Análise e avaliação da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1996)

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O objetivo desse artigo é analisar a tutela penal do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, caracterizando os principais avanços obtidos e as demandas mais urgentes para sua melhoria. Partindo de um referencial teórico concretista e tendo como fundamento material a análise bibliográfica, jurisprudencial e a experiência prática dos autores com a temática, busca-se identificar as principais fontes de elogios e de críticas, tanto no princial texto normativo de proteção penal ambiental (Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/1996) quanto nas normas jurídicas dele derivada. Destaca-se, entre os aspectos positivos, a previsão de uma sistemática punitiva diversa da lógica encarceradora e vinculada a parâmetros de reparação do dano ambiental, através das penas alternativas. Destaca-se, também, a previsão de crimes de perigo, contribuindo na proteção dos riscos ao meio ambiente. Entre os aspectos negativos, destacam-se os diversos vetos à Lei de Crimes Ambientais; a demanda por melhor racionalização entre as atribuições civil e penal do Ministério Público na área ambiental; a necessidade de aplicação plena do princípio da insignificância; e a má qualidade técnica de alguns trechos do texto normativo. Pondera-se, por fim, sobre a relevância do direito penal ambiental e os desafios a serem enfrentados nessa concretização jurídica, um importante avanço do ordenamento jurídico brasileiro.

Meio Ambiente; Direito Penal Ambiental; Aspectos Positivos; Críticas; Lei de Crimes Ambientais.

 

Introdução

A preservação ambiental se tornou, nos últimos anos, uma necessidade eminente aos seres humanos. Nossos padrões de produção e consumo se revelaram, de acordo com as mais recentes evidências científicas e com as já históricas afirmações das comunidades tradicionais, insustentáveis. São precisas novas modalidades de interação socioambiental e o fenômeno jurídico vem recepcionando essas demandas através da criação e do fortalecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, elevado ao status de direito fundamental pela Constituição Federal de 1998 e por tratados internacionais.

Afirma Herman Benjamin que passamos, com o advento do regime constitucional vigente, da miserabilidade ecológico-constitucional à opulência ecológico-constitucional, criando-se um sólido arcabouço normativo de proteção ambiental. Se, historicamente, o direito refletiu uma visão de mundo assentada na falsa premissa de inesgotabilidade e abundância de recursos naturais e na compreensão da natureza como entidade robusta e invencível, a realidade contemporânea de poluição dos rios e da atmosfera, diminuição da biodiversidade e aumento da temperatura global permitiu ao ser humano e ao direito entenderem o meio ambiente como realidade frágil, sistêmica e ameaçada pela ação humana (BENJAMIN, 2008, p. 109).

Como consequência desse entendimento, vivencia-se nas mais diversas esferas da prática jurídica o diálogo com as premissas ecológicas e com as demandas ambientais, fortalecendo o arcabouço normativo de proteção ecológica através da interdisciplinaridade jurídica. Imbuído dessa interdisciplinaridade, um dos campos do direito a notadamente direcionar esforços no sentido de reforçar a tutela do ambiente foi o direito penal.

O objetivo desse texto é caracterizar e analisar a tutela penal do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacando os principais aspectos dessa esfera de normatização. Busca-se, nesse sentido, elencar os principais avanços obtidos através dessa tutela por meio de elogios ao sistema penal ambiental, tal como identificar os entraves e problemas dessa vertente de atuação jurídica através de sinceras críticas à proteção penal do meio ambiente. Pretende-se, assim, contribuir para o debate sobre os mecanismos vigentes de proteção jurídica do ambiente, trabalhando no sentido de sua cotidiana (re)construção.

 

1. Direito penal ambiental

Em virtude da necessidade humana de remodelar sua inserção frente à natureza, de modo a vivenciar estilos de produção e consumo menos degradantes, e como conseqüência da recepção jurídica dessa necessidade por meio da elevação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao status de direito fundamental, indispensável se tornou, também, que a proteção ambiental se desse através de instrumentos penais. Isso porque, em nossa dinâmica jurídica atual, a tutela penal objetiva proteger os direitos e bens jurídicos considerados mais valiosos ao ordenamento jurídico, sendo a última linha de ação a ser tomada para consecução dos fins a que se destina o direito.

Diz-se, por isso, que o direito penal é a razão última (“ultima ratio”) do ordenamento jurídico, sendo chamado a intervir nas situações em que a agressão atinja níveis intoleráveis ou quando seja objeto de intensa reprovação social. É o caso de degradações ao meio ambiente. Possui o meio ambiente ecologicamente equilibrado as características de valor social extremamente caro ao ordenamento jurídico pátrio, uma vez que é condição para a própria existência da vida humana. Sem o equilíbrio ambiental demandado não há vida, razão pela qual a agressão a tal equilíbrio é intolerável e é objeto de intensa reprovação social.

