Contextualização histórica e evolução da responsabilidade civil no brasil

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RESUMO

O trabalho em tela discorre sobre a contextualização histórica da responsabilidade civil bem como a sua evolução. Através de uma pesquisa bibliográfica, calcada no método histórico confere-se a compreensão do instituto da responsabilidade civil frente ao direito brasileiro atual. São abordados aspectos pontuais, como a reparação pelo dano causado e a exigência da culpa, ao longo dos tempos. Em sequência, empresta-se realce à trajetória da responsabilidade civil no Brasil, onde será abordada a teoria do risco. Nas considerações finais ressalta-se, dentre outros aspectos, a adoção pelo legislador da teoria do risco, o que representou significativo avanço facilitando o ressarcimento à vítima.

Palavras- chave: dano, reparação, culpa, responsabilidade civil.

 

ABSTRACT

This paper is about the historical context of the civil responsibility and its evolution. Through a literature search, based on historical method gives understanding to the Institute of the civil responsibility in front of the current Brazilian law. It’s considered specific aspects such as repairing the harm caused and the requirement of fault, in the course of the time. In sequence, it is highlighted the history of civil responsibility in Brazil, where we shall consider the theory of risk. The final remarks emphasize, among other things, the adoption by the legislature of the theory of risk, which represented a significant advance facilitating redress to the victim.

Keywords: damage, repair, fault, civil responsibility.

 

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Desde os primórdios, o homem busca a reparação pelo dano sofrido. Todavia a forma de reparação pelo mal causado foi se alterando de acordo com o pensamento da época em que ocorria o dano. Inicialmente vigorava o sistema de vingança privada que, a passos lentos, evoluiu para a vingança pública. Consequentemente, a ação de ressarcir surgiu com a transferência da repressão das mãos do ofendido para o Estado.

A necessidade de regulamentação do castigo, em detrimento ao instituto de ressarcimento, foi extraída do princípio “olho por olho, dente por dente”, sacramentado pelos romanos como Lei de talião. É aqui o ponto de partida para a atual responsabilidade civil, a qual sofreu sensíveis mudanças com o surgimento da Lei das XII Tábuas, que fixou o valor da pena a ser paga pelo agressor ao ofendido.

Maior evolução ocorreu com a Lei Aquilia, considerada um princípio geral da reparação do dano, surgindo, assim, as primeiras projeções acerca da noção de culpa. Porém, foi com o direito francês que as ideias romanas foram aperfeiçoadas, estabelecendo-se princípios gerais de responsabilidade civil.

No Brasil, o Código Civil brasileiro de 1916, inspirado no direito francês, consagrou a teoria da culpa como regra no campo da responsabilidade civil. Com vistas no Projeto de Lei 634-B/75, o atual Código Civil manteve como norma a responsabilidade civil subjetiva, porém estendeu o campo dos casos de responsabilidade civil objetiva, por meio da teoria do risco.

Portanto, o estudo da evolução histórica se faz necessário para uma melhor compreensão do instituto da responsabilidade civil frente ao direito brasileiro moderno, bem como sua efetividade na sociedade contemporânea.

 

1 RESPONSABILIDADE CIVIL COMO FORMA DE REPARAR O DANO

O conceito de responsabilidade, de reparar o dano injustamente causado, é inerente a natureza humana, desta forma sempre esteve presente na sociedade. O homem sempre zelou pelo que é seu, reagindo toda vez que seu patrimônio é ameaçado, visando preservar e evitar a ocorrência de qualquer espécie de prejuízo. Se o dano já ocorreu, busca, então, a reparação pelo mal sofrido.

Mencionada busca, pela reparação, sempre existiu, pois em todas as épocas o dano foi contestado pelo lesado. Com o passar do tempo, a forma de combater foi sofrendo modificações de acordo com o pensamento do período em que ocorria o dano. Essa transformação culminou com a responsabilidade civil do agente causador do dano, que se encontra em contínua evolução almejando um direito mais legítimo e eficaz.

 

1.1 APANHADO HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A forma de reparar o dano injustamente sofrido na sociedade primitiva era através da violência coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o atacante. A justiça era feita pelas próprias mãos, o que caracterizava uma vingança pura e simples, como uma forma descomunal da reação instintiva contra o dano sofrido, onde se reparava o mal pelo mal. O sistema da vingança privada3 predominou nesta época.

