Direito Ambiental: o direito ao desenvolvimento e a crise democrática no Estado Globalizado

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Carlos Alberto Resende1

 

Resumo: A globalização econômica, associada à formação de blocos econômicos promove uma quebra à ideia de soberania dos Estados e fortalece o Capitalismo agressivo causando lesão aos direitos econômicos dos Estados periféricos, o que agrava os problemas ambientais. Por isso, mister o estudo das medidas internacionais e comunitárias visando o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental.

Palavras-chave: Estado. Soberania. Globalização. Constituição. Meio ambiente. Blocos econômicos. Desenvolvimento.

Abstract: The economic globalisation associated with formation of economic blocks promotes the breaking of the idea of the State’s sovereignty and strengthens the aggressive capitalism. Such process damages the economic rights of the peripheral States, fact that aggravates environmental problems. Therefore, it is necessary to study international and communitarian measures, bearing in mind the environmental development and sustainability.

Key-words: State. Sovereignty. Globalisation. Constitution. Environment. Economic blocks. Development.

 

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é realizar um estudo sobre alguns reflexos jurídico-políticos da consolidação dos blocos econômicos no contexto atual, especialmente quanto à perda de soberania dos Estados e o risco de consequente retrocesso democrático e dificuldade de garantia do Direito ao Desenvolvimento dos povos e nações, dentro da seara do Direito Ambiental.

A discussão se torna importante já que percebe-se que em virtude da modificação do conceito de soberania dos Estados-nação frente às instituições inter e transnacionais, as quais lhes impõem o dever de unificação legislativa, sob risco de exclusão dos assuntos salutares, como a tutela ambiental e sustentabilidade, em virtude de meras negociações econômicas.

Visa-se verificar, além disso, as pretensões do movimento em prol de uma legislação única e universal, que possa traçar os aspectos básicos dos direitos fundamentais e instituições comuns, mas por conseguinte, o risco de esvaziamento dos debates populares na sua consagração, podendo gerar à chamada crise de legitimidade do Direito.

Este artigo adota a pesquisa teórica para sua confecção propiciando alcançar conclusões por meio dos métodos dedutivo e indutivo. Tal pesquisa enseja, assim, a utilização das técnicas metodológicas da análise textual, com o estudo doutrinário e literário, bem como histórica, com a devida abordagem nas referências pesquisadas.

Para tanto, o texto é organizado em tópicos, cuja disposição se dá da seguinte maneira: primeiramente, é realizado um breve histórico sobre o Estado, analisando de suas acepções mais primitivas. Em seguida, analisa-se as origens históricas da soberania, seus elementos constitutivos, sua formulação nos Estados modernos, bem como sua reverência à atual configuração dos Estados, organizados por meio de comunidades econômicas e outras entidades internacionais não-estatais.

Consequentemente, no terceiro capítulo, mister se fará o estudo do fenômeno da Globalização, seus efeitos sobre o mercado, a política e, notadamente, sobre o Direito, especialmente no que tange à necessidade de unificação legislativa, formação de novos institutos e à grande ingerência de instituições econômicas nas políticas que tradicionalmente eram coordenadas pelo Estado.

No quarto capítulo será abordada a questão das medidas internacionais de proteção ao meio ambiente, fazendo um estudo sobre os encontros de Estocolmo e Rio, bem como o relatório Brundtland, especialmente suas contribuições e inovações ao tema.

Por derradeiro, a última parte tratará da direito ao desenvolvimento dos Estados pobres e o grave risco de prejuízo que pode surgir com a unificação legislativa trazida pelos blocos econômicos e pelas forças que advém do Mercado em detrimento das discussões democráticas.

 

1. BREVE VISÃO HISTÓRICA DO ESTADO

Segundo a visão de Durkheim, na aurora da humanidade, os homens eram nômades e para se abrigarem contra o clima e as feras, escondiam-se no interior das cavernas. O líder, geralmente o mais forte e valente, sentava-se fora dela e ficava vigiando sua tribo dos perigos (Apud COTTERRELL, 1999, p. 154). Colocava-se de costas, alheio aos anseios dos seus, como é peculiar em um regime em que a participação popular pouco importa.

Naquelas sociedades primitivas, os costumes pautavam as regras de convivências. A palavra dada, a reiteração dos comportamentos e a vontade do líder se sobrepunham aos interesses coletivos. Tratava-se, pois, de um sistema de baixa complexidade, muito distante daquele percebido atualmente, forjado na complexa organização estatal.

Desta feita, o embrião do Estado se origina, inicialmente, em sua feição mais remota, como reflexo desta sociedade primária. Nos ensinamentos de Jellinek, o Estado antigo apresentava as seguintes características: a) geralmente, o governo era centralizado e unipessoal. O governante era tido como um representante do poder divino, assumindo-se, por si só a divindade, em certos casos; b) O desejo do governante coincidia com a vontade da divindade, dando-se ao Estado um caráter de objeto, submetido a um poder estranho e superior a ele; c) em outras hipóteses, o poder do governante era limitado pela vontade da divindade, cujo veículo, porém, era um órgão especial: os sacerdotes; d) havia uma convivência de dois poderes, um humano e um divino, variando a influência deste, segundo circunstâncias de tempo e lugar (JELLINEK, 1954, p. 219).