Afirma Edis Milaré que estaria arranhada a própria dignidade do direito penal se não acudisse o clamor social pela criminalização das condutas antiecológicas, enfatizando a gravidade dessas práticas antiambientais (MILARÉ, 2007, p. 914). É fato que o Constituinte Brasileiro previu, no próprio texto constitucional, que a proteção ambiental dar-se-ia no país, também por meio de sanções penais[1], ganhando a proteção jurídico-ambiental, assim, alicerces triplos, estruturados através de uma perspectiva civil, administrativa e penal.

De modo a dar vida às determinações constitucionais, em 1998 foi promulgado o principal texto normativo orientador da concretização jurídica na seara penal, a chamada Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/1998). Além desse texto normativo, a tutela penal do ambiente vê-se atualmente diluída através de outros diplomas legislativos, destacando-se entre eles a Lei nº 7.643/87, que criminaliza condutas vinculadas à pesca de cetáceos (baleias, golfinhos e botos); a Lei nº 6.766/79, que prevê crimes de parcelamento ilegal do solo urbano; e a Lei nº 8.974/95, que tipifica a liberação ou descarte no meio ambiente de organismos geneticamente modificados (OGM) em desacordo com as normas (SANTILLI, 2005, p. 389).

Sobre a Lei de Crimes Ambientais, principal texto normativo do direito penal ambiental, explica Paulo Affonso Leme Machado que ela nasceu de projeto enviado pelo Poder Executivo Federal, objetivando inicialmente apenas sistematizar as penalidades administrativas e unificar o valor das multas aplicadas. Após debates no Congresso Nacional, todavia, optou-se pela tentativa de consolidar a legislação relativa ao meio ambiente no que diz respeito ao direito penal (MACHADO, 1998, p. 487). Muitas condutas até então consideradas apenas contravenções penais foram elevadas à categoria de crimes, da mesma forma que uma série de novas condutas lesivas ao meio ambiente foram tipificadas.[2]

Repetindo discurso tradicionalmente utilizado pelos penalistas, Juliana Santilli enaltece os benefícios da existência de instrumentos legais consolidados para a tutela penal dos crimes ambientais afirmando que sua existência desempenha papel preventivo e didático, evitando danos ambientais mais graves por incutir o medo da punição. A autora destaca que o estigma social gerado pelo processo criminal é incomparavelmente superior ao dos processos civis e administrativos, ponderando que as repercussões simbólicas geradas pela criminalização das condutas ambientalmente danosas promovem conscientização pública (SANTILLI, 2005, p. 379).

De fato, embora a tutela penal não deva ser o principal instrumento jurídico a ser utilizado para proteção do meio ambiente, e embora esse discurso tradicional de defesa do direito penal esteja irremediavelmente desgastado, tanto pela banalização das condutas criminalizadas e pela ineficácia das penas aplicadas, quanto pela seletividade do sistema penal e pela impunidade amplamente disseminada, ele é, ainda, um instrumento útil. A perseguição penal realmente estigmatiza o perseguido e, assim, gera repercussões simbólicas no seio social que contribuem no direcionamento das condutas.

É preciso ter em mente, entretanto, que, apesar de ser a tutela penal do direito ao meio ambiente equilibrado útil, não deve ser o direito penal o principal veículo para conscientização pública sobre a necessidade de preservação ecológica. Esse papel deve ser predominantemente desempenhado por outras esferas do direito, em especial pela promoção de políticas públicas. Nesse sentido, esclarece Massa-Arzabe que a política pública funciona numa dimensão diferente da norma estruturada sobre a coerção, sendo mais eficiente para adequar condutas disseminadas ou culturalmente toleradas, como a degradação ambiental (MASSA-ARZABE, 2006, p. 57).

Complementa a autora que a estrutura da política pública permite o encaminhamento e tratamento do problema de forma mais razoável, interferindo em suas causas e não meramente em suas consequências, numa atuação preventiva e direcionadora (MASSA-ARZABE, 2006, p. 57). Ações como campanhas de educação ambiental, esclarecimento popular sobre direitos e deveres no que concerne à relação socioambiental, incentivo a modelos de produção e consumo sustentáveis, entre tantas, são linhas diretivas mais eficazes que a simples criminalização das condutas, embora a criminalização deva, também, fazer parte da dinâmica jurídica de proteção do meio ambiente.

Em raciocínio similar, Édis Milaré esclarece que, nos casos concretos, quando as demais esferas de responsabilização forem suficientes para atingir integralmente os dois objetivos primordiais da tutela ambiental – prevenção e reparação tempestiva e integral dos danos ao meio ambiente – não há, em tese, razão jurídica para incidência do direito criminal (MILARÉ, 2007, p. 917). No mesmo sentido, Luiz Regis Prado afirma que a orientação político-criminal na proteção do ambiente deve ser limitada e cuidadosa, submetendo-se a princípios constitucionais penais, como intervenção mínima e fragmentariedade, que são pilares do Estado democrático (PRADO, 1998, p. 17).