Conforme observam os renomados juristas Gagliano e Pamplona (2006, p. 10), nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção da vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido.

Por vezes, não era possível ao lesado agir desde logo, pois nem sempre estava presente no momento da prática do ato danoso. Nesses casos, o castigo era posterior. Passou-se então, para a vingança individual, que deu origem a pena “olho por olho, dente por dente”, conhecida como a Lei de talião4, que configurava a reparação.

Rígida e inflexível, por vezes cruel, a legislação de Hamurabi recepciona primeiramente uma noção de vingança delimitada pelo Estado, para só depois apresentar, lacunosamente, ideias pertinentes às modernas indenizações, como hoje são conhecidas por toda a nossa sociedade. Não havia, no momento de efetivar a responsabilização, uma distinção formal entre ilícito civil e criminal, na forma em que os regramentos atuais procuram classificar; não obstante sendo aplicada oficialmente pelo Estado, a sanção invariavelmente passava da pessoa do responsável pelo crime ou dano, atingindo mesmo o patrimônio e a própria vida de terceiros desvinculados das relações inter pars, fossem elas privadas (obrigações de natureza civil) ou de fundo público (atentados contra o Estado ou à vida de terceiros), numa prática abominada integralmente pelos modernos ordenamentos jurídicos, com sua constitucional concepção, no caso do Brasil e de outras nações, de que a pena não deve passar da pessoa do condenado (GUIMARO JÚNIOR, 2001).

Diante disso, é possível perceber que a responsabilidade penal é anterior à responsabilidade civil, podendo ser afirmado que esta evoluiu a partir daquela, que, no entanto, continua a existir em ramificação distinta do direito. Enquanto a responsabilidade civil integra o direito privado, a responsabilidade penal está inserida no âmbito do direito público (MIGUEL, 2006).

Para os romanos, não havia diferenciação entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, constituindo-se, ambas, numa pena imposta ao causador do dano.

É na Pena de talião, com vistas do delito do Direito Romano que encontramos o ponto de partida para a atual responsabilidade civil, a qual sofreu sensíveis mudanças com o surgimento da Lei das XII Tábuas, que fixou o valor da pena a ser paga pelo ofensor ao ofendido. Identifica-se aqui, o período da composição voluntária, também conhecida como composição a critério da vítima, uma vez que o agredido deixa de buscar a retaliação e passa a querer a reparação do dano mediante poena5. A partir daí, a pena deixou de ser pessoal e passou a ser patrimonial, ou seja, o dinheiro substituindo o castigo físico.

Neste contexto, observa Guimaro Júnior (2001) que,

mais do que a definitiva oficialização da Justiça, a Lei das XII Tábuas representa a consolidação histórica da indenização pecuniária como forma de compensação pelo dano. Esta surge através da composição voluntária, similar ao moderno conceito de arbitragem, realizada entre as partes, que abdicavam de qualquer tentativa de vingança, ou por intermédio da composição legal, […] já subvencionada pelo Estado. Sob a análise histórica, este período é imediatamente posterior ao da Justiça privada e anterior ao da aplicação da Justiça estatal.

É relevante destacar que na fase da composição voluntária, a culpa ainda não era mencionada como elemento necessário a indenização, ou seja, a responsabilidade era objetiva, já que dispensava a análise da culpa (MIGUEL, 2006).

Com o aparecimento de uma autoridade soberana, alterando a estrutura estatal, acontece a interdição à vítima de fazer justiça com as próprias mãos – composição voluntária. Prática, esta, que vigorou até a imposição do Estado da composição tarifada ou obrigatória. Ocorre, então, a tarifação dos danos, sendo convencionado um determinado preço para cada tipo de lesão.

Vale ressaltar a grandiosa influência da Lei das XII Tábuas para os romanos, sendo que ela representou a passagem da norma consuetudinária para a lei escrita. Perdurou por cerca de novecentos anos em Roma, onde as penas estabelecidas variavam desde a multa até o exílio, da prisão até a morte, sendo que muitas delas tinham por base a sanção da retaliação (MIGUEL, 2006).

