A função ambiental da propriedade rural: uma análise da constituição federal brasileira acerca do exercício do direito de propriedade.

Scarica PDF Stampa
RESUMO
 
            O presente trabalho consiste no exame do direito de propriedade sob o enfoque social e ambiental, evidenciando, dessa forma, a relação direta entre o exercício do direito de propriedade e as conseqüências ambientais advindas dessa relação, conforme os preceitos elencados na Constituição Federal de 1998. Assim, a propriedade deixa de ser considerada apenas como um direito absoluto, perpétuo e exclusivo, e passa a ser vista como uma propriedade dinâmica, cumpridora de uma função social e ambiental. Sendo que, diante do perfil constitucional brasileiro, não se pode negar que a propriedade possui uma função ambiental a cumprir, consubstanciado no dever do aproveitamento racional e adequado da propriedade, a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente. A propriedade, agora sob novo regime, implica que deve-se respeitar os bens ambientais tutelados pelo direito, de maneira a manter o equilíbrio ecológico visando o bem estar das presentes e futuras gerações.
            Palavras-chave: Meio ambiente – propriedade rural – função social – função ambiental
 
 
ABSTRACT
 
            The present work consists in the exam of property law under the social and environmental scope with the purpose of evidencing the relation between the exercise of propriety law and the environmental consequences, succeeding of this relation in conformity with the principles presents in the Brazilian Federal Constitution of 1988. Thus, the property is no longer considered as an absolute, endless and exclusive right and start to be seen as a dynamic propriety, which performs a social and environmental function. In the Brazilian constitutional profile can’t be denied that the propriety has an environmental function to fulfill, represented by the duty to use the propriety in a rational and suitable way along with the correct utilization of natural resources and the preservation of the environment. The propriety, now under a new regime, implicates that we should respect the environmental assets protected by law with the purpose of sustaining the ecological balance, and therefore, the welfare of the present and future generations.
            Key-Words: Environment – rural property – social function – environmental function
 
            INTRODUÇÃO
 
            O presente trabalho tem como objetivo principal mostrar a relação direta existente entre a propriedade rural e a conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
            Com o advento da Constituição Federal de 1988, a propriedade perdeu o seu caráter eminentemente individualista passando a se harmonizar o exercício do direito de propriedade ao bem-estar da sociedade, adequando-se e limitando-se os poderes conferidos ao proprietário em benefício de um ambiente mais saudável para a presente e as futuras gerações.
            Não se trata apenas de uma simples limitação ao exercício do direito de propriedade, que para alguns continua sendo a faculdade conferida ao proprietário de usar, gozar, dispor e reaver o bem de quem quer que injustamente o detenha, mas muito mais do que isso, trata-se de uma propriedade dever.
            Dessa forma, não mais se contenta o direito de propriedade com a visão individualista de cumprir sua obrigação apenas para satisfazer o seu dono, mas sim, projeta-se além deste, relacionando-se com outros interesses, dentre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade, do aproveitamento do solo para o trabalho e do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
            A função social consiste na atividade exercida no interesse não apenas do sujeito que a executa, mas principalmente no interesse da coletividade. Sendo que a função ambiental da propriedade tem como objetivo justamente a manutenção do equilíbrio ecológico enquanto interesse de todos, beneficiando tanto a sociedade quanto aquele que a exerce.
            O intuito é justamente mostrar a evolução do conceito da propriedade, superando a idéia individualista e privatística para alcançar uma forma social e supra-individual, como está disposto na Constituição Federal de 1988, e que serve de base para a proteção jurídica do meio ambiente.
            E quando se trata da propriedade rural o contato do proprietário com os recursos naturais presente na terra é ainda mais direto, uma vez que a atividade rural implica a exploração dos recursos naturais da propriedade e, se não foram bem conduzidos, podem provocar a degradação a curto e a longo prazo desses recursos.
            O que se pretende demonstrar é justamente a concepção jurídica que inclui um elemento socioambiental no conteúdo da propriedade rural, redefinindo sua tradicional concepção individualista.
 