A sanção penal deve ser, de fato, a “razão última” do ordenamento jurídico, a ser utilizada somente nas hipóteses de violações graves ao bem jurídico ambiental. O direito penal cumpre, assim, uma função subsidiária, contribuindo para garantia dos preceitos constitucionais de proteção ambiental. Embora subsidiária, a tutela penal desse importante direito fundamental revela-se necessária e geradora de avanços significativos, portando uma série de aspectos positivos que devem ser adequadamente caracterizados.

 

2. Aspectos positivos da tutela penal do ambiente

Um primeiro aspecto positivo a ser destacado no que atine à tutela penal do ambiente no direito pátrio refere-se ao caráter das penas predominantemente previstas. Destaca Paulo Affonso Leme Machado que as penas de privação de liberdade eventualmente aplicadas não ultrapassarão, em sua maioria, o cômputo máximo de quatro anos, razão pela qual a pena de prisão, exceto nos casos de reincidência, não será efetivamente cominada ao criminoso ambiental. Dessa forma, para o autor, fica afastada a promiscuidade carcerária, fundando-se uma sistemática de penalização que tem por base a aplicação de outras sanções penais e a conversão de eventuais penas de privação de liberdade em penas alternativas (MACHADO, 1998, p. 588).

O relatório do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), vinculado ao Departamento Penitenciário Nacional (Ministério da Justiça) demonstra, com base em índices estatísticos sobre a população carcerária do Brasil em dezembro de 2010, a realidade concreta da não aplicação de penas de privação de liberdade aos crimes ambientais. Enquanto a população carcerária brasileira, à época, contabilizava um total de 496.251 pessoas, os presos com condutas tipificadas na Lei de Crimes Ambientais contabilizavam um total de 139 indivíduos, representativos de somente 0,028% do total de presos (BRASIL, 1998, online).

Já está extensamente demonstrada a ineficácia da privação da liberdade no atendimento das demandas supostamente legitimadoras de sua aplicação. A estada temporária nos presídios brasileiros, superlotados e precários, não proporciona instrumentos para re-socialização do indivíduo, não instrui ou educa valores socialmente interessantes, tampouco permite que a reinserção do preso, após cumprimento da pena, dê-se em patamares mínimos de dignidade. A violação dos direitos fundamentais é flagrante e constante, razão pela qual, antes de se falar de tutela penal dos direitos humanos através da privação da liberdade, é imprescindível falar-se da demanda pela tutela humana nos direitos penais, buscando redirecionar a racionalidade que move a atuação estatal nos presídios.[3]

Por essas razões, aplaude-se o legislador brasileiro, que previu uma sistemática penalizadora diversa da orientação predominantemente encarceradora, estabelecendo penas máximas de prisão relativamente baixas e prevendo uma série de penas alternativas, entre as quais: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, suspensão parcial ou total das atividades, prestação pecuniária e recolhimento domiciliar.

Aplaude-se o legislador, também, por ter vinculado, com a Lei de Crimes Ambientais, a aplicação das penas e de outras garantias processuais à racionalidade de proteção ambiental, visando a recuperação do dano eventualmente gerado. Vê-se claramente esse objetivo da tutela penal do ambiente na previsão da pena de prestação de serviços à comunidade, expressamente destinada à realização de tarefas junto a parques e unidades de conservação, ou à restauração da coisa danificada, entre outros.[4] Na mesma linha, estabelecem os artigos 27 e 28 da Lei de Crimes Ambientais que as propostas de transação penal e de suspensão condicional do processo, quando envolverem crimes ambientais, devem conter uma condição específica e obrigatória: a prévia composição do dano ambiental, constatada por meio de laudo técnico, ressalvada a hipótese de impossibilidade de recomposição.[5]

Explica Juliana Santilli que, por sua própria natureza e circunstâncias, a prática de crimes ambientais recomenda a aplicação de penas e medidas alternativas à prisão. Enfatiza a autora, ainda, que é notável a preocupação legislativa de que as penas e medidas alternativas impostas aos infratores da legislação penal ambiental guardem conexão e pertinência com a defesa do meio ambiente, de modo a intensificar os objetivos gerais da tutela ambiental (SANTILLI, 2005, p. 399-400).

Também coadunada com os objetivos gerais da tutela ambiental revela-se a tipificação de crimes de perigo. Explica Paulo José da Costa Júnior que os crimes de perigo se verificam sempre que se transfira o momento consumativo do crime da “lesão” para a “ameaça”, aperfeiçoando-se o delito no instante em que o bem tutelado encontrar-se numa condição objetiva de possível ou provável lesão (COSTA JÚNIOR, 1996, p. 74-75). Dessa forma, protegendo também a ameaça, e não simplesmente a lesão, adéqua-se a tutela penal do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ao objetivo eminentemente preventivo do direito ambiental.

