O poder executivo legislador: um estudo sobre os decretos-leis

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Resumo: Este artigo pretende estudar o desvirtuamento que o instituto jurídico-normativo denominado decreto-lei sofreu em território brasileiro. Surgido inicialmente na Constituição de 1937, conhecida como Polaca, foi através dele que o então Presidente Getúlio Vargas conseguiu concentrar as prerrogativas de execução e legiferação em torno do Poder Executivo. Já no governo militar, instaurado no Brasil após o golpe de Estado de 1964, o decreto-lei serviu de ferramenta de controle juírido e político: sua utilização permitiu que o Congresso Nacional, o Parlamento brasileiro, permanecesse fechado por longos anos, mortificando o regime democrático que deveria nortear o sistema de governo vigente.

Palavras-chave: Decreto-lei. Legiferação. Poder Executivo. Hipertrofia.

Riassunto: Questo articolo si propone di studiare la distorsione che il quadro giuridico e normativo dell’Istituto decreto-legge è stato chiamato in territorio brasiliano. Che appare per prima nella Costituzione del 1937, noto come il polacco, fu attraverso di lui che l’allora presidente Getúlio Vargas è stato in grado di concentrare i poteri di repressione e di legiferazione in tutto il ramo esecutivo. Nel governo militare, fondata in Brasile dopo il colpo di stato del 1964, l’ordinanza juírido servito come strumento di controllo e politico: il loro uso ha permesso al Congresso, il Parlamento brasiliano, rimasto chiuso per molti anni, mortificando il regime che dovrebbero guidare il sistema democratico di forza del governo.

Parole chiave: Decreto-legge. Legiferare. Ramo esecutivo. Ipertrofia.

Sumário: Introdução. 1. Histórico da implantação do decreto-lei no Brasil. 2. A concentração do poder político no Poder Executivo. 3. Um herdeiro necessário: o decreto-lei e a medida provisória. Considerações finais

 

Introdução

A questão não é saber o que é que as palavras querem dizer, mas saber quem é que manda. (“Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carrol).

À época do Brasil imperial, a cidade de São Paulo contava com cerca de 8 mil habitantes. Desde 1560, um órgão colegiado de cinco representantes eleitos entre os homens da elite burguesa decidia sobre julgamentos, impostos, obras públicas, prisões, etc.2 Esta conjuntura de concentração do poder político – manifestada pelas decisões unilaterais do Poder Legislativo da época – só foi transformada pela chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808. Algumas portarias imperiais acabaram com as arbitrariedades do Poder Legislativo, como a nomeação de um governador (Jorge Carlos de Oeynhausen, o Marquês de Aracaty) para vigiar as atitudes dos vereadores. Este governador, então, acabou com o poder judiciário dos vereadores ao transferir a competência para julgamentos a uma “Junta de Justiça” escolhida pelo príncipe.3

Este exemplo ilustrativo mostra como a relação entre os poderes sempre fora conturbada no panorama jurídico brasileiro. Todavia, embora durante o Império o Poder Executivo tivesse barrado as arbitrariedades do Poder Legislativo, depois da inauguração da República, atos administrativos do Executivo é que mereceram regulação. Sobretudo sua postura legiferante na utilização de decretos-leis e medidas provisórias.

O decreto-lei é uma figura legislativa encontrada em diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo durante o século XX. Temos exemplos de Constituições que possuem figuras análogas ao decreto-lei: da França de 1958 (art. 47); do Paraguai de 1940 (art. 54); de Cuba (art. 147, alínea “a”); da Hungria (art. 20, item V); da Polônia (art. 16, alínea ‘b’). Também estava presente nas Constituições Portuguesas de 1911, 1933 e 1976, adquirindo características de tramitação diferentes ao longo dos anos.

Mas a fórmula na qual se baseou o legislador brasileiro para forjar a configuração do nosso decreto-lei vem do decreto-legge italiano4, que também servia para atender casos de urgência (ordinanze di necessita) que demandariam uma solução normativa mais célere que aquelas previstas no trâmite legislativo ordinário. Foi instituído pela primeira vez em 27 de maio de 1848, na Itália, invocando a urgência como razão de ser de sua expedição, o Decreto nº 738, sendo indicado por alguns autores como a primeira experiência legiferante do Poder Executivo após a consagração da divisão de poderes. Conquanto não tivesse previsão constitucional (o Estatuto Albertino), este decreto e os demais que o seguiram foram validados tanto pela magistratura como pelo parlamento, devido a sua urgência.5 Foi legalmente expresso na Lei n.º 100, de 31 de janeiro de 1926, adquirindo recepção constitucional em 1948.6

Todavia, havia sido criado para funcionar num regime Parlamentarista7 e não Presidencialista, como o nosso. Daí um dos motivos pelos quais estes institutos (o decreto-lei e a medida provisória) desnaturalizaram-se na experiência jurídico-política brasileira8. Tal qual ocorrera no ordenamento jurídico brasileiro, o governo italiano abusou da expedição de decretos-leis, vendo-se o Parlamento obrigado a limitar9 a matéria que podia ser regulamentada por meio deste instrumento.

 

1. Histórico da implantação do decreto-lei no Brasil

No Brasil, o decreto-lei foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro em 1937, por intermédio da Carta Constitucional outorgada pelo então presidente Getúlio Vargas, concedendo ao Presidente da República a faculdade de editar decretos-leis após autorização do Parlamento e em respeito às suas condicionantes e limitações.10 No entanto, Vargas não convocou o Parlamento.11 Instaurou uma ditadura e governou sozinho, com plenos poderes,12 emitindo cerca de 9.90813 decretos-leis até 1946.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1946, por sua vez, extirpou de seu corpo normativo a figura do decreto-lei, que claramente simbolizava um ranço totalitário do regime ditatorial de Vargas14. Todavia, pelo advento do Ato Institucional nº 2 em 1965, como já indicado no capítulo supra, o decreto-lei fora ressuscitado no ordenamento jurídico brasileiro.15 Logo após, em 1966, vigorando o AI n.º 4, de 7 de dezembro, fora estendido o rol de a matérias que poderiam ser objeto do decreto-lei, incluindo-se, não obstante, matérias de caráter financeiro (em caso de convocação extraordinária do Congresso) e de caráter administrativo (durante o lapso temporal entre a convocação extraordinária e a reunião ordinária).16 Em razão da convocação do Congresso Nacional para reunião extraordinária visando a “discussão, votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República” (art. 1º, §1º do AI nº 4), ganhou vida a Constituição da República Federativa do Brasil em 24 de janeiro de 1967.

