Perspectiva jurídica crítica sobre os bancos de dados de consumidores no novo direito civil brasileiro

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RESUMO

O presente trabalho, oriundo de pesquisa bibliográfica, abordou o uso dos bancos de dados em pesquisas de mercado no Brasil, tendo em vista os direitos de personalidade. Buscou-se investigar quais são as afrontas relacionadas ao uso dos dados informatizados dos consumidores e sua relação com os fenômenos revolucionários ocorridos nos mais diferenciados domínios da vida, em especial as consequentes das novas tecnologias de informação, agravada pela problemática combinação de supremacia do poder econômico com crise estatal/jurídica. Assim, tem-se que o potencial que a tecnologia possui deve ser liberado de forma ética e responsável, e não apenas repreendido mediante o estabelecimento de regulação legal positivada, sendo necessária uma nova interpretação do contrato, além de se delinear quais são os pontos de intersecção mais importantes entre Direito e Economia, a fim de se observar a impossibilidade de uma análise puramente econômica do Direito Contratual.

Palavras-chave: Direito contratual; Direitos da personalidade; tecnologias de informação.

ABSTRACT

This work, coming from literature, discussed the use of databases in market research in Brazil, considering the rights of personality. We sought to investigate the grievances which are related to the use of computerized data of consumers and their relationship to the revolutionary phenomena occurring in more differentiated areas of life, especially those resulting from new information, problems that are aggravated by the combination of the primacy of economic power with state and legal crisis. Thus, it can be concluded that the potential that technology must be released in an ethical and responsible manner, and not only reprimanded by the establishment of positive legal regulation, being needed a new interpretation of the contract, and to outline what are the most important intersection points between law and economics, in order to observe the impossibility of a purely economic analysis of contract law.

Keywords: Contract law; personality rights; Information Technologies.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Pesquisas de mercado, bancos de dados e contratos de adesão. 2. Bancos de dados informatizados e o superpanóptico. 3. As transformações do contrato e a necessidade de uma análise diferenciada. 4. A função social do direito contratual no Código Civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. 5. A operação econômica na teoria do contrato. 6. O “admirável mundo novo” e a teoria da responsabilidade. 7. Dos Direitos Humanos aos Direitos da Personalidade no Código Civil de 2002. 8. Globalização, Direito, Ciência Jurídica. 9. Uma sociedade pós-humana. 10. Nova ética face à tecnicização extremada da vida. Considerações finais.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve como foco o uso dos bancos de dados em pesquisas de mercado no Brasil, tendo em vista os direitos de personalidade estabelecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, pelo Código de Defesa do Consumidor (e legislação consumerista extravagante) e pelo Código Civil Brasileiro de 2002. Assim, buscou-se investigar quais são as afrontas ao ordenamento jurídico brasileiro cometidas quando do uso indiscriminado dos dados dos consumidores inseridos em bancos informatizados.

A atual complexidade verificada no âmbito das relações socioeconômicas e políticas não mais permite uma análise tradicional do contrato, que o configurava como mero consenso entre as vontades autônomas de dois polos contratantes. As mudanças ocorridas em tais âmbitos no decorrer da história recente exigem que também o contrato seja analisado diante de uma perspectiva complexa, que reúna mais elementos do que aquilo que está expresso na literalidade do instrumento documental. É, portanto, a gama revolucionária de fenômenos ocorridas nos mais diferenciados domínios da vida que justifica a presente pesquisa.

As novas tecnologias ligadas à informática representam um imenso potencial de desenvolvimento para a humanidade: mediante seu uso é possível uma economia de recursos (tempo, dinheiro, trabalho), de forma a viabilizar a administração em vários âmbitos da esfera pública e da privada, tornando as atividades mais eficientes. Contudo, a história tem demonstrado que os usos dados às tecnologias em geral não correspondem ao verdadeiro desenvolvimento do homem enquanto ser livre e digno: qualquer breve análise da trajetória humana em relação a qualquer tecnologia demonstra, ao invés disso, que é o mero crescimento econômico o fim dado à técnica e de seus avanços. Agrava-se a situação o atual estado da globalização, a qual representa a supremacia do interesse econômico, o qual passa a não mais conhecer fronteiras, observando-se, assim, a crise do Estado e do Direito conforme delineado pela tradição do Civil Law – sendo cada vez mais o mundo da vida invadido (ou melhor seria dizer colonizado?) pela iniciativa privada e pelos detentores do poderio econômico.

Mais grave ainda se torna essa problemática combinação de supremacia do poder econômico com crise estatal/jurídica quando se observa a miríade de problemáticas que acometem a vida humana como um todo: redução da privacidade, bem como das possibilidades de autodeterminação da privacidade, eis que a mídia, sob o uso das forças mercado, impõe com cada vez mais força e frequência seus padrões – sendo assim observado que a heteronomia do delineamento do self é algo cotidiano.

Assim, observa-se que o imenso potencial (econômico, científico, tecnológico) que a tecnologia possui deve ser liberado de forma ética e responsável – e não apenas repreendido mediante o estabelecimento de regulação legal positivada, eis que se observa ser a mera vigência de diplomas legais concernentes ao uso da tecnologia dos bancos de dados de informações relacionadas ao comportamento do consumidor insuficiente. Deve-se levar em consideração toda essa gama de problemas a fim de que a condução do desenvolvimento tecnológico não represente mais um problema – ou uma “solução final”, em termos totalitários.

O objetivo geral foi realizar um estudo transdisciplinar sobre o desenvolvimento tecnológico (como objeto de poder e como recurso útil) e suas implicações no Direito Privado brasileiro, mais especificamente no que concerne aos direitos da personalidade e de contratar, sendo demonstrados quais são os principais problemas da atualidade no tocante a tais âmbitos. Mais especificamente, busca-se analisar de que modo a responsabilidade deve ser concebida no novo estado de coisas delineado pelos avanços tecnológicos mais recentes e transformadores de bancos de dados de consumo, bem como demonstrar que não apenas o Direito, mas também a Ética, devem ser repensados, a fim de que possam representar um sistema de refreamento às consequências indesejadas do avanço tecnológico e dos desmandos que o poder econômico permite.

A atual configuração da sociedade e do mercado tem se demonstrado extremamente diferenciada da sociedade e do mercado oitocentistas, âmbito no qual o paradigma clássico do contrato surgiu. Destarte, tem-se que a interpretação do contrato não pode mais ficar adstrita àquela configuração, eis que o contrato é um dos mais (senão o mais) importantes meios de se fazer circular a riqueza e de se dispor de direitos. Assim, em decorrência da força que a economia exerce na configuração social atual, não se pode mais analisar o contrato a partir do brocardo do acordo de livres vontades entre as partes, eis que há diversos fatores relevantes para tal. O principal deles talvez seja o surgimento das contratações em massa, referentes ao consumo, em que há a adesão, e não a barganha da parte de um dos contratantes – o que denota a hipossuficiência de um dos polos, diante da supremacia do poderio econômico das empresas.

Assim, a Ética como até hoje concebida (de forma liberal-individualista), bem como o Direito (sistema estanque, fechado), devem ser delineados e operacionalizados de formas diversas das que até hoje imperam, a fim de que os desafios impostos pela tecnologia possam ser superados, de forma a se ter na revolução da técnica uma forma de libertação – e não de opressão – do homem das amarras impostas pelo poder econômico e pelo temor do fim da dignidade como concebida e conhecida até então.

Para a realização deste artigo, foi imprescindível o enfrentamento dos desafios que emergem da nova configuração do mercado no tocante ao contrato. Em outras palavras: da nova configuração da economia e como o Direito Contratual tem respondido. A superação de tal estado de coisas exige o abandono das tradicionais acepções éticas e jurídicas, a fim de que tais ramos do conhecimento sejam cônscios da realidade para a qual operam, sendo instrumentos eficientes contra tais problemáticas.

