A Democracia Brasileira

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Em primeiro lugar é preciso que seja determinado o que vem a ser democracia, não consoante o entendimento que dela de se teve havia muito tempo, mas sim considerando o já Estado moderno.

Na nova realidade, que difere diametralmente da realidade experimentada na antiga Atenas, o termo democracia quase sempre é empregado como uma situação política herdada da república; uma nítida prova da adoção unânime da classificação dada por Maquiavel.

Para a nova realidade, democracia e república devem ganhar novas dimensões as quais, para melhor serem explicadas, ensejam um breve retrocesso á revolução francesa.

Em rápidas palavras, durante a revolução francesa, dos três momentos que teve, dois são os que mais interessam: o primeiro momento, que é o momento em que se defendeu fervorosamente a não intromissão do Estado na vida privada, também conhecido como tempo do “direito das liberdades” e o segundo momento, que é o momento em que se iniciou o movimento socialista, com a ideologia de uma maior intromissão do Estado na esfera privada.

O primeiro momento deu origem ao capitalismo, o segundo às teorias socialistas. Mas o que importa nesse breviário não são esses sistemas (socialista ou capitalista), os quais, alias, são irrelevantes para o presente estudo. O que importa realmente é a ideologia daqueles momentos; o primeiro a ideologia da não intervenção do Estado no domínio privado, pelo menos não de forma completa e o segundo a ideologia intervencionista do Estado.

Ambos os termos, democracia e republica encontram-se situados entre esses dois extremos: de um lado a não intromissão do Estado no domínio privado (direito das liberdades), de outro lado a intromissão do Estado no domínio privado (direitos sociais ou socialismo). Na Constituição Brasileira de 05 de outubro de 1988, é possível ver claramente a adoção em ambas as ideologias. Assim é que o artigo 5º e seus incisos revelam a ideologia do direito das liberdades e o artigo 6º e 7º, que cuidam dos direitos sociais, revela claramente a ideologia socialista.

Nesse contexto tanto a democracia com a republica, representam uma forma de governo intermediária, que postula nem total omissão nem total intromissão do Estado na vida privada. Pelo que se conclui que ambas as formas representam uma crítica geral aos extremos formados pela tradição liberal e pela tradição socialista.

Acrescente-se a isso que Maquiavel veio dizer, contra a doutrina Aristotélica, que somente existem duas formas de governo, sendo uma delas a república. É por essa razão que é tão comum observar que as pessoas, empregarem o termo democracia como uma forma herdada da república, uma espécie de herdeira natural da república, quando na verdade são coisas completamente distintas.

Tanto a república como a democracia, a princípio, representam críticas ao modelo liberal e ao modelo socialista, porem suas identidade param por ai.

Grosso modo a democracia é contrária à severa intromissão do Estado na vida privada, por força dos efeitos negativos que isso pode causar especialmente ao fato de que essa intromissão geralmente tem por objetivo o fortalecimento do Estado, onde este deixa de ser meio e passa a ser o próprio fim.

Melhor explicando, a democracia parte do princípio de que o governo deve ser exercido pelo povo e para o povo e não para o Estado. A criação tirânica de impostos, por exemplo ou o tabelamento de preços, representam intromissões do Estado na vida privada, que visam apenas e tão somente o fortalecimento da instituição estatal, o que contraria diametralmente a ideia de que democracia, já que o governo passa a ser exercido em função do Estado e não em função do povo.

Por outro lado, a república parte do princípio de que o bem comum é o objetivo do Estado, daí porque, ao contrário da democracia, propõe uma espécie de resgate das instituições de representação de classe (sindicatos, partidos políticos, associações, cooperativas dentre outros), pois foi a decadência dessas instituições que levaram á indiferença do cidadão com a coisa pública. Para os republicanos e seus ideais, seria com o resgate dessas instituições representativas de classe, que se cumpriria o ideal de participação popular no governo.

No Brasil, diz-se que se vive em uma democracia, portanto em um regime onde, teoricamente, o governo deve ser exercido pelo povo e para o povo, o que significa que possui um limitador quase que natural para a sua intromissão do Estado na vida privada. Só por ai já se verifica quão enganosa é a idéia de que o Estado Democrático tudo deve e nada pode. Daí porque se verificar, igualmente, o equivoco em que incidem aqueles que acreditam que o Estado tudo deve fazer, ao passo que o povo ou súdito somente deve esperar.

Então, sempre que se falar doravante em democracia, o termo será empregado como sendo aquela agencia ou aquela forma de governo que modela a atuação do Estado na sua intromissão na vida privada.

Se for para falar da democracia brasileira em sentido estrito, então se devem analisar as últimas décadas, porque, em teoria, somente no ano de 1984 é que o Brasil passou a ser considerado uma democracia pois antes deste período o que existiram foram regimes híbridos.

Diz-se tecnicamente, mas poder-se-ia dizer também formalmente, porque materialmente falando, não dá para dizer que o Brasil vivenciou uma democracia desde 1984, como também não dá para falar que antes de 1984 o Brasil vivia outro tipo de regime. Noutras palavras: não é possível dizer que, materialmente, o Brasil só viveu uma democracia a partir de 1984 embora possa ser possível afirmar teoricamente isso.

Então é preciso que se evidencie, inobstante a forma de governo declarada, em que momentos da história do Brasil o povo brasileiro vivenciou um governo democrático e quando não. Para isso, deve-se partir de duas premissas: a primeira é o conceito, ainda que imperfeito, de que democracia é aquele governo que é exercido para o povo e pelo povo, e a segunda refere-se ao referencial, que neste caso será o povo ou mais propriamente dito, os benefícios auferidos pelo povo e as suas conquistas.

Mas para que isso fique bem evidente, é preciso que se garimpe na curta história do Brasil, os fatos e os vestígios dessa espécie de gestão da democracia. Seria diligenciar mais ou mesmo como um arqueólogo dos fatos, o que não se apresente uma tarefa tão árdua quanto parece, porque como a história do Brasil é recente, os fatos importantes não estão enterrados tão profundamente, como, por exemplo, estão os fatos ocorridos nos paises que possuem uma experiência mais velha.

Diligenciar nesse sentido revela uma verdade inarredável: toda e qualquer investigação sobre o tempo presente, necessariamente pressupõe o desenrolar dos fatos passados, até mesmo porque o passado pode deixar dissabores, mas põe fim a todas as incertezas. Não obstante, ao rever o passado também fica possível traçar comparações, entre o que foi e o que é e, assim, tentar prever como será. E, ao prever o como será, fica bem mais fácil intrometer-se na ordem do tempo para melhor orientar a conduta, evitando-se, assim, que se erre novamente ao mesmo tempo em que se possibilita que se acerte posteriormente.

Nesse passo, a primeira pergunta que precisa ser feita, é o que a sociedade civil brasileira conquistou ao longo desses últimos vinte anos?.

Tome-se como marco o ano de 1984.

Nesse ano, aconteceu no Brasil um fenômeno interessante que ficou conhecido como o movimento das “Diretas Já”. Poucos são aqueles que observam que esse movimento não teve apenas como conseqüência a forma como o povo brasileiro iria eleger seu presidente. Esse movimento, na verdade, teve uma conseqüência bem mais sutil, porem de igual ou até maior importância. É que foi através do movimento das “Diretas Já” que o povo brasileiro esboçou as primeiras linhas de um movimento popular sério e livre, realizado pelos vários segmentos da sociedade civil organizada. O problema foi que o carro chefe desse movimento, foi, exatamente, o estabelecimento de que o Chefe de Estado seria eleito diretamente pelo povo, verdadeiro absurdo em uma sociedade tão desigual como era o Brasil de 1984 e, como é até os dias de hoje.

Esse movimento popular, é bem verdade, iniciou-se timidamente, aqui e acolá, depois foi ganhando cada vez mais adeptos até que, de maneira sincronizada, acabou virando um coro de vozes, reunidos na praça da Sé na cidade de São Paulo. O Brasil vinha de um regime Ditatorial, que sufocava a opinião popular e que durante quase vinte anos fez calar as vozes. Mas é bom que se diga, que isso não significa que o regime ditatorial (que alguns insistem em chamar de regime de exceção, só que exceção do que? Existe algum regime que seja regra?) tenha frustrado a evolução da sociedade brasileira. É certo que no campo político, o regime ditatorial brasileiro foi rígido, mas não nefasto; duro, porem nem sempre injusto e, alias, as injustiças que foram cometidas naquele período, não são maiores que as injustiças que se verifica no período democrático. E, além disso, esse comportamento do Estado limitou-se ao campo político, não se podendo afirmar que a sociedade civil tenha sido duramente prejudicada. Máxime, por exemplo, que uma das maiores conquistas da sociedade civil aconteceu no governo de Getulio Vargas, com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em plena ditadura.

Seja como for, a verdade é que o movimento das “Diretas Já”, mais que a forma como o presidente é eleito, teve uma importância ainda maior, pois foi através dele que o povo percebeu o seu poder, quiçá em um único lampejo de lucidez contra o odioso conformismo que tanto prejudica o desenvolvimento nacional.

Ainda que grosso modo, o movimento das “Diretas Já” se assemelhou ao grito “Independência ou Morte” pronunciada séculos atrás. A única diferença que teve, alem do fato de a sociedade civil não estar acometida de cólicas provocadas pela difteria, foi que se tratou de um grito proferido por muitos, ao passo que a independência foi gritada por um só. No resto, muito se assemelhou à independência, pois tal como a primeira, essa suposta segunda independência do povo, trouxe conseqüências no mínimo estranhas. Basta lembrar que, alguns anos depois o povo estava de volta a rua, para tirar do governo a base da pressão, um presidente que viria, tempos depois (expirada sua pena) ser um dos políticos mais votados, em uma importante região do país. Vale dizer: muitos dos “caras pintadas”2, que foram às ruas para expulsar o Presidente Collor, sequer sabiam quais os reais motivos daquele estardalhaço todo.