É sempre preferível prevenir o dano a remediar suas consequências. O recurso à tipificação de crimes de perigo permite, nesse sentido, conformar a finalidade repressiva do direito penal com a finalidade preventiva do direito ambiental, punindo a ameaça a lesão como forma de se evitar que esta ocorra. Explica Édis Milaré que é um desafio de todas as disciplinas jurídicas que cuidam da gestão do ambiente abarcar também os riscos, e não somente os danos, uma vez que o prejuízo ambiental é, muitas vezes, de larga dimensão e de difícil reparação, além de sua identificação ser complexa (MILARÉ, 2007, p. 922-923).

Andou bem o legislador, assim, ao prever os chamados tipos de perigo, em especial os de perigo abstrato, em relação aos quais é suficiente a mera probabilidade de dano.[6]

Andou bem o legislador, também, ao concretizar a determinação constitucional que permite e prevê a criminalização das pessoas jurídicas. Para Édis Milaré, é esse o principal avanço da Lei de Crimes Ambientais (MILARÉ, 2007, p. 944). Sem adentrar a fundo a intensa discussão doutrinária e científica que se trava nos fóruns de todo o mundo a respeito da temática[7], e sem negar que uma criminalização de tal tipo abala as estruturas científicas do direito penal[8], temos de admitir seus benefícios e, por isso, elogiá-la.

A estigmatização inerente ao processo de perseguição e condenação penal traz, indubitavelmente, fissuras mais significativas à imagem de pessoas, naturais ou jurídicas[9]. Aplicando-se esse desgaste próprio da penalização penal às pessoas jurídicas, portadoras inerentes de demandas por receptividade e aceitação junto à opinião pública (seus consumidores), impõe-se que sua ação torne-se mais cuidadosa, objetivando evitar os desgastes referidos. A “marca” e a “imagem” de uma empresa é, hoje, fonte de aumento ou diminuição das vendas, não sendo interessante às pessoas jurídicas terem sua “imagem” associada à prática de crimes ambientais.

Apesar disso, é preciso não perder de vista que a forma como a opinião pública tem acesso às informações processuais a respeito da ação ambientalmente danosa de pessoas jurídicas é mediada, em nosso modelo de Sociedade, pelos meios de comunicação de massa, em sua grande maioria privados. A eficiência ou ineficiência do desgaste gerado pela associação com a prática de crimes ambientais dependerá, desse modo, da atuação dessas empresas privadas de comunicação de massa, não sendo obtida a priori. A criminalização das pessoas jurídicas não resolve, desse modo, o problema das práticas ambientalmente degradantes das empresas, contribuindo pouco para o avanço no trato dessa temática sem a contribuição dos veículos de comunicação impressa e audiovisual.

De qualquer modo, o redimensionamento da relação humano/ambiente é uma necessidade contemporânea, que poderá ser auxiliada por instrumentos do direito penal, mas de forma alguma poderá ser exclusivamente solucionada por ele. É preciso uma transformação radical das diretrizes que movem a inserção humana sobre o meio ambiente, sendo insuficientes as contribuições do direito penal se desassociadas de outras modalidades de ação jurídico-social.  

É preciso não perder de vista, também, que o elogio mais sincero a ser feito à tutela penal do ambiente deverá ser dirigido às suas conquistas concretas na defesa desse direito fundamental, e não aos seus avanços potenciais ou textuais. O texto normativo não é a norma jurídica, sendo apenas potência normativa a ser concretizada pela atuação diária dos atores sociais envolvidos na construção do direito (MÜLLER, 2009, passim). Embora os textos normativos que regem a tutela penal ambiental carreguem o potencial de contribuir na proteção ecológica, através dos diversos instrumentos anteriormente enfocados, será preciso que os atores sociais envoltos em sua concretização realizem esse potencial, vivificando o direito. Será preciso que esses atores sociais construam normas jurídico-penais imbuídos do desejo de prevenção e de restauração do dano ambiental, pilares ideológicos do direito ambiental.

Embora seja possível visualizar alguns elementos aptos a indicar o merecimento desse elogio pela tutela penal do meio ambiente, não é possível fazê-lo neste trabalho, por crer que demandaria uma pesquisa empírica de relevo, visando fundamentar em dados estatísticos e em análises qualitativas as assertivas sobre a real contribuição do direito penal ambiental à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ainda assim, sem dúvida alguma, a tutela penal do ambiente constitui-se num avanço do ordenamento jurídico pátrio, traduzindo-se no reconhecimento da importância e centralidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado na dinâmica societária atual.

 

3. Críticas à tutela penal do ambiente

Traduzir-se num avanço, porém, não significa isentar a tutela penal do ambiente de críticas. Ao contrário, diversos são os equívocos na forma como ela tem se dado no Brasil e diversas são as demandas por melhoria da sistemática atualmente implantada.