A Constituição de 1967 autorizava a expedição de leis delegadas (art. 55) e de decretos com força de lei em matéria de segurança nacional e finanças públicas, vedado o aumento de despesa (art. 58)17. Não eram permitidas emendas no texto original. Os decretos-leis deveriam ser apreciados pelo Congresso no prazo de sessenta dias; caso não fosse apreciado, estaria automaticamente aprovado.18

Em 13 de dezembro 1968, entretanto, ocorre o triste e aberrante episódio da promulgação do Ato Institucional nº 519, uma reação contra a postura do Deputado Márcio Moreira Alves, que protestou convictamente contra as vicissitudes e arbitrariedades do Poder Executivo então constituído em pronunciamento na Câmara dos Deputados aos 03 de setembro de 1968.20 Após sucessivas tentativas do Poder Executivo em processar e cassar o mandato do Deputado, por desrespeito ao “alto comando revolucionário”, seguidas de inúmeras manifestações de senadores e deputados nas casas do Congresso Nacional defendendo a liberdade de expressão, a inviolabilidade do mandato e a livre manifestação democrática entre os atores políticos, os comandantes militares acharam por bem editar um novo Ato Institucional que demonstrasse, de maneira cabal e irreversível, o acúmulo de poder que o Poder Executivo de então gozava.21

O art. 2º do AI nº 5 dizia que o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores poderia ser decretado por ato complementar do Poder Executivo dentro ou fora de estado de sítio, ou seja, a qualquer tempo; cabendo-lhe ainda a faculdade de decisão quanto ao retorno do recesso, que só se daria por convocação do Executivo. Decretada a recessão, o Poder Executivo estaria “autorizado a legislar em todas as matérias”22. A este afrontoso abuso de poder, seguia-se um dispositivo mais impressionante ainda, encontrado no art. 3º23: para consecução do “interesse nacional”, estava autorizado o Presidente da República a decretar a intervenção Federal nos Estados e Municípios sem as limitações previstas na Constituição de 1967. Os interventores, nomeados pelo Presidente da República, exerceriam todas as funções dos Governadores e Prefeitos e gozariam das suas prerrogativas e vencimentos.

 

2. A concentração do poder político no Poder Executivo

Assistia-se, gradativamente, desde a queda do presidente Getúlio Vargas, uma nova retomada do poder político por parte do Poder Executivo, concentrando em suas mãos, por meio de suas decisões unilaterais, as prerrogativas do Poder Legislativo e barrando a apreciação do Poder Judiciário sobre questões relevantes para o equilíbrio de forças dentro do Estado. Pelo advento do AI nº 5, a própria dinâmica de atividades do Poder Executivo e da administração pública, em cada esfera da Federação (União, Estados e Municípios) estava engessada por determinação da autoridade máxima. Uma postura decisionista, diria Schmitt, ao indicar quem realmente decidiria as questões jurídica e politicamente relevantes. Estaria evidenciada a essência do Direito de então. Esta manifestação abrupta do poder político do qual gozava o Poder Executivo demonstrou sua hipertrofia, a sua capacidade em suspender as normas vigentes sob a justificação de defender a ordem constitucional então vigente e acumular para si as prerrogativas dos outros poderes, desequilibrando a correlação de forças.

Assim, o Ato Complementar nº 38 põe o Congresso Nacional em recesso por tempo indeterminado.24 A sina dos Atos Institucionais ainda perduraria por algum tempo. Até outubro de 1969, são editados mais 12 AIs e 35 Atos Complementares. O de nº 72 suspende o recesso do Congresso em 15 de outubro de 1969, sendo o Congresso convocado para eleição de novos Presidente e Vice-Presidente da República, cargos vagos pelas disposições do AI nº 16, segundo a determinação do AC nº 73. As atividades na Câmara e no Senado são reiniciadas aos 22 de outubro de 1969, com 95 parlamentares a menos, uma vez cassados seus mandatos eletivos e direitos políticos. Volta, não obstante, obstruído e limitado, reduzidas algumas de suas prerrogativas, como inviolabilidade parlamentar, perda de mandato por atentado a instituições vigentes, restrições a requerimentos de informação ao Poder Executivo, etc.25

Neste interregno, veio à tona a Emenda Constitucional nº 1 em 17 de outubro de 1969. Embora se tratasse de uma Emenda, este diploma alterou radicalmente a Constituição de 1967. Agora, a figura do decreto-lei estava prevista expressamente em sede constitucional, especificamente em seu art. 5526. Pode-se notar, após este breve histórico legislativo, que a figura do decreto-lei surgida nesta Carta Política não guarda relação com o decreto-lei da Constituição de 1937. Seu nascedouro, em verdade, sua fonte originária, o dispositivo no qual se abebera é o próprio AI nº 2, que conferiu-lhe novas feições, concedendo-lhe a possibilidade de editar certas matérias antes não previstas e, não obstante, ser aprovado automaticamente quando não aprovado.

Ademais disso, vimos que, durante o recesso parlamentar de 1969, extravasaram-se os limites juridicamente possíveis para a utilização do decreto-lei – àquela época, todas as matérias eram regulamentas via decreto-lei, sendo que a prerrogativa legislativa ficou a cargo, exclusivamente, do Poder Executivo. A figura anômala que se tornou o decreto-lei – pela sua utilização abusiva – e esta postura sintomática do Poder Executivo perdurariam até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Ao convocar a Assembléia Nacional Constituinte, a EC n.º 26, de 27 de novembro de 1985, acenava para uma revitalização do ambiente jurídico e político do Brasil. Indicava uma transição democrática para que saíssemos da mais longa ditadura de nossa história. Mas, temerosos de que o novo ambiente político ainda demandasse, em certas ocasiões, soluções normativas céleres para os problemas da sociedade, e vislumbrando (como salientou Ives Gandra Martins) a possibilidade do regime Parlamentarista de governo, os legisladores constituintes criaram o instituto da medida provisória, formalmente diferente do antigo decreto-lei. Veremos, contudo, que a medida provisória guardava similaridade substancial com o antigo instituto.