Mas, igualmente ao que aconteceu quando da primeira independência, essa segunda independência, veio a ter como carro chefe, a Assembléia Constituinte de 1988, que encerra muitas premissas do Código Civil que, depois de mais de uma década de tramitação, entrou em vigência no dia 13 de janeiro de 20033.

Um olhar um pouco desatento dirá que com a Constituição de 1988, fruto daquele movimento pelas “Diretas Já” colocou em cena temas que estavam supostamente sufocados pela ditadura, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e Adolescente e o Código de Defesa e Proteção do Consumidor. Porem tais temas nada tem a ver com o que realmente interessa. Embora não se negue o avanço do direito com a criação desses códigos, a verdade é que os temas a eles relacionados nunca foram sufocados pela ditadura. Isso é bastante lógico. Porque razões a ditadura iria “sufocar” os direitos das crianças ou dos consumidores? Se esses códigos não foram feitos antes, é porque a sociedade ainda não necessitava deles, porque o desenvolvimento não os exigia. Para um regime que promoveu a Consolidação das Leis do Trabalho, surge até com certa carga de evidência, que não custaria estabelecer leis que assegurassem o direito dos consumidores ou da criança.

Então, em termos de conquistas do povo, não da para dizer que o regime ditatorial no Brasil pecou simplesmente porque temas como a defesa do consumidor ou os direitos da criança não foram codificados durante aquele período. Se isso fosse feito, então também seria necessário crucificar a democracia, porque existe uma infinidade de temas relevantes que não foram ainda codificados, pelo menos não até o presente momento, como, por exemplo, a questão da limitação dos juros cobrados pelas instituições financeiras. Esse sim é um tema de extrema relevância para o desenvolvimento social, porque afeta todas as esferas da sociedade e, até o ano de 2011, não existe uma lei sequer que limite tal cobrança. Pior que isso, as leis que poderiam em tese limitar os juros, por fas ou nefas, são declaradas pelos Tribunais como não aplicáveis as instituições financeiras. E nem se argumente que não existe previsão constitucional para a criação de uma lei que limite os juros (a doze por cento ao ano, diga-se) porque existe.

Diante disso, fica fácil constatar que o fato de que algumas leis não terem sido criadas durante o regime ditatorial, em nada compromete sua eventual lisura ou, pelo menos, não serve de pretexto para dizer que, no Brasil, a democracia foi melhor que o regime ditatorial. Alias, se fosse para julgar um regime ou outro com base nesse parâmetro (criação de leis de interesse social relevante), quem sairia perdendo seria o regime democrático, porque durante o período democrático a sociedade, para poder exercer os direitos que são asseguras por esse mesmo regime, necessita de leis, as quais via de regra não são criadas e as que são, sempre sofrem ajustes segundo interesses de uns poucos. Exemplo claro disso, vota-se a dizer, são as leis do sistema financeiro que se aplicam aos bancos e que lhes conferem o direito de obterem no Brasil, lucros que não podem ser alcançados em nenhum outro lugar do mundo.

Então, o que se conclui é que, sob o ponto de vista da criação de leis de interesse social relevante, a democracia brasileira é muito mais falha que o regime ditatorial. Os freqüentes ajustes que as leis dessa natureza sofrem por força de interesses privados de uns poucos, revelam a existência de uma figura híbrida, que poderia ser conhecida como sendo uma democracia-aristocrática. Porque, ao cabo de tudo, as leis acabam sendo criadas em prol de uma determinada classe, notadamente aquele de maior poder econômico.

Mas essa figura hibrida e contraditória ainda não esta perfeitamente definida. Na verdade, não se trata de uma democracia-aristocrática. Segundo Aristóteles, para cada governo normal existe um governo anormal, independentemente da forma, de tal maneira que ao governo monárquico (uma só pessoa) quando desvirtuado, corresponde a tirania; a aristrocracia (governo de uma classe restrita de pessoas) quando desvirtuada, vira uma oligarquia e a democracia (governo de todos os cidadãos), quando desvirtuada corresponde-lhe a demagogia.

Coube a Montesquieu inserir, à doutrina de Aristóteles elementos de ordem metafísica, para delinear os contornos dos governos propostos por aquele, segundo características humanas. Assim, postulou Montesquieu, que a monarquia se caracterizava pela honra (algo bastante semelhante ao “vitu” de que fala Maquiavel); a aristocracia se caracterizava pela moderação da classe governante e a democracia pela virtude. Enquanto para Aristóteles, o que transmudava o governo normal para o anormal era a não observância do bem comum, para Montesquieu o que transmudava uma forma de governo normal para a forma anormal, era a ausência desses elementos metafísicos isto é: a ausência da honra nas monarquias, a ausência da moderação na aristocracia e a ausência da virtude na democracia.

Como, via de regra, os interesses daqueles poucos, em prol dos quais as leis que tratam de temas de interesse social relevante são alteradas ou ajustadas, não tem moderação alguma, então a aristocracia transmunda-se para uma oligarquia. Como dessa verdade não se pode escapar, é forçoso concluir que, no Brasil, sob o ponto de vista da criação das leis de interesse social relevante, a figura que existe no Brasil desde 1984 até, pelo menos 2011, é a bizarra figura de uma democracia oligárquica, por mais estranho que isso possa soar.

Qualquer outra colocação não passa de mero discurso. Não adianta querer tapar o sol com a peneira, sendo imperioso que o brasileiro entenda, de uma vez por todos, que as leis que tratam dos interesses sociais relevantes, via de regra, são editadas segundo os interesses de uma classe. É puro discurso dizer que depois de 1984, com a instauração da democracia, o governo passou a editar leis que viessem amparar temas sociais que estavam abafados durante o regime ditatorial.

A verdade é que existe toda uma pscicologia por trás disso tudo. O governo, seja ele de que país for, pode ser despótico ou não, demagogo ou democrático, teocrático ou ateísta, porem, uma coisa é certa: não são tolos. E a mágica por detrás disso tudo é tão evidente que chega a beirar a infantilidade.

Explicando: com a democracia e com a constituinte de 1988, exatamente porque tais foram um conquista do povo, este mesmo povo passou a acreditar fielmente que as leis eram editadas em seu benefício. Isso foi a ideologia que se embutiu no povo brasileiro e que é constantemente ratificada por ações aparentemente sociais, como, por exemplo, aqueles absurdos programas como o bolsa família, bolsa escola dentre outros programas nitidamente imediatistas, que contrariam a lógica de que não se pode criar mais riqueza dividindo-a. Tais programas jogam uma nuvem de poeira nos olhos do povo, que já não conta com uma educação adequada que lhe sirva como que um escudo contra essa poeira. Com isso o povo brasileiro, já viciado pelo odioso conformismo, aceita pacificamente as coisas que lhe são apresentadas, acreditando quase que naturalmente nas falsas verdades.

Ideologia, a muito tempo que é conhecida como sendo um mecanismo que tem a capacidade de fazer com que as pessoas pensem que certas coisas que lhe são apresentadas são reproduções fieis da realidade. Assim, para qualquer pessoa de qualquer ideologia, todas as coisas que lhe são apresentadas, independentemente de quem a apresenta, que estejam conforme a sua ideologia, surgem para elas como verdades naturais, quase como lógicas, naquilo que poderia ser denominado como sendo um “efeito de evidência”.

Assim, cada brasileiro que recebe um auxilio qualquer do governo, não que se contente com aquela migalha, pior que isso, ratifica em seu espírito a equivocada idéia de que o Estado tem a obrigação de manter-lhe a dignidade. É ai que surge a equivocada idéia de que o Estado tudo deve e tudo deve fazer. No Brasil, a cada bolsa família que é distribuída, a cada benefício social que é recebido, a cada migalha que se recebe facilmente do governo, é um brasileiro que tem ratificado em seu espírito que compete ao governo brasileiro (Estado) lhe sustentar, lhe dar amparo, lhe dar o peixe, ainda que nunca ensine a pescar.

O problema é que isso gera um estado não só de conformismo com as migalhas dadas, mas de ausência de crítica. O “efeito de evidência” que isso traz retira de cada uma daqueles pessoas o senso crítico, porque tudo lhe parece uma coisa evidente, natural, de acordo com sua ideologia. Cria-se um circulo vicioso do qual é muito difícil escapar.

Porque a ditadura é tão criticada no Brasil? Porque foi péssima para as conquistas do povo, ou porque o povo naquele tempo não sofria as conseqüências do “efeito de evidência”? Porque a ditadura foi tão criticada no Brasil?. Porque não entregava o doce da mentira e sim o amargo da verdade?. Porque a ditadura é tão criticada no Brasil? Porque naquela época não havia mantos aparentemente salutares que vendava os olhos do povo?.

A verdade é que a partir de 1984 e da constituinte de 1988, alguns políticos que assumiram o governo, fizeram tanto, em tão pouco tempo, que retiraram do brasileiro o senso de ilegalidade e de realidade, apresentando-lhes uma falsa democracia. Para que usar as baionetas e os canhões para obrigar o povo a aceitar alguma coisa, se se pode engana-lo mais facilmente?. Para que dispertar o ódio, se se pode enganar pela paz?. A cada policial que estava na rua no tempo da ditadura, para controlar as revoltas, desde 2006 existia um bolsa família dentro de cada casa, para controlar o povo e, o que é mais interessante, por um valor muito mais baixo e ainda sem contar com o risco de gerar o ódio. A política democrática afigura-se, nesse ponto, como uma forma de evitar a criação de zonas de desconforto no espírito de cada um, esquecendo-se que foi essa mesma zona de desconforto que não foi tratada durante a ditadura, que possibilitou o movimento das “Diretas Já”.