Especialmente as mudanças acerca do contrato, que aponta(vam) para o sentido único de extrema expressão de autonomia do sujeito, da interpretação conforme a vontade das partes e da não-interferência de elementos externos à letra do contrato devem ser repensadas, eis que contratos de adesão impostos a consumidores podem fazer com que disponham de seus direitos da personalidade (mormente a privacidade de seus dados de consumo) de forma indesejável.

Portanto, foi feita uma investigação transdisciplinar que perpassa a filosofia, a economia, o Direito, a sociologia e a história, entre outras áreas. Nesta investigação será aplicado o método fenomenológico, pelo qual o sujeito está implicado no seu acontecer, e não separado como um objeto de estudo, analisado por um sujeito que não sofre as consequências destas transformações.

1. Pesquisas de mercado, bancos de dados e contratos de adesão

É indubitável a presença constante da vigilância na atual sociedade de hiperconsumo. Os dados dos consumidores, uma vez inseridos no mundo virtual dos bancos de dados, com grande margem de probabilidade jamais voltarão unicamente para suas esferas privadas – passando a fazer parte de uma espécie de “datalimbo”, no qual suas informações foram uma vez inseridas em razão da sua própria autonomia da vontade.

Esta é uma afirmação não tão exagerada no Brasil atual. Muitas empresas voltam suas atividades à organização de bancos de dados – e as tecnologias de informação representam enorme contributo para a organização, manipulação e distribuição de dados pessoais. Apenas para se citar dois exemplos por demais conhecidos: o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e o Serasa, conhecidíssimos de todos os brasileiros, oferecem serviços mediante os quais se pode obter informações acerca dos perfis de consumo – comportamentos, preferências, endereços, capacidade de satisfação de crédito, entre outros.

Onde localizar a autonomia da vontade em tal cenário? Bem, é também conhecidíssima dos consumidores a prática dos contratos de adesão, nos quais um dos entes contratantes (in casu, o proponente) oferece um contrato já totalmente formulado, impassível de discussão, a um consumidor – o qual, por várias razões (seja a pressa cotidiana que assola a vida pós-moderna, seja a ansiedade que a própria sociedade de hiperconsumo proporciona como normalidade), aceita totalmente o contrato sem discuti-lo. Ao aceitar toda a estrutura, o consumidor exerce, a princípio, sua autonomia da vontade.

Quais são os perigos de tal prática, no que concerne ao presente texto? Bem, é já consabido que desde o advento da Constituição da República Federativa de 1988, seguida do Código de Defesa do Consumidor (1990) e, mais tarde, pelo Código Civil de 2002, várias são as possibilidades de discussão posterior dos contratos de adesão, sendo inclusive a interpretação das prováveis cláusulas ambíguas que portem interpretáveis de maneira mais favorável ao aceitante. Ademais, há diversas outras disposições legais em tais diplomas que permitem a revisão do débito, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor hipossuficiente, entre outras. Tais fatores representam indubitável avanço no tocante à ordem econômica brasileira e ao respeito à pessoa do consumidor, eis que a autonomia da vontade – pedra angular do regime contratual liberal individualista – não mais impera.

Contudo, o que ora se discute não é a possibilidade de revisão dos contratos, mas sim, a prática de inserção nos instrumentos contratuais de cláusulas em que o aderente manifesta seu aceite quanto ao uso de seus dados pessoais de diversas maneiras pelas empresas com as quais contratam. Há ofensas aos direitos concernentes à sua personalidade em tal prática? Quais são as consequências jurídicas do uso de seus dados em bancos de dados informatizados?

2. Bancos de dados informatizados e o superpanóptico

Desde os anos 1970 o tráfego de dados pessoais se expandiu de forma explosiva, especialmente no que concerne a informações ligadas à vida privada – levando alguns a proclamarem o “fim da privacidade”2. Tal profusão de informações permite a tipificação social de grupos – forma de distinção (positiva ou negativa) de alguns entre outros.

Esse aumento nas informações permite, ademais, a criação da metáfora da “sociedade de vigilância”, na qual, em prol da segurança, tecnologias de informação e comunicação são instrumentalizadas. É inegável, também, analisar que as sociedades de vigilância são um produto colateral das “sociedades de informação”3. A metáfora da sociedade de vigilância é muito mais coerente na atualidade do que falar de um “Estado de vigilância”, eis que as tecnologias de informação e comunicação permitem que não apenas para fins de vigilância pública as informações privadas armazenadas sejam acessadas, mas sim, que vários âmbitos diversos do Estado na sociedade – especialmente as atividades empresariais e comerciais – possam se basear em tal forma de distinção dos indivíduos e dos grupos. Dados digitais provenientes de corpos, mentes e comportamentos humanos fluem nas redes de onde os atores da sociedade de vigilância realizam sua observação e governança – porém, de forma mais social do que totalitária

Mark Poster4 ao tratar sobre os bancos de dados eletrônicos no seu ensaio Database as discourse, or Electronic Interpellations, buscou salientar o modo pelo qual os bancos de dados constituem o novo discurso dominante, ou seja: bancos de dados eletrônicos constituem a nova linguagem e o novo meio para se proporcionar o controle.

Sendo o banco de dados uma forma de linguagem, seu uso terá efeitos sociais que apropriados à linguagem, já que certamente serão utilizados das mais diversas formas. Os processos pelos quais um ser humano é configurado como um sujeito e recebe significância cultural se dão através da linguagem, bem como o tipo de concepção que a sociedade impõe aos indivíduos.

O sujeito é cotidianamente reconstituído pela interpelação, ou seja: a forma pela qual é interpelado funciona para o sujeito revelar um aspecto de sua personalidade. As pessoas apresentam vários aspectos, várias formas de ser: por exemplo, o mesmo indivíduo que é um determinado tipo de aluno na escola (bom, razoável, ou insuficiente), é um tipo determinado de filho em casa (primogênito, “do meio” ou caçula), de amigo no cotidiano e de consumidor para o mercado. A interpelação via linguagem servirá para se evocar com qual dessas dimensões se deseja interagir.

Poster5 utiliza a expressão “discurso” no sentido proposto por Foucault, que o via como algo conectado ao conceito de poder, ou seja, como sendo uma forma de poder que opera através da linguagem. Ao estudar o panóptico como um sistema de poder disciplinar, Foucault6 o inseriu como forma de discurso. A construção do panóptico, desde seu modelo arquitetural de presídio, institui um discurso: a colocação do prisioneiro em relação ao vigia, de maneira que possa ser plenamente visto por ele, mas nunca vê-lo, não apenas o insere num local determinado, mas sim, o coloca num ponto em que o discurso e sua prática o classificam como prisioneiro, como criminoso.

Assim, Poster7 define o panóptico como sendo o discurso pelo qual se classifica o indivíduo como criminoso, e pelo qual esse indivíduo é interpelado em função dessa posição. Mas, o que mais interessa em sua argumentação é o ponto seguinte: com o advento do banco de dados computadorizado, um novo discurso opera no campo social – discurso batizado superpanóptico pelo autor.

Os bancos de dados são formas de discurso, pois constituem o sujeito através dos símbolos de sua linguagem escrita e conferem poder a quem os opera e possui, pois porta informações acerca dos sujeitos que subjuga ao inseri-los em seu interior. Eles são formas de escrita, bem como de inscrição de traços simbólicos, e estendem o princípio básico da escrita como uma diferenciação, ou seja, têm sua maior realização no tornar diferentes e divididos as informações neles inseridas, amplificando o poder do seu possuidor/controlador8.