Maior evolução do instituto se deu por meio da Lei Aquilia, considerada um princípio geral da reparação do dano, datando deste momento histórico as primeiras ideias acerca da noção de culpa. Sendo assim, a responsabilidade ganha traços subjetivos.

O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente. Fundamenta-se aí a origem da responsabilidade extracontratual. Por essa razão, denomina-se também responsabilidade aquiliana essa modalidade. A Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Como os escravos eram considerados coisas, a Lei também se aplicava nas hipóteses de danos ou morte deles. Punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos. A ideia de culpa é centralizadora neste instituto de reparação. Em princípio, a culpa é punível, traduzida pela imprudência, negligência ou imperícia, ou pelo dolo. Mas modernamente a noção de culpa sofre profunda transformação e ampliação. (VENOSA, 2006, p. 16).

Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá, portanto, com a criação da Lex Aquilia, cujo prestígio foi tão grande que deu origem à nova denominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006).

Foi a Escola do Direito Natural que se encarregou da missão de ampliar o conceito da Lei Aquília, a partir do século XVII, até então casuística. A teoria da reparação de danos somente passou a ser perfeitamente compreendida, quando os juristas equacionaram, que o fundamento da responsabilidade civil situava-se na quebra do equilíbrio patrimonial provocado pelo dano. Desta forma, mudou-se o enfoque da culpa, como fenômeno centralizador da indenização, para a noção de dano. Porém, com o aparecimento do direito francês, aperfeiçoaram-se as ideias romanas, estabelecendo-se princípios gerais de responsabilidade civil (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006).

Cabe lembrar ainda, que finalizada a Revolução Francesa, surge o Código de Napoleão, com a previsão da responsabilidade contratual e a distinção entre a responsabilidade civil e penal (MIGUEL, 2006). Evidencia-se que o direito francês serviu de padrão para várias nações, inclusive ao Brasil. Acrescenta-se que o Código de Napoleão exerceu grande influência no Código Civil de 1916.

Enfatiza-se aqui que o Código Civil francês, de 1804, configurou valiosas contribuições às ideias desenvolvidas pelo direito romano, e que enriqueceram e consolidaram a noção de responsabilidade civil conhecida atualmente.

A prática legislativa, doutrinária e a jurisprudencial francesa, paralelamente à escola alemã, ambas em destaque a partir de meados do século XIX, representam o pilar de apoio para tudo que restou construído neste século (GUIMARO JÚNIOR, 2001).

Diante do apanhado histórico e evolutivo da responsabilidade civil de que foi tratado até o presente momento, far-se-á em seguida a contextualização da responsabilidade civil no direito brasileiro6.

 

2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL

O Brasil foi colônia de Portugal até 1822, logo, o estudo sobre a evolução da responsabilidade civil brasileira se reporta para esta época. Para tanto, foi encontrado nos ensinamentos de José de Aguiar Dias algumas informações decorrentes deste período, uma vez que do primitivo direito português são raras as referências.

As Ordenações do Reino de Portugal, direito que vigorava no Brasil colônia, não visavam claramente à indenização, nem mesmo quando os bens do criminoso sofriam confisco pela Coroa. Segundo o autor mencionado, em 1668, um alvará passou a regular cada caso particular da culpa extracontratual, “acatando o princípio da solidariedade na reparação, e inspirando-se no direito romano” (DIAS, 1995, p. 22).

Em 1830, seis anos após a Constituição do Império, foi promulgado o Código Criminal que estabelecia:

a reparação natural, quando possível, a garantia da indenização, a solução da dúvida em favor do ofendido, a integridade da reparação (até onde possível), a contagem dos juros reparatórios, a solidariedade, a hipoteca legal, a transmissibilidade do dever de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros, a preferência do direito de reparação sobre o pagamento das multas etc (DIAS, 1995, p. 23).

Destaca-se que, o Código Penal de 1890, salvo raros artigos7, limitou-se a reproduzir os princípios do Código Criminal do Império. Cumpre salientar aqui, o entretecimento entre a responsabilidade civil e penal. Isto porque, como já visto anteriormente, a primeira evoluiu a partir da segunda, pois em períodos mais primitivos o dano pecuniário era compensado através de pena física sobre o autor do prejuízo.