Seria de se perguntar: se o Presidente Fernando Collor de Mello, nos idos de 1989, já tivesse instituído programas como o bolsa família, teria ele sofrido o impeachment que sofreu?. Se naquela época tivesse o presidente Collor, criado programas simpáticos só por serem simpáticos sem serem justos, os “caras pintadas” teriam existido? É obvio que não, porque a mesma corrupção daquele governo existe, ainda com mais evidência, no governo do presidente Lula, com direito a dança da pizza como comemoração a cada absolvição e ninguém faz nada, porque salva-lhe a pele o bolsa família.

É claro que vozes iram dizer, em sentido contrário, que o novo governo democrático possibilitou investigações, prisões, fim de falcatruas e tudo o mais. Que pela primeira vez o povo brasileiro viu juizes, promotores, advogados, políticos, e outros tantos sentados nos bancos dos réus. Mas, que isso tem a ver com forma de governo?. Que tem a democracia a ver com isso?. Isso não é nada mais do que a aplicação da lei e de um pouco de conscientização da mídia, que cairia no ridículo se não divulgasse tais escândalos. Só se esquece de dizer, que apenas a ponta do iceberg esta revelada. Só se esquece de dizer que praticamente todos os acusados do odioso “mensalão”4 foram absolvidos pelos seus cúmplices. E a estas alturas, onde estão os “caras pintadas” para cobrar do Estado a devida punição? Provavelmente ocupados recebendo seus “bolsas famílias”.

Ademais disso, existe ainda o problema cultural. A conhecida passividade do povo brasileiro, e seu aguerrido conformismo. Isso, associado a uma boa dose de psicologia, como mencionado acima, é a receita perfeita para manter o povo em silencio, conformado com pouco que tem e sem a menor pretensão de querer mais.

Ao que tudo indica, essa passividade do povo brasileiro parece que é fruto de sua própria cultura.

O problema do conformismo do povo brasileiro manifestado através da passividade e até mesmo descaso com o que recebe os maus feitos do governo e conseqüentemente do Estado, é cultural e parece que está remetido ou enraizado a época muito remota, notadamente ao período de colonização. É como se fosse algo que se estabeleceu à época em que o Brasil era colônia de Portugal, e assim permaneceu. Aliás, a influência do período da colonização do Brasil é tão grande que o brasileiro parece ser monarquista e não saber, em franca referência aos reis de Portugal. E esse conformismo atingiu, diretamente, os direitos concedidos pela democracia ao provo.

Essa característica monarquista do povo brasileiro se manifesta de maneira sutil, porem sempre constante. Esses traços monarquistas podem ser observados até mesmo nas coisas mais simples do cotidiano do povo brasileiro, seus maiores ídolos, por exemplo, são chamados de “Rei”, assim o famoso cantor e o grande jogador de futebol.

Se no campo cultural ou dos costumes é possível verificar traços monárquicos no sentimento do brasileiro, é no campo político que todo seu pensamento monarquista revê-la de maneira incontestável.

Não obstante, o povo brasileiro costuma sempre culpar o chefe do poder executivo por todos os insucessos de sua vida. Assim, ou é o prefeito nas cidades, os governadores nos Estados e o presidente da República, os grandes vilões de todos os infortúnios experimentados pelo povo, que acaba esquecendo que ao lodo do prefeito tomando decisões, permitindo que decisões sejam tomadas, vedando decisões tomadas, enfim, atuando está, a câmara de vereadores da mesma sorte como ao lado do governador do Estado está a Assembléia Estadual e ao lado do Presidente está o Congresso Nacional ou seja, o Poder Legislativo, o qual é composto por pessoas eleitas pelo povo e que, teoricamente, deveriam defender os interesses do próprio povo.

Mas se o Poder Legislativo é esquecido, como também se esquece que o Poder Judiciário também é responsável por muitas questões que dizem respeito a seus interesses, notadamente porque a ele compete aplicar a lei, bem como interpreta-la e de acordo com o momento cultural e o desígnios da sociedade.

Então parece que realmente o povo brasileiro está acostumado à idéia da concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa, o que é característico das Monarquias Absolutistas, muito embora a Constituição Brasileira de 1988 seja clara ao dizer que os poderes são tripartidos, independentes e autônomos.

Talvez o brasileiro seja o mais hobeziano dos povos, porque acredita que o poder esta em suas mãos ao mesmo tempo em que aceita a idéia de concentração dos poderes do Estado. Consequentemente, é também o menos montesquiano dos povos, porque não consegue identificar em seu próprio país a separação dos poderes, consequentemente ao invés de distribuir a culpa na proporção de um terço, imputa ao presidente da República cem por cento dela, como se ele fosse o detentor sozinho de cem por cento dos poderes do Estado o que, em absoluto não é verdade.

O povo brasileiro não possui uma cultura Aristocrática porque a ele é estranha a ideia do governo ser exercido por uma determinada classe, embora esteja cansado de ver que o seu Poder Legislativo e, muito especialmente o seu Poder Judiciário, via de regra são regidos pela classe dos ricos; uma conseqüência natural, diria – se da péssima distribuição das rendas. Leis são criadas segundo interesses econômicos dominantes e decisões judiciais são tomadas segundo convier não a um prudente arbítrio, mas sim a uma prudente obediência ao poder econômico. Vale o ditado: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”

Embora o brasileiro viva em uma republica democrática onde os três poderes do Estado teoricamente estão repartidos em três esferas, na melhor formula Montesquiana, a realidade demonstra que o povo brasileiro insiste em culpar uma única pessoa, que é o Presidente da República, como se ele fosse o único responsável por todos os insucessos quando, na verdade e na mesma proporção tem culpa também o Legislativo, o Judiciário e o próprio povo, este ultimo por força de seu inconformismo.

É comum no Brasil o indivíduo não se lembrar em que votou para integrar o corpo do Legislativo, e poucos brasileiros sabem qual o número de Deputados Federais e Senadores que possui, e quais os critérios utilizados para chegarem a esse número. Resta evidente o descaso e a despreocupação do povo brasileiro para com os demais poderes e o excessivo apego a seu Presidente.

Ainda a comprovar que o brasileiro possui uma cultura monárquica-absolutista, esta o fato de que neste país ninguém se assusta ou se preocupa com o fato de que o Poder Executivo insiste em manter a maioria dos membros do Congresso Nacional. Neste país ninguém se assusta ao ler manchetes do tipo “Governo conquista maioria no Senado”, ou ainda, “Governo mantém base majoritária na Câmara dos Deputados”. Alias, nem mesmo os americanos se preocupam com essa questão, máxime, por exemplo, a eleição para o legislativo ocorrida na segunda metade do ano de 2006 nos Estados Unidos da América. Lá o governo dividido em Republicanos e Democratas, também lutou arduamente para manter a maioria no senado federal e, assim, controlar sua casa de leis. Não existe sentido em o chefe do Poder Executivo objetivar o controle das casas de leis, seja em que país for, dentro de um Estado Democrático, porque isso implica, necessariamente, em retirar a autonomia e independência do Poder Legislativo. Este poder – o Poder Legislativo – necessariamente tem que manter a sua independência, não obstante qual seja a filiação partidária do Presidente da República.

É estranho e até certo ponto incompreensível que questões dessa relevância sejam tratadas de forma tão simples e natural no Brasil e também nos Estados Unidos. Manter a maioria dos membros do poder legislativo na condição de aliados é de fato, concentrar na mão de uma única pessoa o poder de executar e de criar as leis, porque o Presidente já exerce a função executiva e, controlando o legislativo, passa também a exercer a função legislativa. Em um país onde o processo legislativo exige no máximo dois terços dos membros do Congresso Nacional para alterar a sua Constituição e, portanto, manifestar o poder reformador, salvo as cláusulas pétreas, parece ser um grande passo para a tirania o fato de o poder Executivo controlar a maioria dos membros das Casas de Lei. Parece que isso fere a própria constituição, porque não existe a necessária independência entre os poderes legislativo e executivo.

Ao controlar ou “ter a maioria” dos membros do poder Legislativo, o Presidente da República se aproxima perigosamente da figura do monarca-absolutista e, como geralmente não é dotado da virtude necessária5 para esse encargo, esse monarca absolutista transmudasse para a figura do tirano. Invocando novamente Montesquieu é a virtude o elemento metafísico inserido a doutrina Aristotélica para distinguir o monarca do tirano.

O presidente, que já exerce o poder Executivo naturalmente e de forma legitima ao controlar ou ter a maioria dos membros do Legislativo, se não se emendar torna-se um tirano, porque a seu pedido serão criadas leis tirânicas a serem aplicadas tiranicamente por ele.

Mais que isso: o mister de chefe do executivo lhe foi outorgada de forma legitima, e isso não se discute. Mas, o controle, ainda que indireto, do Legislativo, é exercido de forma ilegítima, porque esse controle geralmente decorre dos famosos acordos políticos, onde o presidente concede a gestão de um ministério a algum membro de um determinado partido político, e esse mesmo partido político irá dar apoio ao presente no senado federal ou na câmara dos deputados. Tais questões, de extrema relevância, são tratadas com a maior naturalidade pelo povo brasileiro; os especialistas em política até deram um nome técnico a esse controle: “base aliada”, prefere-se a esse termo a expressão tirania.

Argumenta-se que é necessário o governo possuir uma base aliada no Legislativo. Fala-se que isso é necessário para a governabilidade do país. A idéia é de que a rivalidade entre os políticos, fruto da ideologia de seus partidos, não venha atrapalhar o governo, pois, sendo muitos os partidos políticos, e muitas as ideologias, surge a figura que se costumou chamar de oposição (esquerda), ou seja, aquele bloco de partidos e de políticos que não concordam com as ideologias do governo e de sua base aliada. Contra a oposição e para combate-la, está a base aliada. Argumenta-se mais: que o fato de se possibilitar a existência da oposição ou seja, a existência dos que são contrários ao governo, por si só evidencia que o país é um pais democrático, pois aceita as opiniões contrárias. Que aceita a oposição, isso não se discute, somente se esquece de dizer que isso de nada represente, porque por mais que seja forte e retórica, a oposição, pouco ou nada poderá fazer para construir, pois a única forma que a oposição tem para expressar seu ideologia, é vedando ou não aprovando certas práticas do governo, ou seja, o máximo que pode fazer é atrapalhar o governo. Aquela velha e conhecida máxima de Montesquieu, segundo a qual, “posso não concordar com qualquer uma de suas palavras, mas defenderei até a morte o direito de você dize-las”, não basta. É preciso um pouco mais que isso.

