Posse, propriedade e itr: o indeferimento ou não cumprimento da reintegraçao de posse e a não ocorrência do fato gerador do itr

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Sumário

1 Introdução

2 O DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL

   2.1 A Propriedade Fática e a Propriedade Jurídica

3 PRINCÍPIO DE INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURIDICA

   3.1. O Princípio da Razoabilidade

4 O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL

   4.1 O Fato Gerador do ITR

   4.2 A Não Ocorrência do Fato Gerador do ITR em caso de ausência de propriedade fática

   5 CONCLUSÃO

Bibliografia

 

RESUMO

O presente trabalho tem como pretensão primeira elucidar e fundamentar a assertiva de que não configura fato gerador do Imposto Territorial Rural a propriedade de bom imóvel rural que se verifica exclusivamente no mundo jurídico, com o título do registro do bem, sem que se verifiquem os elementos da propriedade no mundo fenomênico dos fatos, tais como o direito de usar, gozar e dispor da coisa. Tal entendimento respalda-se na conceituação do instituto da propriedade, sendo esta não mero registro no Cartório de Registro de Imóveis, mas também, agregando-se ao registro, a presença livre do direito de usar, gozar e dispor, pois se assim não fosse, se considerar-se apenas e tão somente o registro, estar-se-ia diante de uma ficção jurídica. A partir desta premissa analisa-se hipóteses em que o proprietário perde de forma ilegítima o direito de usar, gozar e dispor do bem imóvel que lhe pertence, como é o caso das invasões de terras pelo Movimento Sem Terra ou por indígenas, restando-lhe mera propriedade documental. Esta análise deve estar debruçada no princípio interpretativo da razoabilidade, de forma que não seria razoável tributar uma ficção jurídica, o que leva à conclusão de que só deveria haver incidência do ITR quando da ocorrência plena de seu fato gerador.

Palavras-chave: Imposto Territorial Rural; fato gerador; propriedade jurídica; propriedade fática; invasão de terras.

 

ABSTRACT

This work has first claim to elucidate and justify the assertion that not a taxable event of rural land tax the property of good rural property that exists only in the legal world, with the title of the record and, unless there are elements property in the phenomenal world of facts, such as the right to use, enjoy and dispose of it. This view has its support in the conceptualization of the Institute of ownership, which is not merely record the Registry of Property, but also adding to the record, the presence of the free right to use, enjoy and dispose, as if it were if it considers it just and only the record, be would be faced with a legal fiction. From this premise we analyze situations in which the owner loses unlawfully the right to use, enjoy and dispose of property belonging to him, as is the case of land invasions by the landless moviment (MST), or by Indians, leaving him mere ownership documents. This analysis should be leaning on the interpretive principle of reason, so it makes no sense to tax a legal fiction, which leads to the conclusion that there should be only the incidence of  ITR full upon the occurrence of their taxable event.

 

1.    INTRODUÇÃO

No âmbito da propriedade imobiliária, diante de um questionamento sobre o que significa ser proprietário, emana quase que automaticamente a resposta: possuir título devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

De fato, é este elemento do registro válido que faz existir a propriedade de bens imóveis no mundo jurídico das normas, vindo a subsistir no mundo fenomênico dos fatos a partir de seus elementos intrínsecos, quais sejam, possuir, usar, gozar, fruir e dispor, daí porque muitos juristas consideram ser a propriedade, em si e por si,  uma ficção jurídica.

O caminho inverso também é verificado, a partir da posse estabelecida requer-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis constituindo juridicamente a propriedade.

A Constituição Federal de 1988 reconhece o Direito de Propriedade como Direito Fundamental e, ainda que seja um direito real, está condicionada à Função Social da Propriedade, o que afirma o Estado Democrático.

O Estado, no entanto, não é apenas Democrático, mas é também de Direito, de modo que mencionada relativização não pode comprometer a segurança jurídica do Estado Democrático de Direito, e o efetivo limite ou cerceamento ao exercício do direito de propriedade só pode se dar mediante o devido processo legal.

Pela interdisciplinaridade jurídica, o direito de propriedade, que tem como objeto a propriedade jurídica, constituída exclusivamente pelo título no Cartório de Registro de Imóveis, por sua vez, no âmbito do direito tributário, compõe o fato gerador do ITR – Imposto Territorial Rural, ou seja, havendo propriedade rural devidamente registrada há necessariamente a incidência do ITR.

O ITR é imposto federal instituído pelo artigo 153, VI da Constituição Federal que estipula que compete à União instituir impostos sobre propriedade territorial rural.

Já o artigo 29 do Código Tributário Nacional elenca como fato gerador do ITR a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel.

No entanto, por força do artigo 110 do CTN, “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal”.

Assim, a CF no artigo 153, VI, faz referência à “propriedade rural”, indicando de forma pontual o fato gerador do ITR.

E quanto ao conceito de propriedade e seus elementos constitutivos no mundo fático, o Código Civil, por sua vez, em seu artigo 1228 estabelece que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

À partir das premissas supra, pretende o presente trabalho elaborar um cruzamento dos institutos acima mencionados e dos conceitos por eles trazidos a fim de elucidar o que realmente compreende a propriedade e se haveria incidência do ITR no caso de existir apenas a propriedade jurídica.

Tratou-se, para tanto, no item 2, sobre o direito de propriedade propriamente dito, seu histórico no Brasil e seus elementos intrínsecos.

No item 3 foi trabalhada uma valoração às consequências de uma ou outra interpretação sobre o conceito de propriedade e a definição do fato gerador do ITR a partir do princípio da razoabilidade.

E por derradeiro, no item 4, tratou-se do Imposto Territorial Rural e da não ocorrência do seu fato gerador quando ausente a propriedade fática.

 

2. O DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL

2.1. Propriedade fática e propriedade jurídica

O ordenamento jurídico, como um todo, é constituído por normas, leis, jurisprudências, doutrinas e costumes, elementos que emergem da sociedade, da sua dinâmica, da sua evolução e de suas necessidades. Elementos estes considerados fontes do direito.

A expressão fontes do direito tem duplo significado. No entendimento de Alexandre Correia e Gaetano Csiascia[1] num primeiro sentido por fontes do direito tem-se os documentos através dos quais chega-se a conhecer o direito de um determinado povo; e o segundo significado tem valor técnico jurídico, sendo as fontes de produção do direito, quais sejam, meios pelos quais as regras de conduta humana adquirem caráter jurídico.

E é a partir das fontes do direito que se dá toda e qualquer discussão de natureza jurídica.

Fonte, então, na definição do Dicionário Houaiss da língua portuguesa[2], é a origem, o nascedouro, local de onde vem ou onde se produz algo, procedência.

E tratando-se de origem, nascedouro, há que se remeter aos conceitos do direito romano, que é de fato o berço de todos os preceitos que constituem os ordenamentos jurídicos atuais.

Na já citada obra de Alexandre Correia e Gaetano Csiascia encontra-se referência ao Direito Romano como “fonte dos direitos”:

Chama-se em geral direito romano ao complexo de normas jurídicas que vigoraram em Roma e nos países regidos pelos Romanos há dois mil anos.

Da data da fundação da cidade aos nossos dias, várias vicissitudes históricas, sociais e políticas, ocasionaram a recepção da parte do direito romano, que regula as relações dos indivíduos entre si (direito privado romano), pelos sistemas jurídicos dos países modernos. Em muitos destes países o direito romano foi acolhido tão amplamente, de maneira a autorizar a denominação de países com sistema jurídico de bases romanísticas (…)[3]

Assim, para os conceitos a serem tratados no presente trabalho, inicialmente tratando-se do instituto da propriedade de imóveis, partir-se-á de breve síntese da história da colonização do Brasil[4] e da propriedade a partir do direito romano, isto porque as peculiaridades da colonização são decisivas para o conceito e história da propriedade imobiliária no país, da mesma forma em que tal conceito surge no direito romano.

A nação brasileira foi objeto de colonização sui generis, pois a partir do descobrimento deu-se início a uma desordenada ocupação do território Brasileiro vez que passaram a vigorar aqui as ordenações do Reino uma vez que a Coroa Portuguesa passou a ser dona do Brasil.

A distribuição de terras do território descoberto se deu nos moldes das Sesmarias, que já se aplicava em Portugal, e onde funcionava perfeitamente em razão de haver muita gente para pouca terra. No Brasil, no entanto, o sistema deixou a desejar, pois aqui a situação era inversa, muita terra para pouca gente.

A Metrópole tinha interesse na povoação do território, pois o poder de um país sobre sua Colônia se dava pela ocupação, povoamento e fortificação.