O fato de constituírem um discurso, uma forma de dominação, causa resistência, conforme Poster apresenta em resultados de uma pesquisa na revista Time, que cita que entre 70 a 80 por cento de seus leitores achavam-se preocupados, em 1991, com essa situação em que suas informações pessoais são coletadas em bancos de dados, não tanto por empregadores, bancos ou empresas de marketing, mas sim, pelos governos e empresas de crédito e seguro. Para Foucault, esse procedimento de coleta e classificação recebe a denominação de “normalização da população”9.

As transações econômicas entram automaticamente nos bancos de dados, e o fazem com a concordância do cliente. Exemplo disso é a operação de compra e venda por cartão de crédito. O consumidor realiza um ato “privado” ao optar pela compra, mas este ato se torna um registro público ao efetuar a transação. Assim, a vigilância de sua escolha pessoal se torna uma realidade discursiva, e o observado fornece a informação necessária para o observador.

No superpanóptico, a vigilância se efetiva quando o ato do indivíduo é comunicado pela linha telefônica ao banco de dados computadorizado, com apenas um mínimo de dados tendo sido inserido pelo vendedor, tornando-se, assim, desnecessários o edifício meticuloso, os aparatos administrativos complexos, e a organização burocrática. Uma operação gigante e suave é efetivada, e a vigilância é disfarçada na participação voluntária do consumidor. O grande diferencial entre o panóptico e o superpanóptico é que, enquanto o primeiro se utiliza de toda essa complexa gama de fatores acima descrito para se tornar funcional, o segundo efetua seu trabalho quase sem esforço10. A rede tecnológica que propicia seu funcionamento são extremidades do superpanóptico, transformando os atos privados em discurso de vigilância.

Os indivíduos são plugados nos circuitos do controle panóptico, escarnecendo de qualquer teoria que venha a descrever a ação como algo embasado pela autonomia racional. O sujeito individual é interpelado pelo superpanóptico através da tecnologia e do discurso de bancos de dados, os quais têm muito pouco, se não nada, a ver com as “modernas” concepções da autonomia racional. A perfeita máquina de escrita do superpanóptico descentraliza o sujeito de sua unidade determinada ideologicamente.

Um banco de dados de um lojista possui campos nos quais se grava cada compra que um indivíduo realiza durante o curso de um determinado tempo, o que resulta na criação de um relato de seus hábitos de consumo, instantaneamente acessível e de referências cruzadas com outras informações tais como os domicílios dos indivíduos, e provavelmente em referência cruzada com outros bancos de dados onde estão armazenadas suas senhas baseadas em itens tais como um número de registro na previdência social ou número da licença de motorista. Efetivamente, tais listas eletrônicas se tornam identidades sociais adicionais de como cada indivíduo é constituído pelo computador, dependendo do banco de dados em questão, como um agente social.

O banco de dados é um discurso que inscreve a posição dos sujeitos conforme suas regras de formação11. Esse discurso do banco de dados é uma força cultural operando em um mecanismo da constituição do sujeito que refuta o princípio hegemônico do sujeito como centrado, racional e autônomo. Através do banco de dados, o sujeito foi multiplicado e descentrado, capaz de sofrer ações de computadores em muitas localizações sociais sem a menor consciência pelo indivíduo interessado ainda apenas tão certamente quanto se o indivíduo estivesse presente, de alguma forma, dentro do computador.

Exemplo interessante de banco de dados eletrônico eficaz é o produzido pela empresa de pesquisa de mercado Claritas Corporation, que gera seu próprio sistema de banco de dados, denominado “Compass”, que disponibiliza aos seus clientes12. Esse sistema possui um banco de dados denominado “Prizm”, que funciona como um sistema de construção de identidades. Tal sistema permite a classificação do agrupamento populacional em quarenta categorias, que são ser organizadas em percentagem da população dos EUA, idade, classe social, tamanho da família, entre outras. Consequentemente serão formados agrupamentos que definem o perfil de seus ocupantes. Por exemplo, alguém que seria classificado como “boêmio”, a partir de sua análise comportamental, tem suas características cruzadas com bancos de dados referentes a compras. Então, pode-se definir qual o padrão de consumo dessa pessoa, sua percentagem em relação à população do país, bem como todos os endereços dessas pessoas.

Nas situações de interpelação ocorridas nos bancos de dados o indivíduo é constituído na ausência, sendo próxima da escrita, com o leitor-sujeito sendo interpelado por um autor ausente: a interpelação pelo banco de dados combina de maneira complexa os fatores dissimuladores inconsciência, falta de direção, automação e mentalidade ausente tanto por parte do organizador do banco de dados quanto por parte do sujeito individual que o constitui13.

3. As transformações do contrato e a necessidade de uma análise diferenciada

A constatação de dois modos errôneos de análise da hodierna configuração do contrato (a primeira nega a nova realidade, continuando a seguir os dogmas oitocentistas; e a segunda, desnatura a atual conformação, bem como seus resultados no que tange a autonomia da vontade – declarando, inclusive, a “decadência do indivíduo”) torna necessário distinguir os vários fenômenos concorrentes no delineamento da imagem atual do contrato14.

A primeira ordem de fenômenos se refere à tendência à objetivação do contrato, verificada com a ascensão do caráter economicista massificado da sociedade, que reduz a importância da vontade do indivíduo no momento da formação da relação em prol da celeridade, da segurança e da estabilidade das contratações (e, por conseguinte, das transferências de riquezas) – fenômeno também reconhecível como sendo da passagem da teoria da vontade (em que imperam os elementos psicológicos interiores do indivíduo, subjetivos) à teoria da declaração (que destaca a importância dos aspectos exteriorizados, socialmente reconhecíveis, objetivos da contratação)15.

Nota-se que esta passagem corresponde diretamente à transição de uma sociedade individualista e pouco dinâmica (século XIX) a outra em que a economia exige o dinamismo – demonstrando que o contrato se transforma para se adequar ao tipo de organização econômica prevalecente em cada época; mas é notável também que o que ocorreu não foi o declínio da autonomia da vontade, mas sim, a erosão do papel da vontade em sentido psicológico, sem que isto significasse a derrocada da liberdade econômica dos operadores16.

Apesar de não ter ocorrido o fim da liberdade de contratar, é crescente a restrição da liberdade contratual no desenvolvimento histórico da noção de contrato – sendo a segunda ordem de fenômenos observável em tal espaço temporal referida a tal restrição17. Paralelamente à massificação, o caráter estandardizado-adesivo dos contratos vai se conformando, bem como dos títulos de crédito que os garantem – resultado reflexo da estandardização dos processos produtivos, que ocorre também em concomitância a esse processo, fenômeno que exige a redução dos custos de contratação (mormente relacionados ao tempo de formação das relações contratuais), a racionalização das execuções dos contratos e a economicização da atuação empresarial, fatores que são incompatíveis com a multiplicidade de opções e conformações que a teoria do contrato como fusão de vontades psicológicas proporcionava.

Acrescente-se, contudo, que à restrição da liberdade de contratar de uma parte na relação (contraente) corresponde um alargamento da liberdade da outra (proponente), visto que o desenvolvimento do capitalismo proporcionou o aumento do poder socioeconômico deste sobre aquele – o que deriva diretamente da necessidade de uniformidade e homogeneização oriundas da disciplina das empresas da Revolução Industrial sobre a miríade de trabalhadores cuja força de trabalho exploravam18.

Buscando remediar essa disparidade de forças entre contratantes débeis e contratados fortalecidos, o Estado intervém – legislativamente, na maioria das vezes – sobrepondo-se à autonomia privada que expõe os contraentes fracos à força socioeconômica das empresas predisponentes através de prescrições juridicamente vinculantes em defesa daqueles19. É o que se observa, na legislação brasileira, com a inclusão de artigos defensores da preponderância da ética e da função social dos contratos no Código Civil de 2002 – reflexo do fenômeno da constitucionalização do Direito Privado, além da promulgação de um Código de Defesa do Consumidor defensor dos direitos dos hipossuficientes.