 

3. Um herdeiro necessário: o decreto-lei e a medida provisória

O instituto das medidas provisórias foi criado no ordenamento jurídico brasileiro pelo advento da Constituição Federal de 1988, vindo disciplinada no art. 6227. Todavia, conquanto fizesse parte do rol taxativo constante no art. 5928 quando da promulgação da nova Constituição, o constitucionalista José Afonso da Silva nos recorda que, originalmente, a medida provisória não estava ali elencada, ou seja, não constava como um dos objetos do processo legislativo.29 E continua dizendo que realmente não deviam constar, porque sua formação não se daria no processo legislativo, sendo editada, na realidade, pelo Presidente da República. E arremata: a redação final da nova Carta Política não as trazia em seu bojo, em seu corpo normativo.30 Ora, isso nos leva a questionar a legitimidade desta figura legislativa: se alguém enxertou este dispositivo no diploma constitucional após a aprovação final do projeto de Constituição pela Comissão de Redação, não constando o instituto da medida provisória no “projeto D” original, como puderam, ao longo de todos estes anos, adquirir eficácia, validade e efetividade? Estas são questões que permanecerão em aberto.

Passemos a tratar do regime jurídico da medida provisória. Trata-se de um ato do Poder Executivo, uma norma executiva dotada de eficácia normativa e de efetividade imediata. Sua característica principal é o fato de gerar seus efeitos tão logo é publicada – adquire força de lei imediatamente ao entrar em vigor. Pelo seu caráter excepcional, diz-se que as medidas provisórias são objeto de procedimento legislativo especial.31 Antes da EC 32/01, apenas havia a necessidade de preenchimento dos pressupostos formais, quais sejam, a “relevância” e “urgência”, não havendo, à época, limitações quanto às matérias a serem regulamentadas. Estes são critérios eminentemente políticos, subjetivos; cabe ao Presidente uma margem de discricionariedade32 na escolha do melhor momento para editar as normas que achar necessárias.33 Segundo José Afonso da Silva, no entanto, tais pressupostos

[…] nunca foram rigorosamente respeitados. Por isso, foram editadas medidas provisórias sobre assuntos irrelevantes ou sem urgência. Jamais o Congresso Nacional e o Poder Judiciário se dispuseram a apreciá-los para julgar inconstitucionais MPs que a eles não atendessem, sob o falso fundamento de que isso era assunto de estrita competência do Presidente da República. 34

Resta demonstrado, assim, que a legiferação extremada do Poder Executivo não é um problema restrito à sua atuação. A própria omissão dos outros Poderes, tanto do Legislativo como do Judiciário35, acaba por legitimar esta postura anômala do Executivo. Seja por mera negligência, seja por imprudência explícita e declarada, quaisquer que sejam os motivos políticos para tal inércia, o fato é que, parados, os outros dois Poderes da União só fazem por contribuir com a concentração de poder político que o Executivo vem efetuando ao se utilizar de um instrumento concebido para uso excepcional e emergencial. Suas decisões, entre colocar ou retirar uma MP da pauta de tramitação, revelam que o sistema político, como será demonstrado adiante, invade o campo jurídico e semeia as suas ingerências sem respeitar os pressupostos de admissibilidade e os procedimentos que o sistema jurídico exige.

Diante das demandas do sistema político, o presidente está autorizado a editar normas de caráter provisório. Afinal, o processo legislativo ordinário muitas vezes impede a feitura de leis de maneira célere por parte do Poder Legislativo. No entanto, depois de promulgada a nova Constituição, o Poder Executivo passou a utilizar as medidas provisórias desenfreadamente, regulando quaisquer matérias que se relacionassem com seus específicos interesses políticos. Diante desta postura abusiva, a sociedade e as próprias autoridades em geral passaram a exigir a limitação das matérias a serem reguladas por meio de medidas provisórias.

Essa limitação só ganhou vida jurídica em 1995, com a inserção, na Carta Magna, do artigo 246, pelas Emendas Constitucionais n.ºs 6 e 7, e dispunha que os artigos constitucionais já modificados por EC, a partir de 1995, não poderiam mais ser objeto de medidas provisórias. Neste mesmo ano, o Senador Espiridião Amim elaborou outro projeto de emenda constitucional, que modificava o artigo 62 da Constituição, além de lhe insculpir mais parágrafos. Infelizmente, este projeto só veio a ser efetivamente aprovado aos 11 de setembro de 2001, com o título de Emenda Constitucional n.º 32.

Esta EC trouxe novas regras para a edição e tramitação de MPs, instaurando um novo procedimento, que prescrevia, inclusive, a limitação das matérias que poderiam ser objeto de regulamentação através dela. Tais inovações, sobretudo as concernentes à reedição e ao prazo de apreciação pelo Congresso Nacional, tinham por escopo barrar a legiferação abusiva do Poder Executivo.

Excluiu-se, do caput do art. 62 a hipótese de convocação extraordinária do Congresso Nacional, caso se encontrasse em recesso. Além disso, pela EC 32, o Presidente da República estaria o autorizado a emitir uma medida provisória, desde que preenchesse, além dos pressupostos formais de urgência e relevância, o pressuposto material concernente à matéria que poderia ser regulamentada por meio daquela ferramenta. O conteúdo poderia versar sobre qualquer matéria, com exceção daquelas elencadas taxativamente no art. 62, §1º36 da CF/88, introduzido pela nova emenda.

Outra novidade diz respeito aos efeitos que as MPs gerariam: antes da EC nº 32/01, caso alguma MP não fosse convertida em lei (prazo: 30 dias após sua edição), geraria efeitos ex tunc, isto é, retroagiriam à data de sua edição (cf. nota 149). Significa dizer que as relações jurídicas delas advindas estariam modificadas, porque seria como se aquela MP nunca tivesse existido, cabendo ao Congresso Nacional, diante disto, disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. Após a EC 32, o fato de alguma MP não se converter em lei dentro de novo prazo, perfazendo um total de 120 dias,37 geraria, da mesma forma, efeitos ex tunc (art. 62, §§ 3º, 4º e 11 combinados)38. Neste caso, o Congresso Nacional também deveria disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes, através de decreto legislativo. Ocorre, porém, situação diversa pelo disposto no § 11: caso o Congresso não edite o decreto legislativo do § 3º até 60 dias após a rejeição ou a perda de eficácia da MP, todas as relações jurídicas constituídas por atos praticados durante sua vigência manter-se-iam por ela regidos

Ou seja, as relações jurídicas decorrentes da MP manter-se-iam intocáveis, muito embora tivesse ela perdido sua eficácia ou tivesse sido rejeitada – os efeitos gerados pela sua rejeição ou perda de eficácia não retroagiriam. Por mais que a MP deixasse de existir juridicamente, regeria certas relações jurídicas, uma anomalia sem precedentes que só viria a beneficiar o Executivo. Diante de uma omissão ou inércia do Poder Legislativo em não disciplinar, por decreto legislativo, as relações decorrentes desta MP no prazo legal, seja por qual motivo for, estaria o Executivo beneficiado, pois teria delimitado todos os direitos e obrigações da relação jurídica forjada através de sua MP. Pouco importa, neste caso, tenha a MP se convertido em lei; naquela conjuntura, os imediatos e específicos interesses políticos do Executivo estariam efetivamente atendidos.