Martim Afonso de Souza foi o primeiro colonizador que chegou aqui no Brasil, por volta de 1532, trazendo sua família e cerca de 400 degredados para colonizar a Colônia, tendo ele autoridade conferida pelo Rei de Portugal para ditar as normas e conceder as terras a quem tivesse uma certa linhagem e que quisesse explorar as riquezas naturais.

Criou-se então no Brasil o Sistema da Capitanias Hereditárias que constituía na divisão do País em várias partes de terras que eram dadas aos Donatários, os quais tinham a função de possuir uma extensão de terras que lhe eram conferidas tendo a obrigação de colonizar e produzir.

Após vieram os Governadores Gerais que tinham o poder de fazer concessões de terras e governar os destinos da Colônia ao exercerem o múnus público[5].

Assim, vê-se que as turbulências enfrentadas pela estabilidade da propriedade imobiliária no Brasil tem base no interesse público sobre o racional uso da terra que na prática, muitas vezes, toma proporções que fogem aos objetivos principais.

Quanto ao conceito de propriedade lá do direito romano, tem-se que o conceito moderno é correspondente ao conceito justinianeu, resultando da fusão das várias espécies de domínio que coexistiram no evolver do direito romano.

Alexandre Correia e Gaetano Sciascia mencionam três espécies de propriedade romana:

(…)

(I) Dominium ex iure Quiritium: é a propriedade reconhecida pelos ius civile, não limitada pela ordem jurídica pròpriamente dita. As restrições estranhas à vontade do dono, quer derivadas da relação de vizinhança quer impostas em razão do interesse público, são mui raras e excepcionais. O domínio por direito dos quirites só cabe a cidadãos romanos; a princípio se exerce apenas sobre coisas mancipi, e portanto pode-se adquirir só em virtude de um modo de aquisição hábil pelo ius civile (mancipatio, in iuris cessio). É protegido pela rei vindicatio.

(II) A propriedade provincial é o uso e o gôzo, quase sem limitações, de terrenos pertencentes ao estado romano, como ocupação de guerra. Diferencia-se do dominium ex iure Quiritium por importar no pagamento de um tributo anual ao estado. Quando o imperador Diocleciano (292 d. C.) abroga a distinção entre terrenos itálicos, isentos de tributo, e terrenos provinciais, a propriedade dos agri vectigales equipara-se para todos os efeitos àquiritaria.

(III) A propriedade pretoriana ou domínio bonitário (in bonis habere) se desenvolveu pela jurisdição do pretor, que protegia o adquirente duma res mancipi contra quem não a tinha transferido mediante o ato formal, hábil a operar a transferência reconhecida pelo ius civile. Do mesmo modo o pretor protegia o adquirente do que não era dono por ius civile (peregrino), mas só por direito pretoriano (…).

Por direito justinianeu, a propriedade importa numa série de limitações no interesse coletivo; além disso, por influência dos princípios cristãos o dono pode exercer seu direito enquanto não lesar o direito alheio e dentro dos limites em que descubra qualquer utilidade própria[6].

Desde o Direito Romano, os civilistas vêm defendendo que o mais importante dos direitos reais é o domínio ou propriedade. Na ordem jurídica privada, direito real por excelência ou direito fundamental, daí, dizer-se que é da propriedade que derivam os demais direitos reais, como simples desmembramentos das faculdades inerentes ao domínio. Sendo assim, é a propriedade direito real pleno, quando não sujeita a nenhuma limitação, e que os demais direitos reais são limitados.

O sentimento do próprio e do alheio é intuitivo no ser humano. Não obstante, a definição precisa do que venha a ser juridicamente a propriedade tem gerado polêmicas e discussões infindáveis, como, aliás, é comum ocorrer a propósito da conceituação das coisas e fenômenos mais simples em todos os ramos do saber.

Diferentemente do ordenamento jurídico francês e de outros tantos que o seguiram, o Código Civil brasileiro, não define propriedade, opta, simplesmente, em enunciar os poderes de que dispõe o proprietário sobre seus bens, transferindo ao doutrinador conceituá-la.

O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1228, dispõe que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Tito Fulgêncio conceitua a propriedade como “o direito que tem uma pessoa de tirar de uma coisa toda a sua utilidade jurídica”[7].

Já Caio Mario, reportando-se fielmente aos termos expressos na lei, assim conceitua: “o direito de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha”[8].

No Brasil-Colônia a situação das terras encontrava-se completamente desorganizada, tanto fática quanto juridicamente. A aplicação da legislação oriunda de Portugal mostrava-se inadequada para a normatização e regularização da matéria nas fronteiras. Urgia delimitar o domínio privado público, bem como construir regras claras a respeito do direito de propriedade no território, o que auxiliaria, ademais, na própria tarefa de construção do Reino que acabara de nascer.

O Governo Imperial, quando ascendeu ao trono do Brasil, D. Pedro I, primeiro Imperador, tinha à sua frente dois problemas: o de garantir imediatamente na orla da fronteira terrestre, a posse suficiente à manutenção do domínio brasileiro sobre os seus próprios territórios, através do princípio dominante do uti possidetis, e o de colocar certa ordem ao domínio particular das terras, principalmente aquelas que pela sua posição privilegiada em relação à costa e pela sua abertura eram já ponto de discórdia entre diversos pretendentes[9].

Os antigos sesmeiros, na realidade não se interessavam pelos seus próprios domínios, porque o seu aproveitamento, importava em pesados encargos, provenientes das requintadas exigências expressas nas respectivas Cartas, e, por isso, abandonavam as terras, para irem se localizar em terras devolutas, sem título algum[10].

Nesse contexto e tentando responder a tais objetivos é que foi editada a chamada Lei de Terras, Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que definia quais os bens pertenceriam, a partir de então, ao domínio público e quais ao domínio privado[11].

Pode-se resumir a situação da propriedade privada, no Brasil-Colônia e a partir da Lei de Terras de 1850, da seguinte maneira: haviam, basicamente, duas situações normativas: A) a primeira dizia respeito às terras que estavam sob domínio privado, de acordo com as diversas modalidades de aquisição e legitimação da propriedade instituídas pela Lei de Terras (compra, legitimação, posse, etc.); B) todas as demais terras, ou seja, as que não estivesse sob domínio privado, “voltaram” (daí o uso da expressão “terras devolutas”, nos termos acima delineados) ao domínio público[12].

Consolidado esse quadro normativo, cumpre observar a situação do domínio público a partir de então. Excetuando-se as terras doadas pela União às Províncias pelas Leis nº 514 de 28.10.1848 e nº 3.396, de 24.11.1888, as primeiras na quantidade de seis léguas em quadro e as últimas na porção de 360.000 (trezentos e sessenta mil) hectares, todas as demais extensões territoriais do País, ao tempo do Império , ou eram de domínio particular ou de domínio federal. Todavia, após a promulgação da nossa primeira Constituição republicana, e até com vistas a consolidar a Federação que então ensaiava seus primeiros passos, o panorama do domínio público dá um giro de cento e oitenta graus, passando as terras devolutas ao domínio dos Estados. Com efeito, a Constituição Federal de 1891, em seu artigo 64, transferiu para o domínio dos Estados-Membro da Federação as chamadas “terras devolutas”[13]:

Art. 64. Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações militares e estradas de ferro federaes.

Parágrafo único. Os próprios nacionaes, que não forem necessários para serviços da União, passarão ao domínio do Estados, em cujo território estiverem situados.

A partir de então, os Estados da Federação, agora titulares do domínio de determinados bens imóveis, passaram a vender tais terras, no exercício legítimo e regular do quanto lhes foi permitido pela Carta Magna à época vigente.

Hodiernamente, no entanto, o conceito de propriedade trazido pelo Código Civil consiste no seguinte:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a propriedade é um direito real por excelência:

Enquanto as obrigações são direitos relativos, os direitos reais são direitos absolutos, “valem” erga omnes, são jura excludendi omnes alios, são direitos de soberania (Herrschaftsrechte) sobre a coisa. Isto quer significar que o direito real produz eficácia real, ou seja, faculta ao proprietário “usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (CC1228). Portanto, o titular de direito real sobre a coisa, dispõe de um título legal que o habilita a ostentar a condição de credor real e, por isso, preferencial (CC 958)[14]. Grifou-se.

O direito de propriedade constitucionalmente garantido, inserido no rol dos direitos fundamentais, tem como elemento a propriedade. Assim, a propriedade é a existência de um título legal, devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóvel, que garante o exercício do direito de usar, gozar e dispor do bem.

 

3. Princípio de interpretação da norma jurídica

3.1 Princípio da Razoabilidade

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Melo:

(…) princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo[15].