Assim, pode-se concluir, provisoriamente, no tocante à nova conformação do contrato, que não ocorreu o seu declínio simplesmente – apenas assumiu um delineamento diferente daquele imperante no século XIX. Seus usos são outros atualmente, sendo que sua historicidade demonstra não haver uma “essência” do contrato, mas sim uma variedade de formas históricas e transformações concretas no tocante ao seu instrumental.

4. A função social do direito contratual no Código Civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica

A antiga configuração contratual fundamentada nos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos é estranha à realidade moldada pelo Estado Democrático de Direito – realidade esta em que o ordenamento jurídico se demonstra preocupado com o respeito aos direitos fundamentais do homem, em busca de um contrato justo e equilibrado20. Em virtude disso, tem havido crescente relativização dos efeitos dos contratos, fazendo com que se flexibilizem e abram a readequações, afastando-se assim da antiga ideia de rigidez.

O fator decisivo para a criação de novos paradigmas ao princípio da autonomia da vontade pode ser encontrado no surgimento dos contratos de massa, resultado da expansão do capitalismo, redundando na maximização do consumo e na decorrente necessidade de implantação dos contratos de adesão21. Nessa nova realidade não mais se podia ter como liame do contrato o princípio da autonomia da vontade, tornando necessária a reconstrução da idéia de contrato a partir dos valores constitucionais que repersonalizaram os institutos jurídicos privados. A Carta Política de 1988, cuja espinha dorsal se configura na dignidade da pessoa humana, trouxe consigo as noções de função social do contrato e de boa-fé objetiva. Também o Código de Defesa do Consumidor (1990) e o Código Civil de 2002 (em reflexo à Constituição) subordinaram o contrato a esses princípios.

Tem-se que junto com esses dois princípios maiores da renovação da ideia de contrato emergem os princípios da vedação do comportamento contraditório, da cláusula de exceção do contrato não cumprido, do equilíbrio econômico do contrato, da relatividade dos efeitos do contrato e da possibilidade de revisão contratual (teoria da imprevisão)22 .

Ademais, tais princípios não influenciaram apenas a esfera dos contratos, mas também a da responsabilidade civil – eis que aquele que desrespeita os princípios fundamentais do negócio jurídico se queda obrigado a reparar os danos cometidos em decorrência de tal conduta (responsabilidade contratual).

Contudo, há quem pregue uma visão diferente, execrando a constitucionalização do Direito Privado e pregando uma interpretação exclusivamente economicista do contrato. Para quem se posiciona dessa forma, o artigo 421 do Código Civil brasileiro de 2002 teria inserido no ordenamento a limitação da liberdade de contratar pela função social do contrato e, consequentemente, dois paradigmas conflitantes acerca da função social dos contratos23: um deles, paternalista (que identifica a função social dos contratos com o equilíbrio dos poderes econômico e fático entre as partes); o outro, de direito e economia (que se vale da noção individualista e economicista do papel do contrato na sociedade).

O paradigma paternalista diz respeito ao Estado Social, à justiça social, à publicização (ou constitucionalização) do Direito Privado, à limitação ao princípio da liberdade contratual, à garantia de predominância dos direitos coletivos (sociais) sobre os individuais no âmbito dos contratos, entre outras características similares. Isso porque as enormes desigualdades sociais refletiriam nos acordos privados, tornando-se necessária a regulação da distribuição de riquezas realizada por um agente externo aos entes díspares contratantes24. Segundo tal modelo (de inspiração marxista, social-cristã, coletivista e solidária), o contrato não seria o resultado da vontade das partes, mas sim um fato social orgânico, bem como a coesão do tecido social nas situações de complexidade e diferenças acentuadas entre indivíduos de uma comunidade.

É também característica do modelo paternalista a colisão entre o contrato (ato de solidariedade) e o mercado (espaço público anárquico, onde impera a sobrevivência do mais forte), interpretação errônea, que desvela uma pressuposição de diferenciação extreme entre ambos os polos colidentes25. Assim, a função social dos contratos se faria valer pela intervenção estatal legislativa e judicial quando do desequilíbrio das relações contratuais entre os sujeitos.

O segundo paradigma, de perspectiva de direito e economia, por sua vez, conforma-se em torno da ideia de que o contrato, como fato, não seria uma ligação de solidariedade entre os indivíduos em sociedade, mas sim, uma transação econômica (de mercado) em que cada contratante se comporta acorde às suas próprias estratégias individualistas26. Segundo tal modelo, o mercado e a sociedade não são esferas diferenciadas, mas contíguas, comuns. Destarte, a tutela estatal do contrato, em casos específicos, causaria prejuízos aos hipossuficientes vistos de forma coletiva, eis que as quebras de cadeia resultante de inadimplementos contratuais (judicialmente endossados) causam perdas à coletividade, a qual é dependente de recursos captados no mercado.

Tal visão não desconsidera a importância dos interesses coletivos; reconhece que deve haver o controle social do Estado – porém, este se daria no mercado e na sociedade como um todo, não nos casos individualizados de contrato27. Assim, a principal função social do direito contratual seria possibilitar a ocorrência das contratações para a circulação da riqueza – eis que em sociedades modernas, sendo impessoais os vínculos (para além das relações familiares e de amizade), o contrato é o meio mais adequado de relacionamento econômico; sendo assim, o direito contratual deveria servir para proteger o cumprimento dos contratos, segundo tal paradigma.

Porém, a visão do contrato apenas como instrumento para realizar a circulação de riquezas seria operacionalizável apenas em uma sociedade na qual a paridade de forças entre os contratantes – a qual se traduziria em equilíbrio de poder de informação, poder político e econômico – retratasse a realidade. A realidade trazida pela globalização, que se demonstra ainda mais cruel em sociedades como a brasileira, em que o fosso entre a (pequena) parcela da população que detém a maior parte da riqueza e a (enorme, crescente) parcela que sofre apenas das agruras das diferenças sociais não permite que um pensamento meramente economicista prepondere. Seria uma visão jurídica que considera apenas quimeras trazidas pelos interesses dos grandes detentores do poder econômico, e não do mundo da vida.

O desenvolvimento histórico do mercado, em suas mais variadas etapas e formas, evidencia a progressiva necessidade de direção ética e jurídica da vida econômica28. O mercado (muitas vezes sinônimo de liberdade, outras de competição) invadiu todas as esferas da vida em sociedade, que é tida como livre apenas quando garante ampla autonomia individual na vida econômica – ou seja, que se caracteriza pela liberdade do laissez faire.

Essa liberdade desenfreada se traduz em luta, conflito, capaz de obliterar o acontecer ético pelo egoísmo, fazendo com que a dignidade pessoal seja relegada a simples valor de troca. Com isso, tem-se que o mercado é uma forma de enfraquecimento das relações sociais, pois tal competição econômica invade (e subjuga) também a política, sendo o mercado a arena onde são institucionalmente organizadas as relações sociais e distribuídas as riquezas, causando a desregulamentação na arena política (sendo que a liberdade que o mercado pressupõe exige um Estado cada vez menor).

É em razão desse fenômeno que as constituições dirigentes surgem para dar regulamentação ética também no plano jurídico, de forma que o Estado possa vir a intervir, normatizar e administrar a economia com poderes bem definidos (a fim de que não invada a seara dos direitos fundamentais)29. A história demonstra que a sociedade não pode ser reduzida ao mercado, cabendo à religião ou ao Direito a regulamentação e a legitimação, não se podendo relegar a vida apenas à persecução da riqueza. O mercado é um instituição não apenas econômica, mas também jurídica, pois a lei o legitima através dos processos políticos de escolha e legislação. Com isso, o mercado se demonstra não como um lugar natural, mas como um artifício, condicionado pelo contexto histórico-normativo em que está inserido30.