 

Considerações finais

Por mais que a omissão do Poder Legislativo não importe em aprovação automática de alguma MP (tal qual ocorria com o decreto-lei), sua inércia em regulamentar as relações jurídicas geradas pelo aparecimento desta MP pode significar, na prática, as mesmas consequências de quando um decreto-lei era aprovado tacitamente através da omissão. Esta é a conseqüência da desconstituição ex nunc da eficácia (segundo a lição de Pontes de Miranda). A invasão legiferante abusiva do Poder Executivo, utilizando-se deste artifício (a natural demora na tramitação das mais variadas leis no Congresso Nacional), acaba por atingir seu principal objetivo. As relações jurídicas criadas por atos regidos através desta MP, já inexistente no ordenamento jurídico vigente, teriam seu fundamento de validade respaldado em normas metajurídicas, pairando aquém das normas jurídicas realmente positivadas.

Não obstante, o §5º39 impõe, de maneira expressa, previamente à análise do mérito das MPs, a necessidade de apreciação do atendimento de seus pressupostos constitucionais. Desta forma, os Poderes Legislativo e Judiciário estariam impelidos a analisarem a adequação formal e material das MPs, julgando-lhe subjetivamente, dentro das margens conferidas pela limitação legal. Tanto na relação entre os dois Poderes, como na relação entre as Casas do Congresso Nacional, a decisão de uma Casa acerca do preenchimento dos pressupostos constitucionais não vincularia a Casa revisora; outrossim, impede a recusa do Poder Judiciário em apreciar esta formalidade caso seja invocado.40 Caso a MP não preencha os requisitos formais ou materiais, é simplesmente arquivada.

O § 2º41 traça procedimentos peculiares à medida provisória que implique instituição ou majoração de tributos. Embora a votação da MP inicie-se na Câmara dos Deputados (§ 8º42), uma comissão mista formada por Deputados e Senadores deve analisar as MPs, emitindo os respectivos pareceres, antes de serem apreciadas no plenário de cada uma das Casas (§9º43). E, mesmo que um projeto de lei alterando o texto original de MP tenha sido aprovado, ela continuará em vigor até o projeto ser efetivamente sancionado (§1244).

José Afonso lembra que a EC-32/01 manteve a limitação às MPs introduzida pela EC-6/95, que não permitia regulamentar as matérias inseridas na Constituição pelas Emendas Constitucionais promulgadas a partir de 1995 por meio de MP. O objetivo imediato, segundo o constitucionalista, consistiu em limitar a atuação do Poder Executivo relativamente à regulamentação das matérias previstas nas ECs-5, 6, 7 e 8 (todas de 15 de agosto de 1995), que eram monopólios45. Por conta disso, seu alcance é importante: abriram-se os monopólios, estabelecendo-se a regra de controle dessa abertura pelo próprio Congresso Nacional.46

O grande jurista ainda salienta haver certa incompatibilidade entre o disposto nos §§ 3º e 6º47 do art. 62, introduzidos pela EC-32/01. Conquanto o primeiro admita a perda de eficácia de MPs não apreciadas no prazo de 120 dias (60 dias mais a prorrogação de igual período, a teor do §7º48); o segundo preordena mecanismos que impõem a apreciação de MPs pelo Congresso Nacional, ao declarar que, não apreciada em 45 dias contados de sua publicação, a MP entrará em regime de urgência, subsequente, em cada uma das Casas.

Nesta condição, ficam sobrestadas, ou seja, suspensas, todas as deliberações legislativas que estiverem tramitando, até que se realize a votação da MP. Significa dizer que as MPs trancam a pauta de votações do Congresso Nacional até que sejam efetivamente aprovadas ou rejeitadas. Neste regime, todas as MPs têm de ser votadas, necessariamente, sendo então aprovadas ou rejeitadas, não havendo possibilidade para a perda de eficácia à qual alude o §3º. Apesar disso, o próprio §1049 do art. 62 insiste em declinar acerca da perda de eficácia das MPs, vedando reedições50 dentro da mesma sessão legislativa neste caso ou, ainda, no caso de rejeição.51

 

REFERÊNCIAS

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1 Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca. Aluno especial nos Programas de Pós-Graduação em História e Serviço Social pela mesma instituição. Membro do Núcleo de Estudos de Direito Alternativo (NEDA) e do Núcleo de Estudos da Tutela Penal dos Direitos Humanos (NETPDH). Ùltima publicação: “A realidade constitucional brasileira e o processo de constitucionalização simbólica”, In: Revista O Direito Alternativo. Áreas de interesse: epistemologia e teoria geral do direito.

2 Algumas situações emblemáticas denunciavam a concentração do poder político nas mãos dos componentes do Poder Legislativo da época, a saber: a) em maio de 1820, foi enviada ao príncipe uma representação popular solicitando o término do tributo de 12% sobre a carne cortada no açougue público, que funcionava no prédio da Câmara Municipal; b) em maio de 1856, vereadores aprovaram um regulamento para os enterros das vítimas de cólera, moléstia que atacou São Paulo em fevereiro de 1855 (o principal fator para a construção do primeiro cemitério público da cidade); o art. 35 desta lei previa o seguinte: “quando acontecer que na sala de observações volte à vida algum indivíduo levado morto ao cemitério para ser enterrado, não sendo indigente terá de pagar ao administrador e coveiros a gratificação de cem réis. Em sendo indigente, a gratificação será paga pela Câmara”. No entanto, não houve notícias de pessoas que acordaram em seus velórios. COROA e Câmara, poderes opostos na SP imperial. O Estado de São Paulo, São Paulo, 01 ago. 2010. Caderno C4.