Paulo Bonavides ocupa-se em destacar as funções dos princípios como: a)fundamentadora e limitativa – pois irradiam normativamente sobre as regras e derrogam todas as disposições a elas contrárias; b) interpretativa – já que orientam a tarefa hermenêutica; e c)supletiva ou integradora – porquanto servem de fonte de integração do ordenamento[16].

O princípio da proporcionalidade encontra-se intrinsecamente ligado à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, verificada a partir do surgimento do Estado de Direito.

Leonardo Ribeiro Pessoa leciona que:

É correto afirmar, portanto, que a origem do princípio da proporcionalidade remonta aos séculos XII e XVIII, quando na Inglaterra surgiram as teorias jusnaturalistas propugnando ter o homem direitos imanentes a sua natureza e anteriores ao aparecimento do Estado, e, por conseguinte, conclamando ter o soberano o dever de respeitá-los. (…) se pode apontar como marco histórico para o surgimento desse tipo de formação política (Estado de Direito), a Magna Charta inglesa, de 1215, na qual aparece com toda a clareza manifestada a idéia supracitada, quando esclarece: “O homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito“. (…) essa espécie de contrato entre Coroa e os senhores feudais é a origem do Bill of Rights, de 1689 onde então adquirem força de lei os direitos frente à Coroa, estendidos aos súditos em seu conjunto[17].

Segundo as lições de Paulo Bonavides:

Em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor no uso jurisprudencial[18].

A submissão do Estado ao princípio da proporcionalidade representa um limite jurídico, de caráter constitucional, à ação normativa estatal. Conclui-se, portanto, que o princípio da proporcionalidade é esteio de uma ordem jurídica na qual a Constituição Federal assume o ápice do sistema normativo. Essa supremacia da Constituição constitui o ponto de partida para a compreensão do princípio da proporcionalidade.

Leonardo Ribeiro Pessoa, citando Ricardo Aziz, Marcos Antônio Maselli de Pinheiro Gouvêa e Luiz Roberto Barroso, acerca do nascedouro do Princípio da Razoabilidade, explica:

Segundo o entendimento da doutrina, o princípio da razoabilidade tem sua origem e desenvolvimento ligados à garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direito anglo-saxão. Luís Roberto Barroso destaca que a matriz do princípio da razoabilidade remonta à cláusula law of the land, inscrita na Magna Charta, de 1215, documento reconhecido por grande parte da doutrina como um dos antecedentes do constitucionalismo. É cediço que a Magna Charta marcou época, pois garantiu os direitos individuais dos nobres detentores de fortuna e propriedades face aos desmedidos privilégios e atitudes do soberano inglês[19].

A resolução de conflito de princípios jurídicos e do conflito de valores é uma questão de ponderação, de preferência, aplicando-se o princípio ou o valor na medida do possível. O princípio da razoabilidade, basicamente, se propõe a eleger a solução mais razoável para o problema jurídico concreto, dentro das circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas que envolvem a questão, sem se afastar dos parâmetros legais. Sua utilização permite que a interpretação do direito possa captar a riqueza das circunstâncias fáticas dos diferentes conflitos sociais, o que não poderia ser feito se a lei fosse interpretada “ao pé da letra”, ou pelo seu mero texto legal[20].

O princípio da proporcionalidade é, então, um princípio constitucional implícito, porque, apesar de derivar da Constituição, não consta nela expressamente. Analisando terminologicamente, a palavra Proporcionalidade dá uma conotação de proporção, adequação, medida justa, prudente e apropriada à necessidade exigida pelo caso presente. Neste sentido, tal princípio tem como escopo evitar resultados desproporcionais e injustos, baseado em valores fundamentais conflitantes, ou seja, o reconhecimento e a aplicação do princípio permitem vislumbrar a circunstância de que o propósito constitucional de proteger determinados valores fundamentais deve ceder quando a observância intransigente de tal orientação importar a violação de outro direito fundamental mais valorado[21].

O Princípio da Razoabilidade pode também ser denominado Princípio da Proibição de Excesso, visando compatibilizar os meios aos fins buscando evitar afrontas aos direitos fundamentais. A razoabilidade deve ter como parâmetro os “valores do homem médio”[22].

Assim, fazer com que incida Imposto sobre Propriedade Territorial Rural em caso de propriedade rural ilegitimamente invadida por quem quer que seja, vindo seu legítimo proprietário a perder o direito de usar, gozar e dispor da coisa, ou seja, restando de tal propriedade apenas o título, foge dos limites da razoabilidade.

Ademais, igualmente irrazoável o lançamento do Importo sobra a Propriedade Territorial Rural, pela Receita Federal, referente ao fato gerador de propriedade rural, em casos em que o proprietário se vê “expulso” de sua área, muitas vezes com a anuência do Estado que, no âmbito do judiciário, indefere pedido de reitegraçao de posse, ou, no âmbito administrativo, não cumpre mandado judicial de reintegração de posse.

Nestes casos apresenta-se o Estado como prinipal ator, sendo o invasor e o proprietário meros cosdjuvantes, pois é o Estado que, segundo o Ministro Mauro Campbell Marques (RESP n. 1.144.982/PR) encontra-se debruçado na inércia e omissão ao não garantir o direito de propriedade constitucionalmente garantido, inserido no rol dos direitos fundamentais e das cláusulas pétreas.

A incidência do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural, nesses casos, implica na não garantia do direito de propriedade por parte do Estado ao mesmo tempo em que exerce sua prerrogativa de constituir ônus tributário.

Daí por que concluir ferir o princípio da razoabilidade, face à propibição do venire contra factum proprium[23], diante de flagrante abuso de direito por parte do Estado.

Nesta ceara, os ensinamento de Orlando Gomes dispoem o seguinte:

(…) a concepção do abuso de direito é uma construção doutrinária destinada a tornar mais flexível a aplicação das normas jurídicas inspiradas numa filosofia que deixou de corresponder às aspirações sociais da atualidade. Neste sentido, é um conceito amortecedor. Em verdade, sua função precípua é amortecer os choques freqüentes entre a lei e a realidade. Trata-se, no fundo, de uma técnica de reanimação de uma ordem jurídica que se está esgotando. Em última análise, o conceito nega a tese que pretende reanimar, mas, ainda assim, assegura a estabilidade do sistema em que se introduz (…)[24]

 

4. O IMPOSTO TERRITORIAL RURAL

4.1 O Fato Gerador do ITR

Na história da humanidade, a origem dos tributos está relacionada com o aparecimento da figura do Estado, quando passou a ser necessário que parte da riqueza produzida pela população fosse transferida para um soberano ou agente público.

Essa tributação, inclusive da forma como a conhecemos hoje, só pode ser compreendida dentro de uma estrutura de poder coercitivo, após o surgimento das Cidades-Estados e com a solidificação da concepção de propriedade privada, pois antes disso, aibda enquanto comunidades primitivas, não havia solo fértil para tais conceitos, pois os bens eram praticamente coletivos e a riqueza advinda do trabalho era dos trabalhadores, sem qualquer forma de expropriação.

Quanto ao surgimento dos tributos, Fernando José Amed e Plínio José Labriola de Campos Negreiros, na obra História dos Tributos no Brasil, entendem que:

Nessa comunidade primitiva não havia espaço para os tributos. Assim, é mais seguro creditar ao aparecimento do Estado a origem da tributação. Esta instituição precisava ser mantida com recursos advindos de uma população sob seu domínio e proteção. Dessa forma, mais do que pagar para que se tivesse proteção contra povos inimigos, parcela da responsabilidade relativa aos tributos deve-se à concepção de que o soberano – considerado muitas vezes um ser divino – precisava ser sustentado com grande luxo, devido a essa condição divina. Além disso, a natureza pertencia a esse soberano, sendo que os tributos passariam a ser vistos como uma parte dos frutos retirados dessa natureza. Seria uma espécie de aluguel pela utilização da posse alheia[25].

Quanto as raízes tributárias das sociedades antigas, se assim pode-se dizer, tem-se o dízimo que era ofertado para o culto da divindade. Nas várias etapas da história do povo hebreu, em parte retratada pelo Antigo Testamento, os dízimos sempre são citados como a principal forma de contribuição[26].

Roma, que em razão do tamanho de seu império consagrou-se com evidência no Mundo Antigo, apresentava uma política fiscal bem organizada, tendo a palavra tributo origem no termo latim[27] tributum.

O período da história que vai do ano de 476 até 1453, compreende a Idade Média, que tem origem com a queda do Império Romano e o fim das civilizações antigas. Emerge assim o Feudalismo.