O Direito deve conservar a solidariedade das relações sociais advindas da economia, mas também deve estar pronto a se contrapor à mercantilização da sociedade. Para isso, deve ter meios para que não haja a exaustão dos direitos humanos apenas àqueles ligados à atividade econômica, devendo possuir uma justificação humana, solidária e social para seu ordenamento e função31.

É patente a necessidade da regulação corretiva (representada pela redistribuição e solidariedade social) pela lei em razão do domínio que o mercado exerce na atual sociedade. A livre concorrência e o abuso das posições dominantes facilitam a incorrência no risco de vitória dos economicamente mais fortes no mercado; ademais, é necessário que se pratique um pragmatismo no Direito que venha a fortalecer os interesses públicos mediante a aplicação da lei e dos princípios constitucionais.

A manipulação da publicidade e das tecnologias de informação permite que os ocupantes de posições economicamente privilegiadas abusem de seu poderio econômico e ideológico a fim de estimularem o consumismo desenfreado – gerando, de forma deletéria, o acúmulo de dívidas. Ademais, a especulação desacompanhada da produção (fenômeno tão corriqueiro há décadas) faz com que o Estado precise intervir na economia de forma a exigir posturas mais responsáveis.

Em razão disso, a análise econômica do direito evidencia seu próprio desgaste, pois negligencia a igualdade distributiva, além de não considerar que o direito, quando busca promover algo, produz novos valores sobre os quais proferir julgamentos (e não apenas espelha situações já existentes)32. Para além das motivações inspiradas no lucro, as relações humanas (inclusive no que concerne à economia e ao mercado, pois este, em última instância, é feito por pessoas e para as pessoas) precisam ser motivadas por razões que vão para além das egoísticas e patrimoniais, o que leva necessariamente à formação de uma nova ética de negócios propulsionada por razões mais complexas do que a simples e linear maximização do lucro.

5. A operação econômica na teoria do contrato

A atual crise contratual poderia ser dividida em dois momentos históricos importantes: no primeiro (fins da década de 1980), o movimento de força centrífuga (fuga em relação à disciplina unitarista abstrata do contrato) em que o legislador passa a intervir na figura contratual mediante leis orgânicas – ocorrendo, assim, a perda da relevância, na disciplina do Direito Contratual, entre a Parte Geral e a Parte Especial, visto que a primeira não é mais possível de se compreender unitariamente, dada a multiplicidade de figuras contratatuais (empresariais, consumeristas, privados, entre nacionais, internacionais); no segundo (a partir da década de 1990), o Direito do Consumidor vem a colaborar com um “novo paradigma contratual”, em que erodem velhas ideias acerca do contrato como mero instrumento de circulação de riqueza e fonte de obrigações em prol de uma nova configuração, na qual o contrato deve passar a ser analisado segundo os prismas da complexidade, relacionando-o à concretização formal da operação econômica33.

A causa do contrato deixa de ser analisada em sua função econômico-social em prol da sua função econômico-individual, e novos elementos, como a análise da licitude do avençado sob a perspectiva do real interesse das partes, a presença de evento superveniente, o recurso ao controle sobre a causa em concreto (sendo esses dois últimos decorrentes da necessidade de distribuição do risco econômico contratual entre os contratantes), assumem relevância34.

A noção de operação econômica como categoria conceitual identifica uma sequência unitária e composta que compreende em si o regulamento, todos os comportamentos que com isso se coligam pela obtenção do resultado pretendido, bem como a situação objetiva na qual o complexo de regras e os outros comportamentos se colocam (pois mesmo tal situação concorre na definição da relevância substancial do ato de autonomia privada)35.

Com isso, a nova disciplina do contrato, ao invés da antiga (na qual se disciplinava o tipo contratual em si), passa a ser a disciplina da atividade econômica que o envolve: a operação econômica como categoria ordenadora revela a problemática não apenas do momento da contratação singular, mas sim, na totalidade de eventos em qualquer das fases: construção da regra, sua execução e o critério de seleção dos interesses relevantes na interpretação do ato de autonomia privada36.

A doutrina mais sensível a tal virada compreensiva busca, assim, não interpretar o contrato apenas como ato singular, mas sim, a partir de uma perspectiva complexa, que considera todas as circunstâncias presentes na situação fática que envolve a contratação37.

Todavia, deve-se entender que contrato e operação econômica são levados em consideração paritariamente; porém, sem se confundirem ou se tornarem sinônimos: o contrato não é uma simples resultante da lei econômica; ele é, na verdade o título jurídico (ou formalização jurídica) sobre o qual a operação econômica é fundada. O contrato é a elevação do acordo de interesses dos privados a fato jurídico, enquanto na ideia de operação econômica há mais do que todos esses interesses. Ou seja, na operação econômica se expressa um acordo global de interesses, sendo que tal noção é um instrumento conceitual metodologicamente útil para: indicar e indagar o fato no plano estrutural particularmente complexo; decompor o plano da relevância; individuar e aplicar um plano de disciplina mais articulado e rico do que o ditado pelo tipo legal singular.

A partir de toda essa situação, tem-se que a regulação legal do contrato passa a ser a tipificação da operação econômica, que pode ser direta ou indiretamente atingida. A primeira ocorre quando o legislador explicitamente se refere a ela, enquanto a segunda, quando o ordenamento não reconhece expressamente a relevância positivada da operação econômica, mas delimita o relevo normativo mediante as técnicas da proteção do contratante hipossuficiente e da proibição do fracionamento contratual (segundo a qual várias contratações entre dois contratantes não devem ser vistas em sua singularidade, mas sim, dentro da contratação universal que representa o conjunto).

6. O “admirável mundo novo” e a teoria da responsabilidade

A busca de respostas à questão acerca da responsabilidade na sociedade tecnocientífica deve combinar a análise de sua situação na legislação positiva com o questionamento ético-filosófico, eis que ambos, tomados de modo isolado, são insuficientes para essa tarefa. Particularmente na realidade brasileira, a legislação atinente à regulação de bancos de dados de consumidores se resume a algumas leis (Código Civil de 2002, Código de Defesa do Consumidor, Lei n. 12.414/2011), mostrando-se insuficiente diante da complexidade revelada pelo atual contexto. Assim, apresenta-se como problema a insuficiência do positivismo jurídico e do direito posto como fonte única para a solução de litígios na área38.

A responsabilidade, por sua vez, constituir-se-á como categoria central do sistema social e jurídico, sendo o parâmetro de previsibilidade e imputação dos atos individuais. Sendo encontrável na multiplicidade dos atos humanos, de três perspectivas é analisada: moral, jurídica e coletiva. Aliás, a vida em sociedade só se tornou possível ao homem mediante a consideração da responsabilidade moral individual, sendo que os atos dos indivíduos, nesse contexto, expressam sua vontade racional e autônoma, permitindo a atribuição de sua responsabilidade moral. A responsabilidade jurídica, por sua vez, possui delineamentos específicos, formulados no âmbito das instituições sociais e no sistema de normas jurídicas39.

Contudo, apesar das especificidades apresentadas, tem-se que ambos os tipos de responsabilidade não podem ser independentemente, mas sim, complementarmente concebidas – concepção esta que só pode ser racionalmente explanável a partir de uma nova teoria da responsabilidade, gerada em virtude dos avanços da ciência40.

A distinção entre ambos os tipos de responsabilidade se observa no desenvolvimento da noção41. Na Grécia antiga se dá a separação entre a teoria da virtude e a teoria do justo, possibilitando a cisão entre ambas (apesar de que, na noção de democracia, ambas permaneceriam complementares). Em Roma surge a noção de responsabilidade como possibilidade individual de convocação por tribunais em decorrência de uma obrigação que pesaria sobre alguém (em decorrência de dívida ou ato livre precedentes). O Cristianismo formula a responsabilidade teologicamente, considerando-a como liame bilateral e de subordinação entre o indivíduo e o Criador, fazendo com que deixe o mero âmbito jurídico do Direito Romano para ocupar lugar na consciência (sendo o desenvolvimento de tal ideia de responsabilidade metaindividual condição de possibilidade da atual busca de fundamentos racionais para respostas adequadas aos questionamentos éticos e jurídicos trazidas pelo progresso técnico-científico; assim, durante o Cristianismo, a dimensão da subjetividade culposa da ação do indivíduo e seu nexo com o legalmente previsto (imputabilidade) passou a ser o critério de identificação de responsabilidade.