Com o respeito necessário, mas este argumento não pode convencer, porque os objetivos da Republica, desde Platão, passando por Aristóteles, Montesquieu, Maquiavel, e tantos outros, sempre foi o bem comum, e não a ideologia de um ou de outro partido.

Não faz sentido algum sequer falar em oposição, e é difícil compreender que essa figura seja necessária. Pouco importa se a ideologia de um partido difere da de outro, se as idéias são boas e irão reverter para o bem comum, não faz sentido algum falar em base aliada ou em oposição, deve substituí-la o princípio da tolerância, um dos mais importantes princípios de um governo verdadeiramente democrático. Por exemplo: existiria alguma oposição contra, por exemplo, uma política de erradicação do racismo? No entanto, a única questão onde as ideologias políticas são deixadas de lado, e a figura da oposição e da base aliada desaparece, é quanto à questão dos salários, pois todos os membros do Legislativo, via de regra, são favoráveis ao aumento de suas próprias remunerações. Neste particular, isto é, quando se vota os salários dos parlamentares (no Brasil um dos mais altos do mundo), oposição e base aliada se juntam, e não há qualquer desentendimento de vontadas.

Seja como for, parece que, sob este ponto de vista político, surge no Brasil uma outra figura hibrida, tão bizarra quanto a acima mencionada Democracia Oligárquica, qual seja, a Monarquia Absolutista Constitucional Parcial. Parece complicado essa gigantesca expressão, mas é possível identifica-la. Diz-se monarquia constitucional porque, no Brasil, como já explicado, o povo aceita a idéia de concentração de poder nas mãos de uma única pessoa, é constitucional porque existe uma Constituição a ser seguida, e não é hereditária, porque a sucessão não se dá pelo vinculo consangüíneo sim pelo processo eletivo6 e, finalmente, é parcial, porque nas mãos desse estranho absolutista, estão apenas o Poder Legislativo e o Poder Executivo, pelo menos de forma bastante evidente.

Mas não seria demais falar que essa figura bizarra fosse uma Monarquia Absolutista Total, porque o que se verifica das decisões do Poder Judiciário, notadamente do poder de cúpula, exercido pelo Supremo Tribunal, é que contem elas fortíssima carga política, isto é, as questões relevantes levadas ao Supremo Tribunal Federal, geralmente são decididas de forma a não prejudicar o governo, ou a política de governo. Isso quer dizer que, em determinadas situações, o Presidente da Republica no Brasil, exerce um poder absoluto, uma verdadeira Monarquia Absolutista, controlando o Poder Executivo (legitimamente), controlando o Poder Legislativo (indiretamente pela sua base aliada) e em certos casos, controlando o próprio Poder Judiciário.

É possível citar um exemplo claro disso. À época do governo de Fernando Henrique, a reeleição presidencial não era possível. No entanto, o então Presidente, de forma política, instou o Poder Legislativo a alterar a Constituição e, assim, possibilitar a reeleição, tudo com a conivência do Poder Judiciário. Foi reeleito. Como negar que, neste caso, o Presidente brasileiro exerceu os Três Poderes. Observe-se: exerceu o Poder Executivo que lhe era inerente; através de acordos, e contando com a base aliada, sem consultar o povo, venceu a oposição e possibilitou a reeleição. Tudo isso foi feito às barbas do Poder Judiciário, que manteve-se cordial. Se fosse para apresentar alguma metáfora, poderia se dizer, que neste caso, a Democracia escorreu pelas tranças da Rapunzel, ao invés de se pendurar nas barbas de Sócrates, como lhe seria devido. O pior de tudo, é que o povo brasileiro não só aceitou essa violência contra o Estado Democrático, como conseguiu, ainda, reeleger o Presidente. Então volta-se novamente ao problema do conformismo.

A pergunta é: por que o povo brasileiro insiste em ser tão compassivo e acomodado com situações flagrantes de ofensa aos alicerces de qualquer Estado Democrático?

Benjamin7, Frigotto8 e Oliveira9, traçam algumas luzes para esta resposta, o que pode ser corroborado por algumas passagens de A. J. de Melo Moraes. Parece que o problema do conformismo, de fato remete à época da colonização no Brasil, e também nos primeiros passos depois do grito da independência.

Frigotto traz a idéia de que o brasileiro herdou uma “matriz cultural peculiar”, onde “o colonizado se identifica com o colonizador”. Por força disso, “perfilamos uma relação de submissão”. Essa submissão, ainda para Frigotto, “se dava em relação aos conquistadores e colonizados” e, ainda nos tempos de hoje, pelo menos até esse presente momento, “continuamos a ser colonizados mediante a integração subordinada ao grande capital”.

É certo que Frigotto está se referindo aqui à submissão do Brasil, enquanto país, perante as grandes potências, como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, e algumas outras. Está falando aqui, da passividade do Brasil em relação a estes países, que o dominam, e o esmagam, por força do grande capital, ou seja, do poder econômico. Esta submissão do Brasil em relação a outros paises, segundo Frigotto, encontra suas raízes no período de colonização, onde sempre perfilou-se uma relação de submissão.

Não se pretende aqui discutir, a posição do Brasil em relação ao mundo e aos países desenvolvidos, porque isso é matéria do Direito Internacional. Porém, é possível identificar, segundo Frigotto, o início ou as raízes da submissão do Brasil e, consequentemente, de seu povo. Noutras palavras: o mesmo que acontece, ou a mesma submissão do Brasil em relação aos outros países, ocorre, em menor proporção, e internamente, entre o povo brasileiro e o Estado brasileiro.

Na mesma senda de Frigotto, está Benjamin, que é ácido ao dizer que o Brasil nasceu como uma “não-nação, apenas território colonizado para abastecer de produtos, mercados de países centrais”.

Mas é em Oliveira que é possível identificar mais precisamente a origem desse conformismo e submissão do povo brasileiro perante o Estado brasileiro. Aponta Oliveira, que o Brasil foi uma cópia fiel do Estado português, que forjou, no Brasil, uma sociedade que não existia. O problema é que, ainda segundo Oliveira, Portugal era um Estado “retrógrado” principalmente por força que a Religião exercia naquela época e, consequentemente, “modelou uma sociedade à sua imagem: retrógrada, reacionária, obscurantista”. E arremata dizendo que é nesse fato, e por essa razão, que “a sociedade brasileira é, desde as suas origens, uma sociedade profundamente injusta, desigualitária, desumana”.

Essa herança, que possui raízes econômicas, mantém-se viva até hoje. As conquistas no campo jurídico alcançadas pelos brasileiros ao longo dos anos, não foram acompanhadas pelo desenvolvimento do Estado. Criou-se, portanto, uma utopia social, segundo a qual as leis seriam suficientes para extinguir as injustiças. Some-se a esse fato a tradição positivista, de aplicação cega da lei, e tem-se uma formula perfeita para enganar o povo.

Some-se ainda o fato que a cultura brasileira acredita fielmente que a lei, quando aplicada, gera a justiça porque costumou-se entender que a justiça é a lei e a lei é a justiça. Esqueceu o povo brasileiro que essa é uma verdade que não existe e que não se sustenta, porque as leis, além de não serem sempre justas, quem as faz é, teoricamente, a maioria, e não os mais sábios ou os mais justos.

Além disso, esquece o povo brasileiro, que o Poder Executivo, ao manter a tal “base aliada” no congresso nacional, dita as leis a serem criadas, sendo um engano dizer que a lei representa a vontade da maioria. Mais correto dizer que a lei representa os interesses do Estado, como se o Estado fosse um fim e não um meio. A lei nunca foi e nem nunca será sinônimo da justiça, mesmo porque a lei é coisa abstrata e genérica e, se não possui vicio de forma, como por exemplo, de iniciativa, seu conteúdo material geralmente é comprometido e parcial, exatamente porque sempre irá pairar a dúvida em prol de quem foi a lei criada, se em prol do governo para assegurar as medidas que entende necessárias, ou se realmente foi uma lei criada em prol do povo.

Mas ainda que se supere essas questões, e se parta do principio de que a lei, realmente, foi criada em prol da sociedade, cabe dizer que as leis, por si só, nada fazem, são, quando muito, instrumentos para assegurar um ou outro direito. Sem que haja um desenvolvimento efetivo das instituições do Estado, por melhor que seja a lei, e por mais clara que possa ser, jamais terá ela condição de estabelecer a justiça, pelo menos a justiça social.

A cultura brasileira, portanto, foi totalmente direcionada para a idéia de que a lei seria suficiente para acabar com todo tipo de violência e com todo tipo de desigualdades, e que todos sob seu manto seriam tratados de forma igual, detentores dos mesmos direito e das mesmas obrigações. Aliás, isso explica bem o fato de o brasileiro ter aquela visão monarquista mencionada alhures. Ora, quem executa as leis, é o Poder Executivo, é o Rei, não se podendo confundir executar a lei com aplicar a lei. A lei se aplica pelo Judiciário aos casos concretos, estabelecidos numa relação fechada, cuja decisão, conforme o caso, irá abranger apenas os contentores ou toda a sociedade. Executar a lei, para o conhecimento popular, é tornar real aquilo que ela prevê abstratamente, por exemplo: quando a lei fala que a todos é assegurada a saúde e o lazer, a primeira coisa que vem em mente, para o povo, é que compete ao Presidente da República fazer hospitais e praças para deleite. Somente depois, em um segundo plano, quando já nas barras do Poder Judiciário, é que o indivíduo vai exigir que a ele sejam assegurados, de forma igual ao seu vizinho, a saúde e o lazer.