É importante salientar, outrossim, que a palavra “Estado” é oriunda de stato, particípio do verbo stare, conceito que começou a adquirir corpo a partir do século XIII, com a expansão urbana e comercial da Europa, cujos primórdios remonta à Europa medieval. Na sua acepção originária visava designar uma “organização estável”, um padrão específico de ordenarnento político que; desenvolveu-se com os conflitos da Igreja, baronato e susaranato em torno da unificação de estruturas de poder territorialmente fragmentadas e da aplicação de regras de direito válidas para a população (FARIA, 2004, p. 17).

Como será estudado no capítulo seguinte, o Estado teve suas feições delineadas após o Tratado de Vestfália, de 1648, que restabeleceu a paz na Europa consagrando o modelo da soberania externa absoluta e abriu caminho para uma ordem internacional protagonizada por nações com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas; e, por fim, acabou ganhando seus contornos institucionais, jurídicos e burocráticos mais precisos no decorrer do século XIX.

Por sua vez, Steinmetz traça de forma sintética uma análise histórica dos Estados que surgem após a delimitação do conceito, como é visto nos dias de hoje. Para ele, o Estado Absolutista moderno (summa potestas) tinha no centro a pessoa do Monarca e cuja vontade era soberana e representava os fins do Estado. Por outro lado, o Estado Liberal, fruto das Grandes Revoluções (Inglesa, Americana e Francesa) é caracterizado pelo afã da limitação jurídica do agir do Estado frente ao indivíduo (STEINMETZ, 2004, p. 69).

Destarte, o modelo liberal fez nascer um regime típico da época: o Estado Legiferante. Para Schmitt, esta pessoa configura-se em um determinado tipo de ente político que tem por característica ver a suprema e decisiva expressão da vontade comum residir em normatizações que aspiram a ser Direito. Trata-se, assim, de uma pessoa ordenada com conteúdo mensurável e determinável, caracterizado como impessoal e, por esta razão, geral, bem como predeterminado e, assim, concebido, tendo por fim a uma duração permanente. Em tal Estado, lei e aplicação da lei, legislador e aplicação da lei existem separados entre si (SCHMITT, 2007, p. 2).

É salutar ressaltar, como o fez Zagrebelsky, um dos aspectos do Estado Liberal de direito indicados remete à primazia da lei frente à administração, a jurisdição dos cidadãos. O Estado Liberal de Direito tinha um viés legislativo que se afirmara a si mesmo através do princípio da legalidade, o qual se traduz na ideia da lei como ultima ratio política, não lhe sendo oponível nenhum direito preponderante, em nome de uma “razão de estado” (ZAGREBELSKY, 2009, p. 22).

O Estado de Direito se exterioriza, como uma face histórica importante, um dos requisitos essenciais das concepções constitucionais liberais. Não obstante, estivesse adstrito ao Poder Estatal já que ele determinava caminhos e limites de sua ação, assim como os padrões de liberdade dos cidadãos, conforme o Direito. Por isso, que o Estado de Direito fora pretexto para que Estados totalitários se instalassem em quase todo o mundo e arbitrariedades e massacres fossem realizados sob o argumento de cumprimento puro da lei. Destarte, era carente de conteúdo, razão pela qual a necessidade da consagração de um modelo substituto: o Estado Constitucional.

Desta maneira, o Estado Constitucional Democrático é, para Kriele, aquele que consegue resolver problemas como: paz interna (fruto da modernidade, contra as guerras civis), liberdade (que se opõe ao terror confessional e espiritual) e equidade (que rebate a escravidão e suas variáveis) (KRIELE, 2009, p. 20).

Acrescenta-se, ainda, ao modelo garantista do Estado constitucional de direito o fato de desenvolver-se como sistema hierarquizado de normas que condiciona a validade das normas inferiores à coerência com as normas superiores e com os princípios axiológicos nelas estabelecidos e tendo validade seja qual for o ordenamento (FERRAJOLLI, 2OO2, p. 29).

Todavia, este modelo estatal foi colocado em xeque frente à criação de uma nova organização, ainda em formação e delimitação: os blocos econômicos e comunidades de Estados. Estes subvertem à ordem estatal, seus elementos, fazendo com que a visão geral do Estado, atualmente, passe por uma profunda renovação de numerosas concepções jurídicas que, hoje, operam na prática, sobretudo a de soberania.

 

 

2. NOÇÃO CLÁSSICA DE SOBERANIA, ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A FORMAÇÃO DE BLOCOS ECONÔMICOS

O tema da soberania, ainda que decorrente da Modernidade é, ainda hoje, causador de celeumas. Isto porque, independente da sua consagração na “Paz de Vestflália” (GIDDENS, 2001, 295), seu conceito é, ao mesmo tempo jurídico quanto político, e fornece simultaneamente um princípio organizado para o que seja “interno” aos Estados e o “externo” a eles. Pressupõe um sistema de governo que seja universal e obrigatório em relação à cidadania de um território específico, mas do qual todos aqueles que não são cidadãos são excluídos.