O sistema de responsabilidade civil é prolongamento desse sistema moral no qual apenas ao indivíduo é atribuída a ação – e, portanto, a responsabilidade –, sendo o jusnaturalismo a fonte de diversos conceitos utilizados pelo Direito: reflete-se no pacta sunt servanda a questão da moralidade na palavra empenhada42. Também nos filósofos e regras jurídicas medievais se observa a influência da construção do sistema de responsabilidade civil, em que cada indivíduo deveria restituir ou reparar os danos oriundos de sua ação culposa ou dolosa.

Em Kant surge a ideia de responsabilidade subjacente, segundo a qual a responsabilidade será determinada pela imputação de um ato a um indivíduo – o que ocorre quando um sujeito é considerado a causa livre de uma ação43. Contudo, o filósofo não desenvolveu uma possível vinculação entre a ideia de responsabilidade e a de ordem jurídica justa – eis que entendia que a questão da responsabilidade situava-se apenas no interior do indivíduo e das relações intersubjetivas.

O Direito Positivo é insuficiente para solucionar esse problema acerca da responsabilidade humana. Sendo assim, a responsabilidade legal necessita de uma justificativa moral de contexto tecnocientífico, eis que exige um horizonte hermenêutico mais aberto e complexo – ao passo que a positivação do Direito fez com que a responsabilização tenha se quedado separada da moral44.

Em razão disso, Paul Ricoeur busca combinar as ideias de responsabilidade numa ótica não-individualista no quadro do Estado Democrático de Direito, privilegiando as questões suscitadas pelas biotecnologias – sendo delineada uma abordagem original de teoria da justiça45 –, mediante a investigação do significado da ideia de sujeito (basilar do dogmatismo jurídico) no plano da antropologia filosófica, sendo avaliada a lenta evolução da consciência moral do ser humano, a qual inicia nos primórdios da democracia ateniense, com a substituição dos procedimentos de vingança por exigências mais complexas de justiça – e, consequentemente, substituição da culpa grupal pela personalização da responsabilidade (que pressupõe a aceitação do outro e de um sistema de regras pré-definidas) 46.

A responsabilidade (que nasce no campo da filosofia moral) é desenraizada, pelos operadores do Direito, do contexto socioeconômico e político – sendo desenvolvida no campo jurídico em duas fontes: a ideia de reparar o prejuízo (civil) e a obrigação de receber a pretensão punitiva por ato delituoso (penal). Contudo, deve-se analisar que a responsabilidade, fora do universo jurídico, é definida a partir de outros parâmetros, pressupondo questões de ordem filosófica que ultrapassam o cabedal de possibilidades da teoria jurídica (eis que extrapola o Direito).

Assim, Ricoeur47 tenta reformular o conceito jurídico e o conceito moral de responsabilidade frente à realidade socioeconômica e política do final do século XX. Então, expõe que, do ponto de vista jurídico, a responsabilidade perdeu o caráter de punibilidade, passando a se fundamentar no ideal solidário – desenvolvendo-se a responsabilidade objetiva, direcionando-se mais à vítima e ao direito a indenização, dando maior caráter moral à responsabilidade –, a fim de atender muito mais à segurança social.

A insuficiência da teoria jurídica contemporânea acerca da responsabilidade se revela justamente pelo fato de exigir a identificação do agente, frente ao atual contexto de complexidade, no qual muitas vezes a miríade de pequenas ações combinadas gera o dano a alguém (surgindo, assim, a responsabilidade anônima) – sendo minado o nexo causal, mesmo havendo o dano48.

A proposta de Ricoeur para que, nesse contexto, não surja uma “sociedade de vítimas”, onde ninguém é responsabilizado pelos danos, se fundamenta na ideia de prevenção de danos futuros agregada à reparação de danos provocados49. Dessa forma, estende o imperativo categórico kantiano (agir de forma que o ato possa se tornar lei universal) para o futuro, para além das relações intersubjetivas.

Se fosse delineada apenas até aí, a teoria de Ricoeur estaria incompleta. Assim, o autor continua sua argumentação com a premissa de que a vontade do homem é originada no foro íntimo, mas se realiza por atos modificadores de uma existência atual – traduzidos em manifestação de vontade responsável50. O problema moral em relação ao avanço científico exige, assim, a construção de uma nova ética humanista, em que devem subsistir dois tipos de ética: a do bom (preservação) e a do melhor (progresso/aperfeiçoamento coletivo da vida humana)51.

7. Dos Direitos Humanos aos Direitos da Personalidade no Código Civil de 2002

As tecnologias da informação já demonstraram, ao longo de todo o século XX e da primeira década passada do XXI, um imenso potencial benéfico para a humanidade – porém, também demonstraram perigos e tragédias, eis que há muitos usos de tal aparato que ainda não têm consequências satisfatoriamente conhecidas. Ademais, deve ser apontado o perigo que a exploração econômica desenfreada de tais tecnologias apresenta hodiernamente sem qualquer precaução52.

O potencial por elas revelado é, certamente, passível de ser usado para o controle da vida e das potencialidades humanas – surgindo, assim, o biopoder, o qual, para Michel Foucault53, era o exercício do poder estatal (gestão) sobre a vida. Contudo, não mais estará mais a cargo do Estado, pois outros atores (especialmente forças de mercado) emergiram com a globalização. Ademais, outra mudança significativa se revela: a falta de preocupação do poder com os aspectos relacionados à melhoria da vida humana (em especial, a personalidade), mas com o mero avanço tecnológico, com o qual é despendida grande quantidade de recursos financeiros, caracterizando-se, assim, um novo poder, que combina condições de investimento ao domínio da natureza54.

No atual cenário, em que o Estado em crise não mais detém o poder sobre a vida de modo singular, tem-se que o Direito não é mais formado singularmente por leis, mas por normas em que estão insertos os mais diversos interesses (preponderantemente os financeiros) dos novos atores globais55. Combinando-se tal configuração de poder às potencialidades das tecnologias, um clamor aos Direitos Humanos deve ser feito, a fim de que os direitos da personalidade não sejam tolhidos com o uso da tecnologias – pois seus frutos podem ser muito bem utilizados como verdadeiros “espiões” da subjetividade (em suas dimensões física e psíquica). Os Direitos Humanos deverão constituir o pressuposto para legitimar e determinar a continuidade ou não de investigações acerca da vida humana (sendo aí inseridos, também, os hábitos humanos).

O conceito de Direitos Humanos é indispensável para assegurar a mediação entre as exigências da ética pura, que se referem de maneira direta ao horizonte da universalidade, e a efetividade da vida política, (…). Para que possam ser tomadas decisões efetivas em uma base democrática, é preciso que sejam dados, ao mesmo tempo, a força da convicção e o espaço da discussão56.

Diante de tantos aspectos verdadeiramente revolucionários, tem-se que os avanços concernentes às tecnologias de informação não devem ser interrompidos, mas sim, acompanhados de uma normatividade ética que confira ao ser humano liberdade, combinada à preocupação com a própria essência do humano. E, para tal ética, a tradição, nos termos heideggerianos, enriquecida com o conhecimento acerca de todos os benefícios e males que os avanços científicos já trouxeram à humanidade, é fundamental.