 
1. A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E O DIREITO AO MEIO AMBIENTE
 
            A Constituição Federal, no caput do art. 225, dispõe que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
            Contudo a grande dificuldade consiste em conceituar o que é o meio ambiente[1]. Muito mais do que uma expressão redundante trata-se de algo que as pessoas sabem o que é, mas não conseguem expressar em palavras o que seja[2].
            Esse risco foi assumido pelo legislador brasileiro, ao definir o meio ambiente no inciso I, do art. 3º[3], da Lei nº 6.938/81, como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
            A expressão meio ambiente, como se vê na conceituação do legislador da Lei 6.938/81, e até no art. 225, da Constituição Federal de 1988, não retrata apenas a idéia de espaço, de simples ambiente, pelo contrário, vai além, para significar, ainda, o conjunto de relações entre os fatores vivos e não vivos ocorrentes nesse ambiente e que são responsáveis pela manutenção, abrigo e residência de todas as formas de vida existentes nesse ambiente[4].
            Tem-se, portanto, que o conceito presente no inciso I, do art. 3º, da Lei nº 6.938/81 tem por finalidade a proteção, a preservação de todas as formas possíveis de vida, sendo que para alcançar tal objetivo deve-se resguardar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.
            Assim, proteger o meio ambiente significa proteger o espaço, o lugar que abriga, que permite e que conserva todas as formas de vida, entre estes lugares, será analisado mais especificamente a terra, através da função ambiental da propriedade.
            Ademais, percebesse que o conceito de direito ambiental adota a visão biocêntrica, ou seja, o legislador distanciou-se da idéia do homem ser algo distinto do ambiente em que vive. Dessa forma, o meio ambiente é a única forma do homem preservar a si mesmo,
Nos dias atuais, num mundo em que se enxerga que o bem ambiental de hoje pertence às futuras gerações, não pode mais subsistir a visão antropocêntrica, fruto de um liberalismo econômico exagerado e selvagem[5].
            Cabe salientar, que a visão biocêntrica presente no conceito de meio ambiente, também deve ser observada na relação entre o homem e a propriedade, uma vez que não se pode dissociar o homem da propriedade como se fazia no pensamento liberal individualista. Pelo contrário, cabe ao homem tutelar pelo cumprimento da função ambiental da propriedade, garantindo, assim, o equilíbrio ecológico do meio ambiente essencial à sadia qualidade de vida.
 
2. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
 
            A propriedade privada, tal como foi definida no Código Civil brasileiro, foi idealizada segundo o esquema da propriedade romana, sendo modelada como um conceito universal de verdadeiro direito subjetivo, fruto da extensão da própria personalidade e liberdade do homem, e, a princípio, acessível a todos os cidadãos.
            Esta feição de uma propriedade individual de conteúdo amplo foi a base para o desenvolvimento do capitalismo industrial, sem os resquícios dos usos e costumes da vida econômica medieval. Entretanto, esta concepção da propriedade clássica já trazia em si o início de sua superação, tendo em vista o processo de transformação do capitalismo moderno.
            Assim, a influência dos direitos dos trabalhadores e uma crescente limitação da autonomia privada em favor dos empregados, num incessante conflito de interesses, determinaram à incoerência e, posteriormente, a crise da prevalência do modelo clássico de propriedade.
            Segundo Orlando Gomes[6], “A partir do momento em que o ordenamento jurídico reconheceu que o exercício dos poderes do proprietário não deveria ser protegido tão-somente para satisfação do seu interesse, a função da propriedade tornou-se social”.
Nesse espírito a Constituição Federal de 1988 inovou, dispondo em seu art. 5º, “XXII – é garantido o direito de propriedade” e “XXIII – a propriedade atenderá à sua função social”. O legislador inseriu tal vontade também no art. 170[7], referente à ordem econômica.
            Logo, com o advento da Constituição Federal de 1988, a propriedade transmutou seu caráter constitucional individualista em um instituto de natureza social, que vai além da simples limitação do direito de propriedade. Não pretende o legislador apenas conciliar o interesse do proprietário com um programa social, mas sim, representa uma verdadeira alteração em seu conteúdo, submetendo os interesses patrimoniais aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, entre eles, o princípio da função social da propriedade[8].
O direito de propriedade passa a subordinar-se aos reclamos da sociedade, a ter uma missão social, tanto no que se refere aos imóveis urbanos, conforme disposto no art. 182[9], § 2º, da Constituição Federal, como aos imóveis rurais, segundo o art. 186[10], e seus incisos, da Carta Magna.
            Portanto, se de um lado é assegurada à liberdade ao indivíduo, por outro é assegurada à igualdade de todos. Se de um lado é garantido o direito de propriedade, por outro, a propriedade pode ser desapropriada em casos delimitados na lei e deve atender a sua função social como forma de garantir sua legitimidade.
            Dessa maneira, a função social da propriedade deve passar a ser considerada a essência do conceito. Não bastando à exibição do título de proprietário sem a prova da regularidade no cumprimento do dever. Não mais se contentado o direito de propriedade com a visão individualista de cumprir sua obrigação apenas para satisfazer o seu dono, mas sim, projeta-se além deste, relacionando-se com outros interesses, dentre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do aproveitamento do solo para o trabalho.
            Tal argumento é reforçado nos ensinamentos de León Duguit[11], que pregou o dever do proprietário dar uma destinação as suas terras, alcançando assim, uma finalidade social. Não podendo as mesmas servir apenas como meio de mera especulação imobiliária.
O direito de propriedade é garantido pela ordem jurídica, todavia deve ser exercido à luz da função social que lhe é inerente. Cumpridos estes requisitos, a propriedade é cumpridora de sua função social e seu proprietário faz jus ao legítimo direito de propriedade e tem direito à tutela do Estado.
            Portanto, é dever de todo o proprietário dar uma destinação social aos seus bens, ou seja, empregar a riqueza que possue em prol da sociedade, e não apenas buscar a satisfação dos seus interesses individuais. Sendo que, quando a propriedade não estiver cumprindo com sua destinação social, é legítima a intervenção do Estado no sentido de compelir o proprietário a dar uma destinação adequada aos seus bens.
            O princípio da função social tem como objetivo dar legitimidade jurídica à propriedade privada, tornando-a um instrumento capaz de diminuir as desigualdades sociais, e, dessa forma, garantir o efetivo cumprimento dos princípios do Estado Democrático de Direito.
Isto significa dizer que, os direitos individuais, atribuídos a cada cidadão, devem coexistir com os interesses e deveres superiores do Estado inscritos no texto constitucional e que, em tese, devem coexistir com os interesses coletivos. Podem e devem os direitos particulares ter vida e ser exercidos conjuntamente aos interesses gerais, procurando estes não entrar em conflito, pois no caso de haver algum conflito entre ambos, os interesses individuais ou particulares têm de se subordinar aos interesses coletivos, ou seja, ao cumprimento da função social da propriedade[12].
            A propriedade somente se compreende de forma adequada quando cumprir a sua função social. Assim, suas obrigações não se confundem com limitações ao direito do proprietário de utilizar seu bem, mas sim, a função social torna-se elemento essencial para a estruturação do conteúdo do direito de propriedade. Ou seja, a inatividade do proprietário, quando o mesmo estiver responsável por obrigações e ônus, determina a superveniente carência de legitimação à titularidade e ao exercício do direito de propriedade.
Com a evolução do direito, a propriedade deixou de ser um direito meramente subjetivo do indivíduo, e tende a se tornar a função do detentor de riqueza mobiliária e imobiliária. A propriedade, portanto, implica para todo detentor de uma riqueza, a obrigação de empregá-la de forma a fomentar o crescimento de uma riqueza social, ou seja, de uma riqueza que não só satisfaça o proprietário, mas também atinja de uma forma efetiva toda a coletividade[13].
Somente o proprietário pode executar esta tarefa social inerente à utilização da propriedade. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria. A propriedade, portanto, não é de modo algum um direito inatingível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que deve se modelar sobre as necessidades sociais às quais deve corresponder.
 
3. FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE RURAL
 
            O princípio da função social da propriedade interfere de maneira distinta em cada forma de propriedade. Em relação à propriedade urbana, o artigo 182, § 2º, da Constituição Federal, estabelece o cumprimento da função social quando a propriedade atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
            No tocante à propriedade rural, o proprietário deverá exercer seu direito respeitando, simultaneamente, os recursos naturais, produzindo de modo racional, o bem estar dos trabalhadores, e a legislação ambiental, conforme dispõe o art. 186, da Constituição Federal.
            A função ambiental da propriedade rural não encontra-se disposta de forma expressa na Constituição da República de 1988. Entretanto, está claramente pressuposta, implícita, tanto que com exceção do inciso III, do art. 186, todos os demais incisos têm uma relação direta com o direito ambiental, havendo uma preocupação com o meio ambiente equilibrado e íntegro[14].
 
            Dessa forma, a função ambiental atua sobre a propriedade rural para concretizar o seu fim, qual seja, efetivar o aproveitamento racional e adequado do solo, a utilização adequada dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente, além do bem-estar dos proprietários e trabalhadores na exploração da propriedade rural.
            No que tange especificamente ao disposto no inciso II, do art. 186, da Constituição Federal, a Lei Complementar nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamenta os dispositivos relativos à reforma agrária previstos na Constituição Federal, traz os conceitos de utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio ambiente.
            Assim, sobre a utilização adequada dos recursos naturais, o art. 9º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, dispõe que “considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade”.
            E sobre a preservação do meio ambiente, o art. 9º, § 3º, dispõe: “considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas”.
            Logo, tem-se que o proprietário cumpre a função ambiental de sua propriedade rural, quando a exploração dos recursos se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade, preservando as características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e da qualidade de vida das comunidades vizinhas[15].
Assim, a propriedade rural cumpre com sua função ambiental quando garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A Constituição Federal, no caput do art. 225[16], caracteriza o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem de uso comum do povo[17].
            É importante destacar que a função ambiental da propriedade rural possui um duplo sentido, uma vez que além de proteger os interesses difusos de defesa do meio ambiente, também protege o particular, enquanto proprietário, de seus próprios abusos[18].
            Essa visão de dupla proteção é facilmente percebida pela simples leitura dos §§ 2º e 3º, do art. 9º, da Lei nº 8.629/93, pois se protege, ao mesmo tempo, a propriedade e o meio ambiente. Ou seja, a proteção ambiental deve ser vista não apenas como uma simples limitação ao direito de propriedade, mas também como uma forma efetiva de proteção à própria propriedade rural, justamente para que a utilidade desta não seja ameaçada por danos ambientais causados pelo seu uso inadequado.
            Na verdade, em momento nenhum a Constituição Federal e a Lei nº 8.629/93, impedem o proprietário de trabalhar sobre a terra em prol do seu bem-estar e de sua família, muito pelo contrário, ambas determinam o aproveitamento racional e adequado dos recursos naturais presentes na propriedade, buscando o bem-estar dessas mesmas pessoas e, assim, de toda a coletividade.
            Importa ressaltar que sendo o conteúdo da função ambiental da propriedade rural um conjunto de deveres dispostos no art. 186 da Constituição Federal, ela não é dirigida à coisa, mas ao sujeito. É o proprietário que deve cumprir a função ambiental da propriedade, uma vez que apenas às pessoas e não às coisas são atribuídos direitos e deveres[19].
            As políticas públicas agrárias devem ter com um dos seus princípios fundamentais a proteção ambiental, pelo fato de que as atividades agrárias terem impacto direto sobre o meio ambiente natural. Dessa forma, protege-se a propriedade contra a perda de seu potencial produtivo[20].
            Nesse sentido, a função ambiental da propriedade rural pode ser considerada como sendo o conjunto de deveres imputados ao proprietário, tendo em vista a necessidade da manutenção e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
            Como se vê, não deveria existir um conflito entre o direito de propriedade e a proteção jurídica do meio ambiente[21]. Os direitos de propriedade e do meio ambiente, desde que se tenha uma compreensão sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, são compatíveis entre si. Mais do que isso, pode-se dizer que a proteção ambiental é necessária para a garantia futura da utilidade do próprio direito de propriedade, especialmente o imóvel rural[22].
            Assim, com o advento da Constituição Federal de 1988, também é atribuída à propriedade uma função ambiental, função esta contida nos elementos que formam a função social da propriedade rural. A função ambiental acaba por modificar o antigo conceito de propriedade, que inclusive, deixa de ser legítima uma vez que não atendidos seus requisitos constitucionais essenciais.
Logo, é fácil concluir que, para esta função social atingir sua finalidade, devem ser assegurados, dentro outras coisas, com relação à propriedade rural, o acesso de todos a terra, a proteção, preservação e recuperação do meio natural e a qualidade dos recursos ambientais, a qualidade de vida das comunidades vizinhas; e não somente a elaboração de leis sem, no entanto, haver dispositivos capazes de efetivamente verificar se a função ambiental da propriedade rural está sendo cumprida de forma satisfatória
 