Começaremos pelos vetos presidências à Lei de Crimes Ambientais. Ao todo foram dez vetos, modificando o texto final aprovado pelo Congresso Nacional e diminuindo a abrangência e alcance da tutela penal do ambiente pela eliminação de alguns tipos penais e instrumentos processuais previstos, predominantemente de modo a atender ao interesse de grandes grupos econômicos. O lobbie de alguns setores foi mais forte que o desejo social e parlamentar de tentar eliminar algumas condutas danosas através de sua criminalização.

Um dos vetos de maior importância para o nordeste paulista foi, certamente, o veto ao artigo 43[10], que criminalizava a prática das queimadas. Visando atender aos interesses dos setores ruralistas, em particular do setor canavieiro, que à época utilizava-se da nociva prática das queimadas, o veto contribuiu para perpetuar o uso essa degradante prática agrícola, até hoje presente nos canaviais brasileiros. A despeito de sua nocividade cientificamente comprovada, da intensa poluição atmosférica gerada e das consequências danosas produzidas pelo contato humano com essa poluição atmosférica, a queima continua presente no dia-a-dia das comunidades canavieiras, tendo perdido o legislador uma excelente oportunidade para contribuir na luta político-jurídica pela eliminação dessa prática agrícola.[11]

Outro veto objetivou atender ao interesse dos evangélicos, que frequentemente realizam cultos com a emissão de ruídos acima dos níveis permitidos em lei e, por isso, fizeram pressão política contra o artigo 59[12], que buscava criminalizar a poluição sonora. Mais uma vez, a força política de um grupo social prevaleceu sobre os interesses da comunidade. Foi assim, também, no veto ao artigo 57[13], que previa o crime de importação ou comercialização de substancias ou produtos tóxicos ou potencialmente perigosos ao meio ambiente e à saúde pública. Fruto de pressões exercidas principalmente pela indústria dos agrotóxicos, o veto contribuiu para diminuição do alcance da Lei de Crimes Ambientais.

Outra perda lamentável veio anteriormente, durante a tramitação na Câmara dos Deputados, uma vez que houve a exclusão de um artigo previsto no projeto aprovado no Senado, que versava sobre a possibilidade de as associações que atuam na área ambiental intervirem no processo penal como assistentes do Ministério Público e proporem ação penal subsidiária (por crimes ambientais), se a denúncia não fosse oferecida pelo Ministério Público no prazo legal. A intervenção cidadã promoveria maior democratização e transparência do processo penal, não devendo ter sido descartada pelo legislador. Outro avanço viria, certamente, no auxílio ao Ministério Público na produção de provas, através da realização de laudos periciais, identificação de testemunhas, entre outras (SANTILLI, 2005, p. 378-379). 

Outra crítica a ser feita à tutela penal do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado destina-se à interpretação doutrinária e jurisprudencial que defende a inaplicabilidade do princípio da insignificância em matéria ambiental. Em oposição a essa corrente hermenêutica, cremos que a aplicação do direito penal ambiental deve coadunar-se com a evolução garantista do direito penal, não sendo possível defender que o corte de algumas poucas árvores ou o plantio de pequenas hortas em áreas protegidas constitua crime ambiental. Possui a proteção jurídica do ambiente outros instrumentos para lidar com tais demandas (a exemplo das tutelas civil e administrativa), não devendo o sistema penal ser acionado nessas ofensas ao meio ambiente de significância reduzida.

Direcionar a ação do sistema penal para essas condutas e circunstâncias, ademais, significa reproduzir uma lógica perversa e amplamente questionável de seletividade e direcionamento do aparato repressivo para determinados grupos sociais. Ora, as vultuosas degradações ambientais, geradoras de graves lesões ao equilíbrio ambiental e legitimadoras da ação jurídico-penal, são praticadas, na maioria das vezes, através de condutas sistemáticas e repetidas ou através de atos singulares significativos. São práticas, assim, de grandes corporações ou de pessoas físicas com elevado poder econômico.

As práticas de pequenos sitiantes ou de pessoas economicamente fragilizadas e distantes do acesso à educação ambiental, em contrapartida, são as que poderão ensejar a aplicação do princípio da insignificância. Impossibilitar tal aplicação significa direcionar o sistema penal para criminalização, mais uma vez, dos grupos sociais excluídos, compactuando com essa lógica perversa. É preciso pôr no centro do debate jurídico sobre a tutela penal do ambiente o questionamento sobre quais são as ofensas verdadeiramente passíveis de criminalização, na repressão das quais deverá ser utilizada a “razão última” do ordenamento jurídico. Para outras ofensas, de menor relevância, devemos utilizar a “razão primeira”, consistente na aplicação da tutela civil ou administrativa.