Importante ressaltar que foi Bodin, na sua célebre obra “Os seis livros da República”, quem delimitou a ideia de soberania (souveraineté), permitindo que fosse atribuído um poder absoluto e perpétuo ao Rei, estando este vinculado unicamente à lei natural. Por este motivo que o monarca, dotado de vitaliciedade, poderia renunciar ao poder, transmitindo a quem bem entendesse tais prerrogativas. O Rei só prestava contas à divindade, e a mais ninguém (apud FRIED, 1989, p. 332).

Mas esta visão absolutista de soberania há muito foi ultrapassada. Em um Estado soberano, de caráter democrático, esclarece Giddens, a autoridade estatal é a mediação suprema legisladora e executora da lei, estas sendo unificadas. Os governos representam essa autoridade soberana como “delegados”, e isso é uma fonte das tendências em direção à poliarquia nos Estados modernos (GIDDENS, 2001, p. 295).

Além disso, a relação entre a noção clássica soberania e a igualdade de princípios dos Estados é muito mais próxima do que muitas vezes se supõe. Um Estado não pode se tornar soberano exceto dentro de um sistema de outros Estados soberanos, tendo sua soberania reconhecida por eles.

Os seguintes aspectos podem ser apontados como os mais ilustradores — de fato, definidores que se entende por soberania. Soberano é o Estado cuja organização política tem a potencialidade, dentro de um território ou territórios delimitados, de produzir leis e efetivamente sancionar a sua manutenção; exercer um monopólio sobre o controle dos meios de violência; controlar políticas básicas relacionadas à política interna ou à forma administrativa de governo; e o acesso aos frutos de uma economia nacional que sejam a base de sua receita (GIDDENS, 2001, p. 296).

Destarte e para um grande número de autores, a soberania é um atributo essencial do poder político. Pode ser vislumbrado tanto positiva quanto negativamente. Sob o foco negativo, é a prerrogativa de que nenhum poder é maior que o estatal. Na via positiva, é a compreensão de que é a sua independência em relação a outras potências (MAYNEZ, 1974, p. 101).

Para Ferrajoli (2002, p. 23), falar da soberania e de seus eventos históricos e teóricos importa afirmar que os acontecimentos daquela formação político-jurídica particular que é o Estado nacional moderno, nascida na Europa há pouco mais de quatro séculos e exportada no século XX para todo o planeta, hoje se encontra em declínio.

Esta quebra do dogma da soberania ocorre principalmente porque grupos ou associações internacionais começam a formar outras autoridades que interferem nos rumos das políticas públicas e estabelecem metas e compromissos aos Estados, para que possam continuar a realizar negócios com determinado ente político. É o caso do Grupo de Investidores Estrangeiros no Brasil (GIE) que tem por meta equacionar os processos informais de negociação, fora do alcance partidário e democrático (FARIA, 2004, p. 35).

Há um processo contínuo de exigências e pressão por parte destes grupos econômicos requerendo flexibilização e até desconstitucionalização de direitos. Isso gera uma série de problemas, como a fragilização da autoridade pública do Estado, um desequilíbrio entre os Poderes e a perda da autonomia do aparato burocrático do Estado (FARIA, 2004, p. 34).

Além disso, não é raro se afirmar que os Estados-nação (aqueles caracterizados pela soberania clássica) estão se tornando progressivamente menos importantes na organização mundial como resultado das tendências atuais. Isto porque há uma gama de novas pessoas (especialmente organizações internacionais) que permanecem além das fronteiras dos Estados, talvez apropriando capacidades anteriormente mantidas pelos Estados.

Acrescenta-se, ainda, como lembra Giddens, que a Organização das Nações Unidas (ONU) e os mercados comuns europeu e sul americano (UE e MERCOSUL, respectivamente) são agências que se caracterizam como “organizações”. Como eles influenciam a soberania de seus Estados membros? São elas entidades soberanas?

No caso da ONU, ressalta o referido autor, certamente não há dificuldade real em se encontrar a resposta. Embora ela seja a principal “agência mundial”, e muito importante no monitoramento reflexivo do sistema mundial, tal organização não fez e não faz incursões substanciais na soberania dos Estados. Ela não é um corpo soberano em seu próprio direito, e o impacto mais importante das Nações Unidas no âmbito global tem sido em relação à amplificação da soberania dos Estados, em vez de sua limitação.

Diversamente, entretanto, pode ser afirmado que, apesar de ser uma agência intergovernamental mais localizada, a União Européia tem restrito consideravelmente a soberania de seus Estados-membros. Isto ocorre porque a união tem a capacidade de conceber leis que são aplicadas, em princípio, às populações dos Estados que as compõem. Além disso, podem ser formulados acordos entre a Comissão ou a Alta Autoridade com outros Estados em nome dos países membros (GIDDENS, 2001, p. 296).