A Constituinte de 1988, para citar um outro exemplo, fala que o salário mínimo deverá assegurar uma infinidade de coisas, como lazer, vestuário, alimentação, etc. Quando o brasileiro verifica que isso não é possível, porque seu salário mínimo é mínimo mesmo, a primeira coisa a fazer é culpar o Presidente, que não está cumprindo a lei, porque não aumenta o salário mínimo.

Essa idéia de que a lei tudo resolveria, foi ainda mais imposta ao brasileiro, quando se instalou o Estado Democrático, e ele passou a acreditar que agora era ele mesmo quem iria fazer as leis, através de representantes eleitos. Verdadeira utopia, na medida em que, como já mencionado, o povo não cobra profissionalismo, sequer, dos que elegeu.

Foi nesse momento, que a Democracia virou ficção, porque o Estado brasileiro, desde os seus primórdios, não acolhe todos de forma igual, não contempla igualmente os direitos, muito menos concede igualdade de condições a todos os seus súditos, mas o povo continua acreditando nisso, embora não é preciso dar mais do que dois passos na rua para constatar o engano.

Existe uma divisa em Direito, que é tão bela quanto utópica, na mesma proporção. Pode-se ir a qualquer país do mundo, que dentre tantos não haverá um que a negue: todos os homens serão iguais perante a lei. Isso está até na Declaração dos Direitos Fundamentais do Homem.

Isso levou o ser humano, e não só o brasileiro, a acreditar na imparcialidade da lei, na imparcialidade da jurisprudência, na sustentação própria da Justiça. Não passa, contudo, de um engodo, de uma armadilha aos menos desavisados, porque as desigualdades sociais existentes entre os homens, não se submete a essa divisa, e por mais que se fale, a verdade é que a desigualdade entre os homens sempre existiu, e vai sempre existir.

Mas o brasileiro insiste em acreditar, que por viver em um Estado Democrático de Direito, possui o mesmo tratamento que o Estado dispensa ao seu vizinho. É, portanto, forçoso concluir que, se isso não for a principal, é uma das principais causas que levam o brasileiro a este estado letárgico e compassivo com tudo o que de pior faz o Estado. Continua achando que vive em uma Democracia, e que isso é suficiente para lhe assegurar todos os direitos, como se a própria democracia fosse suficiente para tanto, e como se não existisse nenhuma outra forma de governo que pudesse assegurar ao indivíduo seus direitos.

Sobre essa doce inocência, é comum ler-se em artigos que tratam do assunto, que o período pós-ditadura, ou seja, posterior a 1984, foi um período de redemocratização do Brasil. A alegação é de que o movimento das “Diretas-Já”, ao possibilitar o voto direto, trouxe ao país uma democracia efetiva. O problema, é que quando se fala em redemocratização, presume-se que houve um período democrático anterior, que, engessado no tempo, durante o regime ditatorial, voltou a ativa posteriormente. Não se pode “re” alguma coisa que não existe, portanto, só se redemocratiza uma democracia que já existiu.

Isso faz as pessoas acreditarem que, antes do período ditatorial, o Brasil experimentava uma história nacional democrática. Isso, contudo, não é verdade. Antes do regime ditatorial, as coisas não eram muito diferentes das que são hoje. Porque o problema, não está no tempo, e sim no povo, e o povo brasileiro, continua o mesmo de antes do regime ditatorial, durante o regime ditatorial, e depois do regime ditatorial. É claro que, com a volta da “democracia”, o povo brasileiro, como que ganhou novo ânimo. Mas isso não é suficiente para dizer que, antes do regime ditatorial, ou durante a sua vigência, as coisas eram melhores ou piores. Também não se nega que, após o movimento das “Diretas-Já” e a queda da ditadura, o povo brasileiro viu nascer organismos que antes não existiam, como, por exemplo, a proliferação dos partidos políticos, inclusive os de esquerda e de extrema-esquerda, e movimentos como o dos trabalhadores sem-terra e dos sem-teto, além do fortalecimento das sindicâncias, como a Central Geral dos Trabalhadores, e a Central Única dos Trabalhadores que, aliás, é o berço do ex-Presidente Lula.

A par de tudo isso, e dessas evidentes mudanças no cenário social, não é possível dizer, como já mencionado, que as coisas melhoraram.

Como já se disse, a lei e a suposta igualdade perante ela, não é suficiente para dizer que se vive em um país democrático de direito. O voto direto e a tripartição dos poderes (como se essa última realmente existisse), também não são suficientes para dizer que se vive em uma democracia. Programas sociais relevantes, ou de, pelo menos, aparente relevância, como o Bolsa-Família, também não são suficientes para se dizer que se vive em um país democrático. A criação, ou o desenvolvimento de sindicatos, entidades de classe, partidos políticos, também não é suficiente para se dizer que se vive num país democrático. Todas essas coisas aconteceram depois do regime ditatorial, mas nem por isso pode-se falar que houve uma redemocratização. Primeiro porque, o Estado Nacional, antes da ditadura, não possuía tais acervos, em segundo lugar, porque, mesmo que existisse, não seria possível falar em efetiva democracia.

Mas se nada disso é suficiente para justificar a realidade do Estado Democrático brasileiro, o que o seria?

Pois bem.

Ainda que em poucas palavras, é possível descrever no que consiste verdadeiramente o Estado Democrático. Poder-se-ia escrever um número infindável de questões que evidenciassem o Estado Democrático. Poder-se-ia, também, apresentar um rol de autores, maior que os descendentes de Abraão, que tratam do assunto.

Mas será que tamanho volume de informação é suficiente para definir o que caracterizaria um país efetivamente democrático? Analise-se algumas definições de democracia: a maior enciclopédia digital do mundo, Wikipédia, define democracia como sendo “um regime de governo onde o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos (povo), direta ou indiretamente, por meio de eleitos representantes — forma mais usual”10. No site da Embaixada Americana, existem várias definições de democracia. Destaque-se as seguintes:

 

 

“Democracia é o governo no qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes livremente eleitos”

 

“Democracia é um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana; é a institucionalização da liberdade”;

 

“Democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria associados aos direitos individuais e das minorias. Todas as democracias, embora respeitem a vontade da maioria, protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias”11.

 

 

Os conceitos sobre democracia, acima mencionados, foram buscados na internet não por acaso, tampouco por falta de tempo ou por preguiça. Na verdade, foi proposital. Na enciclopédia digital acima mencionada, a definição de democracia parte daquele velho postulado de que democracia se resume a um governo do povo, para o povo, e pelo povo. A única coisa que se aproveita do conceito lá trazido, é quando diz que a democracia se caracteriza pelo fato de o povo poder tomar decisões importantes. O fato de, em um Estado, o povo poder participar das importantes decisões do Estado, já é um dos elementos que caracterizariam um Estado democrático. Não é o único, porém.

De fato, se observadas e consideradas as melhores democracias modernas, observar-se-á que o povo é constantemente instado a participar das questões mais relevantes do governo e, ao lado do governo, tomar decisões importantes. Isso é possível, porque a distância do povo do governo é pequena. Qualquer cidadão na Bélgica, ou na Suécia, por exemplo, está como diriam os técnicos em informática, “a um clique” do governo. Basta a pessoa chegar em casa, ligar o seu computador, e votar. A máquina pública, nesses países desenvolvidos, é extremamente eficaz, e isso permite que o povo participe mais das decisões governamentais importantes para o Estado. Nesses países, toda vez que a Constituição vai ser alterada em parte importante, o povo é convocado a opinar.

No Brasil, até o ano de 2006, a última vez que o povo foi convocado a opinar, foi para decidir se seria legal ou não o comércio de armas. Fora o conhecido tumulto que qualquer votação causa no Brasil, há que se considerar qual a importância dessa decisão.

Em que outro país do mundo o povo foi convocado para decidir se em seu país seria permitido o comércio de armas ou não? A falta de lógica beira as barras do absurdo. No governo Fernando Henrique Cardoso, o povo não foi consultado sobre a possibilidade de se alterar a Constituição e permitir a reeleição do Presidente. Então, não tem como chegar a uma outra conclusão: no Brasil, qualquer espingarda é mais importante que o Presidente, disso não há duvida alguma, pois o brasileiro, ao comparecer às urnas e opinar acerca da questão das armas, ratificou essa colocação.

Mas, incompreensões a parte, a questão da participação popular nas decisões importantes do Estado e, por favor, quando se fala importante, é importante no sentido mais literal possível da palavra, é sem dúvida, um dos elementos que caracterizam um Estado Democrático.

Na página da Embaixada Americana, encontra-se vários conceitos, dos quais três foram selecionados. O primeiro diz que na democracia o poder é exercido por todos os cidadãos, diretamente ou através de seus representantes livremente eleitos. Tudo muito bonito, tudo muito belo. Mas será que é real? A questão mais importante, porém, está no emprego da expressão “cidadão” ao invés de “povo”. Povo, na verdade, é um mero elemento quantitativo. Cidadão é o individuo instruído no uso de seus direitos políticos. Aqui é possível identificar um outro fator que caracterizaria um governo democrático, qual seja, a educação, porque a democracia do cidadão é muito mais realista e efetiva que a democracia do povo, e povo que não alça à categoria de cidadão, não vai passar de mero elemento quantitativo.