O qualificativo positivo da liberdade é que se trata no caso desse estudo. Cada ser humano deverá exercitá-la para ir à busca do desvelamento de todos os fatores – positivos e negativos – que envolvem as tecnologias. Os Direitos Humanos, portanto, a fim de se tornarem efetivos espaços para essa discussão, deverão inspirar as pessoas – homens e mulheres – a manterem-se a si mesmos abertos a esse aspecto. Somente assim o ingrediente humano estará atuando em conjunto com os avanços das investigações científicas. Portanto, o exercício do direito à informação sobre a novidade científica é a condição de possibilidade para o efetivo exercício da liberdade com a expressão do “ser-livre para” a opção, a escolha e a deliberação57.

No que tange aos direitos da personalidade no Código Civil de 2002, é preciso observar, inicialmente, que as novas tecnologias (sejam científicas, sejam de comunicação, sejam quaisquer outras) dotaram cada indivíduo de um potencial lesivo deveras ampliado – o que faz com que não apenas uma nova ética seja exigida, mas também, uma nova abordagem, pelo Direito, atenta à proteção dos direitos da personalidade58.

Tal nova abordagem exige uma técnica legislativa baseada em cláusulas abertas, que possibilitam o acompanhamento, pelo Direito, da escalada evolutiva da ciência e da tecnologia, ao invés de uma regulação rígida para os direitos da personalidade. Isto porque tais direitos têm um conteúdo dialético e “móvel”, que oferece ao operador jurídico a possibilidade de adequar o sentido da norma às mais variadas situações de lesão a tais direitos.

Todavia, o Código Civil de 2002 adotou metodologia oposta, subsuntiva ao invés de ponderativa, eis que, ao invés de adotar parâmetros de ponderação (cláusulas abertas) para os direitos da personalidade, elencou cada um dos direitos da personalidade de forma isolada, típica e abstrata, sendo as soluções estipuladas pré-definidas e estáticas. A título de argumentação, tem-se que o direito à privacidade (artigo 21) é regulamentado de forma colidente em relação à atualidade.

A proteção do direito à inviolabilidade da privacidade se revela quase irreal e desnecessária no Brasil, onde o senso comum absurdo e a vida cotidiana louvam a supressão a tal direito (vide reality shows e casos sobre biografias não-autorizadas de celebridades), confundindo, inclusive, com censura a proteção a tal direito pelo Estado.

Sendo assim, tem-se que apenas a atividade judicial ponderativa sobre os princípios constitucionais atinentes à personalidade e à dignidade humanas frente a outros (interesse econômico, por exemplo) é capaz de fazer com que tal quadro de insuficiência da metodologia civilista seja superado no atual estado de coisas59.

8. Globalização, Direito, Ciência Jurídica

A globalização é, primeiramente, um momento histórico caracterizado pela primazia da economia resultada do capitalismo maduro, em que o mercado ultrapassa barreiras espaciais, movendo-se através de dimensões virtuais, revelando-se, assim, também o primado das novas tecnologias60. Seus atores principais (as corporações transnacionais), assim, provocam a crise do Estado e, consequentemente, do político – demonstrando ser a globalização, também, uma despolitização.

O Direito moderno, por sua vez – cujo ocaso, dentre outros elementos, delineia o Direito atual –, é fundamentado no Estado (conjunto à lei por ele proferida e ao território onde é soberano) e, portanto, na política. Estado burguês de certezas pré-fabricadas, formalíssimo, rigorosíssimo, rígido, isolado da sociedade e da economia, baseado na validade, puro; e que, hodiernamente está em crise.

Sendo a globalização dimensionada também pela crise do Estado, tem-se que o Direito também entra em estado crítico com ela. Ademais, a produção legislativa e jurídica estatal é lenta demais – e, portanto, incompatível com as necessidades fluidas do capitalismo global. Com este estado de coisas, a práxis econômica, passando por cima do monopólio estatal, também passa a criar direito – novo, tutelado não por juízes do Estado, mas por árbitros (juízes privados) escolhidos em razão de sua qualidade e prestígio internacional. Direito Privado produzido por privados – totalmente oposto do jusprivatismo público estatal61.

Direto impuro e sem pretensões de deixar de sê-lo – eis que, abandonando a validade em prol da efetividade, é totalmente influenciado pela economia. É Direito factual, plástico, amoldável ao sabor das necessidades e ao bel prazer dos interesses econômicos62. Por assim ser, é oposto à textualização, à exegética, sendo mais afeito aos princípios (mormente os norteadores do contrato), os quais, sabidamente, são mais encaixáveis à situação de exigência concreta.

9. Uma sociedade pós-humana

Apesar da grande quantidade de promessas e expectativas do porvir que as tecnologias sempre representaram, são já notórios os registros de danos decorrentes do uso indiscriminado de seus frutos – isso sem levar em consideração aqueles dos quais ainda não se tem ciência. Todavia, considerações de ordem ética, mesmo que quase inexistentes, por ora, poderiam melhor controlar o seu desenvolvimento e uso.

As tecnologias de informação representam uma das mais significativas (senão a mais) dentre as recentes revoluções do conhecimento, abrindo um imenso potencial de decisão e poder ao ser humano. Contudo, a realidade não apresenta discursos éticos sólidos, fazendo com que seja necessária não apenas uma regulamentação normativa totalmente nova e eficaz (para que não se dê seu desenvolvimento ao sabor da liberdade mercadológica desenfreada), mas também uma maior efetividade da fiscalização sobre o seu uso, bem como uma consideração ética muito mais responsável em relação aos prováveis efeitos do uso das tecnologias de informação à personalidade humana63.

Observando-se os progressos que a informática já ofereceu à humanidade (seja nas ciências exatas, seja nas humanas), tem-se que há possibilidades de melhoria da vida apenas tecnicamente viáveis. Porém, o dilema moral que se forma é saber se tais possibilidades devem ser disponibilizadas através de leis de mercado sem qualquer controle moral. Aliás, os avanços científicos a virem prometem um provável ser pós-humano, em que a tecnologia teria aberto tantas possibilidades que a própria identidade e subjetividade do ser tido como homem seriam transformadas64.

Ademais, tem-se que, caso seja mantida a atual lógica da produção capitalista (de substituição e sucateamento), o crescimento econômico necessariamente será acompanhado de uma escalada irreversível na degradação do humano. Assim, far-se-ia necessária a substituição de vários paradigmas éticos (como, por exemplo, da propriedade pela locação, e da substituição pela manutenção – o que geraria, aliás, um grande impacto positivo para os empregos, eis que o setor de serviços cresceria vertiginosamente)65.

Diante de tantos discursos hegemônicos baseados numa falsa ideia de liberdade baseada no consumo, tem-se que a percepção ontológica e a retomada da phrónesis como norteadora da ação, combinada, ainda, com a retomada do controle do interesse privado pelo espaço público, é a única possibilidade de fazer com que o devir não seja catastrófico66.

10. Nova ética face à tecnicização extremada da vida

Martin Heidegger fora crítico da tecnicização da vida (e do seu “pensamento calculador”), preocupando-se com a falta de preparação meditativa do ser humano acerca disso – eis que ninguém estava ocupado com o pensamento verdadeiro sobre o fato de que isto significa uma agressão contra a vida e a essência do ser humano67. Entenda-se que o filósofo alemão não considerava a técnica como um mal em si mesmo: torna-se necessário viver com ela, eis que pode trazer benefícios. O problema reside na tecnicização dominadora, carente de cuidado (responsabilidade), que tolhe o conviver independente à técnica.

Seu discípulo Hans Jonas tratou do princípio da responsabilidade, a ser assumida pelo homem diante da heurística do temor (diante da possibilidade da desfiguração). Na nova situação do homem, em que são patentes as intervenções sem precedentes na natureza, inclusive na humana, todos os antigos pressupostos éticos são insuficientes para delimitar a ação humana, sendo necessário, com esse novo estado de coisas, desenvolver uma nova ética, em que a responsabilidade do homem sobre toda a vida e sobre o futuro (próximo e distante) da sua própria espécie seja o fundamento – sendo feita uma releitura sobre o imperativo categórico kantiano: “Obra de tal modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica sobre a terra”68.