É importante salientar, outrossim, que mesmo entre as autoridades políticas européias há um dissenso entre o que se esperar da União: há aqueles, como o ex-primeiro ministro francês, Jacques Chirac, que crêem que tal instituto deve ser apenas uma “Europa de Estados”, de sorte que os Estados-membros não percam suas soberanias, configurando-se sob um modelo que se assemelha à confederação de Estados (RIFKIN, 2005, 196).

Canotilho reforça esta ideia, ao aduzir que, pelo menos no que tange à experiência francesa, os nacionalistas republicanos recusaram as constelações pós-nacionais. Por isso que os republicanos de esquerda, como Jean Pierre Chénevement apregoou: “Si la France est une personne, l´Europe, celle, n´est qu`une chose” (CANOTILHO, 2008, p. 139).

Habermas também se deparou com a questão. Para ele, as tendências e processos de globalização, transformam o modelo histórico segundo o qual o Estado, a sociedade e a economia detinham a mesma extensão e o mesmo âmbito, dentro dos limites das fronteiras nacionais. Ele alerta que, especialmente na Europa, a dissolução de fronteiras não é um fenômeno exclusivo da economia. Outros setores como cultura, política e, sobretudo, o direito, revelam reflexos determinantes na nova ordem mundial (HABERMAS, 2003, 104).

O modelo comunitário europeu, entretanto, ainda é uma aspiração muito longínqua para a realidade sul-americana. Embora o MERCOSUL tenha sido formalmente criado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, por meio do Tratado de Assunção, na década de 1990, os países-membros ainda gozam de pouco senso comunitário.

No que pese o estabelecimento de circulação livre de mercadorias, bens e serviços e fatores produtivos entre os Estados, restringindo ou eliminando-se os direitos alfandegários e tarifas e ainda que tenha sido estabelecida uma tarifa externa comum, persiste um abismo social e jurídico entre os membros, de sorte que harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes para vencer o fortalecimento do processo de integração parece uma meta inalcançável a curto prazo.

É importante ressaltar que todos esses fatos são reflexos da Globalização, o que passa a ser estudado.

 

3. A GLOBALIZAÇÃO E A CRISE DO DIREITO

Ainda no Século XVIII, na busca pela “Paz Perpétua”, Kant já notava que “os povos da terra ingressaram, em graus distintos, numa comunidade universal, que se desenvolveu a um ponto em que a violação de direitos em uma parte do mundo é sentida em todos os lugares. A ideia de um direito cosmopolita não é então fantástica ou superestimada; é um complemento necessário ao código não-escrito do direito e da política internacional, transformando-os num direito internacional da humanidade. Somente sob essas condições poderemos nos orgulhar pelo contínuo avanço em direção à paz perpétua” (KANT, 1989, p. 35).

Nesses mais de dois séculos que separam o projeto iluminista de Kant ao contexto mundial, o processo de integração econômica, política e comunicacional entre as nações em muito se aprofundou, levando ao que se convencionou chamar de globalização, no final do segundo milênio.

Assim, o termo globalização, no Século XX, é utilizado para representar que a partir de determinado momento da história do homem, haveria uma “síntese planetária de culturas” em um “humanismo global”, propiciada, sobretudo, pelas novas tecnologias de informação, comunicação e transporte. Para Anthony Giddens, a globalização pode ser definida como a “intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam comunidades distantes, de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas e vice-versa” (GIDDENS, 1991, p. 69).

É importante, neste momento, traçar algumas distinções entre globalização e globalismo, como o faz Ulrich Beck. Aquela, lembra o autor, tem caráter cultural, social, econômico, político e jurído. Já o globalismo, outrossim, restringe-se aos aspectos notadamente econômicos, o que remete à ideia de que o mercado mundial usurpa, por si mesmo, a ação política; trata-se portanto da ideologia do império do mercado mundial, de concepção neoliberal. Com caráter monocasual, limitado ao viés econômico, e reduzindo a pluridimensionalidade da globalização a uma única dimensão – a econômica- que, por sua vez, ainda é pensada de forma linear e deixa todas as outras dimensões – relativas à ecologia, à cultural, à política e à sociedade civil – sob o domínio avassalador do mercado mundial (BECK, 1999, p. 27).

Embora o discurso sobre a Globalização seja algo aparentemente recente, o fenômeno é uma que desponta ainda na Idade Moderna. A colonização da América, no Século XVI, é o primeiro passo para a ampliação do intercâmbio em escala mundial. Todavia, apenas no Século XX, especialmente após a 2ª Guerra Mundial, que o desenvolvimento da tecnologia de transporte e comunicação que a ideia de distância parece ter se relativizado, causando inúmeros impactos econômicos, culturais, sociais, jurídicos e ambientais (FISCHER, 1998, p. 164).

Este fenômeno, chamado por José Eduardo Faria de transnacionalização dos mercados de insumos, transformou freneticamente as estruturas de dominação política, e de apropriação de recursos, subverteu as noções de tempo e espaço, derrubou barreiras geográficas, diminuiu as fronteiras burocráticas e jurídicas entre nações, revolucionou os sistemas de produção, modificou estruturalmente as relações trabalhistas, tornou os investimentos em ciência, tecnologia e informação em fatores privilegiados de produtividade e competitividade, criou formas de poder e influência novas e autônomas e, por fim, multiplicou de modo exponencial e em escala planetária os fluxos de ideias, conhecimento, bens, serviços, valores culturais e problemas sociais (FARIA, 2004, p. 13).