Perde-se a noção de Estado na Europa Medieval, o Império divide-se em feudos, cada feudo possuía um senhor feudal. A maioria das pessoas eram camponeses, viviam no campo, e eram obrigados a pagar tributos aos senhores feudais, e o faziam entregando-lhes parte de sua produção, pois a circulação de moeda era escassa em razão da ausência de Estado centralizado.

Quanto as características da época feudal, Fernando José Amed e Plínio José Labriola de Campos Negreiros elucidam:

(…) as práticas tributárias foram severamente transformadas, mas nem por isso deixaram de manter seus aspectos violentos e opressivos.

Na ordem feudal a sociedade dividia-se entre o servo da gleba e o senhor feudal. Em cada feudo, havia as terras dos servos – que tinham a posse permanente sobre elas – e as terras senhoriais. Para que os servos fossem protegidos – entre outras questões -, estes deviam certos direitos ao senhor feudal. São os conhecidos direitos senhoriais. Nestes, apresenta-se o direito de cobrar parte da produção do servo para que este se utilize das instalações do feudo, como era o caso das pontes, das estradas, dos fornos e dos moinhos[28].[29]

Posteriormente, primordialmente a partir da Carta Magna de João Sem Terra, de 1215, estabeleceu-se uma limitação ao poder de tributar, os servos foram se libertando do poder feudal e migrando para as cidades, os burgos. Houve desenvolvimento do comércio e surgimento de uma nova classe, a Burguesia:

Na mesma Europa ocidental, a partir do século XIV, com a decadência da ordem feudal, inicia-se uma lenta formação dos Estados Nacionais. Ou seja, cada feudo foi abrindo Mao de sua autonomia em nome da centralização político administrativa, agora nas mãos de um rei absolutista. Este, o representante do Estado – isto quando não se confundia com o próprio Estado -, tornou-se o encarregado da cobrança tributária, a fim de que o poder público tivesse recursos pra manter a máquina estatal e para colocar o poder desse Estado a serviço da expansã do capital[30].

A queda do feudalismo marca o primeiro passo rumo à Idade Moderna, que vai do ano 1453 (tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos) a 1789 (Revolução Francesa)[31], marcada pelo formação dos Estados Nacionais e expansão marítima.

E em razão do desenvolvimento do comércio buscou a Europa, [ioneiramente Portugal, novas rotas marítimas que levassem à Asia, tendo acabado por encontrar as Américas.

Nas palavras de Fernado José Amed e Plínio José Labriola de Campos Negreiros:

Assim, pensar a história do Brasil significa buscar os elementos primários de sua configuração geográfica e de sua constituição como Estado Nação português, cuja origem data do século XII, ganhando plena estrutura a partir do começo do século XV, quando se inicia sua expansão ultramarina que, ao final desse mesmo século, levaria a frota marítima portuguesa às terras que mais tarde seriam conhecidas como Brasil.

Nota-se que a posse e propriedade foi e ainda é elemento que contribui para a definição de classes, garantia da soberania e existência do Estado democrático de Direito, tanto que encontra-se inserida no rol dos direitos fundamentais, e é, desde sempre, objeto de tributação (vide item 2.1).

No Brasil, a tributação da propriedade imobiliária foi pensada primeiramente em 1822, quando tramitou no Congresso um projeto de lei que não teve sucesso.Posteriormente, em 1843 e 1877 novos projetos foram discutidos, mas morreram antes mesmo de nascer. Em 1879 foi instituído em todo o Império um imposto de 5% sobre as propriedades urbanas e rurais, tendo sido revogado mais tarde.

Com a advento da República, a Constituição de 1891 previu arrecadação de imposto territorial genérico, tanto de área urbana como rural, sem distingui-las.

A separação entre arrecadação de tributo territorial rural e urbano se deu apenas com a Constituição de 1934, que trouxe o Imposto Territorial Rural, arrecadados pelos estados. Nesse sentido afirma Alfredo Meneguetti Neto:

Entretanto foi na Constituição de 1934 que surgiu a distinção entre imposto territorial rural e urbano. A cobrança do ITR ficou a cargo dos estados, sendo inclusive reafirmado nas Constituições de 1937 e 1946.

Com a Emenda Constitucional de 1961, a cobrança do imposto passou a ser da competência dos municípios. Três anos mais tarde, com a Emenda Constitucional de 1964 a cobrança do imposto foi transferida para a União, e sua receita era repassada aos municípios onde eram localizados os imóveis sobre os quais incidia a tributação. Isso foi ratificado nas Constituições de 1967 e 1969, saído que, nesse período, o ITR foi cobrado pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA). Em 1970, esse órgão foi extinto, e a cobrança do imposto foi transferida ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). De 1970 a 1979, praticamente não existiram substanciais alterações na legislação[32].

No ano de 1980 foram criados os conceitos de Módulo Fiscal do município (MFM), em que se fixava para cada município o tamanho ideal para um imóvel, e Módulo Fiscal do Imóvel (MFI), onde era determinada a relação entre o tamanho da área aproveitável do imóvel com o seu tamanho ideal no município, através da Lei n. 6.746 e do Decreto-Lei n. 84.685.

Na análise de Alfredo Meneguetti Neto:

(…) a regra básica definida era a seguinte: se o imóvel não atingisse um grau de utilização da terra variável de 10% a 30%, conforme o MFM de sua localização, seria aplicada a progressividade — no primeiro ano, a alíquota era duplicada, no segundo, triplicada, no terceiro ano e seguintes, quadruplicada. Em compensação, o Imóvel que satisfizesse as condições ótimas de exploração podia gozar da redução do tributo.

Entretanto, mesmo com as modificações que aconteceram nesse período, podiam-se ainda notar várias distorções.  Observa-se que o sistema de progressividade atingia todo e qualquer imóvel, desde que o seu grau de utilização fosse inferior aos níveis mínimos de utilização e de

acordo com o módulo fiscal do município onde se localizava o imóvel. Assim, uma propriedade rural num município com módulo fiscal de 25ha teria que apresentar um grau de utilização de 30%, qualquer que fosse sua área. (…)

Entretanto é fácil concluir que a potencialidade da progressividade seria substancialmente reduzida pelos irrisórios graus de utilização mínimos — de 10% a 30%. Qualquer latifúndio do País estaria fora do efeito progressivo pelo simples fato de ter mais do que 30% de grau de utilização da terra. A propósito, a quase-totalidade dos municípios da Região Norte (131 deles) necessitavam de um grau de utilização mínimo de somente 18%, o que era irrisório.

(…) a regra só penalizava os três primeiros anos da não-utilização. A partir do quarto ano, o imóvel poderia continuar com utilização abaixo do mínimo fixado para seu município de localização, e a carga tributária seria mantida constante. Logicamente, tanto fazia se o imóvel estivesse abandonado há três anos, como há 10 anos, a incidência do imposto seria a mesma[33].

O Imposto sobre Propriedade Territorial Rural tem interesse especial ao Direito Agrário por fazer menção à propriedade rural, ou seja, por estar ligado à esse tipo territorial. Fica entendido, então, que o ramo agrário do Direito busca resguardar, junto ao Direito Tributário, este imposto, cada qual com as prospectivas que lhes são atinentes: a) Direito Tributário: auferir e arrecadar o tributo por motivo de propriedade rural; b) Direito Agrário: efetivar a propriedade rural como produtiva e desestimular a improdutividade da terra, por motivos de Reforma Agrária, dentre outros.

Historicamente falando, esse realmente foi o objetivo quando do estabelecimento do imposto, nas Constituições anteriores, do Brasil. Por isso, contrapondo os momentos históricos do ITR com a sua meta atual, verifica-se que o mesmo detém importância primordial sobre o Direito (e não somente no plano agrário e tributário), mas pela manutenção da terra como um todo. Essa é a razão da existência do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 153, VI, elenca, no rol dos impostos Federais, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

VI – propriedade territorial rural.

No entanto, o Código Tributário Nacional, lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, já definia:

Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do Município.

Art. 30. A base de cálculo do imposto é o valor fundiário.

Art. 31. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

A lei que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, Lei n.9.393/96, reproduz o texto do CTN quanto ao fato gerador do ITR:

Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano.

Desta sorte, o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural é, segundo a Constituição Federal, é a propriedade territorial rural, e segundo o Código Tributário Nacional, é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza.

Nota-se que a Código Tributário Nacional utiliza-se de conceito mais amplo que aquele adotado pela Constituição Federal, de modo que resta inconstitucional tudo o que foge dos limites da definição Constitucional.

Assim sendo, constitui o fato gerador do ITR única e exclusivamente a propriedade territorial rural.

