança Antecipada do ICMS. ICMS – Problemas Jurídicos (coord. Valdir de Oliveira Rocha). São Paulo, Dialética, 1996


2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. – Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

3 Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª edição. São Paulo: Atlas, 2007. p. 74-76

4 GRECO, Marco Aurélio. Substituição tributária ICMS IPI PIS COFINS. São Paulo: IOB, 1998, p.7

5 TORRES, Ricardo Lobo. A Substituição Tributária e Cobrança Antecipada do ICMS. ICMS – Problemas

Jurídicos (coord. Valdir de Oliveira Rocha). São Paulo: Dialética, 1996,p.188

6 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário Descomplicado. 3ª edição, Rio de Janeiro: Impetus. 2007, p. 218

7 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13.ª edição, São Paulo: Saraiva 2007, p. 115

8 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito tributário. 3ª. Edição, São Paulo: Lejus 2002, p. 508

9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª edição, São Paulo: Saraiva 2009, p. 335

10 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Tributário Descomplicado. 3ª edição, Rio de Janeiro: Impetus. 2007, p. 217

11 ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª edição, Rio de Janeiro: Método 2009, p. 282

12 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª edição, São Paulo: Saraiva 2009, p. 337

13 BRASIL, República Federativa do. Lei complementar nº 87 de 13 de setembro de 1.996

14 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito tributário. 3ª. Edição, São Paulo: Lejus 2002, p. 558

Thiago Sales De Paula

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