            CONCLUSÃO
 
            O direito de propriedade continua a ser consagrado e garantido como direito fundamental pela Constituição Federal brasileira, contudo a propriedade deve cumprir com sua função social, ou seja, o pressuposto fundamental para que a propriedade não perca sua legitimidade é o cumprimento dos deveres inerentes à função social.
            Conforme o disposto no art. 225, da Constituição Federal, pode-se dizer que a propriedade privada somente será um direito protegido e legitimado pelo ordenamento jurídico brasileiro quando usada em benefício de toda a sociedade, considerada a atual e as futuras gerações.
            E dentre os pressupostos fundamentais para o cumprimento dos requisitos da função social, está a dimensão ambiental da propriedade rural, através do aproveitamento racional e adequado dos recursos naturais presentes na propriedade, conforme previsto no art. 186, da Carta Magna.
            Diante desses dispositivos presentes na Constituição Federal brasileira, não se pode negar que a propriedade rural possui uma função ambiental a desempenhar, devendo o proprietário cumprir a legislação ambiental e dirigir a exploração da terra no sentido de melhorar a qualidade de vida dos que vivem na área explorada, bem como dos habitantes da região, com a devida manutenção do equilíbrio ecológico.
            Portanto, o objetivo maior das normas constitucionais relativas ao direito de propriedade, a função social, a ordem econômica e o meio ambiente é o equilíbrio entre a economia e a ecologia, possibilitando assim, uma melhor qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.
 
Rodrigo Lucietto Nicoletto*
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 40.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
 
ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à situação proprietária. 1.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
 
BERTAN, José Neure. Propriedade priva & função social. Curitiba: Juruá, 2005.
 
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: Ltr, 1999.
 
DUGUIT, León. Las Transformaciones Generales del Derecho Público y Privado. Tradução do Francês por Carlos G. Posada. Buenos Aires: Heliasta, 2001.
 
GOMES, Orlando. Direitos reais. Atualizada por Edson Luiz Fachin. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
 
MARQUESI, Roberto Wagner. Direitos reais agrários & função social. Curitiba: Juruá, 2001.
 
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
 
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Posse e propriedade. 3.ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
 
PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
 
PETERS, Edson Luiz. Meio ambiente & propriedade rural. Curitiba: Juruá, 2003.
 
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
 
STONE, Cristopher D. Agriculture and the environment: challenges for the new millennium. In: Revista de direito ambiental 20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
 
TANAJURA, Grace Virgínia Ribeiro de Magalhães. Função social da propriedade rural: com destaque para a terra, no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2000.