Esta sociedade global, não obstante, teve reflexos bastante díspares nos Estados centrais em relação aos periféricos. Enquanto os países ricos tiveram suas economias fortalecidas com a consolidação de grupos econômicos, muitas vezes tão influentes que subjugam até os anseios estatais, no eixo pobre a resposta não foi otimista, vez que consagrando a sua postura de produtores de matérias-primas, houve o agravamento de suas desigualdades, já que os preços delas abaixaram e continuam caindo.

Desta maneira, o conceito de soberania, que até então poderia se configurar como algo imune às influências, ilimitado e uno, poderá se confrontar com uma realidade em que o próprio Estado repassa parte de sua soberania para o exercício de instituições privadas de caráter paraestatal. Segue à risca, assim, os programas traçados por elas, sob pena de graves sanções e repercussões pecuniárias. Esses novos fatores reais de poder, baseados em aspectos econômicos, superam as noções clássicas de soberania, minimizando o Estado frente o capital.

Bobbio também abordou o assunto. Para ele, esta “nova soberania”, de abrangência internacional, está cada vez mais intensa, desgastando os poderes tradicionais dos Estados soberanos. Acrescenta, ainda, que o maior golpe foi dado pelas chamadas comunidades supranacionais, cujo afã é limitar fortemente a soberania interna e externa dos Estados-membros; as autoridades “supranacionais” tem a possibilidade de conseguir que adequadas cortes de justiça definam e confirmem a maneira pela qual o direito “supranacional” deve ser aplicado pelos Estados em casos concretos (BOBBIO, 1994, p.1.187).

Além disso, como noticia Galgano, há uma modificação estrutural nos sistemas jurídicos mundiais: o ato do Judiciário, enquanto fonte normativa, está ganhando mais e mais importância nos países do chamado “Civil Law”. Muitos observadores tem chamado este fenômeno como “Americanização” do Direito. Trata-se, para Galgano, de um processo de harmonização de sistemas jurídicos que se dá não apenas entre os Estados Unidos e a Europa, mas também envolve países asiáticos e latino-americanos, o que para ele pode significar um prelúdio do fim da hegemonia ocidental nas regras do jogo da economia mundial e no Direito comercial internacional (GALGANO, 2005, passim).

Acrescenta ainda, que nesse novo paradigma, os agentes legislativos se multiplicam com o crescimento do poder regulatório do Estado e de entes não-estatais, notadamente grandes conglomerados econômicos que estabelecem novos contratos, institutos e realidade, os quais transcendem até mesmo à ideia tradicional de Direito (GALGANO, 2009, p. 234).

Nem todos os teóricos, entretanto, vêem a Globalização como uma força tão desconstrutora. Para Campilongo, o sistema jurídico é um só e decorre da função do Direito e não da arquitetura do sistema normativo. A globalização requer novas diferenciações no interior do sistema jurídico, mas não é hábil de corromper esta função do Direito. Segundo ele, é mister uma busca de inovações talvez dos mecanismos ou instrumentos jurídicos, já que a lógica do mundo globalizado exige esta postura. Conclui, todavia, com otimismo, até então inédito neste trabalho; a aduzir que uma nova, ampla e complexa estrutura jurídica, diante da ordem econômica globalizada, deva fortalecer a democracia e os direitos fundamentais (CAMPILONGO, 2000, p. 143).

Após esta abordagem, necessária se faz uma análise das medidas tomadas pela comunidade internacional na proteção dos interesses ambientais.

 

 

4. A TUTELA AMBIENTAL EM NÍVEL INTERNACIONAL

Mesmo sob o manto das sociedades de mercado, é mister ressaltar que a comunidade internacional, incluídos Estados e organismos não-estatais, já há décadas tem se reunido com o fito de abordar as questões ambientais. No início dos anos setenta do último século, uma reunião mereceu destaque: a Conferência de Estocolmo, na Suécia, cujo foco principal era a questão da degradação ambiental em países em desenvolvimento (TLADI, 2009, 19).

Naquela oportunidade, havia quem defendesse que a “pior forma de poluição era a pobreza”, encontrada, sobretudo, nos Estados em desenvolvimento, razão pela qual alternativas para cessar tal afronta seriam a diminuição dos crescimentos populacional e econômico destes Estados (STRONG, 2002).

Obviamente que tal posição foi totalmente repudiada pelos Estados periféricos que conclamaram a responsabilidade das nações desenvolvidas e sua ânsia por bens de consumo, reivindicando o direito ao desenvolvimento, garantindo-se os pilares da “Declaração de Estocolmo”: 1º) Os direitos humanos devem ser defendidos e o colonialismo deve ser condenado; 2º) os recursos naturais devem ser preservados; 3) a capacidade da Terra de produzir recursos renováveis deve ser mantida (ANTUNES, 2008, p. 24).