O desenvolvimento de uma nova concepção hermenêutica do problema da personalidade (consequente da dignidade) faria com que uma nova subjetividade fosse produzida, orientada mais para uma ressingularização (individual e coletiva) do que para a mera reprodução dos standards mass mediáticos. Seria a produção da existência humana em novos contextos históricos, sendo reinventada a práxis humana nos mais variados domínios, de forma coletiva e inovadora. Em suma: seria a reinvenção do agir ético, em resposta ao agir meramente tecnocientífico69.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços sem precedentes da tecnologia – e, em especial, para o que o presente texto se propôs, a tecnologia de informação – aliados às capacidades enormes das empresas dominantes do mercado faz com que a vida humana seja capturada, esquadrinhada e traduzida para o idioma dos interesses do mercado, de forma a desrespeitar a ética, tornando o homem mero meio para a captação de recursos econômicos mediante o consumo. E é tristemente irônico que seja justamente o paradigma panóptico, surgido para a disciplina nas prisões, aquele de que se vale (em outra profundidade, intensidade e conformação) a vigilância operada sobre a vida humana a fim de captar o comportamento do consumidor.

O Direito, se é verdade que tem como objetivo a regulação social – e, após o advento da Constituição de 1988, apelidada de “cidadã”, tenha como objetivo no Brasil a criação de condições para que seja possível o exercício da cidadania, entendida, também, como o respeito à dignidade da pessoa humana –, precisa, no mínimo, regular preventiva e repressivamente as relações que tenham como polo e liame o humano de forma ética, eis que corre-se grande risco de fazer com que o fim de toda ação humana seja desviado do próprio bem do homem.

Dessa forma, não se pode deixar que o contrato seja interpretado juridicamente apenas à luz da economia de mercado que pretenda apenas a realização linear ascendente da maximização do lucro, às custas até mesmo da desumanização do humano. A vida é muito mais complexa do que o acúmulo, eis que ética pressupõe equilíbrio, distribuição justa de riquezas, felicidade embasada no exercício da virtude.

Assim, deve-se conter o uso indiscriminado dos dados concernentes à identidade, às personalidades, com base em um pretenso “exercício da autonomia da vontade”. A própria dogmática jurídica brasileira (lei, doutrina e jurisprudência) já estão apresentando mudanças relacionadas a isso. Contudo, isso não é suficiente: deve-se incutir nas mentalidades dos julgadores e dos criadores das políticas nacionais, de forma consciente (e não manipuladora), a necessidade de vivência embasada numa ética complexa, que tenha na solidariedade para com o humano seu cerne.

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1 Professor da Escola Superior de Administração, Direito e Economia (ESADE Laureate Universities) de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Especialista em Direito Ambiental e Mestre em Desenvolvimento pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ/RS). Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS). Advogado. Autor da obra O Brasil e Seus Três Grandes Ciclos de Formação até a Constituição de 1988: Um Mapeamento dos Problemas que Dificultaram Historicamente o Desenvolvimento do País (Curitiba: Editora Honoris Causa, 2011). E-mail: mateus.fornasier@gmail.com.

2 LYON, David. Surveillance, Power, and everyday life. In: MANSELL, Robin. AVGEROU, Chrisanthi. QUAH, Danny. SILVERSTONE, Roger. The Oxford Handbook of Information and Communication Technologies. Oxford: Oxford University Press, 2007, p.448-467.

3 Idem, ibidem.

4 POSTER, Mark. Database as discourse, or electronic interpellations. In: HEELAS, Paul; LASH, Scott; MORRIS, Paul (Orgs.). Detraditionalization. Oxford: Blackwell, 1991.

5 Idem, ibidem.

6 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 33 ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

7 POSTER, 1991, op. cit.

8 Idem, ibidem, p. 284.

9 Idem, ibidem, p. 284.

10 Idem, ibidem.

11 Idem, ibidem.

12 Idem, ibidem.

13 Idem, ibidem.

14 ROPPO, Enzo. As transformações do Contrato na Sociedade Contemporânea: “Declínio”ou “relançamento” do instrumento contratual? In O Contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009.

15 Idem, ibidem.

16 Idem, ibidem.

17 Idem, ibidem.

18 Idem, ibidem.

19 Idem, ibidem.

20 MEDINA, José Miguel Garcia. MESQUITA, Renata Paccola. A responsabilidade contratual sob os princípios da nova teoria do contrato. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 896, p. 35-60, junho 2010.

21 Idem, ibidem.

22 Idem, ibidem.

23 TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no Código Civil Brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & Economia. 2ª Ed. Ver. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 63-96.

24 Idem, ibidem.

25 Idem, ibidem.

26 Idem, ibidem.

27 Idem, ibidem.

28 PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na legalidade constitucional. Tradução: Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

29 Idem, ibidem.

30 Idem, ibidem.

31 Idem, ibidem.

32 Idem, ibidem.

33 GABRIELLI, Enrico. L’operazione econômica nella teoria del contratto. In Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. Milano: Giuffrè Editore, v. 63, n. 3, p. 905-39, set. 2009.

34 Idem, ibidem.

35 Idem, ibidem.

36 Idem, ibidem.

37 Idem, ibidem.

38 BARRETTO, Vicente de Paulo. O “admirável mundo novo” e a teoria da responsabilidade. IN: TEPEDINO, Gustavo e FACHIN, Luiz Edson (Coords.). O Direito e o Tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 995-1.018.

39 Idem, ibidem.

40 Idem, ibidem.

41 Idem, ibidem.

42 Idem, ibidem.

43 Idem, ibidem.

44 Idem, ibidem.

45 RICOEUR, Paul. Le Juste. Paris: Éditions Esprit, 1995.

46 Idem, ibidem.

47 Idem, ibidem.

48 BARRETTO, 2008, op. cit.

49 RICOEUR, 1995, op. cit.

50 Idem, ibidem.

51 BARRETTO, 2008, op. cit.

52 ENGELMANN, Wilson. O biopoder e as nanotecnologias: dos Direitos Humanos aos Direitos da Personalidade no Código Civil de 2002. IN: Anais do XI Simpósio Internacional do IHU: O (des)governo biopolítico da vida humana. Disponível em: www.ihu.unisinos.br

53 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. 11. ed. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: GRAAL, 1993.

54 ENGELMANN, op. cit.

55 Idem, ibidem.

56 DELMAS-MARTY, Mireille. Três Desafios para um Direito Mundial. Tradução e posfácio de Fauzi

Hassan Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 285.

57 ENGELMANN, op. cit.

58 SCHREIBER, Anderson. Os Direitos da Personalidade e o Código Civil de 2002. IN TEPEDINO, Gustavo e FACHIN, Edson (Org.). Diálogos sobre Direito Civil. Volume II. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 231 a 264.

59 Idem, ibidem.

60 GROSSI, Paolo. O Direito entre o poder e o ordenamento. Trad. Arno Dal Ri Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

61 Idem, ibidem.

62 Idem, ibidem.

63 DUPAS, Gilberto. Uma sociedade pós-humana? Possibilidades e riscos da nanotecnologia. IN NEUTZLING, Inácio. ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de (Orgs.). Uma sociedade pós-humana: Possibilidades e limites das nanotecnologias. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2009, p. 57-85.

64 Idem, ibidem.

65 ENGELMANN, op. cit.

66 DUPAS, 2009, op. cit.

67 VILLARROEL, Raúl. La naturaleza como texto: Hermenéutica y crisis medioambiental. Santiago de Chile: Editorial Universitaria, 2006.

68 Idem, ibidem.

69 Idem, ibidem.

Mateus de Oliveira Fornasier

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