3 Ibid.

4 Segundo o constitucionalista Manoel Gonçalves, também no Direito francês com os règlements de necessite, identificados por Leon Duguit. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1967 .p. 124-125. Cf., ainda, do mesmo autor, Do processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 199.

5 Idem, 1967, loc. cit.

6 Sobre o decreto-legge, assim dispunha o art. 77 da Constituição italiana de 1948: “O governo não pode, sem delegação das Câmaras, editar decretos com valor de lei ordinária. Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o Governo, sob sua responsabilidade, adotar medidas provisórias com força de lei, deverá, no mesmo dia, submetê-las para efeitos de conversão às Câmaras, as quais, se dissolvidas, são convocadas para este fim e reúnem-se dentro de cinco dias. Os decretos perdem eficácia desde o início se não forem convertidos em lei nos sessenta dias posteriores à sua publicação. As Câmaras, todavia, podem regular por lei as relações jurídicas decorrentes dos decretos não convertidos.” Atente-se para o fato de que o diploma italiano faz referência tanto ao decreto-lei como à medida provisória (cujo termo fora traduzido do original italiano provvedimenti provvisiori), simultaneamente. MARIOTTI, Alexandre. Medidas Provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 40. Ainda denota-se que, em sua figuração original, precisava ser submetido à apreciação do parlamento, possuindo efeitos ex tunc caso não fossem convertidos em lei no prazo. Clèmerson Clève dá a seguinte lição para a diferenciação entre decreto-lei e medida provisória no ordenamento italiano: o decreto-lei era o nome dado ao veículo de edição. Este veículo poderia conter medidas provisórias, atos políticos, atos administrativos individuais ou regulamentares, não se confundindo forma de edição da norma com o conteúdo da norma. Resta claro, portanto, que em sua origem, a medida provisória não se apresenta como espécie de norma autônoma, diferentemente do que ocorre no processo legislativo brasileiro e seu arcabouço normativo. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas Provisórias. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 43.

7 O Parlamentarismo opõe-se ao Presidencialismo enquanto regime político de governo. No Parlamentarismo, a administração pública, o governo interno do país, ou seja, a Chefia de Governo, é realizada por um Parlamento, comandado pelo primeiro-ministro, na direção de um Gabinete formado por ministros auxiliares. Ao passo que a representação soberana do país na conjuntura internacional, a Chefia de Estado, fica delegada ao Presidente da República ou, em caso de Monarquia Parlamentarista, a rei ou rainha. No Presidencialismo as prerrogativas acumulam-se em um único governante. HOLMES, Anderson. Parlamentarismo. In: Doutrina constitucional. Disponível em: <http://www.dji.com.br>. Acesso em: 4 out. 2010.

8 A esse respeito, assim se posicionou o jurista Ives Gandra Martins, sustentando, como este trabalho tem sustentado, que a adoção da medida provisória pelo Direito brasileiro de maneira acrítica e sem as adaptações necessárias, tornou-a um instrumento diverso da finalidade para a qual fora efetivamente criado: “a perspectiva, todavia, da adoção de um sistema parlamentar de governo, em que o Executivo é eleito pelo Legislativo e dele depende para se sustentar, levou a Constituinte de 1988 a pensar no instrumento legislativo que permitisse ao governo, subordinado ao Legislativo, governar de tal forma que a edição de medida provisória que não fosse aprovada pela Casa das Leis, representasse a queda do gabinete. Em sua dimensão histórica, a medida provisória não se assemelha ao decreto-lei, visto que, neste, o Poder Executivo de um sistema presidencial governa independente do Congresso, seu mero órgão acólito e vicário, não representando, a não aprovação do diploma, queda do gabinete. Ao contrário, no sistema parlamentar a medida provisória idealizada, se não recepcionada pelo Congresso, implicaria, na quase-totalidade das hipóteses, a derrubada do gabinete e do governo, com nova escolha a ser procedida pelo Poder Legislativo. A preferência, em Plenário, pelo sistema presidencialista, sem que fizesse, o Plenário da Constituinte, adaptação dos demais dispositivos legislativos idealizados, gerou descompasso, cujo exemplo mais dramático foi o da permanência da medida provisória, projetada para um governo parlamentar”. BASTOS, Celso Ribeiro. MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil – promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 4. t. 1. p. 309-310.

9 Através da Lei n.º 400, de 23 de janeiro de 1988, que vedou edição de decreto-legge para: “a) conceder delegações legislativas; b) dispor sobre matéria constitucional e eleitoral, autorizar a ratificação de tratados internacionais, aprovar orçamentos e prestação de contas orçamentárias (bilanci e consuntivi); c) renovar as disposições de atos cuja conversão em lei tenha sido negada, ainda que por uma só das Câmaras do Parlamento; d) represtinar disposições que a Corte Constitucional tenha declarado ilegítimas por vícios substanciais ou de competência; e) regular as relações jurídicas decorrentes dos atos não convertidos em lei”. MARIOTTI, Alexandre. Medidas Provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 46.

10 Ibid., p. 55. Segundo o jurista Mariotti, a Constituição de 37 taxava quatro possibilidades para a expedição de decreto-lei: “a) decretos-leis autorizados pelo Parlamento, que fixa as respectivas condições e limites (art. 12); b) decretos-leis de necessidade, emitidos no período de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados, excluídas determinadas matérias (art. 13); c) decretos-leis sobre matéria reservadas ao Presidente da República (art. 14); e d) decretos-lei de Governo de fato, expedidos pelo Presidente da República enquanto não se reunir o Parlamento Nacional (art. 180)”.

11 De acordo com o art. 4º da EC nº 9/45, a primeira eleição do Parlamento deveria ocorrer depois de transcorridos 90 dias contados a partir de 28 de fevereiro de 1945.

12 Gozando da faculdade do art. 180 da Carta de 1937.

13 SAMPAIO, Nelson de Souza. O processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 30.

14 Cf. art. 37 e arts. 67 e ss. (Seção V: Das Leis) da Constituição de 1946, nos quais constam dispositivos acerca das competências privativas de cada casa do Congresso Nacional, bem como as prerrogativas do Poder Legislativo. Dentre as espécies de leis naquele diploma, não veio disciplinado o decreto-lei, cabendo ao Presidente da República tão somente a apresentação de projetos de lei para apresentação ao Congresso Nacional e sua consequente apreciação (arts. 67 e ss.).