É importante ressaltar que a ideia equivocada de serem os Estados pobres únicos responsáveis pela degradação ambiental é comumente verificada nos Estados centrais. Todavia, ela é ferozmente combatida por Joseph Stiglitz, ganhador de Prêmio Nobel de Economia, que desenvolveu seu trabalho sobre a globalização e a relação entre Estados ricos e pobres.

Para ele, a Globalização traz efeitos nefastos em diversas áreas: social, cultural, econômica e ambiental. Obviamente, nem todos os Estados serão beneficiados com o fenômeno. No entanto, todos aqueles que tiverem êxito, deverão compartilhá-lo com os marginalizados, de modo a formar um novo “contrato social” entre as nações e organismos não-estatais.

Em seu livro “Globalização: como dar certo”, propõe uma série de reformas para que a humanidade venha a viver num planeta mais democrático, menos desigual e mais saudável. São propostas que vão desde o perdão da dívida externa dos países miseráveis até a cobrança de um imposto mundial sobre emissões de carbono e uso de combustíveis fósseis (para combater o aquecimento global).

Lembra o mesmo autor que houve uma mudança substancial na abordagem das questões em nível mundial já que as vozes do mundo em desenvolvimento estão começando a ser ouvidas. O próprio autor cita o Brasil e seu ativismo em certas questões como combate à pobreza, crítica a políticas econômicas mundiais (Banco Mundial e FMI) bem como tece uma rigorosa preocupação ambiental (STIGLITZ, 2010, passim).

Não seria por menos que o Rio de Janeiro foi palco, ainda na década de noventa, de importante encontro internacional para abordagem do meio ambiente. A ECO-92 reuniu as autoridades mundiais para, vinte anos após o encontro na Suécia, traçar um novo paradigma de proteção ambiental.

Entre as diversas ideias que vieram à tona, a mais marcante foi a necessidade de se consagrar um conceito de desenvolvimento sustentável que atendesse aos eixos central e periférico. Representando os Estados pobres, o Brasil sustentou a bandeira da necessidade de mudar as regras do jogo econômico existentes entre os dois grupos, atendendo-se aos direitos econômicos das nações subdesenvolvidas e a necessidade da assunção das responsabilidades por parte dos Estados ricos, os quais deveriam se comprometer a cooperar com o progresso social e auxilio tecnológico em prol do desenvolvimento ambiental (TLADI, 2009, 22).

O então Presidente da República, Fernando Collor de Mello, na declaração final, ocorrida em 14 de junho de 1992, resumiu a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade ao dizer que havia necessidade de contar com mecanismos de financiamento para levar recursos novos e adicionais aos projetos e propostas dirigidos ao progresso durável, atendendo também às necessidades dos países em desenvolvimento.

Ainda, firmou o entendimento que os doze dias da Cúpula do Rio, representaram o início de uma caminhada em que as nações e os indivíduos, sejam eles ricos ou pobres, homens ou mulheres, iriam convergir na luta pela conservação do planeta, pelo desenvolvimento, pela justiça e, em última instância, pelo fortalecimento da paz no mundo (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 1992, p. 161).

É importante ressaltar, outrossim, que as ideias de sustentabilidade e responsabilidade entre os Estados não surgiu apenas no encontro acontecido no Brasil. Muito antes já era objeto de debate. Porém, foi no documento intitulado “Nosso Futuro Comum”, elaborado por solicitação da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, que se formalizou o alerta contra o modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, e que ressaltam os riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas. O relatório aponta para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo vigentes (BRUNDTLAND, 1987).

Inobstante tais encontros e relatório apontem um avanço na preocupação da tutela das questões ambientais, é preciso dizer que seus frutos não são de todo exequíveis. Isto porque o discurso de proteção ambiental geralmente é hipócrita e camuflado principalmente pelos maiores poluidores (como os Estados Unidos e China) que se negam reiteradamente a obedecer tais tratados. Ademais, ressalta-se uma questão importante: a regionalização em blocos será um fator para promoção dos Estados em desenvolvimento ou representará um revés à sustentabilidade?

 

5. O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO E O PODER DO MERCADO

Segundo Bessa Antunes, o aumento da proteção ambiental está ligada diretamente ao incremento do bem-estar social e a renda das pessoas e Estados. Há uma relação indissociável entre desenvolvimento e preservação ambiental, de sorte que, para o autor, tais questões não podem ser estudadas de forma isolada com políticas fragmentadas (ANTUNES, 2008, p. 24).

Neste diapasão, ressalta Antunes, graves problemas ambientais se localizam nas regiões mais pobres e que as consequências da devastação no meio ambiente incidem sobre os mais desafortunados (ANTUNES, 2008, p. 25). Ocorre que, à medida que aumenta a demanda e esgotamento de matérias-primas das nações ricas, a alternativa mais viável é a exploração dos Estados em Desenvolvimento, seja pela mão-de-obra e recursos mais baratos e pela flexibilização das leis, que muitas vezes não atentam para a proteção ambiental.