Parte-se agora para a definição de propriedade.

Por força do artigo 1228, o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

O artigo 1227, também do Código Civil, esclarece que os direitos reais sobre imóveis só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos.

O Código Civil não definiu literalmente o instituto da propriedade, mas trouxe elementos que possibilitam tal definição.

Por uma exegese sistemática, considerando os artigos 1227 e 1228 do Código Civil, tem-se que a propriedade constituí-se pelo registro no cartório de Registro de Imóveis concomitantemente com a faculdade de o proprietário poder usar, gozar e dispor do bem.

Tem-se aí a propriedade composta por dois elementos, o registro, que se perfaz no mundo jurídico, e a faculdade de usar, gozar e dispor, que se verificam no mundo fenomênico dos fatos, de modo que faltante qualquer destes elementos, não há que se falar em propriedade, inexistindo, consequentemente, o fato gerador do ITR.

Corroborando com tal assertiva, imprescindível trazer à tona o artigo 110 do Código Tributário Nacional que estipula que a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou delimitar competências tributárias.

Os conceitos trazidos pelo CTN estão vinculados à lei civil e à Constituição Federal, de modo que não há possibilidade de interpretação diversa, sendo a propriedade, fato gerador do ITR, frise-se, o registro no Cartório de Registro de Imóveis somado à faculdade de livremente usar, gozar e dispor do bem.

Outrossim, não há razão de incidência do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural no caso de propriedade meramente formal inclusive em razão da essência deste imposto.

Tem-se atualmente por Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) como sendo um tributo que, por assentamento na norma constitucional, deve vir a servir como ferramenta ativa para forçar os proprietários de terras rurais a cumprirem a sua função social da propriedade (agrária), que, por vez, necessita, efetivamente, ser ensejada e fiscalizada, sendo esta a esfera extrafiscal do ITR.

Ora, se a propriedade não se perfaz faticamente significa dizer que o proprietário não tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, de modo que impossibilitado está de fazer com que o imóvel cumpra com sua função social, o que leva à conclusão, mais uma vez, de que não há que se falar em fato gerador do ITR sem que se verifiquem os elementos fáticos da propriedade.

Nesse sentido entendeu o Ministro do Superior tribunal de Justiça Relator Mauro Campbell Marques no julgamento do Recurso Especial n. 1.144.982 PR:

Com a invasão do movimento “sem terra”, o direito da recorrida ficou tolhido de praticamente todos seus elementos: não há mais posse, possibilidade de uso ou fruição do bem; consequentemente, não havendo a exploração do imóvel, não há, a partir dele, qualquer tipo de geração de renda ou de benefícios para a proprietária.

Ocorre que a função social da propriedade se caracteriza pelo fato do proprietário condicionar o uso e a exploração do imóvel não só de acordo com os seus interesses particulares e egoísticos, mas pressupõe o condicionamento do direito de propriedade à satisfação de objetivos para com a sociedade, tais como a obtenção de um grau de produtividade, o respeito ao meio ambiente, o pagamento de impostos etc.

Sobreleva nesse ponto, desde o advento da Emenda Constitucional n. 42⁄2003, o pagamento de impostos como questão inerente à função social da propriedade. O proprietário, por possuir o domínio sobre o imóvel, deve atender aos objetivos da função social da propriedade; por conseguinte, se não há um efetivo exercício de domínio, não seria razoável exigir desse proprietário o cumprimento da sua função social, o que se inclui aí a exigência de pagamento dos impostos reais.

Diante o exposto, espera-se, no mínimo, que o Estado reconheça que, diante da sua própria omissão e da dramaticidade dos conflitos agrários no País, aquele que não tem mais direito algum não possa ser tributado por algo que, somente em razão de uma ficção jurídica, detém sobre o bem o título de propriedade. Ofende o princípio da razoabilidade, o da boa-fé objetiva e o próprio bom senso o Estado utilizar-se da aparência desse direito ou do resquício que ele deixou, para cobrar tributos que pressupõem a incolumidade e a existência nos planos jurídicos (formal) e fáticos (material) dos direitos inerentes à propriedade.

 

4.2 A Não Ocorrência do Fato Gerador do ITR no caso de ausência de propriedade fática

Como ficou demonstrado pelo até então exposto, a partir de argumentações teóricas, a propriedade de bem imóvel rural é o fato gerador do ITR. O conceito de propriedade, por sua vez, pressupões um viés jurídico, formal, que é o registro no Cartório de Registro de Imóveis, e um viés fático que compreende o direito e a possibilidade de livremente usar, gozar e dispor do bem.

Para que haja propriedade, imprescindível que se verifiquem ambos os elementos, jurídico e fático, sob pena de tratar-se de ficção jurídica, não vindo, sendo o caso, a constituir o fato gerador do ITR.

Passa-se, assim, a tratar o assunto a partir de uma perspectiva prática, na qual serão abordadas duas situações: a primeira referente à invasão de terra por índios ocorrida no estado do Mato Grosso do Sul, e a segunda referente a invasão pelo Movimento Sem Terra, no estado do Paraná.

Quanto á invasão de propriedade rural por índios no estado de Mato grosso do Sul, far-se-á breve explanação acerca das circunstâncias do fato e dos direitos territoriais indígenas.

No que tange aos índios, a Constituição de 1988 conservou o domínio da União sobre as terras indígenas e consagrou, em seu artigo 231, o reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, “talvez como uma homenagem tardia aos povos indígenas”[34]:

Art. 20. São bens da União:

XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 4º – As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere o artigo. 

A finalidade maior do dispositivo supra é, portanto, disciplinar a proteção das terras indígenas, proteção esta tão acirrada que, como bem colocado por Roberta da Cunha Gonçalves Lavôr:

(…) a Constituição de 1988 foi legislada para um índio por completo insociável, de modo que o mesmo não necessitaria de pecúnia para garantir sua subsistência. O índio focado nesta Constituição é o mesmo que fora reconhecido pelo Alvará Régio de 1680, como se este não tivesse sofrido a influência da mutação tecnológica e sócio-cultural, enfim, um índio que pesca e caça para viver, será que existem muitos nestas condições? O melhor é passarmos tal indagação para o Congresso Nacional[35].

E ainda acerca da Constituição de 1988, tecendo críticas quanto ao emaranhado de direitos contrapostos por ela abarcados, Alexandre Sanches Cunha entende que:

A Charta de 1988 revela-se num “espelho” da sociedade brasileira na medida em que trata de matéria que, tecnicamente, escoa da natureza constitucional, refletindo assim, pressões de diferentes grupos de nossa sociedade. Vale dizer que, durante a elaboração de nossa Lei Maior, segmentos sociais, até então apáticos, mobolizaram-se para cunhar neste diploma seus anseios; o que, talvez venha a ser o motivo da dificuldade de sua aplicação, pois interesses absolutamente incompatíveis são tutelados no diploma constitucional em comento[36].

E é na interpretação ideológica e anti-científica da defesa constitucional aos direitos dos povos indígenas, que defendem o indigenato e a posse imemorial, que as invasões indígenas encontram amparo, o que as torna canhestramente legítimas.

Em contrapartida à tais interpretações, Yves Gandra Martis defende, acerca do artigo 231 da CF:

Entendo, à luz do parágrafo primeiro do artigo 231, que as terras que “tradicionalmente ocupam” são aquelas que, à data da promulgação da Carta, eram – e ainda são – por eles habitadas em caráter permanente, vale dizer, aquelas em que estão situadas suas aldeias e, no máximo, os terrenos lindeiros a elas. Jamais vastas extensões de terra, à época já ocupadas, inclusive por cidades. Considerar de propriedade dos indígenas vastas extensões de terra, que já não são por eles ocupadas, há muito tempo, é tornar todo o “brasileiro não índio”, cidadão de 2ª. categoria. Os brasileiros sem teto, sem terra, sem habitação e sem emprego, que não gozam de direito a qualquer parcela das terras brasileiras, nesta categoria estariam incluídos. Em compensação, os privilegiadíssimos cidadãos indígenas (300.000) seriam intocáveis possuidores de 10% do Brasil (…)

Se assim fosse, valeria a pena que cada brasileiro requeresse a “cidadania” indígena, para, de imediato, tornar-se dono de parte do Brasil[37].

Recentemente o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o emblemático caso da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, firmou entendimento no sentido de que só poderiam ser consideradas terras indígenas aquelas nas quais os índios efetivamente estivem habitando, em caráter tradicional e permanente, quando da promulgação da carta de 1988, pois esta veio apenas reconhecer as terras dos índios, e não garantir o retorno para áreas nas quais um dia estiveram.