Eis que, com o avanço tecnológico e industrial, inúmeras teorias acerca da responsabilidade vêm ocorrendo. Como exemplo, existe a teoria do risco (pilar da responsabilidade objetiva), que não substitui a teoria da culpa, pois nela a culpa é dispensada, sendo imprescindíveis, todavia, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do autor do dano e este.

Desta forma, um bom exemplo é o Decreto Legislativo nº 2.681, regulador da responsabilidade das estradas de ferro. Segundo Dias (1995, p. 28), “sua influência capital na solução do problema da responsabilidade contratual exige uma referência em qualquer notícia, por mais resumida que seja, da evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro”. Tal decreto previa a culpa presumida no transporte ferroviário. Por conformidade, esta determinação passou a ser utilizada a todos os tipos de transportes terrestres.

Com efeito, tanto a doutrina quanto a jurisprudência passaram a entender que a responsabilidade do transportador não seria subjetiva por culpa presumida, mas objetiva. Foi importante o papel exercido pelo autor Alvino Lima na sua obra clássica Culpa e risco, pois o citado doutrinador foi um dos grandes responsáveis, entre nós, pelo salto evolutivo da responsabilidade subjetiva para a objetiva (TARTUCE, 2006, p. 261).

Neste sentido, analisando o Código Civil brasileiro de 1916, inspirado no direito francês, observa-se com notabilidade, a consagração da teoria da culpa como regra no campo da responsabilidade civil. Esta afirmação pode ser comprovada no dispositivo 159, que dispunha: “Aquele que, por ação, omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

É mister destacar, conforme Miguel (2006), que se fazia indiferente a conduta dolosa, negligente, imperita ou imprudente. Desta forma, qualquer das espécies de culpa bastava para caracterizar a responsabilidade civil, independente da gravidade.

Para o doutrinador Gonçalves:

Aos poucos foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: o direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); e a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano: In lege Aquilia et levissima culpa venit, ou seja, ainda que levíssima, obriga a indenizar (GONÇALVES, 2008, p. 6).

Observa-se que a exigência da culpa, permanece como regra no atual Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, por força do artigo 2.044, da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Isso se comprova com a junção dos dispositivos 186 e 927 caput, do Código Civil de 2002. Enquanto o artigo 927 regula que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, o texto legal do artigo 186 dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Diante disso, entende-se claramente que a culpa é exigida para a configuração da responsabilidade civil.

Cabe ênfase a inclusão expressa da indenização por dano moral, sendo que data de 1966, a primeira admissão de reparação do dano moral pelo Supremo Tribunal Federal. Apesar de a jurisprudência ter apresentado resistência até 1988, quando, por força de texto constitucional expresso, a reparabilidade do dano moral tonou-se indubitável, até mesmo em virtude de permissão constitucional (CF, art. 5º, V e X). Em conformidade ao que foi demonstrado, Gagliano e Pamplona Filho expressam que,

o novo Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406, de 10-1-2002), adequando, de forma expressa, a legislação civil ao novo perfil constitucional, reconhece expressamente, em seu artigo 186, o instituto do dano moral e, consequentemente, por força do art. 927, a sua reparabilidade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 66).

Baseando-se no Projeto de Lei 634-B/75, o atual Código Civil manteve como norma a responsabilidade civil subjetiva, porém estendeu o campo dos casos de responsabilidade civil objetiva, por meio da teoria do risco. Diante disso, constata-se que o ordenamento jurídico admite, expressamente, tanto a responsabilidade subjetiva (com aferição da culpa), quanto à responsabilidade objetiva (sem aferição de culpa).

Neste sentido o professor de direito Frederico de Ávila Miguel explica que:

A necessidade de a lei especificar que a culpa não será exigida para que a obrigação de reparar demonstre que se trata de situação de exceção. Isso porque a exceção depende de previsão expressa, diferentemente do que ocorre com a regra, que se presume. Assim, em nosso direito, a culpa é regra e, por consequência a responsabilidade subjetiva, sendo exceção a responsabilidade objetiva, na qual a culpa sequer é cogitada (MIGUEL, 2006, p. 8).

No mesmo viés, a Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabeleceu, por exemplo, no seu art. 37, § 6°, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Perfeito exemplo da responsabilidade objetiva por determinação legal é a Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990, que versa sobre o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Constata-se aqui, a hipossuficiência8 do consumidor em relação ao fornecedor.