A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento que, no § 1° do artigo 1°, dispõe que “o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”. O § 1° do artigo 2°, acrescenta que “a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento.” (ANTUNES, 2008, p. 25).

O indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, realizou estudo sistemático sobre o Direito ao Desenvolvimento, relacionando com as forças emergentes dos mercados econômicos. Para ele, o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam, não se concretizando apenas no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. Ao contrário, há um contexto maior que impõe a remoção das principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos (SEN, 2000, p. 18).

No entanto, o autor não nega a importância dos mercados para o desenvolvimento. Ele aduz que os preconceitos de hoje (em favor do mecanismo do mercado puro) obviamente carecem de ser cuidadosamente investigados e parcialmente rejeitados. Mas deixa claro que é pouco prática e retrógrada a recusa em ver os méritos dos mercados — até mesmo a inescapável necessidade deles (SEN, 2000, p. 136). Acrescenta, ainda, que o mecanismo de mercado, que desperta paixões favoráveis ou contrárias, é um sistema básico pelo qual as pessoas podem interagir e dedicar-se a atividades mutuamente vantajosas. Por essa perspectiva, é dificílimo pensar que um crítico razoável poderia ser contra o mecanismo do mercado em si (SEN, 2000, p. 169).

Sen alerta que devem ser reunidos cinco tipos distintos de liberdade – ditas instrumentais para o desenvolvimento — necessários para promover a capacidade geral de uma pessoa e que podem atuar complementando-se mutuamente: a) liberdades políticas; b) facilidades econômicas; c) oportunidades sociais; d) garantias de transparência; e f) segurança protetora. Seria papel das políticas públicas promover estas liberdade de forma conjunta (SEN, 2000, p. 32). Esta relação de mão de dupla seria fundamental. O Estado e a sociedade tem papeis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas.

É essa interação entre as novas forças políticas que transcendem a noção clássica de Estado e de soberania que são abordadas aqui neste trabalho. Zagrebelsky, em sua obra “El juez constitucional en el siglo XXI”, aduz que o fenômeno da Globalização transformou sensivelmente a ideia de um constitucionalismo exclusivamente nacional e os Estados que insistirem nesse modelo estarão fadados à impotência e à marginação. Por isso, a nova temática é um modelo constitucional ainda mais cosmopolita (ZAGREBELSKY, 2008, p. 261).

É mister lembrar, todavia, que com a transnacionalizaçâo dos mercados e subsequente “desterritorialização” da produção, como visto nos capítulos antecedentes, a própria ideia de Constituição como única força que coordena a estrutura e as políticas do Estado e sociedade, vem paulatinamente deixando de ser um dogma absoluto, frente às transformações mais recentes.

Canotilho alerta que a internacionalização e a europeização, em se tratando de Portugal e, no caso brasileiro, mercosulização, deixam claras as transformações nos sistemas jurídicos nacionais, reduzindo-os em ordens parciais, e o que é pior, fazendo com que suas Cartas sejam relegadas a um plano modesto de leis fundamentais meramente regionais (CANOTILHO, 2008, p. 110).

Continua o constitucionalista europeu aduzindo que os novos fenótipos político-organizatórios farão com que o regime jurídico interno ceda a um novo plano normativo e regulatório, formulado por associações abertas e que qualquer patriotismo de natureza constitucional será um sentimento débil, já que as Cartas perdem parte de seu simbolismo, sua força normativa e seu papel identificador (CANOTILHO, 2008, p. 110) e, além disso, perde a representatividade, já que não decorre do Poder Constituinte promulgante, mas de órgãos privados e cuja acepção maior é o mercado.

Além da fuga democrática, há um risco de se criar uma “crise do Direito” e, além disso, transformar os sistemas jurídicos internos no “direito dos restos” pois, com a transferência de competências políticas e legais do Estado em favor de organizações supranacionais, lembra Canotilho, o próximo passo poderá ser reduzir as prerrogativas estatais àquelas destinadas aos “heróis locais”, sem muita importância prática (CANOTILHO, 2008, p. 185).

O dualismo entre a Democracia e os anseios liberais do Mercado também pode ser vislumbrado na obra de Schmitt. Na sua batalha ideológica implacável contra o liberalismo, Schmitt estabeleceu uma distinção clara entre o Liberalismo e o Parlamentarismo, de um lado, e a Democracia, de outro. Ele afirmou que os liberais, através de seu discurso “eterno” em favor das leis do mercado, pretendia dissolver os assuntos políticos como mero confronto existencial, reduzindo-lhes à órbita da ética. Critica, ainda, que os liberais tratam tudo como questões de economia e que todos os problemas seriam solucionáveis por meio de negociações ou deliberações racionais.

A Democracia, acrescenta Schmitt, seria a identidade entre os anseios dos governantes e governados, razão pela qual está ligada à ideia de igualdade entre aqueles que se submetam ao mesmo regime, não podendo se sustentar dentro de grupos heterogêneos. Ao contrário, assinala o autor, a democracia tem como pressuposto a homogeneidade e superação das diferenças, o que o projeto europeu contrasta frontalmente, já que pretende uma organização de partes heterogêneas (apud MÜLLER, 2000, p. 1781), o que aumenta ainda mais a preocupação no modelo de sociedade por vir.