Pela apertada síntese exposta resta clara a complexidade do assunto, não sendo pertinente maior aprofundamento, tendo tais informações caráter meramente informativo.

Condensando as informações retro ao fato de que o estado de Mato grosso do Sul apresenta considerável população indígena, desnecessário se faz qualquer explicação acerca da escolha por tal unidade da federação.

Focando-se agora ao caso concreto, houve no ano de 2001, na região do município de Dois Irmãos do Buriti, invasão, por índios, de propriedade rural particular, tendo sido os proprietários expulsos da área, fato este que desencadeou Ação Declaratória de Domínio com pedido de liminar de Reintegração de Posse, oferecida na Justiça Federal subseção de Campo Grande sob o n. 2001. 60.00.003866-3.

Foi deferido liminarmente o pedido de reintegração de posse e, em 22 de outubro de 2004, o Dr. Odilon de oliveira, Juiz Federal da 3ª Vara da Comarca de Campo Grande, proferiu sentença definitiva com o seguinte teor:

(…) Em conclusão, as terras objeto desta ação não estão enquadradas no conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, sendo legítimo o domínio titularizado nas pessoas dos autores (…). Todos os atos praticados pela Funai, tendentes à posse e ao domínio dessas terras, ficam declarados nulos e de nenhum efeito (…).

Atualmente, após quase nove anos da invasão, os proprietários ainda encontram-se fora de sua área. Seria o famoso ditado forense “ganhou mas não levou”, pois a reintegração de posse não foi cumprida pelo Poder de Polícia, sendo competência da Polícia Federal, e desde então, ano após ano, os proprietários, portadores de título legal e legítimo, expulsos de sua área, vivendo na mais precária e desumana condição de miséria, vem arrecadando aos cofres públicos o Imposto Territorial Rural pautado em uma ficção jurídica que se consolidou a partir da desrespeitosa inércia e omissão do Estado.

Paralelamente ao núcleo do presente trabalho, mas ainda sem fugir do tema, a dicotomia propriedade fática e propriedade jurídica alcança outra problemática que dever ser pensada e ponderada, talvez ensejando uma segunda dissertação.

Esses mesmos contribuintes do ITR, que vivem hoje em situação de miséria, não são destinatários de nenhum programa assistencial quer seja do Governo Federal, quer seja do Governo Estadual, pois não se encaixam nos requisitos pelo fato de serem proprietários rurais.

Nota-se que não apenas na âmbito fiscal, mas também no âmbito social, a propriedade meramente jurídica traz distorções cujas conseqüências comprometem o exercício de direitos fundamentais por parte dos cidadãos.

Quanto à invasão de propriedade rural particular por membros do Movimento Sem Terra, tal problemática apresenta-se reiterada de forma mais ampla no território nacional, tendo emanado da busca legítima por direitos básicos com respaldo no instituto da função social da propriedade e “evoluindo” para um arcabouço de desmandos e anarquias em razão dos exageros não contidos.

Cristiane de Souza Reis, nessa ceara, elucida:

A distribuição da terra no Brasil está assente em um processo marcado pela exclusão, sendo distribuída a poucos e, inicialmente, sem qualquer limite territorial, o que gerou o início da formação dos latifúndios. Com o fim do tráfico negreiro, em 1850, e com a promulgação da Lei de Terras, neste mesmo ano, os ex-escravos e os imigrantes carentes, sem recursos financeiros, ficaram sem terra para trabalhar e viver, formando o embrião do que hoje se denomina “família sem-terra”. Assim, pode-se afirmar que chegamos ao século XXI sem resolver um problema iniciado no século XIX, pois até hoje observamos a má distribuição da terra e o grande problema social que isto acarreta[38].

No estado do Paraná situações de invasão de terra nas quais o proprietário perdeu a possibilidade de usar, gozar e dispor da coisa, restando apenas a propriedade formal, foram apreciadas pelo judiciário que, nas decisões, compilaram elementos já explanados anteriormente neste trabalho, de modo que tais julgados apresentaram-se de forma tão concisa e objetiva que restam auto-explicativos:

TRIBUTÁRIO – FAZENDA INVADIDA POR INTEGRANTES DO MOVIMENTO “SEM TERRA” – PERDA DO DIREITO DE PROPRIEDADE – INEXIGIBILIDADE DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL.

1 – Fato gerador do ITR é a propriedade, o domínio útil ou a posse do imóvel.

2 – A propriedade é o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar (jus utendi), gozar (jus fruendi) e dispor (jus abutendi) de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicar de quem injustamente o detenha (rei vindicatio).

3 – Se, desde 1995, o proprietário não detém o direito de usar, gozar e dispor do imóvel, em decorrência de sua invasão por integrantes do movimento “sem terra”, e o direito de reavê-lo não é assegurado pelo Estado, a propriedade se mantém na mera formalidade e não configura fato gerador do ITR.

4 – A exigência não tem fundamento legal e viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

(TRF/4ª R., AC nº 2005.70.01.004636-7/PR, 2ª T., rel. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJU 29.11.2006, p. 761).

TRIBUTÁRIO. ITR. IMÓVEL RURAL. INVASÃO POR “SEM TERRAS”. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. NÃO-CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO. DEFERIMENTO DA CND.

A propriedade é conceito jurídico, cujas prerrogativas essenciais se encontram estabelecidas pelo artigo 524 do Código Civil. Tendo suas terras invadidas por “sem terras”, a impetrante não conseguiu até o momento, e de modo especial, no período da exigência tributária, fazer valer as suas prerrogativas de proprietário, pois de fato o Estado, não lhe reintegrou na posse, aos fins de poder fruir a propriedade em referência. Dita inesperada ausência de defesa estatal de um direito assegurado em nível constitucional, torna o direito assim concebido em mera propriedade documental, leia-se, frágil como o papel, não sendo essa conformação do direito assegurado constitucionalmente a Impetrante e passível de tributação, nos mesmos termos da Constituição (art. 153, inciso VI), sendo pois, indevida a cobrança do ITR.

(TRF/4ª R., AMS nº 1998.04.01.046999-3/PR, 2ª T., rel. Juiz Federal Márcio Antonio Rocha, DJU 18.04.2001, p. 257).

O processou tomou seu curso natural, tendo a Fazenda Nacional apresentado Recurso Especial n. 1.144.982 PR (2009/0114749-3), chegando a celeuma ao Superior Tribunal de Justiça que assim se posicionou:

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fulcro na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão prolatado pelo TRF da 4ª Região que, por unanimidade, negou provimento a remessa oficial e a recurso de apelação interposto contra sentença exarada nos autos de mandado de segurança, em que se pleiteia o afastamento da exigência tributária relativa ao Imposto Territorial Rural (ITR) incidente sobre dois imóveis da propriedade da impetrante.

O Tribunal recorrido consignou que “restando incontroverso que, desde 1987 o proprietário não detém o direito de usar, gozar e dispor do imóvel, em decorrência de sua invasão por integrantes do movimento “sem terra”, e o direito de reavê-lo não é assegurado pelo Estado, a propriedade se mantém na mera formalidade e não configura fato gerador do ITR“.

Nas razões do recurso especial, sustenta a recorrente violação ao artigo 29 do Código Tributário Nacional (CTN) e ao artigo 535 do Código de Processo Civil. Aduz, em síntese, ser devida a cobrança relativa o ITR, tendo em vista constituir a propriedade fato gerador da referida exação.

Nas contra-razões recursais, pugna a recorrida pelo não conhecimento do recurso especial – ante a incidência do enunciado das Súmulas 282 e 356 do STF. No mérito, sustenta o seu não provimento.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.144.982 – PR (2009⁄0114749-3)

EMENTA

TRIBUTÁRIO. ITR. INCIDÊNCIA SOBRE IMÓVEL. INVASÃO DO MOVIMENTO “SEM TERRA”. PERDA DO DOMÍNIO E DOS DIREITOS INERENTES À PROPRIEDADE. IMPOSSIBILIDADE DA SUBSISTÊNCIA DA EXAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. Conforme salientado no acórdão recorrido, o Tribunal a quo,  no exame da matéria fática e probatória constante nos autos, explicitou que a recorrida não se encontraria na posse dos bens de sua propriedade desde 1987.

2. Verifica-se que houve a efetiva violação ao dever constitucional do Estado em garantir a propriedade da impetrante, configurando-se uma grave omissão do seu dever de garantir a observância dos direitos fundamentais da Constituição.

3. Ofende os princípios básicos da razoabilidade e da justiça o fato do Estado violar o direito de garantia de propriedade e, concomitantemente, exercer a sua prerrogativa de constituir ônus tributário sobre imóvel expropriado por particulares (proibição do venire contra factum proprium).