Vale a pena explicitar o conteúdo normativo citado no artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo que tanto fabricante, quanto o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador devem responder, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Em observância ao exposto no dispositivo mencionado acima, apura-se que além da inexistência da culpa, quando assim expressamente estiver declarado em lei, ocorre a responsabilização objetiva por previsão genérica, nos casos em que o dano for acarretado por atividade que, por sua natureza, implicar em risco para direitos da vítima.

Nesse diapasão tem-se que,

a teoria do risco parte do pressuposto de que aquele que tira os proveitos da atividade deve, por uma questão de justiça, arcar com os danos advindos do exercício da atividade, independentemente da verificação da culpa. Logo, não se cogitará se a conduta foi dolosa, imprudente, negligente ou imperita, visto que a simples verificação do evento danoso bastará para que surja de maneira objetiva a responsabilidade civil (MIGUEL, 2006, p. 9).

Cabe lembrar, ainda, que em 1981, entrou em cena a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), exaltando a responsabilidade objetiva dos causadores de danos ao meio ambiente e consagrando o princípio do poluidor pagador 9 (TARTUCE, 2006, p. 263).

Consequentemente, passou-se a admitir também, juntamente com o dever de indenizar independente de culpa, a tutela coletiva dos direitos e a prevenção de danos ao meio social. Diante disso, percebe-se que ocorre uma inovação nas relações privadas, com o aparecimento de tendências socializantes, estampadas pelo reconhecimento da existência dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Sobre a matéria, Tartuce comenta:

No Brasil, o reconhecimento destes direitos ocorreu após o milagre brasileiro dos anos 70, com a massificação das atividades privadas e com o incremento do movimento consumerista. Em 1985, surge a Lei 7.347, que possibilita a defesa coletiva dos direitos a ser intentada por órgãos legitimados, como, por exemplo, o Ministério Público. Logo em seguida, a Constituição de 1988 trouxe, em seu bojo, todas essas tendências socializantes, tais como a defesa dos consumidores como norma principiológica (art. 5.º, XXXII), a reparação de danos imateriais ou morais (art. 5.º, V e X), o conceito de função social da propriedade (art. 5.º XXII e XXIII), a proteção do Bem Ambiental (art. 225), a proteção da dignidade da pessoa humana como direito fundamental (art. 1.º, III) a solidariedade social como preceito máximo de Justiça (art. 3.º, I) e a isonomia ou igualdade lato sensu (art. 5º, caput).

Sintetizando o que foi exposto até o momento, percebe-se que a responsabilidade objetiva (encontrada nas sociedades primitivas), que sofreu acentuada evolução para a responsabilidade subjetiva (Lex Aquilia), demonstra inclinação a retornar ao objetivismo. No entanto, a diferença e o distanciamento entre as duas está na culpa, pois não se fala mais em pena sobre a pessoa propriamente dita, e sim sobre o patrimônio econômico estimável do causador do dano.

Enfim, a responsabilidade com culpa ou sem culpa é o cerne da efetividade da responsabilidade civil na sociedade contemporânea. Sendo o direito brasileiro eclético, acolheu as duas posições.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual forma da responsabilidade civil, que surgiu a partir da responsabilidade penal, é o produto de uma acentuada evolução através dos tempos. O requisito da culpa, como pressuposto da responsabilidade civil, representou um grande progresso na história da civilização, na medida em que se abandonou o objetivismo característico das sociedades antigas, onde a resposta ao mal sofrido era generalizada, passando-se a se requerer um elemento subjetivo que pudesse facilitar a imputação psicológica do dano ao seu agente.

Diante disso, a culpa passou por um processo de sedimentação doutrinária, com largo período de influência e primazia, culminando por perder a importância de outrora nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, inclusive o brasileiro.

A variação dos sistemas da obrigação indenizatória civil se prende, essencialmente, à questão da prova da culpa, sendo esta a discussão central da distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e a objetiva.

No atual Código Civil brasileiro, a culpa é exigida para a configuração da responsabilidade civil, que manteve como norma a responsabilidade subjetiva (estribada na culpa), porém por meio da teoria do risco abriu espaço também para a responsabilidade objetiva (independente de culpa).