Então, está errado também, por essa razão, a idéia de que a democracia é um governo exercido pelo povo e para o povo, pode até ser que seja exercida “para” o povo, mas não pode ser exercida pelo povo, se assim fosse, ou seja, se exercida pelo povo, se tornaria demagogia. No Brasil, com todo o respeito pelo seu Presidente, que desde 2003 e até 2010 exerceu o cargo de chefe do Executivo, mas é curioso observar que talvez seja o único Presidente que se vangloria de ser analfabeto, muito embora, em seus discursos, sempre cite JK, o insuperável Getúlio Vargas e, mais recentemente, Ernesto Geisel. Volta-se a dizer: a democracia do cidadão é muito mais efetiva e realista que a democracia do povo, pelo que a educação do povo é um outro elemento a compor a Democracia.

Em um outro conceito dado pela Embaixada Americana, acima transcrito, fala-se que a democracia seria uma espécie de conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana e a institucionalização do Estado. Este conceito vai bem até o momento em que considera a democracia como um conjunto de princípios. Na verdade, a democracia não passa de uma teoria criada pelo homem, e como toda teoria, ela possui certos princípios. De todos os princípios que permeiam a democracia, como por exemplo o sufrágio universal, o cuidado com a coisa pública e outros, um único se destaca, e que realmente pode ser alçado à categoria de princípio, qual seja, o princípio do Poder Popular. Todos os outros princípios que instruem a teoria democrática sucumbem perante o Princípio do Poder Popular.

O princípio do Poder Popular é, portanto, um outro dado a caracterizar um governo efetivamente democrático. Não se socorre aqui, a Russeau ou a Thomas Hobbes, ambos, de uma forma ou de outra, reconheceram que todo o poder emana do povo. É certo que Hobbes quebrou a tradição da divindade do poder e o centrou nas mãos do povo, porém, o que poucos falam, é que foi um ferrenho defensor do absolutismo, base que manteve até seus últimos dias. O poder popular que se fala aqui, não é o poder da união do povo. O poder que se fala aqui é o poder individual, que cada um possui. Juntos, o poder se multiplica, e será tão forte quanto forem as vozes da Assembléia. O poder popular, não decorre e não existe somente da constituição da Assembléia, ele é anterior a isso, e está presente em cada um dos indivíduos. A Assembléia, apenas, e tão somente, canaliza a junção desses poderes, unindo-os através de estreitos laços.

A manifestação do poder popular está intimamente ligada ao primeiro fator democrático acima apontado, qual seja, a participação do povo. É por isso que esse poder, em um Estado democrático, deve ser respeitado. O Estado verdadeiramente democrático tem como fator a efetivação do poder popular.

O terceiro e último conceito dado pela Embaixada Americana sobre democracia, diz que a democracia parte do princípio do governo da maioria, associado aos direitos individuais das minorias. Diz mais: que todas as democracias respeitam a vontade da maioria, mas protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias. A grosso modo, um conceito bonito e bem arquitetado, mas segundo essa definição, o que fazer quando a vontade da maioria, que ele mesmo diz que é respeitada, viola um direto fundamental do indivíduo, que ele mesmo diz que deve ser protegido escrupulosamente?

Peca o conceito. Assegurar os direitos fundamentais, não pode ser um princípio que se aplica de modo genérico a todas as democracias. Na verdade, duas questões surgem: a primeira é que a proteção e reconhecimento dos direitos fundamentais é uma questão da constituição do Estado, e não do Estado, e isso leva à segunda vertente, assim explicada: inicia-se por um exemplo: nos países de crença islâmica, e em alguns outros países com punições mais rígidas, a mutilação como pena, é aceita. Para o estivador, ou para aquele antigo marinheiro, uma cicatriz no rosto não era motivo de vergonha, antes, de orgulho. Em outros países, tais coisas são severamente repudiadas. O que se observa, portanto, é que direito fundamental é um conceito extremamente volátil, que se altera no tempo e no espaço. O que pode ser considerado como um direito fundamental em um determinado país, pode não o ser em outro. O que é considerado um direito fundamental em um determinado tempo, pode não o ser em outro. No Brasil, por exemplo, a pena de morte era aceita até meados do séc. XVIII, depois foi abolida. Voltou a ser aceita para os crimes políticos, e depois novamente abolida. Para aqueles que consideram a vida como um direito fundamental, muito embora paire severas dúvidas quanto a essa questão12, a pena de morte no Brasil é um exemplo claro do dinamismo desse direito.

Então, o direito fundamental, está intimamente ligado à cultura de um povo, em um determinado tempo e em um determinado espaço. Portanto, parece não ser correto falar que o Estado verdadeiramente democrático é aquele que assegura os direitos fundamentais, antes disso, seria mais próprio dizer que o Estado Democrático deve observar, respeitar e assegurar a cultura do povo.

Diante desse singelo apanhado, e dos apontamentos acima mencionados, seria possível concluir, pelo menos teoricamente, que o Estado Democrático, ou pelo menos o verdadeiramente democrático, seria aquele Estado em que se assegura ao cidadão o exercício efetivo de seu poder popular, através de sua participação nas questões do Estado, e que estabelece leis que assegurem e respeitem a cultura do povo. È claro que trata-se de um conceito imperfeito, até mesmo porque a experiência não permite ir mais longe.

Alhures foi mencionado que os conceitos de democracia mencionados acima, foram propositadamente extraídos da internet. A razão disso é bastante clara. Nos tempos modernos, ninguém discute que o veículo de informação mais eficaz, e que abrange boa parte da população mundial, seja a internet. Os sites onde foram buscados os conceitos sobre democracia, são frequentemente utilizados pela massa. O da Wikipédia, porque ela é a maior enciclopédia digital existente, e possui uma política anarquista, onde todos têm o direito de acessar o seu conteúdo e também complementa-lo. Não há hierarquia ou subordinação, por isso é um dos endereços mais freqüentados na internet. A idéia de democracia é transferida da forma como ela está definida naquele site, pelo menos para os mais desavisados, que buscam conceitos prontos para evitar o trabalho da reflexão. Por outro lado, o site da Embaixada Americana, também não foi escolhido ao acaso. Qualquer pessoa no mundo conhece a América como sendo a terra das liberdades. Os Estados Unidos são hoje referência, tanto assim que os americanos possuem um cuidado redobrado com suas leis de imigração. Qualquer pessoa que pretenda visitar, morar ou simplesmente conhecer aquele país, invariavelmente acessará a pagina de seu consulado, e lá irá se deparar com aqueles conceitos de democracia.

É dessa forma que o conhecimento é passado. Muitas vezes falho, incompleto e sem a preocupação de fazer com que as pessoas pensem e reflitam. É assim que os conceitos enlatados e empacotados se espalham a uma velocidade incrivelmente superior à velocidade em que a verdade é transmitida. Mas existe uma coisa ainda pior que isso: quem for procurar um conceito de democracia no Brasil, irá observar que justamente aqueles que deveriam, acima de qualquer outro, divulga-la na sua forma mais verdadeira, nada fazem. Basta se acessar os sites da Presidência da República, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, se constatará que nenhum conceito de democracia é fornecido. É como se o governo brasileiro pretendesse ocultar as verdades para não ter que dizer mentiras ou inverdades.

Diz-se tudo isso por uma simples questão: a educação, a informação, o fomento ao pensamento, o questionamento, são, todos eles, essenciais para a democracia, porque são através dessas coisas que o povo torna-se cidadão e, consequentemente, deixa de lado aquela idéia ultrapassada de que o Estado tudo lhe deve para, saindo do anonimato, ir buscar, através de si próprio, tudo aquilo que antes julgava ser dever do Estado lhe fornecer gratuitamente.

A dignidade humana, por mais que seja alardeada, jamais será uma realidade se o povo não se tornar cidadão. É difícil entender que o povo clama pela dignidade quando ele mesmo parece ser o grande culpado por não a ter, porque para exigir a dignidade, é preciso, em primeiro lugar, se dar dignidade. Quem encosta no Estado e aplaude de pé programas como o Bolsa-Família, não pode pleitear dignidade alguma, porque não é uma pessoa digna. Sua ignorância, no sentido mais técnico e jurídico da palavra possível, impede que faça esse tipo de exigência. E quando se fala em ignorância, não se fala da falta de instrução da pessoa, fala-se de sua falta de bom-senso, da sua falta de firmeza, de pulso, a combater os nefastos atos que lhe atingem e que, no mais das vezes, passam despercebidos. O brasileiro que votou no referendo sobre o comércio das armas, acabou por assinar e ratificar o quanto é enganado. Embora o voto seja obrigatório, descumprir essa lei não seria injusto, prova cabal de que a lei não é sinônimo de justiça, aliás, se a lei fosse sinônimo de justiça, não haveria sentido algum em o povo reclamar tanto cada vez que tem que votar.

Se os fins estão apontados, ou pelo menos, aquilo que seria um fim desejável, resta saber como seria possível atingir esses objetivos, notadamente, como atingir a efetivação da participação do povo nas decisões importantes do governo; como efetivar a educação do povo para que se tenha cidadãos; como dar efetividade ao poder popular; e como orientar a direção do governo e do Estado pelos princípios da cultura do povo.

A primeira coisa é serem criadas leis justas, leis que assegurem tudo aquilo que o cidadão, e não o povo almeja. Mas a lei, a experiência demonstrou, não é suficiente para isso. A simples existência de leis que corroborem o que até aqui foi aduzido, não basta, porque mesmo que exista uma lei que, por exemplo, assegure uma participação mais efetiva do cidadão nas decisões importantes do governo, como isso seria possível se realizar, se não houvesse um aparelhamento muito maior do Estado. Se nos países desenvolvidos o cidadão ou o povo está bem mais próximo ao governo, no Brasil, um verdadeiro abismo separa um do outro. Como o sertanejo que vive nos confins do sertão nordestino que sustenta sua mulher e tantas crianças com palma e mora em uma casa construída de barro, no melhor estilo do construtor da floresta, poderia exercer o seu sagrado direito de participação nas decisões importantes do governo.?