15 Cf. Anexo C. Previa o art. 30 do AI nº 2 a possibilidade de expedição, por parte do Presidente da República, de decretos-leis cuja matéria versasse sobre segurança nacional. Ainda, no parágrafo único do art. 31, havia a possibilidade do Presidente editar decretos-leis sobre qualquer matéria prevista na Constituição (vigente a de 1946) e nas leis inferiores, desde que o Congresso Nacional se encontrasse em recesso. O interessante é que o próprio Poder Executivo estava autorizado a decretar o recesso do Congresso Nacional dentro ou fora do estado de sítio (art. 31, caput).

16 Cf. Anexo D (p. 140). Dizem os §§ 1º e 2º do art. 9º do Ato Institucional nº 4: “§ 1º – Durante o período de convocação extraordinária, o Presidente da República também poderá baixar decretos-leis sobre matéria financeira. § 2º – Finda a convocação extraordinária e até a reunião ordinária do Congresso Nacional, o Presidente da República poderá expedir decretos com força de lei sobre matéria administrativa e financeira.”

17 Cf. art. 58 da Constituição de 1967: “O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias: I – segurança nacional; II – finanças públicas. Parágrafo único – Publicado, o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação o texto será tido como aprovado”. Note-se a primeira deturpação que o decreto-lei adquiriu no sistema brasileiro: a ausência de deliberação por parte do Congresso geraria sua aprovação automaticamente, diferentemente do decreto-lei italiano, que, caso não fosse apreciado, teria sua eficácia desconstituída ex tunc. Pontes de Miranda fala em desconstituição ex nunc ou ex tunc da eficácia, separando rigorosamente os momentos de eficácia e efetividade da norma jurídica: “quanto à eficácia do decreto-lei, é imediata, sem que isso afaste determinação de data de incidência entre a publicação e a expiração do prazo ou a aprovação. Se o Congresso Nacional, dentro dos sessenta dias, rejeita o decreto-lei (desaprova o decreto-lei), a desconstituição da eficácia é ex tunc e não ex nunc”. Pontes de Miranda, sobre os requisitos formais de urgência ou interesse público, disse que “se não há urgência, nem interêsse público relevante, o decreto-lei foi ato exorbitante”. Sobre a postura dos generais militares em reeditarem por diversas vezes os decretos-leis enquanto estavam na pauta de votações, dentro do prazo legal, Pontes de Miranda afirma que rege o “princípio do imendabilidade do decreto-lei”, regra indissociável pela própria natureza do instituto. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. T. III (arts. 34 – 112). p. 157-158.

18 O constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho refere-se ao decreto-lei como uma das grandes inovações da nova Carta Política. O decreto-lei seria um ato normativo primário, cuja competência para normatizar recai sobre o Presidente, independentemente de delegação, por expressa disposição constitucional. Com relação às matérias que poderiam ser regulamentadas, afirma que a Escola Superior de Guerra considerava de crucial importância a “segurança nacional”, que viria a ser, de acordo com a visão do General Eduardo Domingues de Oliveira, “o grau relativo de garantia que, através de ações políticas, econômicas, psicossociais e militares, o Estado proporciona, em determinada época, à Nação que jurisdiciona, para a consecução ou manutenção dos Objetivos Nacionais, em face dos antagonismos existentes”. Por sua vez, as finanças públicas seriam o “valor dos meios de que a Nação dispõe, ou poderá dispor, em determinada época, para assegurar em face das pressões contrárias, a consecução ou manutenção dos Objetivos Nacionais”. (OLIVEIRA, Eduardo Domingues de. Segurança Nacional. Conceitos Fundamentais. Revista Brasileira de Estudos Políticos. São Paulo. Vol. 21. p. 79). Mas o próprio Manoel Gonçalves recorda que, como o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, a teor do art. 29 da Constituição de 1967, o poder normativo conferido ao Presidente por força do art. 58 é restrito, posto que excepcional. Ainda diz, contudo, que, se considerássemos o sentido amplo de segurança nacional para a exegese deste artigo, o poder normativo conferido ao Presidente seria geral. Mas o STF teria entendido, à época, o sentido restrito do termo; disse o Ministro Aliomar Baleeiro que “o conceito de ‘segurança nacional’ não é indefinido e vago nem aberto àquele discricionarismo do Presidente ou do Congresso. ‘Segurança nacional’ envolve toda matéria pertinente à defesa da integridade do território, independência, sobrevivência e pás do país, suas instituições e valores materiais ou morais contra ameaças externas e internas, sejam elas atuais e imediatas ou ainda em estado potencial, próximo ou remoto”. Desde que haja urgência (“a imediatidade do império da necessidade que impede se aguarde o prazo fixado para a apreciação dos projetos de lei urgentes”) ou, alternativamente, interesse público (“o império da necessidade das medidas editadas para o bem público”), a medida está autorizada ao Presidente. Diz Manoel Gonçalves, ainda, que o Judiciário, em caso de litígio, deve apreciar a constitucionalidade do decreto-lei, aferir-lhe a validade, descendo ao exame de seus requisitos sem, contudo, analisar a conveniência do ato, que é apreciação política. Ou seja, urgência ou interesse seriam questões políticas circunscritas pela margem de discricionariedade do Presidente. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 200-205. Consigne-se que, para Geraldo Ataliba, segurança pública e finanças públicas devem ser a matéria dos decretos-leis, ou seja “é nulo o decreto-lei que, por motivos de segurança ou de finanças – tomadas como pressuposto – regule outras matérias”. ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p.72.