4. A propriedade plena pressupõe o domínio, que se subdivide nos poderes de usar, gozar, dispor e reinvidicar a coisa. Em que pese ser a propriedade um dos fatos geradores do ITR, essa propriedade não é plena quando o imóvel encontra-se invadido, pois o proprietário é tolhido das faculdades inerentes ao domínio sobre o imóvel.

5. Com a invasão do movimento “sem terra”, o direito da recorrida ficou tolhido de praticamente todos seus elementos: não há mais posse, possibilidade de uso ou fruição do bem; consequentemente, não havendo a exploração do imóvel, não há, a partir dele, qualquer tipo de geração de renda ou de benefícios para a proprietária.

6. Ocorre que a função social da propriedade se caracteriza pelo fato do proprietário condicionar o uso e a exploração do imóvel não só de acordo com os seus interesses particulares e egoísticos, mas pressupõe o condicionamento do direito de propriedade à satisfação de objetivos para com a sociedade, tais como a obtenção de um grau de produtividade, o respeito ao meio ambiente, o pagamento de impostos etc.

7. Sobreleva nesse ponto, desde o advento da Emenda Constitucional n. 42⁄2003, o pagamento do ITR como questão inerente à função social da propriedade. O proprietário, por possuir o domínio sobre o imóvel, deve atender aos objetivos da função social da propriedade; por conseguinte, se não há um efetivo exercício de domínio, não seria razoável exigir desse proprietário o cumprimento da sua função social, o que se inclui aí a exigência de pagamento dos impostos reais.

8. Na peculiar situação dos autos, ao considerar-se a privação antecipada da posse e o esvaziamento dos elementos de propriedade sem o devido êxito do processo de desapropriação, é inexigível o ITR diante do desaparecimento da base material do fato gerador e da violação dos referidos princípios da propriedade, da função social e da proporcionalidade.

9. Recurso especial não provido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):

Cinge-se a controvérsia em verificar se é devido o ITR pelo proprietário que tem a sua propriedade esbulhada pelo movimento dos “sem terra”.

Conforme salientado no acórdão recorrido, o Tribunal a quo,  no exame da matéria fática e probatória constante nos autos, explicitou que a recorrida não se encontraria na posse dos bens de sua propriedade desde 1987 (fl. 381):

(…) a farta documentação acostada à inicial deixa antever que, de fato, a impetrante não mais se encontra na posse dos imóveis acima mencionados há quase vinte anos, eis que foram ocupados por integrantes do movimento dos “sem-terra” em 1987.

Da análise das fotocópias das inúmeras decisões judiciais já proferidas com relação aos imóveis em questão, conclui-se também que a impetrante envidou todos os esforços na defesa de sua posse que, no entanto, não mais detém.

O inciso XXII da Constituição, norma de direito fundamental, garante o direito à propriedade, que se desdobra na necessidade da prestação de uma obrigação negativa e de uma obrigação positiva por parte do Estado. A obrigação negativa possui eficácia vertical, por meio da qual o Estado não pode, ao seu livre talante, violar a propriedade particular, salvo nos casos previstos na Constituição e mediante a devida indenização. A obrigação positiva, por outro lado, possui eficácia horizontal, no sentido de que o Estado deve garantir que os demais particulares não violem o direito de propriedade de determinado cidadão.

No caso ora tratado, verifica-se que houve a efetiva violação ao dever constitucional do Estado em garantir a propriedade da impetrante, configurando-se uma grave omissão do seu dever de garantir a observância dos direitos fundamentais da Constituição.

Ofende os princípios básicos da razoabilidade e da justiça o fato do Estado violar o direito de garantia de propriedade e, concomitantemente, exercer a sua prerrogativa de constituir ônus tributário sobre imóvel expropriado por particulares (proibição do venire contra factum proprium).

Há uma verdadeira iniquidade no caso em tela, consubstanciada na possibilidade do Estado, aproveitando-se da sua própria inércia, tributar propriedade que, devido à sua própria omissão em prover segurança, ocasionou a perda das faculdades inerentes ao direito de propriedade da ora recorrida.

A propriedade plena pressupõe o domínio, que se subdivide nos poderes de usar, gozar, dispor e reinvidicar a coisa. Em que pese ser a propriedade um dos fatos geradores do ITR, essa propriedade não é plena quando o imóvel encontra-se invadido, pois o proprietário é tolhido das faculdades inerentes ao direito de domínio sobre o imóvel. Assim giza o artigo 1.228 do Código Civil:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2o São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§ 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

§ 4o O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5o No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Com a invasão do movimento “sem terra”, o direito da recorrida ficou tolhido de praticamente todos seus elementos: não há mais posse, possibilidade de uso ou fruição do bem; consequentemente, não havendo a exploração do imóvel, não há, a partir dele, qualquer tipo de geração de renda ou de benefícios para a proprietária.

Ocorre que a função social da propriedade se caracteriza pelo fato do proprietário condicionar o uso e a exploração do imóvel não só de acordo com os seus interesses particulares e egoísticos, mas pressupõe o condicionamento do direito de propriedade à satisfação de objetivos para com a sociedade, tais como a obtenção de um grau de produtividade, o respeito ao meio ambiente, o pagamento de impostos etc.

Sobreleva nesse ponto, desde o advento da Emenda Constitucional n. 42⁄2003, o pagamento de impostos como questão inerente à função social da propriedade. O proprietário, por possuir o domínio sobre o imóvel, deve atender aos objetivos da função social da propriedade; por conseguinte, se não há um efetivo exercício de domínio, não seria razoável exigir desse proprietário o cumprimento da sua função social, o que se inclui aí a exigência de pagamento dos impostos reais.

Diante o exposto, espera-se, no mínimo, que o Estado reconheça que, diante da sua própria omissão e da dramaticidade dos conflitos agrários no País, aquele que não tem mais direito algum não possa ser tributado por algo que, somente em razão de uma ficção jurídica, detém sobre o bem o título de propriedade. Ofende o princípio da razoabilidade, o da boa-fé objetiva e o próprio bom senso o Estado utilizar-se da aparência desse direito ou do resquício que ele deixou, para cobrar tributos que pressupõem a incolumidade e a existência nos planos jurídicos (formal) e fáticos (material) dos direitos inerentes à propriedade.

Insta salientar ser irrelevante que a omissão estatal limite-se a esferas diversas da Administração Pública, pois seus entes são partes de um todo maior que é o Estado brasileiro: ao final, é esse que responde pela garantia dos direitos individuais e sociais e pela razoabilidade da conduta de seus entes (em que se divide e organiza), aí se incluindo a própria autoridade tributária.

Dessa feita, na peculiar situação dos autos, ao considerar-se a privação antecipada da posse e o esvaziamento dos elementos de propriedade sem o devido êxito do processo de desapropriação, é inexigível o ITR diante do desaparecimento da base material do fato gerador e da violação dos referidos princípios da propriedade, da função social e da proporcionalidade.

Ante o exposto, entendo pelo não provimento do recurso especial.

É como voto.

 

5. CONCLUSÃO

Pelo exposto buscou-se possibilitar concluir que é a propriedade de bem imóvel rural que gera o ITR e que tal propriedade só se verifica se presentes seus elementos jurídico e fáticos, ou seja, além do registro no Cartório de Registro de Imóveis imprescindível se faz a possibilidade de o proprietário usar, gozar e dispor desse bem.

A propriedade rural no Brasil vem passando por um período de turbulência já há alguns anos. Há de se verificar o cumprimento da função social da propriedade, as leis ambientais, o enfrentamento do Movimento dos Sem Terra e a luta incansável e desenfreada dos índios em busca de um resgate lírico e romântico de um “acerto de contas” que data de 1500.

Pois bem, quanto aos dois últimos faz-se praxe uma conduta austera e anarquista de buscarem seus ditos direitos através de invasões de terras, de invasões de propriedades legais e legítimas e, na grande maioria dos casos, propriedades que se encontram em total harmonia com a função social da propriedade.

Dessas invasões resultam situações em que o proprietário se vê obrigado a se retirar de sua área, de modo que ainda que continuem sendo proprietários em razão do registro no Cartório de Registro de Imóveis não mais vislumbram a possibilidade de usar, gozar e dispor de seu bem. Conservam o domínio mas perdem a posse da área ou de parte dela.

Juridicamente, quando o proprietário busca a defesa de seus direitos através de ações possessórias, se não há deferimento de reintegração de posse ou, quando há, o poder de polícia deixa de cumprir, perde o sentido, perde a razão a propriedade, pois persiste no mundo jurídico mas esfacelou-se no mundo fático e, quanto ao ITR, incabível sua incidência, pois perdeu o objeto frente a inocorrência de seu fato gerador.