A adoção, pelo legislador da teoria do risco da atividade através de norma de previsão genérica, representou significativo avanço. Evidentemente que causa um aumento na efetividade da responsabilidade civil, acompanhando a tendência moderna de ressarcir todas as vítimas da maneira mais completa possível.

Assim, o Código Civil de 2002 criou um sistema misto de responsabilidade, onde todos aqueles que causarem danos (moral ou material) a outrem deverão repará-lo, sejam eles pessoa física ou jurídica, de direito privado e também de direito público. Desta forma, foi facilitado o ressarcimento às vítimas, porém sem que significasse excessiva busca por indenizações, já que de regra a exigência da culpa manteve-se.

 

REFERÊNCIAS

BOUZON, Emanuel. O Código de Hammurabi. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

BRASIL. Código civil (1916). Código civil. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. (Legislação brasileira).

 Código de defesa do consumidor (1990). Código de defesa do consumidor: Constituição Federal. São Paulo: Rideel, 2010.

 Código penal. Decreto n. 847 de 11 de outubro de 1890. Disponível em: <http://www.ciespi.org.br/base_legis/legislacao/DEC20a.html>. Acesso em: 05 ago. 2010.

 Congresso Câmara dos Deputados. Código Civil: lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. 4. ed. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 2010. (Série legislação; n. 34).

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v. 1.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 3.

GUIMARO JÚNIOR, Orlando. Responsabilidade Civil: noções basilares e evolução histórica. Rio Branco, Acre: UFAC, 2001. Disponível em: <http://www.ufac.br/ensino/cursos/curso_direito/artigos_juridicos.htm>. Acesso em: 28 jul. 2010.

MIGUEL, Frederico de Ávila. Responsabilidade civil: Evolução e apanhado histórico. A problemática da efetiva reparação do dano suportado pela vítima em razão da culpa como pressuposto. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 35, 01/12/2006 [Internet].
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_

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SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SOARES, Orlando Estevão da Costa. Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro: teoria, prática forense e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

TARTUCE, Flávio. Direito civil. São Paulo: Método, 2006. v. 2, p. 261. (Série concursos Públicos).

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006, v. 4.

 

3 Este período histórico constituiu a denominada vingança privada, que evoluiu no sentido da vingança divina (sacral, realizada em nome de Deus) e, finalmente, cristalizou-se, na vingança pública (em nome do Estado), nos termos modernos (SOARES, 1997, p. 01).

4 Os primeiros sinais da Lei de talião foram descobertos no Código de Hamurabi, por volta de 1.700 a.C., na região da antiga Mesopotâmia. Tal código continha 282 leis – das quais foram traduzidos 281 artigos – desenvolvido pelo célebre imperador Hamurabi, que buscava organizar e controlar a sociedade, através da equivalência da punição em relação ao crime (BOUZON, 1987).

5 Poena (direito canônico) significa pena, sentença. Neste sentido, poena é uma forma de resgate pela culpa, que se dava pela entrega de bens ou moeda (dinheiro), modificando assim a antiga forma de reparação.

6 Merecido destaque para Wilson Melo da Silva que escreveu, em 1955, a memorável obra “O dano moral e a sua reparação”. Neste livro, o referido autor, historiou, detalhadamente, sobre a evolução da responsabilidade civil, desde os Códigos de Manu, Ur-Nammu e Hammurabi, discorrendo pelas codificações da Alemanha, Itália, França, Espanha, do direito anglo-americano, Suíça, Áustria, Japão, China, Portugal, Uruguai, Argentina até chegar ao Direito Brasileiro.

7 Temos como exemplo o artigo 31 do Código Penal de 1890: “A isenção da responsabilidade criminal não implica a da responsabilidade civil”.

8 Segundo o Dicionário Jurídico Brasileiro (2001), hipossuficiente significa: pessoa economicamente sem recurso, de pobreza constatada e que deve ser amparada e auxiliada, segundo a lei, pelo Estado, inclusive a assistência jurídica, se esta vier a ser necessária. Nota: A CF, art. 203, diz o seguinte: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” No contexto abordado, hipossuficiência significa o instituto criado pelo legislador que tem por objetivo proteger o consumidor nas relações consumeiras.

9 O Princípio do Poluidor Pagador obriga quem poluiu a pagar pela poluição causada ou que pode ser causada.

 

Theobaldo Spengler Neto

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