Para nós, a não aplicação do princípio da insignificância dificulta a incidência desse questionamento, fazendo crer que qualquer enquadramento no tipo penal descrito constitua, por si só, prática criminosa. É urgente a demanda pela proteção ambiental, mas tal urgência não pode fazer desmoronar o aparato garantista de proteção frente à tutela penal, sob pena de violar direitos fundamentais valiosos às condições de vida em Sociedade.[14]

Outra importante crítica a ser feita, especialmente direcionada ao Ministério Público, vincula-se à forma como a tutela penal do direito ao meio ambiente vem sendo apropriada pela instituição como direcionar único (ou principal) da tutela civil por ela empreendida, em especial no que tange à recomposição de áreas de preservação permanente (APP) nos imóveis rurais. É prática comum nas Promotorias que a única (ou principal) fonte de conhecimento para instauração de inquéritos civis para regularização florestal de imóveis rurais seja a constatação, pela Polícia Ambiental, da ocorrência de danos em APP dos imóveis rurais.

A partir de boletins de ocorrência lavrados pela Polícia Ambiental, cujas cópias são remetidas ao Ministério Público, essa instituição age visando a regularização ambiental desse imóvel rural específico. O problema reside, todavia, não na busca da regularização civil desses empreendimentos, com a qual concordamos, mas na predominância da utilização dessa forma de conhecimento dos passivos ambientais existentes em detrimento de outras. Ora, a atuação policial é repressiva e retroativa, partindo de constatações realizadas em patrulhamento ou de informações direcionadas por particulares.

De forma a aumentar a eficácia e a abrangência, a atuação civil do Ministério Público na busca pela regularização florestal deve ter por pauta uma dinâmica prospectiva, e não retroativa. Ao invés de agir impulsionado pela Polícia Ambiental, deveria o Ministério Público contribuir no direcionamento das ações de policiamento, objetivando, por exemplo, a regularização florestal dos maiores imóveis rurais da comarca ou região como forma de maximizar o ganho socioambiental obtido. A maioria dos inquéritos civis instaurados deveria, assim, ter como fonte de conhecimento uma atuação prospectiva do Ministério Público, e não uma atuação retroativa que tenha por base a repressão policial.

Dentro dessa lógica deverão, também, ser instaurados inquéritos civis baseados nas demandas trazidas pela Polícia Ambiental, mas a maior parte deverá vir de uma atuação prospectiva da instituição. Exemplo dessa atuação prospectiva reside nos recentemente criados Grupos de Atuação Especial em Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), que tem como fundamento da atuação civil o direcionamento para recomposição florestal de APP e reservas florestais legais dos grandes imóveis rurais. Através de listagens de grandes imóveis rurais obtidas junto a órgãos públicos, o GAEMA atua prospectivamente, direcionando a ação institucional e o policiamento de modo a maximizar os ganhos ambientais obtidos.

O entendimento da necessidade de direcionamento predominantemente prospectivo da atuação ambiental civil faz parte, como não poderia deixar de ser, do amadurecimento na tutela penal e civil do ambiente pelo Ministério Público, sendo notáveis os avanços já obtidos. Pesquisa estatística ainda não publicada, realizada pelo co-autor José Andrade Júnior no município de Batatais (SP), revelou que, na 1ª Promotoria de Justiça de Batatais (SP), entre os procedimentos que versam sobre tutela ambiental florestal (APP e/ou reserva legal), com data de início até 2005, 61% foram instaurados a partir de ações de policiamento. Entre 2006 e 2010, entretanto, a porcentagem de procedimentos instaurados a partir de ações de policiamento caiu para 10%, demonstrando a modificação na racionalidade predominante no direcionamento institucional desta Promotoria, que passou a contribuir no direcionamento das ações de policiamento, numa atuação prospectiva e não mais estritamente retrospectiva.[15]

Ainda no que concerne à atuação do Ministério Público na tutela penal do meio ambiente, cabe criticar a divisão interna entre as atribuições penais e civis promovida pela instituição na maioria dos municípios. Via de regra, em especial nas grandes cidades, as Promotorias especializadas em meio ambiente tem atribuição estritamente civil, sendo a atribuição penal deixada a cargo das Promotorias penais. Desse modo, impede-se a maximização da capacidade de proteção ambiental pela acumulação das atribuições e pelo uso conjugado de instrumentos penais e civis por um mesmo Promotor.

Como última crítica a ser feita, destaca-se a imprecisão terminológica e a má qualidade técnica de alguns diplomas legais que pautam a tutela penal do ambiente, em especial a Lei de Crimes Ambientais. Conforme afirma Édis Milaré, “continuam os juristas pátrios com o débito de escrever para a nossa sociedade um Direito Ambiental Penal à altura do grande patrimônio que precisamos defender para as porvindouras gerações” (MILARÉ, 2007, p. 956-957).

 

Considerações Finais

A despeito das críticas realizadas, necessárias para a (re)construção do direito penal ambiental, visando aumentar a sua eficácia protetiva e maximizar sua contribuição à tutela jurídica do meio ambiente, importante revela-se prestar nosso tributo a essa importante linha de atuação normativa. A tutela penal do ambiente traduz-se numa importante conquista, especialmente textualizada através da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1996).