[1] Marcelo Abelha Rodrigues não vê a expressão meio ambiente como sendo uma redundância, assim manifesta-se o autor: “Porquanto as palavras meio e ambiente signifiquem o entorno, aquilo que envolve, o espaço, o recinto, a verdade é que quando os vocábulos se unem, formando a expressão meio ambiente, não vemos aí uma redundância como sói dizer a maior parte da doutrina, senão porque cuida de uma entidade nova, autônoma e diferente dos simples conceitos de meio de ambiente. O alcance da expressão é mais largo e mais extenso do que o de simples ambiente” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 64).
[2] Segundo Édis Milaré, trata-se de expressão “mais facilmente intuída do que definível” (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 52).
[3] Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
[4] RODRIGUES, op. cit.
[5] RODRIGUES, op. cit.
[6] GOMES, Orlando. Direitos Reais. Atualizada por Edson Luiz Fachin. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 125.
[7] Art. 170, da Constituição Federal – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade.
[8] ALBUQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e sua conseqüência frente à situação proprietária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
[9] Art. 182, da Constituição Federal – A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de orndeanção da cidade expressas no plano diretor.
[10] Art. 186, da Constituição Federal – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
[11] Explicava Leon Duguit: “ante todo, el proprietario tiene el deber y el poder de emplear la riqueza que posee en la satisfacción de sus necesidades individuales. Pero, bien entendido, que no se trata más que de los actos que corresponden al ejercicio de la liberdad individual, tal como anteriormente la he definido, es decir, al livre desenvolvimiento de la actividad individual. Los actos realizados en vista de este fin serán protegidos. Aquellos que no tienen este fin, y que, por otra parte no persiguen um fin de utilidad colectiva, serán contrarios a la ley de la propriedad y podrán dar lugar a una represión o a una reparación” (DUGUIT, Leon. Las transformaciones generales del derecho. Buenos Aires: Heliasta, 2001, p. 243).
[12] LEAL, Rogério Costa. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
[13] Ainda, segundo Leon Duguit, “El hombre no tiene el derecho de ser libre; tiene el deber social de obrar, de desenvolver sua individualidad y de cumplir sua misión social. Nadie puede oponerse a los actos que ejecuta con este propósito, a condición, bien entendido, de que esos actos no tengan por resultado atentar a la liberdad de otro. El Estado no puede hacer nada que limite la actividad del hombre ejercida em vista de ese fin; debe proteger todos los actos que tiendan a este fin y reprimir y castigar todos aquellos que le sean contrários” (DUGUIT, op. cit. p. 186).
[14] Edson Luiz Peters refere-se ao princípio da função ambiental da propriedade rural. Em suas palavras: “Ao se falar de recursos naturais disponíveis, de preservação do meio ambiente, e de exploração que favoreça ao bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores, está a norma constitucional insistindo persistentemente numa função ambiental, muito embora use a expressão mais abrangente função social” (PETERS, Edson Luiz. Meio ambiente & propriedade rural. Curitiba: Juruá, 2003, p. 131).
[15] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: Ltr, 1999.
[16] Art. 225, da Constituição Federal – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[17] Referindo-se a qualidade de direito difuso Roxana Cardoso Brasileiro Borges, assim manifesta-se: “Embora se admita que os elementos do meio ambiente possam ser propriedade de alguém, seja do Estado ou de particulares, o meio ambiente amplamente considerado não pode ser objeto de propriedade de sujeito algum, é bem de interesse difuso” (BORGES, op. cit. p. 104).
[18] Dessa forma posiciona-se Tupinambá Miguel Castro do Nascimento: “A função social se opõe ao exercício egoístico do direito de propriedade. As ações do proprietário se refletem na coletividade em que se vive. Por isso, deve haver respeito não só a vizinhança mas ao erga omnes. Hoje, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, sendo essencial à qualidade de vida. Todos estes valores que atingem as gerações atuais e futuras devem, necessariamente, compor o exercício do direito de propriedade, inclusive valores históricos e artísticos. A função social da propriedade se preenche de ações desenvolvidas com base nestes valores sociais” (NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro. Posse e propriedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 116).
[19] BORGES, op. cit. p. 109.
[20] Sobre o impacto causado pela agricultura no meio ambiente natural Cristopher D. Stone afirmou que “no human activity has had so far reaching and pervasive an effect – nothing has so transformed the landscape – as has agriculture” (STONE, Cristopher D. Agriculture and the environment: challenges for the new millennium. In: Revista de direito ambiental 20. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 09).
[21] Sobre o conflito entre a propriedade e o meio ambiente Edson Luiz Peters afirma que “o dever de aproveitamento racional da propriedade imposto pela Constituição de 1988 não está em contradição com o dever de conservar/preservar a terra, mas em perfeito equilíbrio, pois só é possível trabalhar o solo e torná-lo produtivo com a presença dos elementos naturais que dão vida a este mesmo solo, garantindo a fertilidade, com a presença da água de boa qualidade, enfim com a estreita colaboração do ciclo biológico” (PETERS, op. cit. p. 134).
[22] BORGES, op. cit.
* Mestrando em Direito da Universidade de Caxias do Sul – UCS.

Rodrigo Lucietto Nicoletto

Scrivi un commento

Accedi per poter inserire un commento