19 Cf. Anexo E (p. 142).

20 Neste pronunciamento, o Deputado conclamava “os pais de estudantes a não deixarem seus filhos participarem das festividades da Independência, pois estariam junto a seus algozes e torturadores, além de invasores da Universidade de Brasília”. No dia 09, o Ministro da Justiça, Luiz Antonio Gama e Silva, visita os líderes do governo na Câmara e no Senado para pedir o pedido de licença para processar Márcio Moreira, solicitação feita pelos Ministros Militares e corroborada pelo então Presidente Costa e Silva, pelo fato das Forças Armadas acharem o discurso injurioso. Os líderes no Congresso advertem o Governo que, por tradição, a Câmara não tem por hábito conceder licenças para processamento de Deputados, razão pela qual poderia haver negativa. Os círculos militares queriam a cassação do Deputado por acreditarem que o “Congresso deveria ser um órgão técnico formado por elementos que realmente compreendam as necessidades nacionais”. Alguns congressistas do ARENA, partido do governo, se opõem à medida, e assim, o MDB, partido de oposição, propõe-se a resistir. No Senado há pronunciamentos contra a licença porque tal medida poderia proporcionar o fim da liberdade de opinião do Legislativo. Instaura-se uma crise política na relação entre os Poderes Legislativo e Executivo. Mário Covas, então líder do MDB na Câmara, em discurso pronunciado aos 16 de outubro, “defende a inviolabilidade do mandato, da liberdade de crítica às Forças Armadas (grupos minoritários) e aos demais Poderes”. Em entrevista, Márcio Moreira diz que “a crise é do regime, onde a repressão policial e o terrorismo de direita semeiam a intranqüilidade”. É marcada sessão extraordinária para ser votada, em plenário da Câmara, a licença para o processamento, aos 12 de dezembro de 1969, cujo resultado seria de 216 votos contra a concessão da licença, 141 a favor, e 12 em branco. Por decisão soberana da Câmara e por maioria absoluta, o ofício do STF para processamento do Deputado está arquivado. Tão logo toma conhecimento da decisão na Câmara, o General-Presidente Costa e Silva reúne-se com os Ministros do Exército, do Estado-Maior das Forças Armadas, e do Serviço Nacional de Informações. Em nova reunião, participa o Ministro da Justiça. No Rio de Janeiro, reúnem-se com os Comandantes do I Exército, ficando de prontidão Exército, Marinha e Aeronáutica. No dia 13, já pela manhã, as emissoras de rádio e televisão estão sob censura. À tarde, em reunião do Conselho de Segurança Nacional, envia-se à Câmara a notícia da expedição de novo Ato Institucional. São expedidas inúmeras ordens de prisão, entre outras, contra Márcio Moreira Alves e o ex-ministro Darcy Ribeiro. Os Governadores são informados acerca da mobilização militar em todo país. Às 22 horas, em rede nacional de emissoras de rádio e televisão, o Ministro da Justiça, Gama e Silva, anuncia que o Governo adotou medidas para assegurar a continuidade do movimento de março de 64. É lido o Ato Institucional nº 5. Cf. BRANDÃO, Ana Lúcia. A resistência parlamentar após 1964. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1984.

21 Cf. Anexo E. Atentando-se para o início do AI nº 5 nota-se que, originalmente, ele não foi numerado. Após o preâmbulo justificador, endereçado “à nação”, seguem-se as palavras “Ato Institucional” (diferentemente dos Atos 2, 3 e 4 que foram numerados). Alguns jornalistas dizem que o AI nº 5 representou um golpe dentro do golpe, afinal, mesmo alguns políticos alinhados aos interesses do governo foram cassados em razão de sua instituição. Cf. FELICIANO, Mauro et al. Caros amigos especial: o golpe de 64. Nº 19, Ano VIII. São Paulo: Casa Amarela, 2004.

22 “Art. 2º – O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República. § 1º – Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios. § 2º – Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios. § 3º – Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.”

23 “Art. 3º – O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição. Parágrafo único – Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.”

24 No período compreendido entre janeiro de 1969, logo após a decretação do AI nº 5, até seu adoecimento, o então Presidente Arthur da Costa e Silva editou nada menos que 455 decretos-leis (Decreto-lei nº 349, de 24.1.68; até o Decreto-Lei nº 804, de 29 de Agosto de 1969). A Junta Militar que tomou posse provisoriamente antes da eleição do Presidente Emílio Garrastazu Médici, por sua vez, em menos de 02 meses, editou cerca de 263 decretos-leis (começando pelo Decreto-Lei nº 805, de 2 de Setembro de 1969, indo até o Decreto-Lei nº 1.068, de 29 de Outubro de 1969). Fonte: sítio virtual da Presidência da República Federativa do Brasil, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/principal_ano.htm> Acesso em: 26 out. 2010.

25 BRANDÃO, Ana Lúcia. A resistência parlamentar após 1964. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1984. p. 31-32.

26 “Art. 55. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interêsse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sôbre as seguintes matérias: I – segurança nacional; II – finanças públicas, inclusive normas tributárias; e III – criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. § 1º Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido por aprovado.” Este artigo fora modificado, posteriormente, pela EC nº 22 de 1982.

27 “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.” Redação anterior à EC nº 32/2001.

28 “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII – resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.”

29 Por “processo legislativo”, José Afonso da Silva entende “o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção, veto) realizados pelos órgãos legislativos visando a formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 524.

30 Ibid., p. 525. Ou seja, diz José Afonso da Silva que “um gênio qualquer, de mau gosto, ignorante, e abusado, introduziu-as aí, indevidamente, entre a aprovação do texto final¹² (portanto depois do dia 22.9.88) e a promulgação-publicação da Constituição no dia 5.10.88.” Incansável, o grande jurista nos incita a confirmar a informação em sua nota de rodapé nº 12, que passamos a transcrever: “cf. Projeto de Constituição (D), redação final, aprovado pela Comissão de Redação nos dias 19 e 20.9.88 e pelo Plenário da Constituinte no dia 22.9.88. Não foi, pois, acréscimo da Comissão de Redação”. No próximo capítulo, analisaremos posturas análogas a essa, denominadas “contrabando normativo” por alguns autores, quando algum agente político introjeta dispositivos nos corpos normativos das leis sem submeter as alterações a apreciação dos parlamentares nas casas do Congresso Nacional.

31 Ibid., p. 530-531. Segundo a lição de José Afonso da Silva, no Brasil, há três procedimentos legislativos distintos: a) ordinário; b) sumário; c) especial. O procedimento ordinário é a regra, o comum para leis ordinárias. É demorado e cheio de solenidades. Desenvolve-se em cinco fases, sendo elas: I) introdutória (quando o projeto de lei é apresentado); II) exame do projeto nas comissões permanentes (são formadas comissões que emitirão pareceres favoráveis ou desfavoráveis à aprovação, admitindo-se, neste momento processual, emendas e até mesmo substitutivos ao projeto original); III) discussões (discutem-se os pareceres das comissões em plenário, aberta a possibilidade de apresentação de emendas); IV) decisória (votação do projeto; se aprovado, é remetido para a outra Casa do Congresso Nacional para revisão [parte V], passando novamente pelas mesmas fases na outra Casa; se for novamente aprovado, sem emendas, é remetido para a sanção e promulgação do Presidente; havendo emendas, volta para a Casa iniciadora para ser novamente apreciado; aprovadas ou rejeitadas as alterações, segue para a sanção presidencial); V) revisória (é o momento pelo qual passa um projeto de lei ao ser inaugurado ou modificado, apreciado na outra Casa legislativa – imprescindível para a democratização do processo legislativo). Rejeitado em qualquer das Casas, o projeto será arquivado. Cf. arts. 64, 65 e 66 da CF/88. ” O procedimento legislativo sumário segue a mesma lógica, mas com prazos estreitados, perfazendo um total máximo de 100 dias para apresentação, sanção e promulgação (cf. art. 64 e parágrafos). Por fim, o procedimento legislativo especial serve para a elaboração de emendas constitucionais, leis financeiras, medidas provisórias, leis delegadas e leis complementares, sendo-lhes específico dependendo da espécie legislativa.