É certo que o comprometimento do povo para com o Estado é uma das divisas mais importantes que existe, mas esse comprometimento não é da forma como se costuma imaginar. A cultura brasileira entende que este comprometimento significa que o Estado está comprometido no sentido de que tudo deve para o povo. Mas a verdade, é que este comprometimento deve ser entendido de maneira inversa, porque no fundo e depois de bem analisada a questão, verificar-se-á que é a sociedade que deve promover o Estado, senão ele nunca será efetivamente um meio. A sociedade, em outras palavras é quem deve propiciar os meios para que o Estado se desenvolva e, posteriormente assuma uma posição parecida com a de um administrador da coisa pública; da coisa de todos. Por isso que cada povo tem o Estado que merece ou, como se diz no Brasil, o povo tem o governo que merece.

Alias depois que os acusados do mensalão foram absolvidos por seus comparsas e, pior ainda, depois que foram reeleitos, causa estranheza ver o povo brasileiro alardear que o Estado não faz isso e aquilo.

Existe uma lei da física que se encaixa como luva neste caso: para cada ação corresponde uma reação. Se o povo brasileiro elege mal seus representantes; se o povo brasileiro permite que acusados de corrupção sejam candidatos, se o povo brasileiro reelege pessoas cuja reputação esta manchada, então parece que seria alegar a própria torpeza dizer que o Estado não anda bem, ou que a democracia não passa de uma mentira bem engendrada.

Muito se fala dos exilados pelo regime militar. Muito se fala das supostas torturas promovidas pelo regime ditatorial. Mas tais fatos ocorrem contras pessoas que eram consideradas à época inimigas do Estado, geralmente agitadores socialistas que propunham uma falsa liberdade, cantada em verso e prosa. Os mensaleiros atuais, são ainda piores que os falsos liberais, porque causam um mal ainda maior ao povo, roubam, mentem, e conspiram contra o Estado Nacional e a própria Constituição e, por mais impróprio que possa parecer, saem ilesos de seus mandados, encobertos por um manto aparentemente neutro de uma lei que lhes confere imunidade parlamentar, a qual, diga-se de passagem não foi criada por eles mesmo para outra finalidade que não esta única. Mas o povo brasileiro insiste em ser conivente com essas coisas. A reeleição em 2006 de alguns parlamentares, acusados de participarem do esquema mensalão e de outros escândalos comprovam uma realidade tão dura quanto o casco do animal com que se assemelham.

O que esperar de um Estado, onde o povo acha ruim ter de ir as urnas para escolher seus representantes? O que esperar de um Estado que, no mais das vezes é mais vitima desses homens do que o próprio povo.

Embora o conceito acima mencionado nem de longe pode representar algo de concreto e definitivo, como, alias se apresentaria qualquer conceito sobre democracia, isso não significa que a democracia seja algo que não se possa definir com certa precisão.

Conceitos a parte, a história se encarregou de apresentar dois elementos essências que, com mais ou com menos evidência, fazem parte e integram o corpo de qualquer Estado Democrático. Tais elementos se manifestam sempre no meio popular, ou seja, no povo. Não dizem eles respeito a poderes ou instituições do Estado, tão pouco se referem ao corpo de leis ou de normas constitucionais do Estado. Esses elementos sempre variam conforme for a forma que o Estado Democrático assume. Porem existe dois elementos que, independentemente da forma como o Estado esta organizado, sempre se apresentam presentes nos Estados Democráticos.

O primeiro deles é a existência, dentro da sociedade como um todo de duas classes de pessoas: as pessoas que estão encarregadas de exercer as atividades políticas e as pessoas que não exercem essas atividades. Aqui vale uma explicação inicial. Por pessoas que exercem atividades políticas devem-se entender aquelas pessoas que estão encarregadas de tomar decisões que, de uma forma ou de outra, acabam a obrigar e vincular todos que se encontram dentro daquele Estado. Não se leva em conta o regime jurídico a que estão sujeitas essas pessoas e a vinculação de todos os demais á sua decisão, pode ocorrer individualmente ou coletivamente. Exemplificando: um fiscal de renda, por exemplo, quando profere uma decisão qualquer,vincula compulsoriamente aquele outro indivíduo que foi investigado. Outro exemplo: a decisão de um prefeito em uma cidade qualquer, irá vincular todos os habitantes daquela cidade, da mesma forma e com a mesma carga de compulsoriedade com que uma decisão do presidente da República, vincula todas as pessoas que se encontram dentro de seu território. As pessoas que exercem a atividade política são conhecidas como funcionários públicos, e as demais, para não ter de dizer serem simples pessoas, são denominados de súditos.

O segundo deles é a existência de regras que visam, exatamente, orientar a conduta das pessoas que exercem a atividade política, ou seja, os funcionários públicos. Importante observar que essas regras que orientam a conduta dos funcionários públicos, a primeira vista podem parecer serem aquelas regras de direito administrativo. Mas não o são. As regras do direito administrativo, na verdade orientam, por exemplo, a forma, o conteúdo, a oportunidade, a conveniência, o dever de moralidade e coisas do tipo da prática do ato administrativo. As regras do direito administrativo são as regras criadas de acordo com o regime da estrita legalidade. Esse regime – da estrita legalidade – basicamente quer dizer que o funcionário público, fazendo as vezes do Estado, somente pode praticar um determinado ato que vincule a todos, se houver expressa previsão legal para sua prática, e segundo motivos de conveniência e oportunidade. O que realmente legitima a conduta de um funcionário público, na verdade, são os direitos políticos.

Melhor explicando a questão: uma pessoa somente exercer uma atividade política, porque antes dela, alguém, no pleno gozo de seus direito políticos, juntamente com todos os demais que se encontram nessa mesma condição, de uma forma ou de outra, permitiram isso. Por exemplo, o presidente da República. O presidente da República ao praticar um ou outro ato compulsório somente o faz porque as pessoas detentoras e no exercício de seus direitos políticos, o elegeram presidente da República. Por mais estranho que possa parecer, o mesmo raciocínio se aplica, desde o presidente da República até o mais ínfimo funcionário público. Por exemplo: imagine-se um funcionário público, concursado ou não. Esse funcionário somente exerce a sua atividade porque, de uma forma ou de outra alguém, junto com todos os demais que estejam no gozo de seus direito políticos assim permitiu.

De uma forma ou de outra, todos os cargos, funções ou atividades, foram criados ou permitidas, graças ao exercício dos direitos políticos. As regras de direito administrativo, apenas e tão somente regulamentam a legalidade dos atos que os funcionários públicos iram praticar no exercício da atividade que ocupam, as quais foram criadas pelo exercício dos direitos políticos.

Assim, cada vez que uma pessoa vota, por exemplo, ela pode estar, indiretamente criando ou extinguindo um cargo ou função pública, porque esta autorizando outra pessoa a assim diligenciar. Daí a importância, aproveitando o gancho, para que se preste muita atenção aos programas de governo dos candidatos quando estão em campanha. Daí porque também se observar um fenômeno curioso, qual seja, o brasileiro, mesmo que inconscientemente, tende sempre a votar no candidato que esta mais próximo á atividade que ele exerce. É isso que constitui o objetivo dos administradores de campanhas políticas. Essas pessoas, geralmente contratadas pelos partidos políticos, procuram, acima de tudo, transmitir segurança ao eleitor, no sentido que este possa ficar tranqüilo que, se o seu candidato for eleito, seu emprego, cargos ou função estarão garantidos. E é assim, baseado nesse engodo, que os candidatos geralmente se elegem.

Por outro lado, se os funcionários públicos estão legitimados a tomar decisões compulsórias que vinculam a todos, surge com certa obviedade que todos aqueles que estão sujeitos ás essas decisões, tem o direito de participar da escolha de quem as irá tomar. Os direitos políticos, portanto, são os meios legítimos pelo qual as pessoas exercem esse direito de participação. Nisso consiste o que se denomina de poder popular.

Os súditos que se encontram em pleno gozo dos direitos políticos, ganham o nome de cidadãos. Conseqüentemente, um Estado democrático é aquele que consegue transformar os seus súditos em cidadãos, estendendo os direitos políticos á maior parte possível de sua população.

Então, quando se observa que uma pessoa tem seus direitos políticos cassados, o que se fez, na verdade, foi retirar dessa pessoa o direito de participar do governo. Sustados os direitos políticos de alguém, esse alguém volta a ser um mero elemento quantitativo, todavia, ainda é sujeito de direitos e deveres em todas as esferas e sentidos, exceto no campo da participação popular.

O problema é que entre o cidadão e o governo existe um intermediário; existe uma figura que, teoricamente, seria o encarregado de aproximar o Estado do cidadão. Essa é a figura do representante popular. Os deputados e senadores, no Brasil, são aquelas pessoas encarregadas de levar os anseios populares até o Estado, e o fazem através da criação de leis. Isso porque, o desenvolvimento da própria humanidade e a proliferação incontrolada do ser humano, impediu que o cidadão exercesse diretamente seu poder de participação, necessitando de um intermediário para tanto. Por essa razão que, como já mencionado, as melhores democracias são aquelas onde o cidadão participa diretamente do governo; onde são convocados constantemente para tomar decisões importante. Não é que nesses Estados não exista a figura do representante, porque ela existe. Porem, quando a questão é de relevante interesse nacional ou social, os representantes estão impedidos de falar em nome do povo, que deve se manifestar diretamente. A tecnologia permitiu isso.

É preciso que se pense nessa questão, como se tudo não passasse de uma outorga de poderes. Observe-se: outorga, não cessão, porque quem outorga pode, a qualquer momento, desoutorgar. A questão fica bastante clara quando se imagina que o voto equivale a uma procuração. Quem outorga uma procuração a outrem, espera, no mínimo que esse alguém cumpra o mister da mesma forma como se o mister estivesse sendo cumprido pessoalmente pelo outorgante. Mas como no Brasil parece ser motivo de orgulho a esperteza e a falcatrua, o representante, assim que recebe a procuração do cidadão, já e desde logo se preocupa em diligenciar da forma como presume que os titulares do direito outorgado agiriam e, como a clausula de prestação de contas nunca é exercida pelo outorgante, o representante se vê livre para fazer o que bem entende e, no mais das vezes cumpre o seu papel.