Passos importantes deverão, ainda, ser dados. Destacamos entre eles a necessidade de aplicação plena do princípio da insignificância nas demandas ambientais; a demanda de direcionamento prospectivo da atuação civil no Ministério Público (libertada, em parte, da atuação repressivo-penal); e a melhoria técnica do arcabouço legislativo existente. Oportunidades importantes foram perdidas, por sua vez, ao sujeitar-se a edição da Lei de Crimes Ambientais ao lobbie de alguns setores, em especial o setor ruralista, a indústria de agrotóxicos e os evangélicos. Talvez, num futuro momento, poderão ter os tipos penais vetados sua discussão retomada, no Parlamento e na Sociedade.

De todo modo, passos importantes já foram dados. A tutela penal do ambiente subordinou-se, em diversos pontos, à preciosa racionalidade do direito ambiental. Na aplicação das penas e de outras garantias processuais, exigiu que o infrator reparasse o dano ambiental causado. Na tipificação de algumas condutas, adotou a técnica dos crimes de perigo, atuando, assim, na prevenção dos danos ambientais pela criminalização das práticas que geram possibilidade de dano. Desse modo, prevê a prevenção e a reparação. Na previsão das penas, por sua vez, afastou-se da perversa racionalidade encarceradora.

Previu a criminalização da pessoa jurídica, com o que se obteve um instrumento finalisticamente interessante para a tutela ambiental, embora ao custo de abalos significativos na cientificidade e no rigor do direito penal.

Efetivou, por fim, as determinações constitucionais, cabendo agora aos atores envolvidos no processo de normatização social a tarefa de concretizar o direito penal ambiental à luz dos princípios constitucionais e à luz de uma hermenêutica garantista e ambientalmente protetiva. Será esse o maior desafio do direito penal ambiental: proteger o meio ambiente sem violar a dignidade da pessoa humana e as garantias processuais e penais.

 

Referências

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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

MASSA-ARZABE, Patrícia Helena. Dimensão jurídica das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 51-74.

MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. 2. ed. Tradução de Peter Naumann, Eurides Avance de Souza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

PRADO, Luis Regis. Crimes contra o ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

SANTILLI, Juliana. Crimes contra o meio ambiente. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga (Org.). O direito e o desenvolvimento sustentável: curso de direito ambiental. Brasília, DF: IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005. Cap. 12, p. 375-407.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 4. ed. Tradução de Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

 

[1] Constituição de 1998: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. […]§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. […]”.

[2] Juliana Santilli destaca, entre as condutas anteriormente consideradas contravenções penais e, com a Lei de Crimes Ambientais, criminalizadas, a destruição ou danificação de floresta de preservação permanente e os crimes contra a fauna. Entre os novos tipos penais, a autora destaca: causar dano direto ou indireto a unidades de conservação ambiental, a pichação e grafitação de monumentos públicos, entre outros (SANTILLI, 2005, p. 376).

[3] Com essa assertiva, não se está defendendo a interrupção da utilização da pena de privação de liberdade. Defende-se a modificação da racionalidade de sua utilização, conjugando-a necessariamente com a realização de ações eficazes de reeducação social, previsão de medidas de ressocialização e de projetos estruturados de reinserção, após o cumprimento da pena. Sem essas ações, a pena de privação de liberdade é inócua, agravando a situação pessoal e social do preso. A privação de liberdade, ademais, deve ser destinada a poucos casos, quando realmente se mostrar necessária.

[4] Lei 9.605/1998: “Art. 9º A prestação de serviços à comunidade consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível.”

[5] Lei 9.605/1998: “Art. 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade. Art. 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações: I – a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do § 1° do mesmo artigo; […]”.

[6] Nesse sentido o crime de poluição, da Lei 9.605/1998: “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: […]”.

[7] Entre os países que permitem a responsabilização criminal da pessoa jurídica estão: França, Portugal, Estados Unidos, Japão, Canadá, Austrália, Grã-Bretanha, Irlanda do Norte, Holanda, México e Cuba. Na Espanha e Itália ela não é admitida. Na Alemanha, por sua vez, são impostas sanções às pessoas jurídicas por meio do chamado “direito penal administrativo”. No Brasil, entre os doutrinadores que admitem a responsabilidade penal da pessoa jurídica destacam-se: Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, José Henrique Pirangeli, Paulo Affonso Leme Machado, Sérgio Salomão Shecaira, Walter Claudius Rothenburg, entre outros. Não admitindo a responsabilidade penal: René Ariel Dotti, Luis Régis Prado, Miguel Reale Júnior, Luiz Vicente Cernicchiaro e outros (SANTILLI, 2005, p. 391-392).