32 Para o administrativista Helly Lopes Meirelles, o “poder discricionário” é concedido pelo Direito à Administração, de maneira explícita ou implícita, “[…] para a prática de atos administrativos com liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo”. Difere do “poder arbitrário” porque é uma liberdade de ação administrativa cujos limites são circunscritos pela lei, ao passo que o arbítrio é “ação contrária ou excedente da lei” (a distinção entre discricionariedade e arbitrariedade ganhará importância estratégica a partir do tópico e capítulo seguintes). Segundo a caracterização de Meirelles, a medida provisória é um ato administrativo discricionário. Cf. MEIRELLES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. atual. Eurico de Adrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 102, 150. A renomada Maria Sylvia Zanella Di Pietro, complementa que uma atuação será discricionária quando, segundo os critérios de oportunidade e conveniência, decidir-se por escolher uma dentre duas ou mais soluções possíveis, mas limitadas pela circunscrição da lei. E assevera que a discricionariedade é justificada sob a perspectiva de dois critérios: a) o critério jurídico, com o qual, baseando-se na teoria da formação escalonada do Direito proposta por Hans Kelsen, considera-se que, para a expressão em degraus do direito, “[…] a cada ato acrescenta-se um elemento novo não previsto no anterior; esse acréscimo se faz com o uso da discricionariedade; esta existe para tornar possível esse acréscimo”; b) o critério prático, com base no qual a discricionariedade justifica-se “quer para evitar o automatismo que ocorreria fatalmente se os agentes administrativos não tivessem senão que aplicar rigorosamente as normas preestabelecidas, quer para suprir a impossibilidade em que se encontra o legislador de prever todas as situações possíveis que o administrador terá que enfrentar”. Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 196-198.

33 Cabe ao Presidente da República decidir acerca das conveniência, oportunidade, utilidade e necessidade de exercício [das medidas provisórias], usufruindo da margem de discricionariedade conferida pela lei, afinal se encontra autorizado por um estado de necessidade iminente, sendo então capaz de criar direitos e obrigações.

34 SILVA, op. cit., p. 532.

35 Sobre a postura condescendente do Poder Judiciário, diz Paulo Bonavides: “Os malefícios dessas Medidas Provisórias, durante muito tempo, fizeram do Executivo o mais poderoso legislador do País constitucional. Foram eles muito bem retratados, em abril de 1999, pelo Ministro Celso de Mello, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, que assim se expressou: ‘No plano institucional brasileiro, o aspecto de suma gravidade que tem me preocupado nestes últimos dois anos é a apropriação institucional pela Presidência da República de poderes legislativos, transformando as Medidas Provisórias em meio de legislação usado ordinariamente, quando a Constituição, ao definir essa forma excepcional de legislação, estabeleceu que só pode ser usada em caráter extraordinário. […] Esse poder institucional gera grave distorção: desloca o eixo da elaboração de leis para o Executivo, quando ela é uma função clássica, típica, natural do Legislativo. O presidente da República se transformou no grande legislador do país. Essa sua compulsão legislativa fez o Brasil viver sob o signo do efêmero porque as Medidas Provisórias, por serem provisórias, introduzem um elemento normativo instável. Essa distorção institucional afeta e compromete o princípio da separação dos Poderes, uma das cláusulas pétreas, a alma da nossa Constituição’” (Folha de S. Paulo, 11 abr. 1999, p. 8). E continua: “não disse, porém, o Ministro, que o Supremo tem sido aliado e cúmplice do Executivo, quando este reeditou para escândalo do meio jurídico centenas de Medidas Provisórias e aquele, não obstante haver sido provocado, nunca lhes declarou a inconstitucionalidade. Consentiu prevalecesse tão ominoso processo de burla e fraude da Constituição, o qual, inumeráveis vezes, golpeou e feriu o princípio da separação de Poderes e conveliu a legitimidade das instituições e do regime.” Não obstante, afirma que “se medidas não forem tomadas em tempo para coibir o abuso que tem conduzido a uma politização exagerada da justiça constitucional, a Suprema Corte correrá breve o risco de transformar-se numa sucursal, secretaria judiciária ou cartório do Poder Executivo, exercitando, em favor deste, a função normativa que as Cortes Constitucionais, quer queiram, quer não, têm exercitado, por via interpretativa, na ordem concreta dos fatos e da realidade, como uma espécie de legislativo paralelo e invisível.” BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade: algumas observações sobre o Brasil. Revista de Estudos Avançados, São Paulo: Ed. USP. v. 18, n. 51, p. 130-141. 2004.

36 “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.”

37 60 dias, prorrogável por igual período e por uma única vez, §3º.

38 “§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.”

39 “§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.”

40 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 532-533.

41 “§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.”

42 “§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.”

43 “§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.”

44 “§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.”

45 EC-5/95: “Artigo único. O parágrafo 2º do art. 25 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. ’” EC-6/95: “Art.2º Fica incluído o seguinte art. 246 no Título IX – ‘Das Disposições Constitucionais Gerais’: ‘Art.246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995. ’” EC-7/95: “Art. 1º O art. 178 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.’” EC-8/95: “ Art.1º O inciso XI e a alínea ‘a’ do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – … a) explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; ‘”.

46 SILVA, op. cit., p. 533.

47 “§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.”

48 “§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.”

49 “§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”.

50 No tópico seguinte veremos como os presidentes da era democrática, sobre o Presidente Fernando Henrique Cardoso, abusaram da reedição de medidas provisórias.

51 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 534.

Athanis Molas Rodrigues

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