Noutras palavras: é quase natural que todos aqueles que recebem uma procuração de outrem, com prazo de validade, fica obrigado ao final do mandado, prestar contas do que fez durante o período em que estava imitido na posse do direito. Mas para que isso ocorra, é necessário, primeiro que tudo, que o titular do direito outorgado exerça a clausula de prestação de contas. Como o brasileiro mal se recorda para quem outorgou a procuração, fica difícil imaginar que possa exercer o direito da cláusula de prestação de contas. Significa que, na hora de votar (de assinar a procuração) ele é um cidadão porque exerce um direito político, mas ao fim do mandado, e também ao longo deste, aquele mesmo cidadão volta à condição de mero elemento quantitativo. De tal arte que é forço concluir que, no Brasil exerce-se uma espécie de meia-cidadania, e se o voto não fosse obrigatório, sequer cidadania exerceria, salvo alguns poucos que, elevados a verdadeira condição de cidadão sai de sua casa e, com seu apaixonado espírito, corre às urnas para outorgar sua procuração.

Em uns país como o Brasil, onde a cultura do povo, salvo raras exceções, beira o absurdo, o sistema representativo é uma verdadeira tragédia, porque dois fatores conspiram contra a democracia: o espírito tipo espertalhão do representante e a passividade ou descaso do eleitor. É a formula perfeita para se fazer da democracia o pior dos governos. Nesse país, tem inteira aplicabilidade o repúdio de Rousseau ao sistema representativo.

Rousseau dizia que seu contrato social seria melhor exercido em pequenas comunidades, de preferência formadas por fazendeiros dedicados a agricultura e auto suficientes, envolvidos o mínimo possível com o comercio e com as artes. Porque Rousseau dizia isso?

É que a resistência de Rousseau ao sistema representativo, se dava ao fato de que, segundo seu entendimento, se o conjunto de cidadãos estivesse próximos dos assuntos políticos e neles focados, os representantes eleitos não passariam de uma simples comissão, ou seja, de governo. Noutras palavras, em uma sociedade pequena, com fácil acesso do cidadão às questões políticas, seria desnecessário a eleição de representantes, eis que o cidadão exerceria, diretamente, seu direito de participação. Então, qualquer representante que fosse eleito, não o seria senão para exercer a atividade de administrador e não de representante.

Acontece que o sistema representativo, não foi uma escolha da humanidade, mas sim uma imposição do desenvolvimento. Com o passar dos anos; com a evolução da sociedade, aquela comunidade pequena de fazendeiros auto-suficientes de que falava Rousseau, se transformou em uma metrópole, cheia de gente preocupada com seus assuntos particulares, cada vez mais envolvidas na busca cega pelo lucro. Essas pessoas acabaram como que deixando as questões políticas em segundo plano. Esses cidadãos acabaram como perdendo completamente o contado com as coisas publicas e, embora continuassem sendo detentores dos direitos políticos, simplesmente já não conseguiam exerce esse mesmo direito de maneira direta. Foi nesse momento que surgiu a figura do representante. Esse delegado ou representante seria a pessoa que, tendo como único mister esse oficio, exerceria os direitos de participação dos cidadãos que o elegeram. Mas o ser humano é esperto, e logo percebeu que isso se tornaria um grande negócio. Sem serem fiscalizados ou questionados, e cobertos pelo manto aparentemente neutro de leis que lhes asseguram certas prerrogativas parlamentares, os representantes encontraram campo fértil para o enriquecimento ilícito.

Tanto isso é verdade que o numero de pessoas que se candidatam a representantes do povo é cada vez mais crescente. E nem se argumente que isso decorre do fato de que os salários pagos para este oficio seja um incentivo, porque os gastos milionários despendidos ao longo da campanha eleitoral, ou seja, os custos, sequer são cobertos, ainda que se some aos salários, todos os benefícios recebidos ao logo de todo o exercício profissional. Então deve realmente existir uma outra questão, para tamanho entusiasmo pela vida política (pelo cargo de representante do povo), porque os representantes podem ser vis, mas definitivamente não são tolos e sabem, pelo menos os mais elementares princípios matemáticos e não precisa ser nenhum Pitágoras para concluir que a soma de seus salários, sequer cobrem os gastos com os gastos despendidos durante a campanha.

Essa a demagogia do Brasil.

 

 

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2 “Caras pintadas” foi o ridículo apelido dado as pessoas que saíram às ruas em um suposto movimento social para expulsar do governo o presidente Collor de Melo, os quais geralmente pintavam em suas bochechas e rostos (daí porque “cara pintada”) dois traços com as corres verde e amarelo, para dar ares de um suposto nacionalismo inexistente de fato . Muitos deles sequer sabiam os motivos pelos quais estavam ali, metidos no meio da multidão, gritando palavras de ordem, outros estavam ali acreditando piamente naquilo que um imprensa parcial e política lhe enfio na cabeça. Poucos eram os que sabiam os reais motivos pelos quais o presidente Collor precisava ser deposto, mas estes não puderam informar aos desatentos a verdade por trás daquilo, porque estavam em suas casas, assistindo de camarote aquele hipotético movimento popular em prol de num se sabe o que. Isso porque, o que realmente levou a mídia a promover uma campanha difamatória do presidente Collor, não foi mais do que o poder econômico, que não admitiu a política econômica restritiva imposta pela Ministra Zélia Cardoso. E nem se argumente que a corrupção daquilo que ficou conhecido como os escândalos “PC Farias” foi o que levou o povo a sair as ruas, porque se fosse assim, o mesmo teria acontecido no ano de 2006, por força do que ficou conhecido como o escândalo do “Mensalão” (compra de voto dos parlamentares), pois mesmo que provado por A mais B a existência desse nefasta forma de corrupção e mesmo com parlamentares literalmente dançando a cada absolvição dos acusados (dança da pizza como ficou conhecida) em franca referência ao circo que se tornou o parlamento, ninguém saiu às ruas para pedir a demissão do presidente Lula, isso porque os interesses econômicos vão bem. Alias tudo no Brasil parece realmente ser feito de caso pensado: poucos são os que tiveram a sensibilidade de observar que o vice-presidente de Lula, é um dos maiores empresários do país. Não foi por outra razão, senão para tranqüilizar o poder econômico que o partido dos trabalhadores, que em tese se sustenta na classe operária, tenha colocado como vice-presidente, exatamente, um patrão de muitos.

3 Se bem observado, facilmente se verifica que a Constituição Federal de 1988, emplacou vários princípios que já constavam do projeto Reali de Código Civil, o qual foi formulado bem antes da constituinte de 1988.

4 Mensalão foi o apelido que foi dado a uma forma de corrupção desvendada no Brasil durante os anos de 2005 e 2006, no governo do petista Luis Inácio Lula da Silva. Na verdade era uma coisa que todo munda sabia que sempre existiu, mas que nunca havia sido cometida de maneira tão exagerada e escandalosa. Consistia, basicamente em uma rede formada por parlamentares, que votavam favoravelmente ao governo nas questões que lhe eram interessantes, a troco de receberem, mensalmente (daí porque mensalão) uma certa quantia em dinheiro. Com isso, o governo mantinha sob controle o poder legislativo, pelo menos a sua maioria. Esse esquema, depois de levado a conhecimento público, provocou a queda de homens importantes do governo Lula, provavelmente o maior deles o então Ministro da Casa Civil, Jose Dirceu, alem de outros comparsas do Presidente, incluindo homens que sempre fizeram parte das bases do Partido dos Trabalhadores, como, por exemplo Jose Genuíno. O mais interessante, contudo, foi que o próprio presidente Lula, quando questionado sobre a participação do Poder Executivo no mensalão, simplesmente dizia que “Não sabia de nada” e que tudo aquilo havia sido feito sem o seu consentimento. Ah ta!!!.

5 Invoca-se aqui, mais uma vez, a teoria de Montesquieu que, acrescentando elementos metafisicos a doutrina Aristotélica, disse que a Monarquia deve ser permeada pela virtude, pena de transmundar-se para a tirania.

6 Em termos, porque no Brasil o povo na verdade não elege um presidente. Na verdade ele compra um presidente, como um produto qualquer em um supermercado, porque é assim que a política de marketing o torna: um verdadeiro produto de consumo.

7 BANJAMIN, C. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.

8 FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo, Cortez, 2003.

9 OLIVEIRA, F. Origens e estigmas da cultura brasileira – Por que não há uma intelligentzia no Brasil? In Em Defesa da Cultura Nacional, EDUSP, São Paulo, 1984.

10 http://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia, acessado em 12/12/2006, às 14:15 hrs.

11 http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/what.htm, acessado em 12/12/2006, às 14:20 hrs.

12 Direito fundamental, ao que se parece, é aquele direito inquestionável e inexcepcionavel. É verdade que possui outras qualidades, como por exemplo, o dinamismo. Mas somente aquele direito que, em um determinado tempo, e em uma determinada cultura, não sofre qualquer tipo de exceção ou questionamento, é que pode ser considerado um direito fundamental. Exemplificando: No Brasil, segundo a atual Constituição de 1988, o direito à vida seria um direito fundamental? A pena de morte, hoje faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, é permitida no caso de guerra declarada. Então, o direito à vida sofre essa exceção e, se sofre essa exceção, ainda que única, não pode ser considerado um direito fundamental, porque os direitos fundamentais são inexcepcionáveis. Para plagear Vinícios de Morais, “que seja infinito enquanto dure”. Para quem, todavia, considera viável a possibilidade de um direito fundamental sofrem exceções, surge até com certa dose de evidência, que o direito à vida é um direito fundamental.

 

Leandro Polotto Figueira

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