[8] Entre os argumentos comumente empregados para defender a antijuridicidade da criminalização das pessoas jurídicas, incluem-se: a pessoa jurídica é desprovida de consciência e vontade, e não pode cometer crimes porque não é possível aferir sua culpabilidade, que se baseia em elementos anímicos próprios da pessoa humana, tais como exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude; não há responsabilidade penal sem culpa (objetiva) no sistema constitucional brasileiro; a Lei de Crimes Ambientais viola as garantias constitucionais da personalidade e individualização da pena (art. 5º, XLV e XLVI, da Constituição), pois não estabelece a pena cominada à pessoa jurídica para a prática de cada crime ambiental, o que faz com que o juiz tenha de decidir dentro do rol das penas aplicáveis à pessoa jurídica estabelecidos nos artigos 21 a 24 da Lei nº 9.605/1998(SANTILLI, 2005, p. 391-392). É inegável a juridicidade desses argumentos e, assim, o abalo trazido à cientificidade do direito penal pela criminalização das pessoas jurídicas.

[9] A estigmatização do condenado é, inclusive, um dos graves problemas enfrentados pelos ex-presidiários em suas tentativas de reinserção social. Para uma crítica do sistema penal em uma perspectiva abolicionista, confira a obra de Louk Hulsman e Jacqueline de Celis.

[10] Mensagem nº 181/1998 (vetos à Lei de Crimes Ambientais): “Art. 43. (VETADO) Fazer ou usar fogo, por qualquer modo, em florestas ou nas demais formas de vegetação, ou em sua borda, sem tomar as precauções necessárias para evitar a sua propagação: […]”.

[11] Para Ana Paula da Cruz, a prática de queima da cana-de-açúcar configura, ainda assim, em tese, crime ambiental tipificado no artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais: poluição (CRUZ, 2000, p. 54). Há, inclusive, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmando que “[…] a queima descontrolada e ilegal da lavoura canavieira pode configurar infração penal ambiental, caso provoque poluição atmosférica prejudicial à saúde humana, ex vi do art. 54, § 2º, II, e § 3º, da Lei 9.605/98” – recurso ordinário em habeas corpus nº 14.218 – SP (2003/0038710-9).

[12] Mensagem nº 181/1998 (vetos à Lei de Crimes Ambientais): “Art. 59. (VETADO) Produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão e imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades: […]”.

[13] Mensagem nº 181/1998 (vetos à Lei de Crimes Ambientais): “Art. 57. (VETADO) Importar ou comercializar substâncias ou produtos tóxicos ou potencialmente perigosos ao meio ambiente e à saúde pública, ou cuja comercialização seja proibida em seu país de origem: […]”.

[14] Sobre a seletividade do sistema penal, valiosas são as contribuições teóricas de Eugenio Zaffaroni (ZAFFARONI, 1999). Amparado nas lições do penalista argentino, restam iminentes as indagações sobre a origem social das 139 pessoas com a liberdade privada pela prática de crimes ambientais. Serão 139 empresários, grandes proprietários rurais ou marajás da indústria pesqueira? Ou serão 139 pessoas economicamente debilitadas, com baixa instrução escolar e parca cultura de preservação ambiental? Serão pequenos pescadores presos em flagrante pela pesca na “piracema” ou serão grandes usineiros, responsáveis pela prática sistemática de queima da cana-de-açúcar, geradora de intensa poluição atmosférica, degradação de solos e lençóis freáticos, pelo aumento dos problemas respiratórios e pela diminuição da qualidade de vida nas cidades canavieiras? Somente uma sólida pesquisa empírica responderia essa questão com a certeza que a ciência demanda, mas os indícios são apontam firmemente a tendência de repetição da lógica de penalização criminal dos grupos fragilizados também nos crimes ambientais…

[15] A pesquisa foi realizada a partir da análise dos inquéritos civis (arquivados e em curso) e das ações civis públicas (arquivadas e em curso) instaurados/ajuizados na/pela 1ª Promotoria de Justiça de Batatais (SP) entre 1995 e 2010. Abordando a tutela ambiental florestal (APP e/ou reserva legal) são, ao todo, 148 procedimentos. Entre aqueles com data de início até 2005, são ao todo 97 procedimentos, 60 dos quais iniciados a partir do envio de cópias de boletins de ocorrência ou de inquéritos policiais (ações de policiamento, portanto). Entre 2005 e 2010, por sua vez, foram instaurados/ajuizados 51 procedimentos, 5 dos quais noticiados inicialmente através de ações de policiamento. Nota-se, assim, uma drástica inversão da racionalidade propulsora, que deixou de ser retroativa e passou a ser prospectiva. Atualmente, os maiores imóveis rurais do municípios estão tendo sua regularização pleiteada através de inquéritos civis e/ou ações civis públicas, uma vez que, a partir de listagem enviada pelo Cartório de Registro de Imóveis local identificando as propriedades do município maiores que 200 hectares, a 1ª Promotoria de Justiça de Batatais (SP) passou a atuar prospectivamente, buscando a regularização florestal desses imóveis. Passou, assim, a direcionar as ações de policiamento, tornando mais eficiente a ação protetiva do ambiente.

Elisabete Maniglia

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