Neste sentido, Habermas acrescenta que há uma “afinidade eletiva” entre Democracia e o Estado nacional, de sorte que os cidadãos regulam seu convívio em sociedade baseando-se em pilares democráticos por meio dos seguintes pré-requisitos: a) a existência de um aparelho político competente que auxilie no implemento das decisões obrigatórias (e muitas vezes impopulares) que atingem a sociedade; b) a existência de instituições democraticamente criadas com o intuito de aplicar de forma coativa tais normas, quando descumpridas; c) uma coletividade de cidadãos que possa ser mobilizada em favor da participação em processos de formação política da opinião e da vontade visando ao bem comum; d) a existência de um contexto econômico-social no qual uma administração democraticamente programada possa produzir serviços de organização e de direcionamentos legítimos (HABERMAS, 2003, p. 105).

Há, assim, na obra de Habermas, um medo de que a formação de uma Constituição fora do contexto estatal provoque a quebra da consolidada democracia européia ou na nascente latino-americana. Trata-se, pois, de um temor que invade diferentes graus, dentre cientistas, como Habermas e Canotilho, até magistrados. Em célebre frase, um juiz da mais alta corte alemã, “Bundesverfassungsgericht”, aduziu que “lá onde não existe Estado, não existe Constituição e lá onde não existe um povo do Estado, não existe qualquer Estado”. (CANOTILHO, 2008, p. 202).

Por isso, é importante a crítica de Habermas sobre as consequências da superação da soberania e a transferência de responsabilidades outrora tipicamente estatais para organismos e mercados econômicos. Para ele, tais instituições respondem à lei do mercado, a qual se resume à política dos preços. Outras esferas, como o resguardo de direitos sociais e ambientais não são prioritários, especialmente se referindo às populações periféricas do eixo sul e um assustador esgotamento de recursos naturais não-renováveis (HABERMAS, 2003, p. 101).

Para o referido autor, há um distanciamento enorme entre o chamado discurso reinserção ecológica e social dos agentes do capitalismo global e que se percebe na prática, já que se vê que, em verdade, há uma potencial e explosiva bomba ecológica que não se sustenta nos parâmetros atuais, fazendo necessária uma tutela efetiva e real do meio ambiente (HABERMAS, 2003, p. 102), sobretudo, garantindo-se o direito ao desenvolvimento dos povos e nações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações globais nos transportes, comunicações e informática enfraqueceram as fronteiras do Estado-nação, da mesma sorte que o fez o canhão em relação às muralhas das cidades-Estado medievais. E, como na referida época, novas instituições e órbitas de poder surgiram na seara política, desta vez criando novos centros de poder, não necessariamente estatais.

A ideia de soberania traçada na Idade Moderna não se aplica mais de maneira absoluta e os Estados não gozam das mesmas prerrogativas de supremacia e independência que gozaram outrora. Ao contrário, progressivamente, os poderes estatais vão se esvaziando frente a grupos econômicos e outras entidades internacionais que praticam ingerência em questões de ordem das políticas públicas.

Na busca de seus anseios, os citados grupos determinam aos Estados a uniformização legislativa, já que ela é uma das últimas barreiras para a consolidação de uma economia global e sem fronteiras, o que vai muito além dos sonhos do mais otimista liberal do Século XIX.

Esta nova sociedade vige sob o domínio das leis do mercado (“Lex mercatoria”) e a interconexão de institutos se torna cada vez maior, com o aumento das forças produtivas do Direito (que agora advém não apenas de legisladores, mas também das práticas comerciais). Por outro lado, a discussão sobre direitos fundamentais e humanos ficam postergados ao segundo plano.

Percebe-se, assim, uma crise do Direito do Século XXI, quando a superação das cartas locais possa ceder espaço para um modelo de origem não democrática e que venha subverter séculos de conquistas históricas em detrimento do homem e do cidadão, demonstrando um verdadeiro revés democrático do Estado de Direito.

A tutela ambiental merece destaque nessa nova sociedade complexa, sobretudo quando as pressões causadas pela globalização de mercados e regionalização legislativa impõem um modelo a ser seguido pelas nações para que possam integras as mesas de negociações.

Não se pode olvidar, jamais, que os Estados devem ter garantido o direito ao desenvolvimento, considerado como a possibilidade de aumentar a qualidade de vida, o progresso, os índices de desenvolvimento etc. No entanto, deve ser resguardada a preservação do meio ambiente e propiciada condições hábeis a oferecer a sustentabilidade.

Conclui-se, finalmente, que o direito ao desenvolvimento é inalienável e sua incidência se dá não só sobre o Estado, mas também aos seus súditos, permitindo-se que as pessoas tenham vidas melhores e mais dignas, e além disso, baseadas em discussões democráticas e cujos valores sejam maiores que meras discussões mercadológicas.

 

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1 Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia e professor universitário na Faculdade Politécnica de Uberlândia – MG.

Carlos Alberto Resende

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