Sempre que se buscou uma ruptura com o sistema instaurado em uma nação buscou-se em primeiro lugar a desestabilização do setor primário de produção, que constitui a base do Estado, e uma vez desestruturada a base, instáveis se verificam todos os seus pilares.

O Brasil, já há algum tempo, vem enfrentando situações a princípio essencialmente internas, que causam esse abalo na estrutura do setor primário, como é o caso dos movimentos sociais que buscam garantir à determinados grupos de pessoas direitos territoriais, deixando fragilizado o direito de propriedade, esteio do Estado Democrático de Direito e essência do Capitalismo.

Diz-se serem tais situações “a princípio” essencialmente internas porque, na verdade, são situações instauradas por influências externas, de âmbito internacional, que contam com a mencionada desestabilização basilar do país.

Essas situações são nada mais que conflitos territoriais ora envolvendo os integrantes do Movimento Sem Terra, ora envolvendo os indígenas, ora quilombolas, ora ribeirinhos ou ciganos, dependendo da região do Brasil.

Esses conflitos trazem sérios reflexos para a estrutura do Brasil, tanto internamente, vez que resta instaurado o mais absoluto desrespeito ao direito de propriedade e consequente insegurança jurídica; como também no âmbito internacional, onde o Brasil passa a ser considerado incompetente para gerir questões internas de ordem pública, o que lhe torna vulnerável à interferências de outras Nações.

Pois bem, elucidada a problemática das disputas territoriais e conseqüente insegurança jurídica e desestabilidade do setor primário, na apertada síntese acima, passa-se a elucidar outra problemática que a vulnerabilidade do direito de propriedade encontra, agora na ceara do Direito Tributário.

Uma vez fragilizado o direito de propriedade, igualmente fragilizado se encontra o sistema como um todo, não só no âmbito jurídico, mas também na esfera administrativa, política, social e econômica.

E essa fragilidade advinda dos efeitos dos conflitos territoriais no seio da sociedade reflete no Sistema Tributário, inclusive.

O Sistema Tributário é visto como com maus olhos em razão da falta de contraprestação do Estado, o que desestimula o cumprimento das obrigações tributárias e incentiva a sonegação fiscal frente ao descrédito do contribuinte.

No entanto, especificamente em relação aos reflexos dos conflitos fundiários sobre o Imposto Territorial Rural, tem-se que o meio para se atingir o fim, ou seja, o meio utilizado pelos supostos sujeitos de direitos territoriais para alcançarem a posse e eventualmente a propriedade de terras particulares, é a invasão, que ainda que revestida de caráter social, o que poderia vir a respaldá-la pela legitimidade, é sempre ilegal, vez que fere o direito de propriedade.

Elucida-se o até então exposto a partir de casos práticos de invasão, por índios, de terras particulares, legalmente e legitimamente tituladas há mais de um século, ocorridos no Estado de Mato Grosso do Sul.

O cerne do presente trabalho é o reflexo dessas invasões no ITR, qual seja, a não ocorrência do fato gerador diante da impossibilidade de o proprietário exercer o direito de usar, gozar e dispor do imóvel, restando apenas a propriedade no mundo jurídico pelo registro imobiliário, o que, por si só, não compreende o conceito axiológico da propriedade como fato gerador do Imposto Territorial Rural.

 

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[1] CORREIA, Alexandre e SCIASCIA Gaetano. Manual de Direito Romano e Textos em Correspondência com os Artigos do Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1953. 21 p.

[2] HOUASIS, Antonio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 1369 p.

[3] CORREIA, Alexandre e SCIASCIA Gaetano. Op. Cit., 13 p.

[4] BORGES, Antonio Moura. Estatuto da Terra Comentado e Legislação Adesiva. 1. ed. Leme/SP: CL EDIJUR, 2007.

[5] “A natureza da administração pública é a de um ‘munus publico’ para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Como tal, impõe ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da moral administrativa que regem a sua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agente do poder assume para a coletividade o compromisso de bem servi-la, porque outro não é o desejo do povo, como legítimo destinatário dos bens, serviços e interesses administrativos pelo Estado”. MEIRELLES, Hely Lopes; Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição; Malheiros Editores, pág. 81.

[6] CORREIA, Alexandre e SCIASCIA Gaetano. Op. Cit., 166 p.

[7] FULGÊNCIO, Tito. Direitos de Vizinhança. 2. ed., 1959, n.1, p.7

[8] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 91.

[9] Manuel Linhares de Lacerda, Tratado das Terras do Brasil, vol.1, Rio de Janeiro: ed. Alba, 1960, p. 119.

[10] Idem.

[11] Idem.

[12] Idem.

[13] Idem.

[14] NERY Jr. Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 6 ed. ver., ampl. e atual. Até 28 de março de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, 877 p.

[15] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. – 15ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 545.

[16] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. – 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 254,255.

[17] PESSOA, Leonardo Ribeiro. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na jurisprudência tributária norte-americana e brasileira. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5989. Acessado em 03 nov. 2009.

[18] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

[19] PESSOA, Leonardo Ribeiro, Op. Cit.

[20] Conceito do Termo Princípio da Razoabilidade. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_Razoabilidade

[21] Idem.

[22] FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo, 6ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 50.

[23] ZAQUEO, Ciara Bertocco, O que é venire contra factum proprium? Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080608193723734 Acessado em: 09 nov. 2009. A expressão “venire contra factum proprium” significa vedação do comportamento contraditório, baseando-se na regra da pacta sunt servanda. Segundo o prof. Nelson Nery, citando Menezes Cordero, venire contra factum proprium’ postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.

O venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, comporta-se de determinada maneira, gerando expectativas em outra de que seu comportamento permanecerá inalterado.

Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adotada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objetiva  (confiança).

Existem, portanto quatro elementos para a caracterização do venire: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório.

Nos dizeres de Anderson Schreiber, a tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. Em suma, segundo o autor fluminense, o fundamento da vedação do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objetiva.

[24] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, 1957, p. 129.

[25] AMED, Fernando José e NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos Tributos no Brasil. São Paulo: Edições SINAFRESP, 2000, p. 21.

[26] Ibidem, p. 22.

[27] SILVA, Deonísio da. Dez Palavras na Ordem do Dia. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=449FDS001, Acesso em 02, Nov, 2009. Os primeiros juízes romanos, em número de três, atuavam em tribunais. Eles representavam as três tribos primitivas da antiga Roma. O lugar onde exerciam o ofício veio a denominar-se tribunal porque eles se sentavam num estrado – tribunal, em latim – e distribuíam as despesas entre as tribos, originando também outras palavras, como tributo, tribuna, tribuno etc.

[28] AMED, Fernando José e NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. Op. Cit. p. 22.

[29] Ibidem. As principais obrigações devidas ao senhor feudal eram a Corvéia – trabalho forçado de servos nas terras senhoriais; em geral três dias por semana – e as Redevances – retribuições pagas em produtos ou dinheiro, como a talha (parte da produção), banalidades (presentes obrigatórios), taxa de casamento (se o servo casava-se com mulher de fora do Domínio), mão-morta (tributo pela transmissão de herança). Também o dizimo era pago para a Igreja Católica.

[30] Ibidem.

[31] Programa Nacional de Educação Fiscal (Brasil). Sistema tributário nacional / Programa Nacional de Educação Fiscal. – Brasília, 2004. (Série Educação Fiscal. Caderno 3).

[32] NETO, Alfredo Meneguetti. Imposto Territorial Rural (ITR): Algumas Considerações. Disponível em:

http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=historia+do+ITR&meta=&aq=f&oq= Consultado em: 29 out. 2009.

[33] Ibidem.

[34] MORAES, A. de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 2102.

[35] LAVÔR, R. da C. G. Inconstitucionalidades acerca da Lavra Mineral em Território Indígena. Disponível  em <http://www.datavenia.net/artigos/inconstitucionalidadelavramineralterraindigena.htm> Acesso em: 22 set. 2009.

[36] CUNHA, A. S. Todas as constituições brasileiras. Campinas: Bookseler, 2001, p. 369 (grifo do autor).

[37]MARTINS, Yves  Gandra. Latifúndios indígenas. Disponível em <http://www.gandramartins.adv.br/artigos_detail.asp?ID=134> Acesso em: 22 out. 2009.

[38] REIS, Cristiane de Souza. A função social da propriedade rural e o acesso à terra como respeito à dignidade da pessoa humana. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2912. Acessado em: 29 out. 2009.

 

LUANA RUIZ SILVA

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